Lula inicia em bastiões do PT sequência de viagens pelo país de olho na eleição municipal
O presidente Lula (PT) começa nesta quinta-feira (17) uma série de viagens pelo Brasil de olho no pleito municipal deste ano. O petista decidiu iniciar o giro doméstico por bastiões eleitorais do PT: Bahia, Pernambuco e Ceará.
O próprio mandatário já vinha afirmando nos últimos meses que iria "rodar o Brasil" em 2024, após priorizar agendas internacionais no seu primeiro ano de mandato. As viagens acontecem em um momento político estratégico, em que o PT busca recuperar força nas eleições municipais ao mesmo tempo em que atua para impedir o avanço de bolsonaristas.
Após um desempenho decepcionante em 2020, quando não elegeu nenhum prefeito de capital, o PT busca aproveitar o prestígio de Lula para retomar espaço nos municípios e assim construir as bases de alianças para o pleito presidencial, em outubro de 2026.
O petista iniciará as viagens priorizando a região Nordeste, que massivamente deu votos à sua campanha em 2022.
O primeiro desembarque será na Bahia, um dos estados que mais visitou em 2023 e que, até o ano retrasado, era governado pelo ministro Rui Costa (Casa Civil).
Além disso, Lula deve ter nessa primeira sequência de viagens compromissos com militares, num gesto à caserna após o estremecimento da relação no início do governo. O potencial de atritos com as Forças Armadas voltou à tona na semana passada, com as cerimônias para lembrar os atos golpistas de 8 de janeiro. O ministro José Múcio (Defesa), que é de Recife, acompanhará Lula nos dois dias de viagem.
Na manhã de quinta, Lula participa de cerimônia de implantação do Parque Tecnológico Aeroespacial em Salvador. De acordo com o governo, trata-se de um local dedicado ao fomento de pesquisas avançadas e inovação no campo aeroespacial.
A idealização do projeto foi feita pelo Ministério da Defesa, pelo Comando da Aeronáutica, pelo governo baiano e o pelo Senai Cimatec., que vai gerir a unidade.
Ainda na tarde de quinta, Lula parte para Pernambuco, onde ficará até sexta. Ele vai participar da cerimônia de retomada de investimentos na refinaria Abreu e Lima, em Ipojuca (PE).
Boa parte do roteiro do petista neste ano passará por inaugurações de obras e projetos do Novo PAC (Programa de Aceleração e Crescimento), como a refinaria da Petrobras.
No dia seguinte, pela manhã, participará da cerimônia de transmissão de cargo do Comando Militar do Nordeste, em Recife. Na ocasião, o general Kleber Vasconcellos passará o comando para o general Maurílio Ribeiro.
Em seguida, Lula estará na solenidade de assinatura do Termo de Compromisso para construção da Escola de Sargentos, no mesmo local.
Lula ainda vai no mesmo dia ao Ceará, para o lançamento da pedra fundamental do campus do ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica) na base aérea de Fortaleza.
De acordo com auxiliares palacianos, a ideia é visitar na sequência Santa Catarina e Minas Gerais, dois estados que Lula ainda não foi desde que iniciou seu terceiro mandato. Em março, o presidente deve visitar o Piauí, estado que lhe deu o maior porcentual de votos no pleito contra Jair Bolsonaro (76,8%).
Minas foi chave para a sua vitória em 2022 e é governado por um potencial adversário na próxima corrida presidencial, Romeu Zema (Novo). Por isso o petista vem sendo cobrado por aliados para realizar uma visita. Até mesmo o presidente do Congresso, senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), pediu ao mandatário que priorizasse o estado.
Com 20 milhões de habitantes, é o segundo maior colégio eleitoral do país. Além do mais, o estado é considerado um espelho do resultado da eleição nacional.
Lula chegou a anunciar que iria a Minas para lançar obras do Novo PAC e soltou uma provocação contra Zema e contra o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), outro potencial adversário. O petista disse, em agosto, que faria eventos nesses estados com ou sem a presença dos governadores.
Santa Catarina é governado pelo bolsonarista Jorginho Mello (PL). No segundo turno, 69,7% dos eleitores do estado votaram em Bolsonaro.
Durante seu primeiro ano de mandato, Lula chegou a receber críticas por priorizar viagens internacionais mesmo em momentos de crise no país —o caso mais emblemático foram as enchentes no Rio Grande do Sul, em setembro.
Além de Minas e Santa Catarina, Lula ainda não cumpriu nenhuma agenda oficial em outros seis estados: Acre, Alagoas, Goiás, Mato Grosso do Sul, Rondônia e Tocantins.
Por outro lado, o petista esteve cinco vezes em três estados: Rio de Janeiro, São Paulo e Bahia.
No terceiro mandato, o petista elencou como uma de suas prioridades ao tomar posse a reinserção do Brasil no tabuleiro geopolítico global. Por isso, cumpriu intensa agenda no exterior, tanto para encontros bilaterais como para participar de cúpulas e fóruns internacionais.
O petista realizou 15 viagens ao exterior, para um total de 24 países. Esteve nos Estados Unidos, China, França, Argentina e Angola, entre outros. Também participou de cúpulas, como a do G20 (na Índia), a do Brics (na África do Sul) e a COP28, a conferência das Nações Unidas para mudanças climáticas (nos Emirados Árabes Unidos).
Em sua última live semanal, antes do Natal, Lula reforçou o plano de focar em viagens nacionais em 2024.
"Viajei muito para o exterior em 2023, mas ano que vem quem tiver com saudade do Lulinha se prepare, porque eu e a Janja vamos percorrer esse país. Vou dar muito pulinho por aí, porque o país precisa de ânimo, de motivação", disse.
Obras paradas, tarifas defasadas e falta de dinheiro: o cenário das concessões de rodovias no Brasil
Por Luiz Araújo / O ESTADÃO DE SP
BRASÍLIA - O Ministério dos Transportes está administrando um quadro conflitante sobre parte das atuais concessões rodoviárias do País. Ao mesmo tempo em que precisa se programar para a possibilidade de relicitar seis concessões — que totalizam oito leilões —, a pasta aguarda o resultado da tentativa de repactuação de contratos com as mesmas administradoras.
