Lupi perdeu as condições de seguir no governo
O governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) forçou a saída do presidente do INSS, Alessandro Stefanutto, apenas quando a Polícia Federal bateu às portas da instituição. O ministro da Previdência Social, Carlos Lupi, não havia se prontificado a demitir o auxiliar nem quando o escândalo enfim aflorou.
Havia indícios de escândalos ao menos desde 2019. Foi naquele período que a Procuradoria da República no Paraná recomendou ao INSS a revisão das autorizações de descontos de benefícios previdenciários em favor de entidades que dizem prestar serviços a seus associados.
No cargo desde o início deste governo, em 2023, Lupi foi omisso quanto a denúncias e recomendações de órgãos de controle a respeito de inoperâncias e sinais de malfeitos justamente na administração do que é a essência do seu ministério, o instituto responsável pelo pagamento de aposentadorias, pensões e auxílios.
Como se não bastasse, não deu conta também de reduzir a fila de pedidos de benefícios.
Investigações policiais indicam que os desvios podem ter começado durante o governo de Michel Temer (2016-2018), explodindo sob Lula. Os descontos cresceram 84% em 2023 e 273% em 2024, na comparação com o último ano de Jair Bolsonaro (PL).
Ao passo que aumentavam o valor total dos descontos e o número de reclamações dos beneficiários, acumulavam-se alertas e pedidos de providências por parte de instituições como Ministério Público, Tribunal de Contas da União (TCU) e Controladoria-Geral da União (CGU). O que não funcionou foi a pasta da Previdência.
Em 2023, o problema fora levado ao Conselho Nacional da Previdência Social, presidido por Lupi. Em meados de 2024, a CGU enviou ao INSS versão preliminar de sua auditoria sobre os descontos, com evidências de desvios e recomendações de medidas.
Em setembro daquele ano, em relatório final, a CGU afirmava que a instituição era negligente desde 2019, por saber desde então de denúncias de fraudes e da falta de capacidade operacional para supervisionar processos e autorizações de descontos.
Lupi, defendendo-se, disse ter demitido um diretor que haveria retardado auditoria interna, em julho de 2024. Foi nesse ano que a instituição criou a norma de autorizar descontos apenas com documentação mais rigorosa, biometria inclusive, decisão implementada apenas neste 2025.
O que foi feito sobre denúncias e avisos de tantos órgãos de controle? Houve tentativa de recuperar o dinheiro do cidadão?
À Folha, Lupi disse que "não é simples investigar" e que "a administração pública é demorada". Seu ministério e o INSS, especialistas no assunto, encarregados de controles e detentores dos dados, não teriam mais meios de averiguação do que, por exemplo, a CGU?
De mais evidente, não faz sentido que o responsável administrativo e político pelo descalabro continue no ministério.
'Careca do INSS' recebeu R$ 53,5 mi de entidades e atuou para liberar descontos, diz PF
Mateus Vargas / FOLHA DE SP
Apontado em investigação como "epicentro da corrupção ativa" e lobista profundamente envolvido no "esquema de descontos ilegais de aposentadorias", Antônio Carlos Camilo Antunes recebeu R$ 53,58 milhões de entidades associativas e de intermediárias, de acordo com a investigação da Polícia Federal.
De acordo com relatório de investigadores, o pagamento ocorreu por meio de empresas de Antunes, conhecido como "Careca do INSS". Ele ainda teria repassado R$ 9,32 milhões a servidores e empresas ligadas à cúpula do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social).
O empresário foi um dos alvos da operação Sem Desconto, deflagrada na última quarta-feira (23) para combater descontos irregulares nos benefícios de beneficiários.
A investigação afirma que Antunes usava empresas "para prestar serviços de consultoria a entidades que cobram mensalidades associativas dos aposentados".
Segundo a investigação, o empresário fez pagamentos diretos e indiretos para Virgílio Filho, ex-procurador-geral do INSS, além de André Fidelis e Alexandre Guimarães, ambos ex-diretores do instituto.
A Folha não conseguiu localizar as defesas dos ex-servidores do INSS. Ao jornal O Globo, Alexandre Guimarães afirmou que o dinheiro recebido se refere ao trabalho como consultor e disse ter notas fiscais para comprovar. A defesa de André Fidélis disse que não iria se manifestar por não ter tido acesso aos autos do processo e reafirmou o compromisso com o esclarecimento integral dos fatos.
Antunes atuaria como lobista, representando empresas dentro do instituto. A investigação mostra procuração de 2022 da Ambec (Associação de Aposentados Mutualistas para Benefícios Coletivos), uma das associações investigadas, para que ele discutisse um aditivo contratual no acordo da entidade com o INSS.
A defesa do "Careca do INSS" disse que as suspeitas "não correspondem à realidade dos fatos". "Ao longo do processo, a inocência de Antonio será devidamente comprovada", afirmam os advogados Alberto Moreira e Flávio Schegerin.
Uma das empresas de Antunes, a Prospect Consultoria, recebeu R$ 11 milhões da Ambec. E ainda teria feito transações com pelo menos outras cinco entidades ligadas ao caso.
A Ambec afirma que "não pratica atividade ostensiva de captação, prospecção e afiliação de seus associados, sendo tais atividades praticadas por empresas privadas diversas, de forma que, se qualquer fraude ocorreu, a associação é tão vítima quanto seus associados".
Dentro da investigação, a PF também destaca que Antunes e sua esposa "transmitiram sucessivamente um mesmo imóvel, em período inferior a seis meses", movimentando o valor de R$ 353 milhões.
O documento da PF não especifica em que período foram realizadas as transações de Antunes, mas há menções a relatórios de inteligência financeira com dados de 2022 a 2024.
Segundo a PF, a esposa de Virgílio Filho recebeu R$ 7,54 milhões do "Careca do INSS", em transações feitas por empresas. A investigação ainda cita a transferência de um Porsche Taycan de Antunes para a mulher do ex-procurador do INSS.
Virgílio Filho participava de discussões sobre a liberação de descontos em massa de benefícios do INSS, ainda de acordo com a investigação.
O "Careca do INSS" também teria feito pagamentos de R$ 1,46 milhão ao escritório de advocacia do filho de André Fidelis, que foi diretor de Benefícios e Relacionamento com o Cidadão do INSS até julho de 2024. O pagamento foi feito "possivelmente a título de vantagem indevida por ato de ofício", segundo representação apresentada à Justiça.
A investigação ainda encontrou pagamentos de R$ 313,2 mil feitos por Antunes para uma empresa de Alexandre Guimarães, que foi diretor de Governança, Planejamento e Inovação do INSS até abril de 2023. A empresa do ex-diretor ainda usaria o email da Prospect no seu cadastro na Receita Federal.
A PF também listou 11 carros de luxo, incluindo o Porsche que foi transferido para a esposa de Virgílio, que passaram pelas mãos de Antunes no período analisado pelo relatório. "Chama atenção a quantidade e os valores dos veículos", afirma a representação.
