só 1,4% dos servidores públicos federais
Luany Galdeano / folha de sp
Pessoas com deficiência, que têm seu Dia Internacional lembrado nesta terça-feira (3), compõem apenas 1,4% dos servidores no Executivo federal, segundo dados do painel estatístico de pessoal. A cifra fica muito atrás da demografia desse grupo, que representa 8,9% da população do país, de acordo com o último dado divulgado pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
A ação das juntas médicas de concursos, que avaliam se um profissional com deficiência está apto ou não para assumir um cargo, e desafios no acesso à educação ajudam a barrar a entrada de mais pessoas com condições físicas, sensoriais e intelectuais diferentes no setor, de acordo com especialistas.
No início deste ano, Lucas Antonio de Oliveira, 27, foi aprovado em um concurso público para agente educacional de secretaria escolar na prefeitura de Piraquara (PR). Para assumir o cargo, ele, que é cego, precisou passar por três juntas médicas. Em todas, foi considerado inapto para a posição.
Desde 2018, Lucas já é servidor público em outra cidade paranaense, onde atua cadastrando beneficiários de programas sociais. Em Piraquara, a posição era para funções mais burocráticas, segundo o edital.
Isso inclui, por exemplo, encaminhar correspondências, redigir documentos e manter em dia dados de profissionais da escola. De acordo com Lucas, ele informou à banca que faria essas atividades usando leitores de tela.
Mas, na descrição do cargo, atender e acompanhar alunos também estaria entre as responsabilidades. Foi essa uma das justificativas que deram a ele para rejeitar sua posse, segundo o servidor.
"Disseram que cegos não poderiam trabalhar [ali] porque envolve crianças", diz Lucas. "Perguntei ao médico por que e ele falou que não discutiria aspectos técnicos comigo."
Procurada, a prefeitura de Piraquara não respondeu aos questionamentos da reportagem até a publicação deste texto.
No setor público federal, o INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) é o principal empregador de pessoas com deficiência, de acordo com dados do painel estatístico de pessoal. Em seguida, vêm os ministérios da Fazenda e da Saúde.
Tanto no setor público quanto no privado, ainda é comum comparar a forma como pessoas com e sem deficiência fazem tarefas do dia a dia, de acordo com Guirlanda Benevides, coordenadora do Núcleo de Pesquisa sobre Mercado de Trabalho e Pessoas com Deficiência, vinculado ao Cesit (Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho) da Unicamp.
Na opinião dela, isso fortalece o capacitismo, já que o profissional com alguma demanda física ou sensorial pode não fazer o trabalho da mesma maneira que os demais –o que não significa que ele seja incapaz de concluí-lo.
Segundo Guirlanda, são as pessoas com deficiência que devem decidir se estão aptas ou não para assumir um cargo.
"Quando falamos desse grupo, os critérios são diferentes. Sempre existiu um conflito entre como o setor avalia o que o profissional com deficiência pode ou não fazer e como o próprio profissional se autoavalia", afirma.
Segundo Anna Paula Feminella, secretária nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência, a solução não seria eliminar as bancas dos concursos, já que essa é uma etapa necessária para confirmar se a pessoa de fato tem uma deficiência, como ocorre na heteroidentificação racial.
Mas, para a secretária, a banca pode se tornar mais humanizada com a regulamentação da avaliação biopsicossocial, método que inclui outros profissionais além dos médicos, como psicólogos. Com essa análise, é possível entender não só as barreiras físicas, mas sociais que a pessoa com deficiência encontra ao assumir uma vaga, de acordo com a secretária.
"Juntas médicas precisam mudar o paradigma para perceber não o impedimento do indivíduo, mas, sim, sua funcionalidade para o cargo que ele está concorrendo", diz. "A avaliação biopsicossocial não fica só na ideia de CID [Classificação Internacional da Doença], porque deficiência e doença são coisas distintas."
A secretária afirma ainda que outro desafio para avançar no acesso dessa população a cargos no setor público é o baixo índice de escolaridade.
