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Emendas: apuração da GCU mirando ONGs e decisão de Dino mantendo suspensão ampliam impasse entre Poderes; entenda

Por  e — Brasília / O GLOBO

 

O impasse entre Poderes criado a partir da falta de transparência e do mau uso de emendas parlamentares se acentuou na terça-feira a partir da divulgação de conclusões da Controladoria-Geral da União (CGU) sobre o emprego desses recursos. No mesmo dia, o ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), manteve decisão de suspender a execução dos repasses, um recado de que uma solução elaborada de forma improvisada pelo Legislativo não deve prosperar.

 

O tensionamento ocorre no momento em que o Senado se prepara para votar um projeto que prevê novas regras para atender o STF. O texto deve ir ao plenário hoje, mas ainda sem acordo sobre as modificações.

 

A CGU identificou que sete Organizações Não-Governamentais (ONGs) beneficiadas com R$ 482,3 milhões em emendas parlamentares entre 2020 e 2024 não têm capacidade técnica para executar os projetos para os quais receberam os recursos. A auditoria, enviada ao STF após determinação de Dino, também apontou indícios de mau uso da verba e falta de transparência.

 

As dez ONGS que mais receberam recursos de congressistas foram avaliadas pela CGU neste relatório. Além das sete em que não existe estrutura para desempenhar as tarefas indicadas pelos congressistas, há dois casos com indícios de sobrepreço, quando o custo orçado fica acima dos valores de referência. A análise mostra ainda um episódio de possível superfaturamento, que ocorre quando, por exemplo, a medição de uma obra é intencionalmente modificada para que uma empresa receba mais pelo serviço.

 

Um outro relatório da CGU que analisou 256 obras financiadas pelos parlamentares constatou ainda que 38,6% delas sequer começaram (mais detalhes na página 5).

 

Congresso intimado

Com os resultados em mãos, Dino intimou a Câmara, o Senado e as demais partes envolvidas no processo a se pronunciarem sobre o conteúdo dos relatórios em até dez dias úteis. Encerrado esse prazo, a Procuradoria-Geral da República (PGR) terá mais dez dias para apresentar sua posição. Os repasses monitorados pela CGU sobre as ONGs incluem emendas individuais, de bancada, comissão e de relator, o extinto orçamento secreto. A avaliação é uma consequência das ações que discutem as emendas parlamentares.

 

O órgão priorizou a fiscalização das entidades que mais receberam recursos federais nos últimos anos, caso da Con-tato, sediada no Rio e abastecida com R$ 195,7 milhões no período analisado.

Segundo a CGU, a estrutura administrativa da entidade é insatisfatória. “Os mecanismos de governança da entidade são inadequados, frágeis e desatualizados, impactando a transparência nas operações e nas tomadas de decisões, além de inexistir instâncias que deliberem sobre a execução de projetos”, aponta a auditoria. A auditoria mostra ainda falhas na transparência, como falta de detalhamento nas contratações, e planos de trabalho imprecisos, que impedem o monitoramento das ações. “A imprecisão nas especificações das contratações impossibilita afirmar se os objetos contratados foram executados de forma satisfatória”, diz o relatório.

 

Procurada, a Contato disse que todos os seus processos estão públicos nas plataformas do governo e negou irregularidades.

A segunda entidade que mais recebeu emendas foi o instituto Realizando o Futuro, também do Rio, com R$ 106,7 milhões entre 2020 e 2024. Segundo a CGU, a ONG “não possui capacidade técnica e operacional para a adequada execução dos projetos”. Para chegar a essa conclusão, a auditoria aponta que a estrutura física da entidade é insuficiente, os planos de trabalho não têm metas claras e a experiência prévia para desempenhar as tarefas não ficou comprovada. Além disso, foi identificada uma despesa de R$ 2,5 milhões “não revertida” a um projeto bancado com uma emenda de R$ 8,3 milhões do deputado Gurgel (PL-RJ).

 

Segundo a CGU, o valor se destinava à qualificação profissional de 3,6 mil beneficiários em 40 polos espalhados pelo Rio. O instituto, porém, previu a compra de 6,6 mil kits para contemplar os alunos, quase o dobro do necessário. A auditoria acrescenta que houve outras compras em patamar significativamente superior ao previsto, injustificadamente.

 

O parlamentar não se manifestou. A ONG disse que tem “corpo técnico qualificado e infraestrutura adequada para a execução dos projetos”. Sobre as despesas que não foram direcionadas ao projeto, a entidade afirmou que pretende fechar um acordo para devolver os recursos.

A ausência de capacidade para executar as ações bancadas com verba pública também foi apontada em relação ao Instituto Léo Moura Sports, que de 2020 a 2024 recebeu R$ 69,2 milhões em emendas. Segundo a CGU, a entidade “não possui infraestrutura técnica e operacional para execução dos projetos”.

 

A ONG nega irregularidades e diz que está com as obrigações em dia. Mas os técnicos afirmam que a entidade não tinha experiência anterior e que, após a sua fundação até 2020, quando começou a receber emendas, ficou quatro anos sem movimentação financeira e sem executar qualquer projeto.

 

Além disso, “não há divulgação de dados detalhados relativos ao recebimento e à execução dos recursos”. Uma das irregularidades encontradas foi um indício de superfaturamento de R$ 2,6 milhões e um possível sobrepreço de R$ 373 mil em quatro convênios. De acordo com a auditoria, o instituto não apresentou documentos que comprovem a entrega de equipamentos comprados. Empresas que participaram de editais, ao serem procuradas pela CGU, não confirmaram as cotações apresentadas.

 

O dinheiro para bancar esses convênios saiu do orçamento secreto, de emenda de bancada do Rio e de duas emendas individuais do deputado Luiz Lima (PL-RJ), que somam R$ 5,1 milhões. Procurado, Lima disse ter cortado relações com a entidade.

 

— Não fiz mais repasses depois da recomendação da CGU — afirmou ele.

 

O relatório identificou outro possível sobrepreço, de R$ 394 mil, em uma contratação feita pelo Instituto Fair Play, abastecido com R$ 16 milhões em emendas entre 2020 e 2024. De acordo com a CGU, houve falhas na cotação de preços, com empresas que participaram de editais apresentando valores muito próximos e objetos comprados por valores superiores aos de mercado. Neste caso, as irregularidades foram encontradas em recursos encaminhados por Gurgel e pela ex-deputada Clarissa Garotinho. Procurados, o instituto e a ex-parlamentar não se manifestaram.

 

Votação no Senado

A proposta que deve ser votada hoje pelo Senado para instituir novas regras para as emendas é relatada por Angelo Coronel (PSD-BA), que também havia sugerido um projeto sobre o assunto. Na segunda-feira, o presidente do Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), admitiu que deve haver mudanças no texto já aprovado pela Câmara. O líder do governo no Congresso, Randolfe Rodrigues (PT-AP), afirma que a base governista tentará alterar um trecho para aumentar a possibilidade de corte nos valores das emendas.

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