No mesmo processo relacionado à operação Sem Desconto, o MPF (Ministério Público Federal) afirmou que "emergem sérios indícios" de que "associações realizaram (e continuam promovendo) descontos associativos indevidos de milhares de aposentados e pensionistas do INSS, auferindo, assim, enriquecimento ilícito, possível ocultação de patrimônio e de movimentações financeiras, crimes de corrupção, violação de sigilo funcional e organização criminosa."
Após a operação, Alessandro Stefanutto deixou o comando do INSS. Em nota, sua defesa disse que "reafirma a sua inocência e declara que no curso da investigação será comprovada a manifesta ausência de qualquer participação nos ilícitos investigados".
A PF estima que apreendeu cerca de R$ 41 milhões em bens e dinheiro na operação Sem Desconto. De acordo com o órgão, a lista inclui 61 veículos terrestres, avaliados em cerca de R$ 34,5 milhões, e 141 joias ou semijoias, estimadas em R$ 727 mil.
No colo de Lula: Collor e BR, Lupi e INSS, jetons e amigos, PT e respiradores
Por Eliane Cantanhêde / O ESTADÃO DE SP
O Congresso está parado, só discute anistia para o 8/1, enquanto a palavra “ corrupção” anda a mil por hora e invade manchetes da mídia e a pauta da sociedade. Esta semana, que no setor público só tem três dias, já começou com o plenário do Supremo convalidando a prisão do ex-presidente Collor, o governo sob pressão para demitir o ministro da Previdência, Carlos Lupi, e dois escândalos “novos” que, de novos, não têm nada.
Lupi também não é estreante, foi demitido do Ministério do Trabalho por Dilma Rousseff por denúncias, há 14 anos. Agora, ao dar entrevistas sobre o roubo de pensões e aposentadorias no INSS, ele admitiu “falcatruas”, que “tem gente safada” e que “sabia do que estava acontecendo”, mas tentou defender-se alegando que “nos governos, tudo é demorado”. E tascou: “Tento resolver, mas não sou Deus”.
Tudo verdade. Desde 2023, Lupi e a cúpula do INSS recebem uma avalanche de alertas de TCU, CGU, MP, imprensa e milhares de vítimas de débitos não autorizados. Nenhum ministro é Deus, mas lavar as mãos feito Pilatos? O destino de Lupi depende de um cálculo político do presidente Lula: perder popularidade, mantendo Lupi, ou apoio parlamentar, despachando-o para casa e atraindo a ira do PDT.
E temos a manchete do nosso Estadão mostrando que “Lula turbina salários de 323 aliados em cargos de conselhos”, indicando ministros, assessores, diretores e apadrinhados do Congresso como conselheiros de estatais ou empresas privadas que tenham a União como acionista.
Esse “jeitinho brasileiro” de aumentar salários é mais velho que minha avó, sob o argumento de atrair bons quadros que ganham muito bem na iniciativa privada e não trocariam uma dúzia por seis. Mas 323? Com salários até R$ 80 mil? A oposição no Congresso e nas redes faz a festa.
E a PF investiga R$ 48,7 milhões para a compra — sem licitação, devido à urgência — de respiradores que nunca chegaram a hospitais e pacientes na pandemia. Três problemas: o Consórcio Nordeste, região mais petista do País; era presidido pelo então governador da Bahia, Rui Costa, hoje chefe da Casa Civil; e a história foi excluída da pauta da CPI da Covid por aliados do PT. Logo, é mais uma bomba no colo de Lula.
Governo Lula usa cargos em conselhos para agradar Motta, Alcolumbre e partidos aliados
Por Gustavo Côrtes / O ESTADÃO DE SP
BRASÍLIA - O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva utiliza cargos em conselhos de empresas estatais para prestigiar sua base no Congresso. Figuras ligadas aos presidentes da Câmara, Hugo Motta, e do Senado, Davi Alcolumbre, foram contempladas na distribuição desses postos, que, além de influência na gestão dos negócios, rendem remunerações adicionais ao salário – os chamados jetons.
O Planalto diz que as nomeações seguem exigências da Lei das Estatais e passam por avaliação dos comitês de elegibilidade das empresas que verificam a conformidade dos processos de indicação. A reportagem também procurou os parlamentares e seus auxiliares por meio das assessorias de imprensa, mas não obteve resposta.
Conforme revelou o Estadão, há 323 aliados do petista indicados para colegiados de empresas públicas ou privadas. Em alguns casos, as nomeações ignoram critérios de formação técnica e experiência profissional condizente com os ramos de atuação das companhias. A lista de beneficiados inclui não só ministros, dirigentes petistas e servidores comissionados, mas também pessoas ligadas a parlamentares com influência sobre a pauta do Legislativo.
Assistente técnico no gabinete de Motta desde fevereiro, Marcone dos Santos é membro do conselho fiscal da Infraero, responsável pela operação e pelo aprimoramento da infraestrutura dos aeroportos do País. Ligado ao Republicanos, sua indicação partiu do ministro de Portos e Aeroportos, Silvio Costa Filho, de quem foi assessor quando o chefe da pasta exercia mandato na Câmara. Santos também passou pelo gabinete do deputado Ossesio Silva (Republicanos-PE).
Mariangela Fialek, assessora da Presidência da Câmara, é conselheira da Brasilcap, uma subsidiária do Banco do Brasil que atua na emissão de títulos de capitalização. Ela é ligada ao antecessor de Motta, o deputado Arthur Lira (PP-AL), e foi mantida no cargo após a troca de comando na Casa.
Fialek – ou Tuca, como é chamada por aliados – é uma figura conhecida nos corredores do Congresso. Na condição de auxiliar de Lira e assessora da Liderança do PP, foi uma das principais articuladoras da distribuição de emendas entre deputados e teve atuação destacada no orçamento secreto. Em 2022, às vésperas da eleição presidencial, era ela quem recebia parlamentares e assessores em uma sala para deliberar sobre a repartição dos recursos para redutos eleitorais.
Também já trabalhou com o ex-senador Romero Jucá (MDB-RR) e com o ex-presidente Michel Temer (2016-2018), a quem serviu na Secretaria de Governo da Presidência da República. Sob Jair Bolsonaro, trabalhou no Ministério do Desenvolvimento Regional, na gestão de Rogério Marinho (PL-RN), hoje senador.
O perfil dela é similar ao de Ana Paula de Magalhães Albuquerque Lima, chefe de gabinete de Davi Alcolumbre e principal assessora do presidente do Senado em assuntos relacionados ao orçamento público. Ela integra os conselhos fiscal da Caixa Loterias e de administração da PPSA, estatal constituída para a exploração do pré-sal. A remuneração dos dois cargos rendem R$ 13,7 mil mensais.
No fim do ano passado, um relatório da Polícia Federal sobre supostos desvios de recursos de emendas revelou que empresários investigados repassavam o contato dela entre si. Um deles é Marcos Moura, apelidado de “Rei do Lixo”.