Para analistas, as incertezas dificultam o planejamento de interessados nos ativos, aumentando riscos de leilões desertos. O ministro dos Transportes, Renan Filho, avalia que o cenário é favorável, mas diz que, em último caso, as rodovias podem ficar sob gestão temporária do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit).
Atualmente, o País tem 23 concessionárias com contratos vigentes e, conforme o Ministério dos Transportes, há identificação de queixas de desequilíbrios contratuais em 16. Os problemas incluem atraso em obras, defasagem das tarifas e a falta de recursos para o cumprimento de obrigações previstas nas licitações.
Cinco contratos referentes a sete trechos de rodoviais podem ser relicitados a pedido das próprias administradoras, sendo elas: Autopista Fluminense (BR-101/RJ), Concebra (BR-060, BR-153 e BR-262 DF/GO/ MG), Concer (BR-040/MG/RJ), ECO101 (BR-101/ES/BA), MS VIA (BR-163/MS). A Concebra, que teve o projeto reformulado, terá um único contrato dividido em três se for para relicitação, com diferentes leilões.
No ano passado, o governo solicitou ao Tribunal de Contas da União (TCU) a autorização para firmar acordos com as concessionárias para evitar as relicitações. Na avaliação do Executivo, esse caminho acelera investimentos na malha rodoviária.
Ao todo, 14 concessionárias solicitaram repactuações, incluindo cinco das seis que já haviam pedido para deixar a gestão dos ativos, com exceção da Via 040, que agora tem relicitação certa. Para as demais, o mercado terá de se programar duplamente, conciliando a possibilidade de os ativos irem ou não a leilão, o que será definido após avaliação do Ministério dos Transportes e depois do TCU.
Em processo mais avançado, as propostas de repactuação da Autopista Fluminense, ECO101, MS Via e Via Bahia já estão sendo analisadas pelo TCU. Isso significa que o governo e essas concessionárias já alinharam propostas para otimizar os contratos, o que pode incluir retirada de obrigações, aumento de tarifas de pedágio e maior tempo de exploração dos ativos.
Agora, o tribunal avaliará os acordos a partir de critérios que incluem o benefício de repactuar em vez de relicitar e aspectos técnicos da concessionária, incluindo condição financeira de honrar com novas obrigações.
Para o advogado Aurélio Marchini, sócio do Marchini Botelho Caselta Advogados, a demora na opção entre renovação e nova licitação é prejudicial em razão da complexidade do planejamento dos potenciais interessados em participar das licitações, tendo em vista que requerem volumes vultosos de recursos para pagamento do valor de outorga e realização de investimentos.
“Quanto menor esse prazo para mobilização e organização, diminui-se o número potencial de participantes em prejuízo da possibilidade de competição na licitação, o que interfere no valor de outorga e no propósito declarado pelo governo de alcançar menores valores de tarifas de pedágios”, avalia.
A leitura está em linha com o que diz o advogado Caio de Souza Loureiro, sócio da área de Direito Administrativo e Projetos Governamentais de TozziniFreire Advogados. “Empresas podem abdicar de um determinado ativo, pelo receio de investir no planejamento sem certeza de que haverá leilão efetivamente”, afirma.
Ele pondera que o setor de rodovia é maduro e as empresas, sobretudo as que já operam nesse mercado, têm conhecimento e capacidade de planejamento que permitem a tomada de decisões com mais celeridade e precisão. “No limite, havendo leilões, elas podem participar normalmente”, diz.
Prazos
Pelos prazos estabelecidos em portaria, as concessionárias interessadas nas repactuações tiveram de protocolar as propostas de acordos até 31 de dezembro do ano passado. A partir do momento da entrega, o governo tem 90 dias para analisar o pedido. Se aprovado pelo Executivo, é encaminhado para o TCU, que tem mais 90 dias para analisar por meio da Secretaria de Controle Externo de Solução Consensual e Prevenção de Conflitos (SecexConsenso).
Por esses prazos, um exemplo ilustrativo sobre a nebulosidade do cenário é a concessão gerida pela Concebra (BR-060, BR-153 e BR-262 DF/GO/MG). A empresa pediu para entregar o ativo em 2021 e teve o processo de relicitação iniciado. O projeto foi reformulado e dividido em três trechos.
Agora, o cronograma da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) prevê os leilões de dois desses trechos em 27 de junho deste ano. No entanto, a empresa pediu repactuação e quer seguir gerindo a malha. Pelos prazos definidos, o limite para a avaliação da possível repactuação é 29 de junho.
Em ótica positiva, o advogado Ricardo Barretto, especialista em Direito Público do Fenelon Barretto Rost Advogados, diz que a condução dos procedimentos de forma paralela representa uma estratégia inteligente do governo federal, permitindo maior celeridade aos novos leilões, na hipótese de as repactuações não chegarem a bom termo.
“É fundamental, contudo, que todos os atores dos processos de repactuação cumpram prazos e observem procedimentos de modo estrito, para se obter o rápido desfecho do processo. Também é fundamental que se estabeleça, para cada caso concreto, uma data limite para que as partes obtenham uma solução via repactuação”, diz.
Durante entrevista à imprensa na quarta-feira, 10, o ministro dos Transportes, Renan Filho, minimizou a possibilidade de que a concomitância desses caminhos resultem em prejuízos. O ministro defende que o mercado tem capacidade de investimentos que será alocada de qualquer maneira, seja por meio das otimizações ou com as relicitações.
“A vantagem é que, com as otimizações, os investimentos são feitos no curto prazo. Mas não posso desconsiderar hipótese de não conseguir otimizar, por isso estamos caminhando paralelamente”, disse.
Sobre o cenário de que leilões não tenham propostas, ficando desertos, o ministro voltou a defender o que já havia declarado ao Estadão/Broadcast no último mês. “Se, eventualmente, o mercado disser que já está com muitos projetos, vamos ter de buscar alternativas para investimentos porque o mercado privado não consegue fazer investimentos”, disse.
Em último caso, disse que o Estado tem capacidade de fazer as gestões até um novo certame. “Se um ficar deserto, o Dnit continua administrando a rodovia. Não ganhamos nem perdemos nada”, afirmou.