Dados do IBGE divulgados no ano passado apontam que a taxa de analfabetismo entre pessoas com deficiência é de 19,5%, cifra que cai para 4,1% no restante da população. Só 25,6% de brasileiros com alguma demanda física ou sensorial concluíram pelo menos o ensino médio. Entre pessoas sem deficiência, a taxa é de 57,3%.
As barreiras podem persistir mesmo entre profissionais que passaram pelo sistema de ensino e pretendem fazer concurso público. Pessoas alfabetizadas em Libras (Língua Brasileira de Sinais), por exemplo, podem ter mais dificuldade para encontrar preparatórios para o certame ensinados nessa modalidade.
De acordo com a senadora Mara Gabrilli (PSD-SP), para além do acesso via concurso, também é preciso avançar em políticas que ajudem a manter pessoas com deficiência em cargos no setor público.
Em sua experiência no Senado, rampas, elevadores acessíveis e um sistema de votação pelo movimento facial permitiram que ela exercesse suas funções de forma independente.
Mas, segundo a senadora, ainda há barreiras de acessibilidade no setor público: para além da falta de estrutura física, tecnologias assistivas e adaptação de sistemas internos continuam incipientes. A mudança de cultura entre servidores, para que passem a entender a necessidade de incluir profissionais com deficiência, também permanece sendo um desafio.
"Muitos gestores e colegas não estão preparados para entender que a inclusão é um direito e que adaptações razoáveis não são privilégios, mas garantias legais", diz. "Embora as ações afirmativas sejam um marco importante, a baixa representatividade demonstra que as medidas precisam ser ampliadas e acompanhadas de fiscalização rigorosa, formação de gestores e campanhas de conscientização."
Prestes a deixar Prefeitura de Fortaleza, Sarto não teve nenhuma conta de gestão julgada pelo TCE-CE
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A um mês da troca na condução da Prefeitura de Fortaleza, o Tribunal de Contas do Estado do Ceará (TCE) ainda não julgou nenhuma das contas do governo de José Sarto (PDT). As finanças do primeiro biênio da gestão apenas receberam parecer do Ministério Público de Contas (MPC) no segundo semestre de 2024.
Todo o trâmite até o plenário do TCE, como consta na Lei Orgânica do órgão, deve ser finalizado em até 12 meses após a chegada das contas ao Tribunal. O prefeito tem até 31 de janeiro do exercício seguinte para enviar as contas à Câmara Municipal, que deve remetê-las à Corte até 10 de abril.
Pelo que se observa, contudo, as contas do primeiro ano da Gestão Sarto, 2021, ainda estão sob análise. Por outro lado, esse prazo pode ser prolongado quando:
- For determinada a suspensão da instrução ou do julgamento do processo;
- Houver decisão judicial que impeça o prosseguimento da instrução ou do julgamento;
- Houver parcelamento do pagamento do débito apurado ou da multa aplicada, até o seu recolhimento integral;
- Outras situações que justifiquem a suspensão do prazo, mas não detalhadas na Lei Orgânica e no Regimento Interno.
O PontoPoder buscou o Tribunal de Contas do Estado para entender por que os processos estão atrasados. Quando houver resposta, a matéria será atualizada.
O processo relacionado ao exercício financeiro de 2021 está sob relatoria do conselheiro Edilberto Pontes, enquanto o relativo a 2022 está sob responsabilidade da conselheira Patrícia Saboya. O primeiro recebeu parecer da 1ª Procuradoria de Contas em agosto deste ano, e o segundo recebeu em 22 de novembro.
Na última segunda-feira (25), Saboya demandou audiência com a Prefeitura a fim de “apresentar justificativa e/ou documentos sobre os fatos elencados” no relatório técnico que embasou o encaminhamento contido no parecer do Ministério Público de Contas. Já o processo sob Pontes não teve nenhum andamento desde então.
O MPC emite pareceres técnicos opinativos nos processos de prestação de contas, mas a emissão do Parecer Prévio é de competência do Plenário do TCE, que analisa o processo em sua integralidade, como esclarece o Tribunal.
“Cabe ao colegiado, com base nas informações apresentadas no relatório técnico, no parecer ministerial e nos documentos encaminhados pelo gestor, apreciar o relatório e o voto elaborados pelo conselheiro relator e emitir o Parecer Prévio, que pode ser pela aprovação, aprovação com ressalvas ou desaprovação das contas”, completa a Corte, em nota.