Outro representante da cota do Congresso é Inácio Melo Neto, presidente da Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais (CRPM) e membro do conselho de administração da entidade vinculada ao Ministério de Minas e Energia. Ele é marido da senadora Eliziane Gama (PSD-MA).
Somam-se a ele ainda o chefe de gabinete do senador Otto Alencar (PSD-BA), Fabio Coutinho, conselheiro de administração da Nuclep, estatal que produz equipamentos para os setores nuclear, de defesa, de óleo e gás, e de energia, e Micheline Xavier Faustino, assessora do senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), antecessor de Alcolumbre. Ela integra conselhos da PPSA e da Eletronuclear.
Centrais sindicais fazem marcha a Brasília e levam reivindicações do 1º de Maio ao presidente Lula
Cristiane Gercina / FOLHA DE SP
As centrais sindicais realizam nesta terça-feira (29), em Brasília, marcha até a praça dos Três Poderes, onde vão entregar ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) a pauta de reivindicações trabalhistas, cujo principal ponto é a redução da jornada de trabalho de 44 horas para 40 horas semanais e o fim da escala 6x1.
Os debates acerca dos temas a serem defendidos em 2025 começaram em 9 de abril. A pauta tem 26 pontos, incluindo isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5.000, projeto já enviado pelo governo ao Congresso, igualdade salarial entre homens e mulheres, conforme diz a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) e lei publicada em julho de 2023, fim da carestia e menos juros, mais empregos.
Na quinta-feira, 1º de Maio, quando se celebra o Dia do Trabalho, ocorrerá o ato unificado das centrais, na praça Campo de Bagatelle (zona norte), na capital paulista. CUT (Central Única dos Trabalhadores), Força Sindical, UGT (União Geral dos Trabalhadores), CSB (Central dos Sindicatos Brasileiros), CTB (Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil), NCST (Nova Central Sindical dos Trabalhadores), Intersindical e Pública têm como missão levar público maior do que em 2024.
No ano passado, as celebrações ocorreram na Neo Química Arena, o estádio do Corinthians, em Itaquera (zona leste), e reuniu um grupo pequeno de trabalhadores, o que fez com que Lula emitisse seu descontentamento com a organização e desse uma "bronca" pública no ministro da Secretaria-Geral, Márcio Macêdo (PT).
A presença do Lula em São Paulo não está confirmada. Fontes afirmam que ele só viria ao 1º de Maio das centrais sindicais se, depois, pudesse ir também ao evento organizado pelo Sindicato dos Metalúrgicos, em São Bernardo do Campo (ABC), berço político do presidente. Mas o desgaste da saúde seria grande, já que esteve em viagem internacional recentemente.
Em São Paulo, o evento terá o sorteio de dez veículos Polo Track zero-quilômetro, da Volkswagen. O ato começa às 9h, sendo que das 11h às 13h estão previstos os discursos políticos, com a presença do ministro do Trabalho e Emprego, Luiz Marinho, deputados e presidentes de sindicatos.
Marinho também irá para o ABC. Dentre os show já confirmados na praça Campo de Bagatelle estão Fernando e Sorocaba, Edson e Hudson, Grupo Pixote, Marília Tavares, Thaeme & Thiago, Thales Lessa, Sampa Crew, Fátima Leão, Nando Moreno, e Gustavo Moura & Rafael.
Até o dia do evento, serão distribuídos 3 milhões de cupons para os sorteios.
O lema definido para este ano foi "Por um Brasil mais justo: Solidário, Democrático, Soberano e Sustentável" e, embora o ato unificado das centrais se mantenha como em 2018, quando Lula foi preso e fizeram o primeiro evento conjunto em São Paulo (SP) e Curitiba (PR), a CUT participa como convidada e outras centrais, como organizadoras.
A divisão teria ocorrido por conta do formato do evento, com a reedição dos famosos sorteios de carro, que levavam milhares de pessoas à praça Campo de Bagatelle, mas oficialmente, a central nega e diz que seus debates começaram com plenárias em todo o país sobre quais são as prioridades para os trabalhadores.
Ricardo Patah, presidente da UGT, afirma que, na prática, nada mudou e todos estão juntos na organização. Para ele, que também é presidente do Sindicato dos Comerciários de São Paulo, é "essencial" a redução da jornada, nem que seja de 44 horas semanais para 40 horas. "A mudança na escala 6x1 é a alma de todas as bandeiras", diz.
O ABC volta a ter festividades de 1º de Maio após nove anos. O evento deixou de ser realizado após a prisão de Lula e a pandemia de Covid-19. O ato vai das 10h às 18h, no paço Municipal de São Bernardo, que fica na praça Samuel Sabatini, região central.
Estão confirmados show de Belo, MC Hariel, Pixote e Tiee, entre outras atrações. É preciso levar dois quilos de alimentos não perecíveis, que vão servir de entrada solidária, e depois serão doados.
Ex-presidente do INSS ignorou parecer e liberou descontos em massa a entidade investigada, diz PF
A Polícia Federal aponta a atuação da cúpula do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) para liberar o desconto em massa de aposentadorias em favor da Contag (Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura).
Segundo a investigação, o instituto deu aval para a consignação da mensalidade associativa em 34.487 benefícios a partir de uma lista encaminhada pela entidade ao INSS. Alessandro Stefanutto, ex-presidente do instituto, foi um dos que assinaram a autorização, mesmo depois de a Procuradoria do órgão ter emitido um parecer contrário à liberação.
Segundo a PF, documentos internos do INSS citam que "foi esboçada uma solução pelo presidente do INSS" para o pedido da Contag, em reunião realizada em junho de 2023 entre representantes da Contag e Stefanutto.
Na última quarta-feira (23), a Polícia Federal e a CGU (Controladoria-Geral da União) realizaram a operação Sem Desconto, para combater um esquema nacional de descontos não autorizados em aposentadorias e pensões, que começou em 2016 e ganhou força em 2019.
Estão na mira da investigação associações e sindicatos que têm acordos com o INSS que permitem o desconto de mensalidades diretamente na folha de pagamento, desde que autorizados pelos aposentados e pensionistas, em troca de benefícios como plano de saúde, desconto em farmácia e academias.
Stefanutto deixou o cargo em meio às investigações. Entre 2019 e 2024, a soma dos valores descontados de benefícios do INSS por diversas associações chega a R$ 6,3 bilhões, mas ainda será apurado qual a porcentagem foi feita de forma ilegal, segundo as investigações.
Como mostrou a Folha, a PF apontou "fundados indícios de lavagem de dinheiro" de pessoas ligadas à Contag, como diretores e procuradores, no pedido de buscas na investigação sobre descontos indevidos de aposentadorias. A entidade teria recebido R$ 2 bilhões em descontos de contribuições associativas —também não se sabe quanto desse montante é irregular.
Em nota, a defesa de Stefanutto disse que "reafirma a sua inocência e declara que no curso da investigação será comprovada a manifesta ausência de qualquer participação nos ilícitos investigados".