Tesouro quer acabar com home office, e servidores reclamam de presencial uma vez na semana
Por Vinícius Valfré / O ESTADÃO DE SP
BRASÍLIA – A Secretaria do Tesouro Nacional (STN) prepara uma nova regra interna que visa acabar com o atual modelo de trabalho no órgão, segundo o qual todo o serviço pode ser feito à distância, para obrigar servidores a cumprirem pelo menos 32 horas por mês presencialmente nas repartições em Brasília – cerca de uma vez por semana.
A medida é resultado de uma discussão que vem sendo travada desde o fim de 2023 pela direção do Tesouro e foi comunicada internamente na última sexta-feira, 11. Ela colocou o secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, em rota de colisão com servidores do órgão. Cerca de 360 deles assinaram uma carta por meio da qual fazem críticas à reformulação e a consideram um retrocesso “com consequências negativas para os cofres públicos”.
A STN tem cerca de 550 auditores. O novo modelo impõe uma adaptação ao chamado Programa de Gestão e Desempenho (PGD) da Secretaria, ferramenta da administração pública que substitui controles de assiduidade e pontualidade pelo controle de entrega de trabalhos e resultados.
O Estadão teve acesso à minuta da portaria que deve ser publicada pelo Tesouro. Pelo novo modelo, cerca de 36% dos servidores, aqueles em cargos comissionados como os de gerência, poderão atuar de casa. Outros 25% deverão cumprir 32 horas presenciais ao longo de um trimestre. E os demais serão obrigados a comparecer, todos os meses, pelo equivalente a uma vez na semana.
“Ou seja, até 61% dos servidores estarão num regime extremamente flexível. E os demais terão que cumprir presencialmente apenas 20% da sua carga horária presencialmente. Entendemos que este valor é o mínimo necessário para permitir os benefícios de um regime de trabalho remoto, flexível, sem que a cultura e o vínculo com o órgão fiquem prejudicados”, diz o comunicado enviado aos servidores na semana passada.
A proposta não especifica o dia da semana no qual os auditores precisarão comparecer presencialmente.
“No novo modelo proposto, foi definida uma carga mínima de trabalho presencial de 32 horas mensais (...) visando que, ao mesmo tempo que pudesse fomentar a interação, a geração de inovação e até mesmo uma oportunidade para que o servidor pudesse sair da sua casa para ter contato com seus colegas de trabalho, fosse um modelo que não dificultasse o cumprimento da jornada presencial”, alega a gestão do STN.
O atual modelo de home office no Tesouro funciona desde o início da pandemia de covid-19, em meados de 2020. A decisão de levar os servidores de volta ao presencial causou muita reclamação interna.
Em uma carta endereçada ao secretário Ceron, centenas de servidores afirmam ver a proposta com preocupação e que existem “evidências que demonstram que o modelo atual de trabalho gera economia ao erário e aumenta produtividade dos servidores”.
“A STN cumpriu com todas as suas obrigações, realizou suas entregas de forma totalmente tempestiva e atendeu às demandas que chegaram ao órgão com produtos e serviços de reconhecida qualidade. A economicidade do atual modelo foi repetidamente atestada e vem guiando a modernização do órgão”, diz a carta.
A reclamação do funcionalismo tem ainda um pano de fundo logístico. Com o trabalho remoto desde a pandemia, estima-se que metade dos auditores tenha saído de Brasília nos últimos anos para trabalhar a partir de suas cidades de origem. O novo modelo de trabalho híbrido fará com que eles voltem a morar na capital federal.
“Também deve-se levar em consideração que o retorno parcial de servidores ao ambiente físico tornará evidente que os equipamentos e a estrutura física de trabalho da STN não se adequam ao próprio modelo ora proposto, pois manteria todos os servidores conectados ao ambiente virtual, mesmo quando trabalhando presencialmente”, afirmam.
Procurada por meio do Ministério da Fazenda, a STN não comentou o caso até a publicação da reportagem.
Receita suspende ato do governo Bolsonaro que ampliou isenção de imposto para igrejas
O Secretário da Receita Federal, Robinson Barreirinhas, suspendeu um ato do governo Jair Bolsonaro, que ampliou a isenção de impostos a pastores e igrejas em julho de 2022, um mês antes do início da campanha eleitoral.
Barreirinhas cancelou o benefício fiscal nesta segunda (15) e a medida foi publicada no Diário Oficial da União nesta quarta (17).
A partir de agora, valores pagos por igrejas a pastores e por instituições vocacionais voltam a ser considerados remuneração direta.
Anteriormente, eram consideradas remunerações somente as frações do pagamento referentes a aulas ou atividade laboral propriamente dita.
Nesse caso, as instituições deveriam ter contrato de prestação de serviço para o recolhimento do imposto de renda (pelo prestador) e da contribuição social (pela ordem religiosa).
Com Diego Felix / FOLHA DE SP
Brasil bate recorde de mortes por dengue em 2023; país pode ter 5 milhões de casos neste ano
Patrícia Pasquini / FOLHA DE SP
Em 2023, o Brasil bateu o recorde de mortes por dengue, com 1.094 vidas perdidas, segundo o Ministério da Saúde. Os dados foram extraídos do Sinan (Sistema de Informação de Agravos de Notificação).
O recorde anterior ocorreu em 2022, com 1.053 óbitos. O terceiro ano com mais mortes foi 2015, com 986 vítimas.
No ano 2000 —início da série histórica enviada à reportagem pelo Ministério da Saúde— o país registrou quatro mortes por dengue, em três estados: Minas Gerais (2), Espírito Santo (1) e Goiás (1). Até 2021, o país nunca havia alcançado o patamar de 1.000 mortos.
De 2022 para 2023, houve um crescimento de 3,89% nos óbitos. O índice subiu para 11% ao comparar 2015 com 2023.
Em relação aos casos de dengue, em um ano, houve aumento de 16,8%, de acordo com os números passados pelo Ministério da Saúde —subiu de 1.420.259 infecções em 2022 para 1.658.816 em 2023. Ao observar toda a série, 2015 foi o que mais teve confirmações da doença no Brasil (1.688.688), seguido por 2023 (1.658.816). O ano com menos casos de dengue foi 2004, com 70.175.