Ainda segundo a Lei Orgânica e o Regimento Interno do TCE, não havendo interposição de embargos de declaração, o parecer prévio será encaminhado à Câmara Municipal e ao prefeito. O Legislativo vai apreciar o documento e a decisão decretada nessa instância será conclusiva, não cabendo mais qualquer apreciação por parte do Tribunal de Contas.
Nos dois primeiros anos, os problemas apontados nas contas da Gestão Sarto foram os mesmos: repasses menores que o necessário ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e a abertura de créditos suplementares sem recursos para lhes cobrir.
Contas de 2021
O último relatório de instrução, considerado pelo MPC no parecer, relacionado ao exercício financeiro de 2021 foi emitido em fevereiro e opinou pela emissão de parecer prévio com desaprovação das contas pelo TCE à Câmara Municipal.
O texto aponta como problema a abertura de créditos suplementares, indicados em seis decretos, sem saldo suficiente no momento da publicação. Essa modalidade garante recursos oriundos do excesso de arrecadação daquele ente federado para áreas que demandem reforços orçamentários ao longo do ano.
Segundo o relatório, o montante total de abertura de créditos utilizando a fonte de recursos “Excesso de arrecadação” foi de R$ 702.871.025. Contudo, como diz o TCE, não houve excedente “suficiente para amparar o valor utilizado nos decretos como fonte de recurso”.
Para isso, recomendou que a administração municipal, ao utilizar a fonte de recursos “Excesso de arrecadação” para esse fim, adote medidas para se certificar da existência desse orçamento e busque viabilizar a concretização do referido excesso de arrecadação ao fim do exercício.
Outro problema identificado pelo Tribunal foi o repasse de R$ 4.598.277,77 a menos ao INSS, na diferença de valores consignados a título de Contribuição Previdenciária. Nesse caso, o relatório de instrução recomendou que o Município adote medidas para repassar ao INSS, “em tempo hábil e de forma integral”, os valores devidos.
Analise detalhada
A Prefeitura de Fortaleza esclareceu, nos autos, que no cálculo do excesso foram considerados o saldo positivo das diferenças acumuladas mês a mês entre a arrecadação prevista e a realizada, além da tendência do exercício – apesar de este argumento não ter sido citado nos próprios decretos.
A arrecadação, contudo, foi cerca de R$ 86 milhões a menos que o previsto, constatou o TCE, configurando insuficiência de arrecadação. Apesar disso, a gestão argumentou que somente executou despesas “dentro da disponibilidade financeira para cada fonte de recurso, prezando pelo equilíbrio e responsabilidade fiscal”.
Ainda assim, não foi isso que o Tribunal detectou em alguns gastos. “Ressalta-se que na presente análise não se está avaliando a regularidade da etapa de execução da despesa relacionada ao referido crédito aberto, não sendo acatadas as justificativas do interessado, as quais citaram a disponibilidade financeira das fontes de recurso”, o que não ocorreu, apontou o relatório.
Quanto aos repasses do INSS, a gestão municipal chegou a informar que o déficit seria cerca de R$ 2,5 milhões em relação ao calculado pelo TCE. De fato, a Corte constatou o pagamento desse valor em 2021, mas referente ao exercício de 2020.
A Prefeitura também argumentou que os repasses podem ser feitos até o dia 20 do mês subsequente à consignação, estendendo um pouco o prazo até janeiro de 2022. O Tribunal não recebeu documentação comprobatória dos processos de pagamentos ao INSS nesse período, mas verificou uma parte do valor em consulta ao Sistema de Informações Municipais (SIM).
Foram pagos R$ 3.350.576,88, mas ainda restaria o montante de R$ 1.247.700,89 sem comprovação de registro no SIM.
O relatório acrescentou que, a partir do exercício de 2019, “tal irregularidade seria considerada como determinante para desaprovação das contas, não sendo suficiente a apresentação da Certidão Positiva com Efeitos de Negativa de Débitos de Tributos Federais”.