A Contag repetiu nota divulgada na semana passada, quando a confederação disse que atua "na luta pela garantia, manutenção e ampliação de direitos de mais de 15 milhões de trabalhadores rurais agricultores e agricultoras familiares". "Entre os quais estão aposentados, aposentadas e pensionistas rurais que fazem parte do quadro associativo e que autorizam o desconto da sua contribuição associativa para o Sistema Confederativo", afirmou a Contag.
Em março de 2023, a Contag solicitou ao INSS desbloqueio em massa dos descontos, já que, segundo relatório da PF, a confederação afirmava que os beneficiários estavam enfrentando dificuldades para fazer a autorização por meio do sistema do instituto.
A atuação da cúpula do INSS se deu após as áreas técnica e jurídica do instituto apontarem, em abril do mesmo ano, a "impossibilidade desse desbloqueio em lote", narra a PF.
"É importante frisar que o bloqueio do benefício surgiu como uma medida destinada a evitar fraudes e os consequentes danos aos idosos e ao próprio INSS", afirmou a Procuradoria do instituto.
Três dias após a reunião entre representantes da Contag e Stefanutto, em junho, a entidade manifestou "inconformidade com o indeferimento" e reforçou o pedido de liberação dos descontos. No ofício, a confederação apontou "dificuldades operacionais que o INSS tinha em atender os pedidos de desbloqueio feitos pelos beneficiários".
Na sequência, o então coordenador-Geral de Pagamento de Benefícios do INSS, Jucimar Fonseca da Silva, enviou o processo da Contag à Presidência do INSS e informou que a entidade aguardava autorização para desbloqueio de 24 mil descontos. No mesmo despacho, ele citou a reunião feita dias antes entre a entidade e Stefanutto.
A investigação da PF aponta que a Contag, em outubro de 2023, listou 32.337 benefícios que aguardariam a decisão do INSS para receber a cobrança de mensalidade. No fim do mesmo mês, Jucimar assinou nota técnica em que considerou o pedido da Contag "razoável" e encaminhou o processo para Procuradoria do INSS —setor que, meses antes, deu parecer contrário ao desbloqueio.
No dia seguinte, o então procurador-chefe Virgílio de Oliveira Filho afirmou que não havia "óbice jurídico" em liberar os descontos. Ele ainda apontou que a consulta era de "baixa complexidade jurídica e com pedido de urgência", para justificar que ele mesmo analisaria o caso.
Em 6 de novembro, Stefanutto determinou que a área técnica do INSS "operacionalize o desbloqueio", com base em planilha fornecida pela Contag. A Dataprev teria então desbloqueado descontos em 34.487 benefícios de uma lista entregue pela confederação.
Jucimar e Virgílio foram afastados de seus cargos na semana passada, por determinação da Justiça. Procurados por meio da assessoria do INSS para comentar o assunto, eles não se pronunciaram. O INSS afirmou que ainda não teve acesso ao processo.
Os investigadores ainda apresentaram à Justiça um "diagrama" para retratar "de forma inequívoca, a ilicitude da conduta dos envolvidos no desbloqueio em lote narrado". A representação cita Stefanutto entre os "atuantes nos processos" de liberação dos descontos.
A PF relata ainda os dados de auditoria em que a CGU (Controladoria-Geral da União) detectou "quantitativo expressivo de solicitações de exclusão de descontos da Contag", "em montantes de 18.693, 17.988, e 27.547, respectivamente, em 2023/1, 2023/2 e 2024/1".
Os investigadores também citaram auditoria interna do INSS apontando que os argumentos usados para o desbloqueio "não condizem com realidade fática". Segundo o documento, "não havia represamento de requerimentos de associados da entidade para desbloqueio do benefício para inclusão de desconto".
A auditoria do INSS afirma que apenas 213 pessoas da lista de 35.058 benefícios entregues pela Contag "aguardavam tarefa de desbloqueio".
A PF também disse a Justiça que não há, no processo de liberação dos descontos, "qualquer registro de validação, mesmo que amostral, das informações remetidas pela entidade acerca dos beneficiários para os quais se solicitava o desbloqueio em lote do benefício para a implementação de descontos associativos".
Lula turbina salários de 323 aliados com cargos em conselhos
Por Gustavo Côrtes / O ESTADÃO DE SP
BRASÍLIA - O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva garante renda extra a 323 aliados que nomeou para conselhos de estatais ou de empresas privadas das quais a União é acionista. Esses cargos rendem remunerações apenas pela participação em reuniões dos colegiados, realizadas periodicamente em intervalos que variam de acordo com normas de cada organização.
Com os adicionais, os valores dos contracheques podem chegar a mais de R$ 80 mil. O benefício alcança ministros, secretários-executivos, chefes de gabinete, assessores do Palácio do Planalto, servidores comissionados, dirigentes do PT, ex-parlamentares do partido e até apadrinhados do Congresso. Procurado, o Planalto disse que as nomeações seguem exigências da Lei das Estatais e passam por avaliação dos comitês de elegibilidade das empresas que verificam a conformidade dos processos de indicação.
Para mapear o tamanho da “turma dos conselhos”, o Estadão fez, ao longo do último mês, mais de 40 pedidos com base na Lei de Acesso à Informação, cruzou dados das empresas e analisou documentos de ministérios da gestão petista.
Foram contabilizados conselheiros cujos mandatos estavam em vigência até o último dia 15 de abril e que têm ou já tiveram cargos de indicação política no Executivo federal durante o atual mandato de Lula. Também foram incluídos aqueles ligados aos partidos da base e às principais lideranças do Congresso, como o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), seu antecessor, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e o ex-presidente da Câmara Arthur Lira (PP-AL).
Conselhos fiscais e de administração são responsáveis por decisões estratégicas. Em negócios privados, seus integrantes costumam ser pessoas com larga experiência em gestão e com conhecimento específico sobre os setores em que atuam. Nas companhias sob influência do governo, por outro lado, parte desses postos é distribuída a figuras sem credenciais técnicas em razão de seu apadrinhamento político e como forma de complementar salários.
É o caso de Débora Raquel Cruz Ferreira, chefe de gabinete da Secretaria de Coordenação e Governança das Empresas Estatais (SEST), vinculada ao Ministério da Gestão. Formada em jornalismo, ela é conselheira da Empresa Gerencial de Projetos Navais (EMGEPROM). A companhia, fundada em 1982, é gerida pelo Comando da Marinha e tem como atribuição “promover a indústria militar naval brasileira”.
Antes de assumir o cargo na pasta comandada por Esther Dweck, Débora era assessora de imprensa do Ministério dos Esportes. Cumpriu essa função também em outros órgãos, como a Câmara, o governo do Distrito Federal e um sindicato de trabalhadores da saúde da capital.
