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Governo deixa de comandar debate sobre jornada de trabalho

Por Vera Magalhães / O GLOBO

 

O assunto que mais mobilizou a base social de Lula a favor de uma causa neste ano nasceu e ganhou a praça pública sem que o governo visse. Pior: o presidente e seus ministros estão tão enrolados numa discussão bizantina sobre cortes de gastos, prolongando de forma inexplicável um tema que dizem detestar, que não conseguem nem se desvencilhar para, quem sabe, adquirir algum protagonismo na discussão sobre a redução da jornada de trabalho.

 

Enquanto Lula prolonga o próprio desgaste e submete o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, a uma provação pelo simples fato de ter, com seu aval, erigido um arcabouço fiscal para que o governo pudesse conquistar a confiança dos agentes econômicos, foi uma deputada de sua base, Erika Hilton (PSOL-SP), quem percebeu o nascimento de uma demanda pela redução da escala de seis dias de trabalho por apenas um de folga, chamada 6 x 1, e começou a recolher apontamentos para uma Proposta de Emenda à Constituição que altere essa jornada, predominante hoje em alguns setores, sobretudo no comércio. Diferentemente de outras discussões trabalhistas que o governo esboçou, todas marcadas pelo forte viés sindicalista do ABC dos anos 1980 e 1990, a reivindicação pelo aumento dos dias de descanso pegou.

 

Hilton ancorou sua proposta numa discussão que nasceu na sociedade, em vez de tentar, a partir de seu gabinete, criar a demanda social. Na justificativa à proposta por cujos “apoiamentos” agora batalha, apresentou uma justificativa abrangente, que vai desde a necessidade de cuidar da saúde mental dos trabalhadores e lhes dar mais tempo para a família até a falta de espaço para aprimoramento intelectual e técnico para executar o próprio trabalho e buscar melhora na carreira no futuro.

 

O resultado é que a ideia ganhou adesão num público que vai além do simpatizante da esquerda psolista, por mais que tenha pontos a ser debatidos, como a viabilidade econômica de uma jornada de quatro dias de trabalho por três de descanso, que parece pequena num país como o Brasil.

 

A deputada, consegue, assim, além de indicar ao governo uma maneira de conversar com a tal base social para cujos corações e mentes parece ter perdido o mapa, mostrar aos próprios pares do partido que há questões além das pautas identitárias a que dedicar um mandato parlamentar. Não é de hoje que Hilton demonstra ter visão política e habilidade de negociação com quem pensa diferente para muito além do estereótipo com que a extrema direita tenta estigmatizá-la.

 

Ao perceber, tardiamente, o buzz em torno da escala 6 x 1 nas redes sociais, o governo demorou a falar alguma coisa. O ministro Luiz Marinho, ocupado que estava em tentar impedir o pacote de corte de gastos, emitiu uma nota dúbia, em que não se diz nem a favor nem contra o projeto, apenas repisa a necessidade de negociação coletiva para temas como a jornada de trabalho.

 

É bastante sintomático da dificuldade da pasta de Marinho de navegar na discussão sobre proteção aos direitos trabalhistas no mundo de hoje o fato de a discussão surgida nas redes e abraçada pela deputada do PSOL ter atingido o público em cheio, enquanto a tentativa do governo de regulamentar a partir de suas próprias premissas o trabalho por aplicativos nunca chegou a obter apoio dos próprios destinatários da proposta — hoje, majoritariamente anti-Lula, muito em razão da forma atabalhoada como se deu a construção desse projeto que agora dormita no Congresso.

 

Se Lula tivesse anunciado o pacote de cortes logo depois das eleições, teria amansado o mercado e, agora, estaria livre para não só comandar esse bom debate, que fala direto ao seu eleitorado, como para ciceronear os chefes de Estado do G20 tranquilamente. O tema é a escala 6 x 1, mas 2024 é um ano em que o governo vem se arriscando a perder por 7 a 1, por falhas de sua própria equipe.

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