Contas de 2022
O último relatório de instrução relacionado ao exercício financeiro de 2022 foi emitido em setembro e opinou pela emissão de parecer prévio com desaprovação das contas pelo TCE à Câmara Municipal.
Quanto à abertura de créditos suplementares utilizando a fonte de recursos “Excesso de arrecadação”, o Tribunal indicou o empenho de R$ 1.284.947.468 em valores.
Novamente, o relatório de instrução diz que, “ao final do exercício, não houve a concretização do excesso de arrecadação suficiente em relação ao montante total dos decretos, ou seja, restou abertura de crédito sem a correspondente fonte de recurso”.
Para isso, recomendou que a administração municipal, ao utilizar a fonte de recursos “Excesso de arrecadação” para esse fim, adote medidas para se certificar da existência desse orçamento e busque viabilizar a concretização do referido excesso de arrecadação ao final do exercício.
Já o outro problema foi um repasse de R$ 7.423.473,70 a menos do que deveria ao INSS. A recomendação do Tribunal foi a mesma de 2021.
Análise detalhada
Na análise das contas de 2022, a Prefeitura usou os mesmos esclarecimentos do ano anterior nos autos sobre o cálculo do excesso de arrecadação. De fato, em alguns decretos, o TCE constatou a existência de excedentes que justificassem a abertura dos créditos adicionais. Em outros, contudo, não existia essa possibilidade.
“Ressalta-se que na presente análise não se está avaliando a regularidade da etapa de execução da despesa relacionada ao referido crédito aberto, não sendo acatadas as justificativas do interessado, as quais citaram a disponibilidade financeira das fontes de recurso, destacando-se a informação de utilização do superávit financeiro para compensar insuficiências em alguns decretos, sendo que os referidos decretos foram abertos por meio da utilização de excesso de arrecadação”, acrescenta o relatório.
Nas Forças Armadas do Reino Unido, faltaram 5.800 soldados no ano passado. O jornal especializado UK Defence revelou que o país não atinge as metas de recrutamento desde 2010. Os Estados Unidos, maior potência militar do mundo, também enfrentam dificuldad
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Da falta de medicamentos e insumos básicos ao atraso nos pagamentos de profissionais, o Hospital e Maternidade Dra. Zilda Arns Neumann, no bairro Demócrito Rocha, mais conhecido como Hospital da Mulher de Fortaleza, tem acumulado diversos problemas. Os relatos são de trabalhadores e usuários da unidade.
Uma das situações mais complicadas ocorre justamente na área neonatal. A falta de cateter de infusão, equipamento necessário para injetar medicações em bebês recém-nascidos, levou ao bloqueio de quatro leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) neonatal, desde a última sexta-feira (22).
A denúncia foi checada pelo secretário-geral do Sindicato dos Médicos do Ceará, Leonardo Alcântara, nessa segunda (25), e a situação se mantinha. “Tem lá uma UTI neonatal com dez leitos, e a falta deste material fez com que quatro fossem bloqueados”, inicia.
“Ou seja, num sistema de saúde em que já é difícil conseguir leito de UTI, ter quatro leitos bloqueados pela falta de um material que não chega a custar R$100 mostra uma ineficiência na gestão”, observa o médico.
Uma fonte ligada ao hospital, ouvida pelo Diário do Nordeste, afirma que cirurgias eletivas gerais têm sido “canceladas por falta de material”, registros que se repetiram até essa terça-feira (26). “Escalas de médicos também foram reduzidas”, disse.
A redução é sentida na ponta da assistência. A feirante Valéria Ribeiro, 42, precisou esperar “mais de um ano na fila” para conseguir uma consulta especializada com ginecologista no Hospital da Mulher. Na unidade, aguardou cerca de 3 horas pela chegada do médico – e, no fim, não conseguiu o que precisava.
“Vim pra reiniciar o tratamento de endometriose, que parei na pandemia. Mas aqui, hospital pra mulher, não tem. O médico disse que nem o exame de mapeamento faz aqui. Vou voltar pra fila de espera do posto de saúde e ver se consigo em outro canto”, queixa-se a mulher, que aguarda ainda na fila há 3 anos para uma ultrassom mamária.