Já Lucas Monteiro Costa Dias, diretor de programa na Secretaria de Comunicação Social da Presidência (Secom) é bacharel em história e tem experiência profissional restrita ao assessoramento de políticos de esquerda. Mesmo assim, tornou-se conselheiro fiscal da Caixa Cartões, uma subsidiária da Caixa Econômica Federal. O posto lhe rende renda extra mensal de R$ 5.430,87. Essa remuneração extra é chamada de “jeton” e complementa salários de servidores públicos com assentos em conselhos.
No currículo, Costa Dias destaca sua expertise em “relações públicas, mediação de conflitos, demandas de entidades da sociedade civil e planejamento e execução de projetos de organizações não governamentais”. As atividades são bem distintas daquela anunciada pela empresa em que ele trabalha, dedicada à gestão de participações societárias e exploração do mercado de meios de pagamentos.
O Ministério de Portos e Aeroportos indicou para a Companhia das Docas do Rio Grande do Norte (Codern) Felipe Matos, secretário de Desenvolvimento Econômico da prefeitura de Recife (PE), que não tem qualquer relação com a gestão da estatal.
Chefe da pasta, Silvio Costa Filho (Republicanos) é de Pernambuco e um dos principais aliados do prefeito da capital, João Campos. Matos é uma indicação que o Republicanos, partido do ministro, fez para a administração municipal.
Em resposta a pedido de esclarecimentos do Estadão, o governo defendeu que “é cada vez mais recomendado que os conselhos tenham profissionais de diferentes formações”, mesmo em companhias privadas. “Essa pluralidade está em consonância com as melhores práticas de governança corporativa e tem papel estratégico para que essas empresas sigam sendo sustentáveis e cumprindo seu papel no desenvolvimento do país.”
A Prefeitura de Recife alegou que Matos tem conhecimento na área de concessões, tendo atuado em estudos de viabilidade para diversos tipos de infraestrutura, inclusive portuária.
O Ministério de Portos e Aeroportos disse que a indicação seguiu todos os requisitos técnicos e legais e que o conselheiro não precisa pertencer ao Estado onda e CODERN opera.
Professor de estratégias e gestão pública do Insper, Sandro Cabral vê brechas na legislação que permitem ao governo indicar aliados, mas questiona a qualidade das decisões para a administração pública.
“A questão é: essas pessoas ocupariam cargos similares em empresas privadas sem ingerência do governo? Acho que em alguns casos sim. Mas, no final das contas, boa parte desses conselhos acaba servindo para complementação de salários e apoio político, para agradar a base aliada.”
Ele também avalia que a quantidade de políticos em conselhos é, em parte, consequência de iniciativas de indução da economia pelo setor público.
“É um pouco consequência do modelo de desenvolvimento do Brasil. Apesar das privatizações que houve no passado, a participação do Estado na economia não necessariamente diminuiu. O governo manteve sua atuação em empresas via golden shares e participações do BNDES e de fundos de pensão.”
Para o professor de direito da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (FGV-SP) Luis André Azevedo, as indicações devem observar também o princípio da eficiência, além de apenas atender a balizas legais.
“Apesar de não haver na Lei das Estatais a exigência de experiências profissionais ou acadêmicas específicas, o melhor é que a pessoa tenha atuação prévia ou formação na área em que a empresa trabalha. Uma regra muito rígida pode engessar a administração, mas é preciso ancorar a escolha (dos conselheiros) no princípio da eficiência.”
Ele reconhece que, em negócios privados, é comum a composição de conselhos acomodar diferentes perfis, mas alerta para a falta de critérios mínimos. “Os conselhos de administração são cargos de senioridade, o que se traduz em experiência e formação. Gera estranheza ver pessoas que não têm uma coisa nem outra nesses cargos.”
A preferência por aliados em detrimento de lideranças técnicas também se repete no primeiro escalão. Um exemplo é a nomeação da ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, que é formada em letras, para o conselho de administração da Tupy, uma metalúrgica multinacional privada da qual o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) é acionista.
No ano passado, a companhia distribuiu aos integrantes do colegiado R$ 4,28 milhões em remunerações, o equivalente, na média, a R$ 39 mil por mês para cada um deles. Antes de ir para o governo, Anielle atuava como professora de inglês em colégios do Rio de Janeiro e como diretora do Instituto Marielle Franco, uma ONG que milita no campo dos direitos humanos.
Procurada, a pasta afirmou que “Anielle Franco tem experiência em gestão institucional, é referência nos debates sobre diversidade, ações afirmativas e direitos humanos nacional e internacionalmente e é ministra de estado da agenda da Igualdade Racial no Brasil, tendo, portanto, condições de promover reais e ricas contribuições ”
Além dela, como revelou o Estadão, ganharam assentos na empresa os titulares da Previdência, Carlos Lupi, e da Controladoria-Geral da União, Vinícius Marques de Carvalho, que também está no conselho de administração da Brasilcap, subsidiária do Banco do Brasil. Somados o salário de ministro, de R$ 44 mil, e os jetons da Tupy e da Brasilcap, seu contracheque pode chegar a R$ 83 mil em um único mês.
Base no Congresso ganha cargos em conselhos
A nomeação para cargos em empresas estatais e de capital misto não é privilégio de políticos do Executivo. O governo também utiliza esses postos para compor sua base no Congresso. O conselho de administração da PPSA, subsidiária da Petrobras constituída para a exploração do pré-sal, tem como membros Ana Paula de Magalhães, chefe de gabinete do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), e Micheline Xavier Faustino, assessora de Rodrigo Pacheco (PSD-MG). A indicação de ambas partiu do Ministério de Minas e Energia.
Ana Paula também é conselheira fiscal da Caixa Loterias e Micheline, da Eletronuclear. Os ganhos mensais delas com jetons são de R$ 13,7 mil e de R$ 12,7 mil, respectivamente.
A assessora da Presidência da Câmara Mariangela Fialek, ex-auxiliar do deputado Arthur Lira (PP-AL) e que foi mantida no cargo após Hugo Motta (Republicanos-PB) assumir o comando da Casa, é conselheira da Brasilcap. O chefe de gabinete do senador Otto Alencar (PSD-BA), Fabio Coutinho, é conselheiro de administração da Nuclep, estatal que produz equipamentos para os setores nuclear, de defesa, de óleo e gás, e de energia.
Lideranças do PT também ganharam seus espaços. A tesoureira do partido, Gleide Andrade, integra o conselho de administração da usina de Itaipu e os ex-deputados do partido Jorge Ricardo Bittar e Maurício Quintella Lessa, os da Telebrás e do Instituto de Resseguros do Brasil (IRB).
Ministros ganham cargos no Sistema S, em Itaipu Binacional e em subsidiárias do Banco do Brasil
Ao todo, o governo tem 13 ministros em conselhos. A usina Itaipu Binacional, gerida conjuntamente por Brasil e Paraguai, abriga cinco deles: os titulares da Fazenda, Fernando Haddad, da Casa Civil, Rui Costa, de Minas e Energia, Alexandre Silveira, da Gestão, Esther Dweck, e das Relações Exteriores, Mauro Vieira. A companhia paga cerca de R$ 34 mil por reunião do colegiado, realizada a cada bimestre.