Claudia Codeço, pesquisadora e coordenadora do InfoDengue, da Fiocruz, afirma que vários elementos estão por trás do aumento de casos de dengue ao longo dos anos.
Atualmente, os quatro sorotipos estão em circulação no Brasil, ou seja, cada pessoa pode pegar dengue quatro vezes. Quando um indivíduo é infectado por um deles adquire imunidade contra aquele vírus, mas ainda fica suscetível aos demais.
"O quarto sorotipo foi reintroduzido no país em meados de 2010. A partir daí começamos a ter a circulação de quatro sorotipos. Não é que eles estejam acontecendo ao mesmo tempo e nos mesmos lugares, mas isso faz com que as chances de uma pessoa pegar a doença e o número de casos aumentem", diz a pesquisadora.
Outra explicação é a mudança no perfil geográfico. Locais que antes não tinham dengue passaram a ter. Desta forma, novas populações ficam expostas.
"Isso acontece indo de áreas mais urbanas para menos urbanas. O mosquito é predominantemente urbano, mas conforme as pessoas circulam e produtos são levados de um lado para o outro, aumenta a chance do mosquito se espalhar e se estabelecer em novos lugares. Municípios mais rurais ou menos acessíveis, menos urbanos, passam a ter casos", explica Codeço.
Além disso, há um processo de expansão da área de transmissão de dengue para o Sul do país, o que é observado principalmente nos últimos anos e está associado a mudanças climáticas e ambientais. Isso faz com que o período quente fique cada vez mais longo e o mosquito consiga se manter por mais tempo e transmitir a doença.
"Isso tudo junto faz com que cada vez mais a gente tenha períodos de transmissão mais fortes e mais espalhados pelo país. Se há várias áreas, muitas populações estão em risco."
ESTADOS COM MAIS MORTES E CASOS EM 2023 SÃO DO SUDESTE
São Paulo foi o estado com mais mortes por dengue em 2023 (286). Por outro lado, observa-se queda de 43,2% se comparado a 2015, quando São Paulo teve o maior número de mortes (504).
No Pará, em 2023, houve uma morte. Com exceção do Acre, Amapá e de Roraima, no ano passado, todas as federações registraram mortes pela doença.
Quanto às infecções, Minas Gerais é o estado com mais casos em 2023, com 408.395. Os anos de 2016 e 2019 foram mais expressivos ao totalizarem 522.745 e 476.916 casos, respectivamente.
PAÍS PODERÁ CHEGAR A 5 MILHÕES DE CASOS DE DENGUE EM 2024
"Para 2024, temos uma estimativa de que a região Centro-Oeste ficará num nível epidêmico, porque muitas pessoas lá não tiveram a doença —por uma circulação menor do vírus—, principalmente as crianças e os idosos, grupos que nos preocupam. O Sudeste tem alerta especial para Minas Gerais e Espírito Santo, com potencial epidêmico. O Paraná tem potencial muito alto e o Nordeste vai aumentar, mas as nossas modelagens indicam que ficará abaixo do limiar epidêmico. Seguiremos monitorando", afirmou a secretária de Vigilância em Saúde e Ambiente do Ministério da Saúde, Ethel Maciel, durante coletiva de imprensa em dezembro.
Segundo a secretária, no pior cenário da dengue, o país poderá chegar a 5 milhões de casos. É uma previsão feita em parceria com o InfoDengue, da Fiocruz.
"Temos uma variação de 1,7 milhão a 5 milhões, com média de 3 milhões. É uma projeção sem considerar novas tecnologias e se não fizéssemos nada. A nossa ideia é que esse impacto seja reduzido, principalmente em relação à gravidade dos casos, que é nosso foco principal. Instituir o diagnóstico precoce, iniciar a reidratação rapidamente e impedir a progressão para a gravidade", disse Maciel.
"De acordo com as nossas análises, existe um indicativo de um ano epidêmico. Nós viemos de um fim de 2023 em que o número de casos não zerou. A gente já tinha uma circulação razoável de vírus e temos um clima bem quente e úmido, condições favoráveis para uma alta de casos. A Vigilância tem detectado em vários estados um aumento importante de casos", reforça a coordenadora do InfoDengue.
Para Claudia Codeço, a vacina contra a dengue não tira a responsabilidade da população de evitar os criadouros do mosquito Aedes aegypti. A eliminação deles é uma estratégia fundamental no controle da proliferação do mosquito e prevenção das doenças que transmite. Alguns exemplos de criadouros são recipientes de água parada, pratos de plantas, calhas entupidas, lixeiras e caixas d'água mal vedadas, além de piscinas ou fontes sem os devidos cuidados.
"Eu acho ótimo que tenha a expectativa de uma vacina que vai somar aos esforços de proteção contra essa doença, mas não devemos desconsiderar as ações de proteção disponíveis. Elas não vão deixar de ser importantes por causa da vacina", finaliza a pesquisadora da Fiocruz.
Governadores de direita articulam para Senado acabar com ‘saidinha’ de presos ou restringi-la
Por Pedro Augusto Figueiredo e Monica Gugliano / O ESTADÃO DE SP
Governadores de direita prometem pressionar o Senado a aprovar, na volta do recesso, em fevereiro, o projeto de lei que acaba com a saída temporária de presos, instrumento conhecido popularmente como “saidinha” e que tem gerado debate principalmente quando a liberação ocorre para visitas às famílias durante feriados e datas comemorativas.
O movimento já havia sido acordado em outubro durante a reunião do Consórcio de Integração Sul e Sudeste (Cosud) realizada em São Paulo, mas voltou a ser tratado como prioridade após um preso liberado para voltar para casa para as festas de fim de ano assassinar um sargento da Polícia Militar de Minas Gerais.
Participam da articulação política os governadores Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP), Romeu Zema (Novo-MG) e Ronaldo Caiado (União-GO). Em tramitação desde 2013, o projeto inicialmente apenas limitava as saídas temporárias, mas foi alterado pelo relator na Câmara dos Deputados, Guilherme Derrite (PL-SP), atual secretário de Segurança Pública de São Paulo.