O Hospital da Mulher atua como um equipamento de retaguarda, ou seja, não recebe casos de urgência e emergência, segundo a Prefeitura. Há duas formas de acesso: via referência, quando o usuário do Sistema Único de Saúde (SUS) é encaminhado por outra unidade hospitalar; ou por procedimentos eletivos, mediados por profissionais do posto de saúde.
Atraso salarial
Nos bastidores da assistência, profissionais da unidade também acumulam queixas. Reclamam, sobretudo, de atraso no pagamento dos salários, reflexo semelhante ao que tem acontecido no Instituto Dr. José Frota (IJF), maior hospital municipal da cidade.
Ainda segundo Leonardo Alcântara, o Sindicato dos Médicos já oficiou o Hospital da Mulher e a Secretaria Municipal de Saúde (SMS) sobre os problemas encontrados. Porém, a entidade não tem tido retornos recentes sobre quando serão dadas soluções práticas.
A fonte do hospital ouvida pela reportagem reitera a reclamação, apontando que alguns profissionais médicos “não receberam ainda os salários de setembro nem de outubro”.
O que diz a Prefeitura
Em entrevista ao Diário do Nordeste após audiência de conciliação sobre a crise no IJF, Galeno Taumaturgo, secretário municipal de Saúde, afirmou que a Pasta está “acompanhando também de perto e vendo as soluções que são possíveis” para o Hospital da Mulher.
O gestor justificou que as faltas de materiais e insumos têm a ver com a “mudança de gestão”. “De certo modo, o fornecedor fica receoso em fazer entregas e não receber, mas nós estamos tentando resolver essas situações para que nós possamos amenizar a situação de todos os hospitais”, pontuou.
Em nota, a SMS negou que as escalas de médicos tenham sido reduzidas, e reforçou que “a unidade segue em pleno funcionamento com atuação de cerca de 1.400 profissionais, entre médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, fonoaudiólogos, psicólogos, nutricionistas, farmacêuticos, técnicos, administrativo, dentre outros”.
Quanto ao cateter que seria a causa do fechamento dos leitos de UTI neonatal, a secretaria informou que “as medidas para adquirir o insumo indicado estão em andamento, com previsão de regularização até a próxima semana”.
Sobre os atrasos salariais, a Pasta afirma que “o processo de atualização dos pagamentos às cooperativas já foi iniciado, sendo que o equipamento é composto por servidores, terceirizados e cooperados”.
Em relação ao tratamento para endometriose, a SMS frisou que “a unidade hospitalar não é referência para o tratamento da patologia”, e que “os casos complexos desta doença ginecológica são encaminhados, via Central de Regulação do Município, para a unidade Maternidade Escola Assis Chateaubriand (MEAC), de gestão federal”.
Por fim, sobre o fluxo para consultas, exames e cirurgias com especialistas, a secretaria reiterou que “o período para o atendimento depende de fatores como classificação de risco, ordem cronológica e disponibilidade de vagas”, mediados pela Central de Regulação.
Gastos com seca e enchentes no RS ficam fora da meta fiscal, mas elevam dívida pública
Por Geralda Doca— Brasília / O GLOBO
Mesmo com a previsão oficial de fechar este ano com as contas públicas dentro da meta fiscal, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva deve entregar um rombo maior, estimado em R$ 64,4 bilhões pelo próprio Executivo. Por decisões judiciais ou determinação legal, o governo tem tirado do cálculo da meta algumas despesas. No entanto, mesmo que isso seja autorizado por lei, esses gastos não escapam da dívida pública. O resultado é o aumento da previsão do endividamento do governo brasileiro mesmo com o pacote de cortes anunciado na semana passada, o que preocupa especialistas.
Neste ano e no próximo, a meta do governo é um resultado zero. Ou seja, receitas iguais às despesas. O arcabouço fiscal, porém, permite que se chegue a um resultado negativo de até 0,25% do Produto Interno Bruto, o equivalente hoje a R$ 28,7 bilhões. Mas nos dois anos a conta no vermelho vai ser maior que essa.