O Sistema S, gerido por sindicatos patronais e de trabalhadores em parceria com o governo federal, também dá cargos aos ministros. O Serviço Social do Comércio (SESC) tem Luiz Marinho, do Trabalho, e Alexandre Padilha, da Saúde, como membros de seu conselho fiscal. Os ganhos ultrapassam os R$ 28 mil mensais.
Já Camilo Santana, da Educação, é membro do colegiado no Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial, o Senac, e chega a receber R$ 21 mil por mês. O Advogado Geral da União, Jorge Messias, é conselheiro da Brasilprev, vinculada ao Banco do Brasil, e Sônia Faustino Mendes, que comanda as Comunicações interinamente após a demissão de Juscelino Filho, dos Correios.
Há ainda ministros em empresas privadas das quais o governo é acionista, a exemplo dos que fazem parte do conselho de administração da Tupy, mas também de Simone Tebet, do Planejamento, conselheira fiscal da Elo Serviços. O número 2 da Fazenda, Dario Durigan, é conselheiro fiscal da Vale.
81% das cidades do CE não receberam recursos federais do Compromisso Criança Alfabetizada em 2024
O Ceará é o primeiro estado brasileiro a ter superado, ainda em 2023, a meta traçada pelo governo federal de chegar ao índice de 80% de alfabetização infantil até 2030. Com 85% das crianças alfabetizadas na idade certa, o índice estadual reflete uma realidade dos municípios cearenses. Das 184 cidades cearenses, 150 também alcançaram (ou superaram) a meta de 80%. Os dados são do 1º Relatório de Resultados do Indicador Criança Alfabetizada, divulgado em 2024.
Os resultados, no entanto, não significam que não existem riscos no processo de alfabetização no Ceará. Esse é o alerta do Tribunal de Contas do Ceará (TCE-CE) após auditoria realizada no ano passado.
A Corte analisou como está a implementação do Compromisso Nacional Criança Alfabetizada nas cidades cearenses — o programa federal foi criado em 2023 para garantir o direito à alfabetização das crianças brasileiras até o final do 2º ano. A Corte apontou quatro riscos prioritários nas políticas de alfabetização nas cidades cearenses. Foram eles:
"Essas questões têm alta probabilidade de ocorrência e impacto significativo, exigindo atenção prioritária. Recomenda-se fortalecer o apoio técnico e financeiro aos municípios, capacitar gestores e priorizar a alfabetização nas agendas políticas locais", pontua o relatório final da auditoria.
O ponto financeiro é um dos analisados pelo levantamento. Segundo os dados coletados com as prefeituras cearenses, 81% das cidades não receberam repasses federais vinculados ao Compromisso Nacional em 2024. Contudo, isso não significa que os municípios não estejam sendo beneficiados, informa o Ministério da Educação.
Segundo a pasta do governo federal, as transferências não são feitas de forma direta, ou seja, da União para os municípios. Na verdade, o processo passa pelas gestões estaduais, que são as responsáveis por coordenar as ações com as prefeituras.
Esta reportagem integra série produzida pelo Diário do Nordeste sobre as políticas públicas para Primeira Infância e a atuação de entes públicos para garantir a efetividade das iniciativas voltadas a crianças em seus primeiros anos de vida.
Municípios sem recursos?
A auditoria sobre a implementação do Compromisso Nacional não foi realizada apenas no Ceará. Ela integra uma ação nacional dos tribunais de contas, originada no Comitê Técnico de Educação do Instituto Rui Barbosa, com a coordenação do Tribunal de Contas da União (TCU).
No Ceará, o levantamento foi realizado por meio de formulário eletrônico. Das 184 prefeituras cearenses, 144 responderam ao questionário do TCE Ceará, assim como a Secretaria de Educação do Estado.
Um dos pontos identificados pelo Tribunal foi quanto à chegada de recursos federais e estaduais nas cidades. Entre os municípios cearenses, 81% não receberam nenhum tipo de apoio financeiro da União para alfabetização em 2024, ligada ao Compromisso Nacional Criança Alfabetizada.
Também foi registrada uma ausência nos recursos estaduais. Segundo o relatório do TCE Ceará, 59% das cidades afirmam não ter recebido nenhum apoio financeiro do Estado para alfabetização em 2023 e 2024. "Essa distribuição desigual pode agravar as desigualdades educacionais entre os municípios", pontua o relatório nacional.
Mas o que isso significa para as políticas de alfabetização dos municípios cearenses? "Tem que analisar mais profundamente cada um dos contextos para entender se efetivamente afeta o resultado", pontua a auditora de Controle Externo do TCE Ceará, Priscila Lima.
Integrante do Comitê de Educação do IRB, ela atuou no levantamento a respeito da implementação do Compromisso Nacional Criança Alfabetizada.
"Os resultados de alfabetização do estado do Ceará, dos municípios do estado, são muito bons. (...) A questão de olhar para o orçamento era a seguinte: olha, eu já tenho uma ação de alfabetização nos municípios, veio o Compromisso. O que é que o Compromisso traz de novo? O que adicionalmente vem (para os municípios)?", detalha.
A auditora pontua que o levantamento indica a ausência de recursos, mas "não identifica causas". O indicativo, pontua ela, precisa então ser melhor investigado pelos próprios entes ou mesmo pelos tribunais de conta.
"Dou um spoiler aqui: esse mesmo comitê técnico de Educação (do IRB) está planejando o acompanhamento do Compromisso, quer continuar a monitorar esses resultados", destaca Priscila Lima.
MEC explica envio de recursos
A auditora explica que, por exemplo, existem municípios que conseguem continuar a efetivar as políticas de alfabetização mesmo sem a chegada de recursos de outros entes.
Os dados do levantamento apontam para o cenário descrito pela técnica. Dentre as cidades cearenses, 50% aumentou o orçamento voltado à alfabetização — no comparativo entre 2023 e 2024. Apesar disso, apenas 31% relaciona esse aumento ao Compromisso Nacional.
Outro elemento dado para explicar essa continuidade das políticas de alfabetização é dado pelo Ministério da Educação (MEC). Indagado pelo Diário do Nordeste a respeito da ausência de envio de recursos federais às cidades cearenses, a pasta pontuou que essa transferência nem sempre ocorre de forma direta.
Segundo o MEC, o apoio financeiro é feito a partir de diretrizes e normas emitidas pelo Comitê Estratégico do Compromisso Nacional Criança Alfabetizada (Cenac). Em 2023, o colegiado determinou que os repasses fossem feitos por meio do Plano de Ações do Território Estadual (Pate).
"Por meio do Pate, faz-se um levantamento da demanda por materiais suplementares e formação de profissionais da educação do estado e, especialmente, dos municípios. Com base nisso, o MEC celebra um termo de compromisso com o Estado, transferindo-lhe recursos para que ele execute as ações diretamente com os municípios", explica a nota.