O texto foi aprovado em agosto de 2022 na Câmara e seguiu para o Senado. O senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) foi escolhido como relator na Comissão de Segurança Pública em maio de 2023 e apresentou parecer favorável um mês depois. O relatório, porém, não foi votado até o momento.
“Consideramos esse fator como um dos principais entraves para a segurança pública, já que não temos uma punição adequada ao criminoso por conta desse e de vários outros benefícios. O governador Tarcísio e eu devemos ir a Brasília no próximo mês para tratarmos desse assunto com o Senado”, disse Derrite.
Após a morte do PM mineiro, Zema foi às redes sociais cobrar a alteração da lei e dizer que “a mudança está parada” no Congresso. Ao Estadão, o governador disse que pediu aos parlamentares mineiros atenção especial ao projeto, defendeu que os critérios para uma eventual liberação temporária dos presos sejam mais rígidos e declarou querer debater a proposta do senador Sergio Moro (União-PR), que preserva a possibilidade de saída temporária para trabalho ou estudos, mas a extingue nos demais casos.
“A ressocialização é necessária, mas se for às custas de vidas, sou totalmente contrário. Não quero nenhuma ressocialização se for para pagar com vida de inocentes, que é o que tem acontecido”, disse o governador mineiro. “Da forma que está, ficou muito nítido com esse caso que é necessário um aperfeiçoamento. Aquilo que não está dando certo precisa ser revisto”.
Moro, por sua vez, diz que a ideia é votar o projeto na comissão ainda em fevereiro. “O objetivo do projeto de lei é exatamente o de prevenir situações na qual um preso perigoso é colocado na rua sem qualquer causa que justifique a medida”, disse o senador.
O governador de Goiás, Ronaldo Caiado, afirma que a “saidinha” é uma “aberração”. Segundo ele, é de uma irresponsabilidade ímpar permitir que criminosos, condenados por crimes graves, tenham direito ao benefício de sair do presídio por alguns dias, quando tiverem bom comportamento. “Ter bom comportamento é obrigação do detento. Deveria acontecer o contrário, isto é, punir aqueles que não obedecem às regras com, por exemplo, aumento da pena”, diz o governador.
Em sua opinião, chega a ser “desanimador” que se faça sempre a mesma discussão sobre um problema sabidamente grave e que pode ser exterminado mudando as regras que, assinala ele, não existem semelhantes em nenhum outro lugar. Mas, agora, Caiado acredita que o projeto será aprovado no Senado por que a sociedade tem exigido medidas eficazes contra a criminalidade. “Se o criminoso sai por bom comportamento, a polícia nunca mais consegue pôr as mãos nele”, aponta.
Discussão tem contornos eleitorais em Minas Gerais
Em Minas Gerais, o debate, que já é politizado, ganhou contornos eleitorais a partir das cobranças de Zema e de parlamentares bolsonaristas, que também passaram a pedir pressa ao Senado. Presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG) é cotado para se candidatar ao governo do Estado em 2026 e disputaria a eleição contra um aliado de Zema. Em outro cenário, o governador e o senador poderiam ser adversários na disputa por uma vaga no Senado.
Pacheco declarou, um dia após o episódio, que o Senado mudaria a Lei de Execução Penal, que prevê a saída temporária, e depois chamou de “demagogos”, “oportunistas” e “desavisados” aqueles que disseram que a Casa comandada por ele demorou a analisar o fim das saídas temporárias.
“Não houve inércia do Senado. O projeto chegou e eu, como presidente, despachei à Comissão de Segurança Pública. Então, não ficou parado o projeto, ao contrário do que alguns disseram”, disse Rodrigo Pacheco. O presidente do Senado e o governador mineiro também trocaram farpas em dezembro, ao discutirem uma saída para as contas públicas do Estado.
Zema diz que sua relação com Pacheco é “muito boa” e elogiou o esforço dele sobre o tema e também na renegociação da dívida de Minas. Ele negou, no entanto, que os dois estejam se alfinetando. “O que eu vejo é que muitas vezes alguém interpreta que ele ou eu poderíamos estar mandando algum tipo de recado. De forma alguma. Eu acho que nós estamos querendo é somar por Minas Gerais”, declarou o governador.
Proposta vai contra a lógica da lei, diz especialista
Atualmente, a Lei de Execução Penal determina que somente presos em regime semiaberto têm direito às saídas temporárias. Também é necessário ter cumprido pelo menos um sexto da pena, em caso de condenação primária, ou um quarto, se for reincidente. Presos por crimes hediondos que resultaram em morte não têm direito às saídas.
A legislação abre possibilidade para cinco visitas à família por ano, com duração máxima de sete dias cada. Cabe ao juiz decidir sobre as liberações após consultar o Ministério Público e as direções dos presídios sobre quem tem bom comportamento. Tradicionalmente, as saídas temporárias ocorrem no Natal e Ano Novo, Páscoa, Dia das Mães, Dia dos Pais e Dia de Finados.
Além das visitas familiares, os presos podem pedir para frequentarem cursos supletivos profissionalizantes, segundo grau ou faculdade. Neste caso, eles ficam fora dos presídios pelo tempo necessário para assistir às aulas e se formarem. O texto atual em discussão no Senado acaba com todas essas regras ao revogar todo o capítulo que trata das saídas temporárias na Lei de Execução Penal.
Professor da PUC-RS, o sociólogo Rodrigo Azevedo afirma que a abolição das saídas temporárias vai contra a lógica da lei, cujo espírito é de preparar o preso para ser reinserido na sociedade, o que acontecerá em algum momento, pois o Brasil não tem prisão perpétua.
Ele considera como “muito restritivo” tanto o texto original quanto a ideia de Moro, e aponta como caminho a adoção de critérios mais rígidos para as saídas serem concedidas e não a extinção das ocasiões em que os presos podem deixar a cadeia. Azevedo sugere, por exemplo, que a participação em organizações criminosas seja um fator que impeça a saída temporária.
“São muito raras as situações em que o indivíduo não retorna ou que pratica delitos durante a saída. Quando acontece, a maioria das situações está ligada justamente ao vínculo do indivíduo a essas organizações”, diz ele, que é associado ao Fórum Brasileiro de Segurança Pública. O especialista também pontua que os três governadores são de direita e enxergam o endurecimento como caminho para melhorar a segurança pública.