Em 2024, isso vai acontecer principalmente devido aos chamados créditos extraordinários, editados para fazer frente a situações imprevisíveis e urgentes. As regras fiscais permitem que esse tipo de despesa seja computado fora da meta. Por isso, gastos para combater incêndios — decorrentes da seca — e para lidar com as chuvas no Rio Grande do Sul não serão contabilizados, embora engordem o déficit “real” das contas públicas.
Para o ano que vem, o resultado previsto pelo próprio governo é de um rombo de R$ 40,2 bilhões. Dessa vez, o déficit será maior porque o governo vai pagar R$ 44,1 bilhões em precatórios fora da meta com autorização do Supremo Tribunal Federal (STF). Precatórios são gastos decorrentes de decisões judiciais.
— Os abatimentos previstos na legislação têm ajudado o governo na tarefa de cumprir as metas fiscais, mas podem mascarar a situação das contas públicas. Independentemente desses abatimentos, a dívida pública pode subir mais — disse Alexandre de Andrade, economista da Instituição Fiscal Independente (IFI), ligada ao Senado Federal.
Estimativas da IFI apontam a que a dívida pública deve atingir 84,1% do Produto Interno Bruto (PIB) no fim de 2026. Em dezembro de 2022, o percentual do endividamento estava em 71,7%. Pulou para 78,6% do PIB em outubro deste ano. Com a piora do resultado das contas e o aumento da taxa de juros, o próprio governo já vê a dívida bruta em 81,6% a partir de 2026.
Segundo Andrade, é pouco provável que o governo consiga estabilizar a dívida em relação ao PIB em razão da dificuldade de realização de superávits primários nos próximos anos. Em 2024, destacou, houve o ingresso de quantias expressivas de arrecadação de Imposto de Renda sobre o estoque dos fundos exclusivos e das offshores (R$ 22,8 bilhões), receita que não se repetirá nos próximos exercícios.
Sinal de risco
O patamar de 80% do PIB de endividamento bruto é considerado um marco por especialistas porque é visto como alto para um país com as características do Brasil. Nas estatísticas do Banco Central, a única vez em que a dívida bruta ficou acima de 80% do PIB foi durante a pandemia de Covid-19.
Procurado o Ministério da Fazenda não quis comentar. O Ministério do Planejamento argumentou que do valor descontado da meta neste ano quase a sua totalidade refere-se a calamidades públicas (Rio Grande do Sul e seca) e 4% à decisão do Tribunal de Contas da União acerca do Judiciário. A pasta alega que a dispensa do alcance da meta fiscal era prevista.
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“A dispensa do atingimento de resultados fiscais já era prevista na própria Lei de Responsabilidade Fiscal, e foi aprofundada pelo Congresso Nacional em 2020”, afirma o ministério.
A situação é preocupante, mesmo com o pacote anunciado pelo governo na semana passada. Um dos objetivos do pacote, como repetiu o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, é fazer com que o governo consiga cumprir o arcabouço fiscal. — O pacote não ajuda a reduzir a dívida. Zero chance porque não endereça qualquer vetor estrutural de aumento da despesa — disse o economista-chefe da ARX investimentos, Gabriel Leal.
Ele lembrou que há um avanço continuado de despesas que estão sendo deduzidas tanto do limite de gastos, quanto da meta de resultado primário, sobretudo no segundo mandato do presidente Lula e, posteriormente, de Dilma Rousseff:
— Nesse período, o excesso de deduções produziu uma piora e desancoragem das expectativas dos agentes econômicos sobre o quadro fiscal, contaminando a curva de juros e a taxa de câmbio. A origem do problema é fiscal e apenas uma resposta contundente é capaz de reverter a piora substancial que temos visto — disse Leal.
O pacote anunciado na semana passada inclui mudanças nos parâmetros de reajuste do salário mínimo, no abono salarial, pente-fino no Benefício de Prestação Continuada (BPC) e no Bolsa Família, idade mínima para aposentadoria dos militares, entre outras ações pontuais.