Com isso, "apesar de não haver transferência de recursos financeiro diretamente ao município, ele é beneficiado pelas ações estaduais custeadas com o apoio federal". No Ceará, 148 cidades aderiram ao Pate e, portanto, estariam contempladas pelas ações estaduais financiadas pelo governo federal. Ainda segundo o MEC, foram repassados, ao Ceará, pouco mais de R$ 9,6 milhões para o Pate Material e cerca de R$ 25,6 milhões para o Pate Formação.
A Secretaria de Educação do Estado confirmou o sistema colaborativo oriundo do Compromisso Nacional Criança Alfabetizada.
"O fato dos municípios não terem recebido recursos financeiros oriundos do MEC, não significa que não estejam sendo beneficiados pelo programa, por meio do estado, que coordena e articula as ações estaduais custeadas com o apoio federal. (..) E as ações envolvem os serviços ofertados pelo Paic (Programa Alfabetização na Idade Certa)", reforça a pasta, em nota.
Outros riscos identificados
O relatório do TCE Ceará identificou ainda outros riscos às políticas de alfabetização nos municípios do estado. Um deles é o alto percentual de prefeituras cearenses a não contarem com uma política municipal de alfabetização. Segundo o levantamento, 81% dos municípios ainda não possuem uma Política de Alfabetização formalmente instituída.
"Isso resulta em uma lacuna de governança, onde a ausência de diretrizes claras compromete a capacidade dos gestores municipais de planejar e executar políticas consistentes e eficazes, prejudicando o alcance dos objetivos estabelecidos pelo Compromisso Nacional Criança Alfabetizada", afirma o relatório.
Os efeitos dessa ausência, ainda segundo a avaliação da equipe técnica do TCE Ceará, vão desde ações descoordenadas até a dificuldade na avaliação de resultados e correção de eventuais falhas no processo. As consequências podem chegar, inclusive, no Orçamento. "Sem uma política clara, os recursos destinados à alfabetização podem ser mal direcionados, aplicados em iniciativas que talvez não gerem o impacto desejado ou que não alcancem as populações mais necessitadas", elenca o texto.
O sistema de avaliação das políticas educacionais voltadas às crianças também foi um dos itens avaliados no levantamento. Os dados obtidos pelo levantamento demonstram uma alta participação nas avaliações disponibilizadas pelo Estado e pela União, mas uma ausência de sistemas próprios.
Do total, 97% participam da avaliação anual de matemática e língua portuguesa do Sistema Estadual de Avaliação da Educação Básica do Ceará. O índice de municípios cadastrados na plataforma digital de avaliações periódicas do Compromisso Nacional Criança Alfabetizada também é alto: 92% das prefeituras cearenses.
Além disso, 83% aplicam as avaliações periódicas disponibilizadas pelo Ministério da Educação.
No entanto, quando o TCE Ceará indaga sobre os sistemas municipais de avaliação, é perceptível que essa ainda não é uma prioridade dos municípios: 58% não faz avaliações de Matemática e Língua Portuguesa, enquanto 47% não possui sistema próprio de avaliação do processo de alfabetização.
"A falta de um sistema próprio pode indicar uma dependência dos municípios em relação às avaliações estaduais ou nacionais, o que, apesar de útil, pode não capturar todas as nuances específicas de cada localidade", pontua o relatório da Corte de Contas.
Recomendações às gestões estadual e municipais
Priscila Lima pontua que o levantamento identificou "algumas lacunas" e emitiu "alertas" aos gestores municipais e ao Governo do Ceará. A fiscalização foi elencada pelo TCE Ceará dentro de uma série de auditorias realizadas em torno da temática da Primeira Infância e embasaram o Pacto Cearense pela Primeira Infância, lançado no início de abril.
Na solenidade, realizada no dia 7 de abril, o presidente do TCE Ceará, Rholden Queiroz, explicou que estas auditorias não têm "viés punitivo". "Elas têm mais o viés de estar do lado do Município, apoiando naquilo que tem dificuldade. O Tribunal encontra dificuldades e ajuda a solucionar o problema", destaca.
Além do Tribunal, outros órgãos de controle aderiram ao Pacto, além do Poder Judiciário. Também são signatários o Governo do Ceará e as prefeituras cearenses.
Entre os compromissos assumidos estão, inclusive, alguns focados na Educação. O Governo do Estado, por exemplo, se comprometeu a "apoiar, por meio do sistema de colaboração entre o Estado e os municípios, a ampliação do acesso e qualidade da educação infantil da rede pública de ensino".
Os gestores municipais, por sua vez, se comprometeram a fortalecer a rede de serviços voltados à Primeira Infância, "em especial, na expansão de creches, centros de educação infantil e outros serviços essenciais, garantindo acesso a todas as crianças".
O levantamento sobre a implementação do Compromisso Nacional Criança Alfabetizada também fez recomendações e alertas aos gestores, especificamente sobre os instrumentos de alfabetização.
Ao Governo do Ceará, foi recomendado "manter e ampliar o apoio financeiro aos municípios", garantindo equidade como forma de "diminuir desigualdades existentes".
Além disso, foi sugerido que a gestão estadual oriente as escolas da rede pública de ensino a usar os resultados obtidos nas avaliações periódicas — sejam nacionais ou estaduais — para ajudar na recomposição de conteúdos para estudantes que apresentaram insuficiência na aquisição das competências.
Já aos gestores municipais é recomendado "instituir a Política Municipal de Alfabetização, para aqueles que ainda não o tiverem feito, de forma a direcionar o planejamento municipal na área".
Também é incentivado o apoio às respectivas secretarias municipais de educação — indo desde o apoio financeiro para o processo de alfabetização até o incentivo a identificar, premiar e disseminar "práticas pedagógicas e de gestão exitosas na alfabetização, desenvolvidas por professores da educação infantil e dos anos iniciais do Ensino Fundamental".
CGU alertou INSS sobre fraude bilionária em descontos de aposentados 7 meses antes de operação da PF
Por Alvaro Gribel / O ESTADÃO DE SP
BRASÍLIA - A auditoria realizada pela Controladoria-Geral da União (CGU) sobre desvios bilionários de benefícios de aposentados e pensionistas do País durou pelo menos três meses e chegou à cúpula do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) em setembro de 2024 – sete meses antes da Operação Sem Desconto, da Polícia Federal, que derrubou o então presidente do órgão Alessandro Stefanutto.
O foco da auditoria foi ouvir 1.242 beneficiários de todos os Estados para entender se eles haviam autorizado os descontos por parte de associações privadas. Elas ofereciam, em troca, serviços dos mais diversos tipos, como assistência funerária, consultas médicas e “maridos de aluguel” (reparos em residências). A auditoria aconteceu após o órgão constatar “súbito aumento” nos descontos, a partir de 2023, além de fragilidades nos controles do INSS, histórico de irregularidades nessa prática e elevado número de pedidos de cancelamentos dos descontos por parte dos aposentados.