Em São Paulo, 1.566 (cerca de 4,5%) dos 34.547 presos que foram liberados para as festas de fim de ano não haviam retornado aos presídios até o dia 9 de janeiro, segundo a Secretaria de Segurança Pública. Destes, 712 foram recapturados por descumprir alguma regra da saída temporária e em 81 casos os detentos foram flagrados cometendo novos crimes.
Ministro de Lula deixou PT 'na mão' contra internação de dependentes químicos no Rio
Por João Paulo Saconi / O GLOBO
Eduardo Paes anunciou, em novembro passado, que o Rio de Janeiro passaria a internar involuntariamente os dependentes químicos em situação de rua que, nas palavras dele, “não aceitam qualquer tipo de acolhimento” e “acabam cometendo crimes”. Beleza.
O PT municipal, que integra a gestão do prefeito em três secretarias (inclusive a de Assistência Social), não gostou nada do anúncio, no entanto. Na ocasião, Paes ainda sinalizou que iria debater o tema com Wellington Dias, ministro do Desenvolvimento Social do governo Lula. Dias, então, era a esperança do PT local diante do plano de Paes.
Pois bem: Dias esteve no Rio no fim de novembro e, consultado pelo prefeito, se demonstrou favorável à ideia. Contou a Paes (e aos correligionários do PT) que suas próprias gestões no governo do Piauí incluíram iniciativas semelhantes. O PT carioca, então, ficou isolado no discurso contrário à medida.
Batizado de “Seguir em Frente”, o programa criado pelo secretário de Saúde de Paes, Daniel Soranz, já atendeu 840 pessoas em situação de rua desde o anúncio do prefeito. Em seis fases, essa população está sendo convencida a aceitar atendimento, se tratar (contra a dependência e outras doenças) e, depois, a começar a trabalhar e a buscar uma nova moradia.
Lula sanciona lei que criminaliza bullying e agrava pena para ataques em escolas
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sancionou, nesta segunda-feira (15), lei que tipifica o crime de bullying, inclusive o virtual, e inclui uma série de atos contra menores de 18 anos na categoria de crimes hediondos.
O projeto foi aprovado no Congresso em dezembro e cria a Política Nacional de Prevenção e Combate ao Abuso e Exploração Sexual da Criança e do Adolescente, que deverá ser feita por meio de um plano nacional, revisto a cada dez anos, com metas e ações estratégicas. A sanção foi publicada no Diário Oficial da União desta segunda.
Bullying e cyberbullying (quando acontece de forma online) agora são definidos por lei: são atos de "intimidação, humilhação ou discriminação" realizados "sistematicamente, individualmente ou em grupo, mediante violência física ou psicológica", de forma verbal, moral, sexual, social, psicológica, física, material ou virtual.
Os crimes passam a constar no Código Penal, com pena de multa. No caso de cyberbullying, também pode render até quatro anos de prisão.
Há a previsão ainda do aumento da pena de dois crimes já previstos no Código Penal. No caso de homicídio de uma pessoa menor de 14 anos, a pena atual é de 12 a 30 anos de reclusão. Agora, ela poderá ser aumentada em dois terços se for praticado em escola de educação básica pública ou privada.
O crime de indução ou instigação ao suicídio ou à automutilação tem pena de dois a seis anos de reclusão. Com o texto, a reclusão pode ser duplicada se o autor for responsável por um grupo, comunidade ou rede virtuais.
O texto também propõe que as prefeituras e o Distrito Federal implementem políticas de combate à violência nas escolas, inclusive com medidas preventivas. Nos últimos dois anos, o Brasil enfrentou um aumento sem precedentes de ataques nos colégios.
Desde 2001, o país registrou 36 ataques —a maioria (58,33%) se concentrou no período pós-pandemia, entre fevereiro de 2022 a outubro do ano passado. A principal arma usada foi arma de fogo, seguida de faca e coquetel molotov. Em 17 ocorrências, os autores levaram mais de um tipo de armamento.
Os dados são apresentados no relatório "Ataques de Violência Extrema em Escolas no Brasil", que foi desenvolvido pela pesquisadora da Unicamp Telma Vinha e outros oito especialistas na área.
Na nova lei, em um outro trecho, a legislação altera o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) para penalizar o responsável que deixar de comunicar o desaparecimento de uma criança, com pena de até quatro anos de prisão.
O texto aprovado amplia para até oito anos de prisão a pena para quem exibe ou facilita a exibição de pornografia infantil, prática que passa a ser tratada como crime hediondo.
A lei também inclui no rol de crimes hediondos —contra os quais não cabe fiança nem anistia— o tráfico de crianças e adolescentes, o sequestro e cárcere privado de crianças e adolescentes e o auxílio, a indução ou a instigação ao suicídio ou à automutilação por meio virtual ou de maneira geral.
A política tem como objetivo garantir atendimento, inclusive à família, para casos de abuso e de exploração sexual de menores de idade e aprimorar as ações de prevenção e combate a estas práticas.
Carolina Costa, professora de direito penal do Ceub (Centro Universitário de Brasília), afirma que a lei é importante no combate à exploração sexual contra crianças e adolescentes. "Esse é um problema, infelizmente, antigo no Brasil, mas que precisa de aprimoramento sob o ponto de vista das políticas políticas".
Ela também destaca que a lei impressiona ao prever apenas multa para bullying e pena de reclusão de dois a quatro anos no caso de cyberbullying.
Costa analisa que houve um cuidado para evitar uma criminalização excessiva, uma vez que a maioria dos casos de bullying é praticado entre adolescentes, diferentemente do formato virtual.
"O cyberbullying não é tão praticado por adolescentes. Muitas vezes é praticado por adultos que se aproveitam da condição de vulnerabilidade de crianças e adolescentes no âmbito da internet para praticar bullying, exploração sexual, instigação a práticas de violência. Me parece que o maior objetivo da lei é evitar que esse tipo de conduta aconteça."