O aumento da isenção do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF) para quem ganha até R$ 5.000 — uma das promessas de Lula quando era candidato à Presidência — foi anunciado de surpresa e foi mal recebido pelo mercado devido a dúvidas em relação a como essa perda de receita será compensada e por ter se misturado ao pacote de corte despesas.
Para compensar a medida o governo anunciou um imposto mínimo de IR de 10% para quem recebe mais de R$ 50 mil por mês. Esse cenário fez o dólar fechar a R$ 6 na sexta-feira, renovando o valor recorde nominal pelo terceiro dia seguido.
Busca por receitas
O pesquisador e associado do Insper Marcos Mendes disse que o governo terá que continuar com a estratégia de buscar mais receitas para fechar as metas de resultado primário para cobrir despesas que continuarão com crescimento real. Ele explicou que o pacote visa mais uma mudança na composição dos gastos, abrindo espaço para aumentar despesas discricionárias, mediante redução de despesas obrigatórias. O gasto com Saúde e Educação vai continuar pressionando o Orçamento, exemplificou.
Ele destacou que o trabalho do Banco Central de combate à inflação fica mais difícil porque o índice de preços é pressionado pela alta do dólar, como também está acontecendo.
— A inflação desvaloriza parte da dívida pública, resolvendo o problema de endividamento excessivo, mas a economia entra em crise, empobrecendo os mais necessitados, que não conseguem se proteger da inflação e são mais sensíveis à recessão — destacou Mendes.
Arnaldo Lima, da Polo Capital afirma que o mais preocupante é a elevação do ciclo de alta de juros para ancorar as expectativas de inflação. Isso tende a arrefecer o crescimento econômico:
— Por outro lado, caso consigamos avançar com medidas estruturantes do lado da despesa, como a extensão da Reforma da Previdência da União para os entes subnacionais, poderemos voltar para um cenário de redução da taxa de juros real, incentivando o crescimento econômico e acelerando a captação de investimentos estrangeiros.
Educação é a área mais afetada por novo bloqueio de gastos do governo; veja os números
Por Thaís Barcellos— Brasília / O GLOBO
O governo Lula detalhou nesta sexta-feira o bloqueio de gastos anunciado na semana passada para cumprir as regras fiscais. O Executivo também anunciou que o bloqueio total será R$ 1,7 bilhão menor porque o governo cortou gastos de repasse a ações culturais via Lei Aldir Blanc. No total, o novo bloqueio é de R$ 5,5 bilhões. Ao todo,os recursos congelados no ano chegam a R$ R$ 17,5 bilhões.
As áreas mais afetadas pelo novo bloqueio foram:
- Ministério da Educação: R$ 1,6 bilhão
- Ministério das Cidades: R$ 1 bilhão
- Ministério dos Transportes: R$ 956 milhões
- Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional: R$ 367 milhões
Bloqueio total
Considerando o bloqueio total de gastos, de R$ 17,5 bilhões, as áreas mais atingidas são:
- Ministério da Saúde: R$ 4,3 bilhões
- Ministério da Educação: R$ 3 bilhões
- Ministério das Cidades: R$ 2,4 bilhões
- Ministério dos Transportes: R$ 1,9 bilhão
- Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome: R$ 1 bilhão
Déficit
A projeção para o déficit primário este ano é de R$ 28,7 bilhões, contra R$ 28,3 bilhões até setembro. A meta é de resultado zero, com intervalo de tolerância de até 0,25% do Produto Interno Bruto (PIB), ou R$ 28,8 bilhões. Assim, governo prevê fechar o ano com déficit próximo ao limite previsto no arcabouço fiscal. A diferença é de apenas R$ 18,9 milhões.
Mais uma vez, bloqueio foi necessário para não estourar o limite de gastos devido ao crescimento maior do que o esperado de despesas obrigatórias, como os benefícios previdenciários e assistenciais.
Segundo nota divulgada à imprensa pelo Ministério do Planejamento, houve aumento de R$ 7,7 bilhões na estimativa de gasto com benefícios previdenciários, devido ao comportamento da despesa no bimestre de setembro e outubro.