“Este trabalho foi realizado devido ao súbito aumento no montante dos descontos de mensalidades associativas realizados na folha de pagamento de beneficiários do INSS (de R$ 536,3 milhões em 2021 a R$ 1,3 bilhão em 2023, podendo alcançar R$ 2,6 bilhões em 2024), aliado à fragilidade dos controles mantidos pelo INSS para a realização desses descontos, ao histórico de irregularidades reportadas, e ao elevado número de requerimentos, ao INSS, de cancelamento de descontos (192 mil em abril de 2024)”, diz o documento da CGU.
O valor final de 2024, de acordo com a Operação Sem Desconto, foi de R$ 2,8 bilhões – acima do projetado pela CGU.
7 em cada 10 desconheciam descontos
Nas conversas com beneficiários, os auditores descobriram que 97,6% dos entrevistados não haviam autorizado os descontos dos seus benefícios. É esse número que indica, segundo a CGU, que grande parte dos R$ 7,99 bilhões descontados desde 2016 tenham acontecido de forma irregular.
Além disso, a auditoria apontou que 72% sequer sabiam que estavam sendo descontados pelo INSS, que então repassava os recursos às associações. Isso porque o INSS parou de enviar o extrato físico com o detalhamento dos proventos e muitos dos aposentados e pensionistas não tinham acesso ao extrato pelo formato digital ou não iam a agências físicas.
“Verificou-se que 72,4% dos entrevistados desconheciam a existência do desconto associativo em seu benefício. Destaca-se que para conhecimento do desconto é necessário acessar o extrato, o qual não é mais enviado ao beneficiário, podendo ser requerido em uma Agência da Previdência Social ou pelo aplicativo Meu INSS”, disse o órgão.
Segundo a CGU, apenas 32% dos aposentados ouvidos já haviam acessado o aplicativo Meu INSS. “Ao serem questionados a respeito deste aplicativo, 42,4% informaram desconhecê-lo, enquanto 25,1% conheciam, mas nunca tinham utilizado”, afirmou o órgão.
Indícios de documentações fraudadas
A CGU separou os entrevistados em dois grupos. Para um primeiro, de 90 aposentados, fichas com autorização dos descontos foram encaminhadas ao órgão pelas associações. Quando confrontados com o documento, 81% dos aposentados negaram que haviam dado consentimento para os descontos, o que sugeriu fortes indícios de fraude.
“Este resultado, por sua vez, revela que as assinaturas podem estar sendo recolhidas sem o conhecimento do beneficiário sobre a finalidade ou inclusive que as documentações podem estar sendo fraudadas”, diz a CGU.
O órgão também descobriu que havia descontos de aposentados em Estados diferentes de onde as associações ofereciam serviços.
“Em que pese a possibilidade de as entidades celebrarem parcerias com outras entidades, correspondentes bancários ou representantes, o acesso aos serviços ofertados seria difícil, a menos que ocorresse de forma remota, o que seria improvável, dada a falta de familiaridade dos beneficiários com recursos digitais”.
Além disso, o órgão apurou que havia assinaturas de pessoas com deficiência, “o que os impede dessa manifestação de vontade”, além de indígenas que não sabiam ler nem escrever e “residentes no exterior e que não tiveram contato com associações quando estiveram no Brasil”.
Digitalização jogou contra aposentados
A digitalização do processo, segundo a CGU, tornou mais fácil para as associações se cadastrarem no INSS e aplicarem o golpe, ao mesmo tempo que atrapalharam a vida de aposentados que queriam cancelar os descontos irregulares. “Ante as fragilidades de controle identificadas, os resultados sinalizam que os beneficiários encontram mais dificuldades para bloquear os descontos do que as entidades para implementá-los, indicando fragilidade na proteção dos direitos dos beneficiários”.
O órgão aponta que os descontos poderiam ocorrer sem nenhuma análise por parte de servidores do INSS.
“Verifica-se que a transformação digital ocorrida no INSS sem o devido aperfeiçoamento dos controles internos elevou os riscos relacionados à realização de descontos associativos indevidos. Além de os descontos poderem ser realizados pelas entidades sem qualquer tipo de análise por um servidor do INSS”.
Com isso, o número de entidades saltou de 15 em 2021 para 22 em 2022, chegando a 33 em 2024 – sendo que 11 delas foram alvo de medidas judiciais da Operação Sem Desconto.
Recomendação de ‘bloqueio imediato’
Diante dos fortes indícios de irregularidades, entre as recomendações feitas pela CGU ao INSS estavam o “bloqueio imediato” dos descontos, além do aprimoramento da formalização dos convênios entre as associações e o INSS.
“Recomendou-se ao INSS o bloqueio cautelar e imediato de descontos de novas mensalidades associativas; o aprimoramento de procedimentos de formalização, acompanhamento da execução, suspensão e cancelamento de ACT (Acordos de Cooperação Técnica)”, diz o órgão.
A CGU diz que, ao contrário, que o INSS ignorou os alertas e seguiu dando autorizando o desconto dos benefícios dos aposentados. “Mesmo conhecendo essa situação, a existência de denúncias recorrentes acerca da realização de descontos associativos não autorizados pelos beneficiários, e a falta de capacidade operacional necessária para acompanhamento dos ACT, o INSS não implementou controles suficientes para mitigar os riscos de descontos indevidos”, disse a CGU.
O bloqueio dos descontos só foi anunciado nesta quinta-feira, 24, após a deflagração da Operação Sem Desconto. O ministro da CGU, Vinicius Carvalho, anunciou a suspensão dos convênios do INSS com sindicatos e associações e afirmou que os valores descontados de forma indevida serão restituídos aos beneficiários, mas ainda não há prazo para o ressarcimento integral.
Lula decide não ir a ato de 1º de Maio das centrais sindicais em SP
O presidente Lula (PT) decidiu não comparecer às comemorações de 1º de Maio convocadas pelas centrais sindicais em São Paulo, um ano após o fiasco de público do ato realizado no estádio do Corinthians, em Itaquera, na zona leste de São Paulo.
A aliados, o presidente argumentou que só iria se pudesse comparecer aos dois atos marcados —o da Força Sindical, UGT, CTB, CSB, Nova Central Sindical de Trabalhadores e Pública, na capital, e de sindicatos locais em São Bernardo do Campo, seu berço político. Mas avaliou que seria muito desgastante.
A CUT (Central Única dos Trabalhadores) participa apenas como convidada, e não organizadora, do ato realizado na praça Campo de Bagatelle, zona norte da cidade de São Paulo, por discordar da realização dos sorteios para atrair público.
Neste mandato, será a primeira vez que o petista não participa do ato das centrais —ele esteve em 2023 e 2024.
Nos dois primeiros mandatos de Lula, as centrais faziam atos separados, e Lula não costumava comparecer. Ia apenas a missas na igreja matriz em São Bernardo. Apenas em 2010, ano eleitoral, participou, ao lado da então candidata Dilma Rousseff (PT), dos atos da CUT e da Força Sindical.
Procurada, a Secom não respondeu sobre a participação do presidente nos atos de 1º de Maio deste ano.