A advogada afirma que a lei pensa na política pública de combate à violência, tanto real quanto virtual, e afirma que "é cada vez mais necessária essa articulação entre realidades do nosso mundo físico como o virtual" —em que há um sistema de vulnerabilidade maior, em que muitas vezes ainda não é possível identificar os responsáveis.
"Um grande desafio da aplicação da lei será a dimensão da responsabilidade dos autores, como é o caso de todos os crimes virtuais", diz Costa.
Estouro da meta em 2024 pode tirar até R$ 16 bi do governo Lula em ano de eleição presidencial
Um eventual estouro da meta de déficit zero em 2024 pode tirar até R$ 16,2 bilhões do espaço fiscal do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em 2026, ano de disputa presidencial. O petista deve tentar a reeleição.
O redutor de despesa está previsto no novo arcabouço fiscal. A medida serve de punição para caso de descumprimento da meta estabelecida em lei.
A estimativa foi obtida pela Folha com base em cálculos internos do Executivo que embasam as discussões no governo sobre o impacto de mudar ou não o alvo para as contas públicas.
O risco de ter de frear as despesas em ano de eleições gerais está por trás do debate dentro do governo em torno da flexibilização da meta perseguida para as contas públicas em 2024.
Enquanto o ministro Fernando Haddad (Fazenda) insiste no déficit zero, estimativas do mercado financeiro indicam que esse objetivo será descumprido. No Boletim Focus, a previsão é de um rombo de 0,8% do PIB (Produto Interno Bruto), mais que o déficit de 0,25% do PIB permitido pela banda de tolerância.
Sem uma mudança na meta, a concretização desse cenário vai disparar gatilhos de contenção de gastos em 2025 e 2026. As punições mais duras, que progressivamente limitarão o espaço fiscal, podem ocorrer no ano eleitoral.
No ano passado, Haddad conseguiu obter o sinal verde de Lula para manter a meta sob a promessa de contingenciar até R$ 23 bilhões. O valor ficaria abaixo do calculado por analistas —que já chegaram a apontar a necessidade de um bloqueio de R$ 53 bilhões.
A criação de uma trava no bloqueio de despesas foi a maneira encontrada para blindar o andamento dos investimentos do Novo PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) no primeiro semestre deste ano.
Um dispositivo foi incluído na LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) de 2024 para tentar garantir a aplicação desse limite em um cenário de frustração de receitas. Não há, porém, segurança jurídica dentro do governo para implementar o contingenciamento menor.
Interlocutores do governo ouvidos pela Folha afirmam que o Executivo fará uma consulta formal ao TCU (Tribunal de Contas da União) para dar respaldo legal ao decreto de contingenciamento, que terá de ser editado no fim de março. Uma reunião para preparar a defesa jurídica da consulta ocorreu na semana passada.
O governo quer enviar logo a consulta para não correr o risco de uma demora maior no julgamento pela corte de contas acabar deixando para a última hora a decisão sobre a mudança da meta. Para alterá-la, o governo precisa enviar um projeto ao Congresso.
Se o governo mantiver a meta e não fizer o contingenciamento, também haverá risco de punição pelas regras do novo arcabouço. Se o resultado da consulta for negativo, membros do governo afirmam que não há outro caminho a seguir a não ser propor um novo alvo fiscal.
Há certo consenso entre os defensores de alteração que a nova meta alvo seja um déficit de 0,5% do PIB. Na avaliação de técnicos do governo, um déficit de 0,25% poderia ser insuficiente, e um alvo de déficit de 0,75%, como querem lideranças do PT, folgado demais.
Técnicos do governo estão divididos sobre a possibilidade de vitória do TCU. Um grupo avalia que a versão aprovada da LDO sustenta um contingenciamento menor, mas outra ala considera que os ministros do TCU serão mais duros e vão negar o pedido do governo.
O governo recebeu informações de que, em reuniões com representantes do mercado financeiro no final do ano passado, ministros do TCU sinalizaram que o dispositivo da LDO seria ilegal, contrapondo-se às regras do novo arcabouço.
O presidente do TCU, ministro Bruno Dantas, já anunciou a criação de um painel de acompanhamento do cumprimento da nova regra fiscal.
Na equipe de Haddad, o esforço é para segurar a nova pressão pela mudança da meta até o fechamento de um acordo em torno da MP (medida provisória) de reoneração da folha de pagamento para 17 setores.
Haddad teve reunião sobre a MP da reoneração nesta segunda (15) com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Mas, após o encontro, o líder do governo na Casa, Jaques Wagner (PT-BA), afirmou que não houve resolução para o impasse e que ainda falará sobe o tema com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).
Wagner disse acreditar que só se chegará a uma solução após o retorno do recesso parlamentar, em fevereiro. Na saída, Haddad precisou ir de carona no carro de seu secretário-executivo após o veículo oficial usado pelo titular da pasta apresentar um problema elétrico.
Sem mexer na meta, o governo também não poderá usar um espaço adicional de R$ 15 bilhões que poderá se abrir ainda em 2024, graças a uma regra que permite ao Executivo expandir o limite caso a arrecadação prevista para o ano tenha uma expansão ainda mais significativa em relação a 2023.
Mas o menor crescimento do limite de despesas em ano eleitoral é o ponto visto com maior preocupação, não só por razões políticas, mas também porque ficará ainda mais desafiador acomodar despesas de custeio e investimentos em meio à expansão mais veloz de gastos obrigatórios, como benefícios previdenciários e os pisos de Saúde e Educação.
O novo arcabouço fiscal vincula o crescimento das despesas à dinâmica da arrecadação. O limite de gastos é corrigido pela inflação mais uma variação real, equivalente a 70% da alta real das receitas.
Quando há estouro da meta em um ano, essa proporção cai a 50% no segundo ano subsequente —por isso, o descumprimento em 2024 gera o redutor apenas em 2026.
O mecanismo foi pensado com esse formato porque, no momento da aferição do resultado das contas públicas de um exercício, a proposta de Orçamento do ano imediatamente seguinte já foi entregue ao Congresso, dificultando a discussão sobre o corte nas despesas.
As estimativas internas do governo que apontam o espaço fiscal menor em R$ 16,2 bilhões podem sofrer variações, uma vez que foram calculadas em cima de hipóteses para a arrecadação nos próximos anos.
Elas consideram que o limite de despesas terá, em 2025, crescimento real de 2,5%, máximo permitido pela regra do arcabouço. Em 2026, se não houvesse a penalidade dos gatilhos, a expansão também seria de 2,5%. Com o redutor, a variação real cairia a 1,8%.
Analistas do mercado financeiro apontam cenário semelhante. O economista Tiago Sbardelotto, da XP Investimentos, vê uma redução de R$ 16,3 bilhões no espaço fiscal de 2026, caso o estouro da meta neste ano deflagre o acionamento dos gatilhos.
Segundo ele, um redutor nessa magnitude teria potencial para inviabilizar a execução do Novo PAC, justamente uma das vitrines eleitorais do governo petista.
O economista ressalta que os números são sensíveis às hipóteses adotadas, mas servem para ilustrar o que está em jogo na discussão das metas fiscais.
"É um fator de peso, 2026 é um ano eleitoral, e também começa a ter uma restrição significativa do arcabouço por causa do aumento das despesas obrigatórias", afirma Sbardelotto.
Ele destaca que o esforço empreendido pelo governo para elevar a arrecadação acaba tendo como efeito de segunda ordem um agravamento dessa situação, uma vez que os pisos de Saúde e Educação são vinculados às receitas —ou seja, eles também terão crescimento mais significativo nos próximos exercícios.
"Com esse gatilho de reduzir [a alta das despesas] de 70% para 50%, haverá uma restrição [ainda] mais forte."
Crítico contumaz da meta de déficit zero, o deputado Lindbergh Farias (PT-RJ) avalia que as estimativas da fatia de Orçamento que pode desaparecer em 2026, caso a meta atual seja mantida, indicam uma "crise contratada" para abril, logo após a publicação do primeiro decreto de contingenciamento.
"Lula vive falando em aumentar as vagas nos institutos federais. [Com o gatilho acionado] ele não vai poder fazer isso", diz. "Continuo advogando pela mudança da meta. Não é evitar só o contingenciamento, é evitar os gatilhos de contenção."
Por uma verdadeira segurança pública
Por Notas & Informações / O ESTADÃO DE SP
As cenas de terror protagonizadas por grupos criminosos no Equador, ao mesmo tempo que foram mais uma demonstração cabal do avanço dessas organizações na América Latina, serviram para alimentar o discurso segundo o qual só é possível enfrentar essas gangues com medidas de exceção, à moda do impetuoso e popularíssimo presidente de El Salvador, Nayib Bukele – aquele que, quando acusado pela oposição de pretender impor uma ditadura por meio de suas medidas draconianas contra o crime, se declarou, ironicamente, “o ditador mais cool (legal) do mundo”.
Por maior que seja a indignação com a violência dos grupos criminosos que infestam a América Latina e cujos quartéis são as próprias prisões em que teoricamente cumprem pena, não se pode admitir que a solução seja a suspensão dos direitos básicos dos cidadãos, sobretudo o direito que os protege de detenções arbitrárias. O método de Bukele não é uma solução porque, ao suspender o Estado Democrático de Direito em nome do combate ao crime, destrói a democracia sem melhorar a segurança de ninguém. Aliás, muito pelo contrário: sem democracia, não há nenhum tipo de freio para o arbítrio do Estado, que assim ganha poder ilimitado para coagir todo e qualquer cidadão, conforme a vontade do ditador e de sua corte.
A violência do Estado, quando fora do controle das instituições democráticas e quando exercida à margem da lei, é tão perniciosa quanto a cometida pelos criminosos comuns. É possível sentir-se circunstancialmente seguro numa sociedade assim, mas é uma segurança ilusória, porque depende da sorte de ter boas relações com o poder.
A tentação, contudo, é grande. A imensa popularidade de Bukele em El Salvador criou a sensação de que o jovem presidente, ao dar uma banana para os direitos básicos, afinal encontrou a solução ideal para o problema da criminalidade. O igualmente jovem presidente do Equador, Daniel Noboa, claramente pretende adotar o método de Bukele, em meio à crise desencadeada há uma semana, após o líder de uma das maiores facções criminosas do país ter escapado de um presídio em que gozava de vários privilégios – como cúmulo do escárnio, ele até gravou um videoclipe dentro da prisão.
A fuga levou Noboa a decretar estado de exceção. Nas horas que se seguiram ao ato, o país assistiu a rebeliões em prisões, viaturas policiais queimadas, sequestros de policiais e até a invasão de uma emissora de TV de Guayaquil durante a transmissão de um programa ao vivo. Noboa, então, dobrou a aposta e decretou estado de conflito armado interno, decisão que autorizou o uso das Forças Armadas no patrulhamento de ruas, suspendeu aulas e impôs um toque de recolher à população. Mais de 300 pessoas foram presas e ao menos 13 foram mortas, enquanto os ataques liderados pelas facções parecem ter refluído.
Não é a primeira vez que o crime organizado mostra sua força no Equador. Ainda não esclarecido, o assassinato do candidato presidencial Fernando Villavicencio em agosto do ano passado foi reivindicado por uma das tantas facções criminosas que atuam no país. Os episódios assustam os equatorianos, que até então pensavam viver num país relativamente seguro.
Mas o medo é mau conselheiro – e escancara o espaço político latino-americano para emergência de líderes que fazem da promessa de violência estatal seu principal ativo eleitoral. Não à toa, Bukele é hoje mais popular que a maioria dos políticos do Equador e embala os sonhos da extrema direita de Honduras, Guatemala, Peru, Argentina e, claro, Brasil – por aqui, o notório Eduardo Bolsonaro levou uma comitiva de deputados para conhecer a experiência de Bukele e ressaltou, nas redes sociais, que El Salvador, “o país mais violento do mundo em 2015, hoje tem taxa de homicídios igual à Suíça”.
Em resumo, há duas formas de enfrentar o crime organizado: a que funciona, por meio de um esforço de inteligência e cooperação entre todos os países afetados, já que o narcotráfico e as milícias se tornaram transnacionais; e a que não funciona, por meio da suspensão de direitos e da truculência do Estado – que se torna, ele mesmo, criminoso.