O relatório destaca ainda que o efeito do pente-fino nos gastos do INSS ficou aquém do esperado. Para este ano, a previsão era de economia de R$ 6,8 bilhões, R$ 3,7 bilhões com o uso do Atestmed - concessão de benefícios de curta duração por análise documental - e o restante, principalmente, com a reavaliação dos benefícios por incapacidade.
A previsão para o Benefício de Prestação Continuada (BPC) subiu bem menos, R$ 612 milhões. O Planejamento destacou que a expansão foi parcialmente compensada pela redução na projeção para despesas com pessoal, de R$ 1,9 bilhão.
‘Governo terá de voltar para a prancheta e anunciar outro programa em 2025′, diz Carlos Kawall
Por Gabriela Jucá (Broadcast) / O ESTADÃO DE SP
O ex-secretário do Tesouro e sócio-fundador da Oriz Partners, Carlos Kawall, classificou o pacote fiscal anunciado pelo Ministério da Fazenda como uma “decepção”. O economista considera que o anúncio do pacote, em conjunto com a divulgação da isenção de Imposto de Renda (IR) para quem ganha até R$ 5 mil, teve um viés populista e eleitoral, e revelou ainda mais fragilidade do governo com o compromisso com as contas públicas. Ele também enfatiza que esse não deve ser o último ajuste fiscal antes das eleições de 2026. “Não dá para parar por aqui”, disse.
A forte frustração do mercado com o pacote do governo coloca uma elevação de 0,75 ponto porcentual na taxa Selic na última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) do ano como a opção mais suave no momento, segundo Kawall. “A hipótese de uma alta de 1 ponto não seria tão descabida neste momento”, afirma.
Confira abaixo os principais trechos da entrevista ao Broadcast:
Como o sr. recebeu o pacote fiscal?
Foi uma grande decepção. Nós temos um ambiente político muito polarizado, e que não vem de agora. E o comprometimento com as regras fiscais tem declinado. Tivemos Propostas de Emenda à Constituição (PECs) que foram excepcionalizando gastos, e culminou na PEC da Transição em 2022, já depois da eleição do Lula, em que acabaram com o teto de gastos, instituíram o novo arcabouço, que andou várias casas para trás. Então entramos num terreno em que a regra não vale muito, não há uma regra que realmente discipline a trajetória das contas fiscais. Hoje, vemos que no Brasil, o que vale mesmo é a regra do gasto obrigatório, o resto que é o arcabouço, na verdade, não vale muito. Elevar o gasto a 2,5% real ao ano não gera estabilidade da dívida pública. A calibragem do arcabouço parece ter sido feita para durar até 2027. Tudo que está sendo feito é reduzir a velocidade de crescimento do gasto obrigatório. E por quê? Se não fizerem isso, no ano que vem, a margem para o gasto discricionário seria baixa, e em 2026, ano eleitoral, mais baixa ainda. Então, o governo chegaria em 2026, no ano eleitoral, com a água ali no pescoço, se não for no nariz, do ponto de vista da compressão que o gasto obrigatório vai ditar sobre o gasto discricionário, que é aquele que você quer ter alguma margem de manobra, alguma flexibilidade, sempre, mas sobretudo no ano eleitoral.
E as eleições em 2026 seriam um risco adicional para a consolidação dessa agenda fiscal?
Sim, e esse pacote que anunciaram agora já é a expressão disso. Ou seja, você percebeu que em uma corrida mais longa, que dura quatro anos, chegou no segundo ano e você já está sem fôlego. Você sabe que o terceiro e o quarto ano são os mais importantes, então você precisa reajustar os parâmetros da equação para ter fôlego para o final de 2025, antes da eleição. O que ficou claro é que o compromisso do governo com um ajuste fiscal, o disciplinamento das despesas, que parecia já bastante frágil, mas que o mercado deu o benefício da dúvida, esse compromisso, na prática, é inexistente. O desenho do pacote visa muito mais a colocar um pouco de areia na engrenagem do crescimento do gasto obrigatório, reduzir a sua velocidade de expansão, que no longo prazo continuará insustentável, mas reduzir na medida daquilo que é necessário para gerar um fôlego fiscal adicional em 2025 e 2026, que são anos eleitorais. É simplesmente uma realocação de um pouco menos de gasto obrigatório para mais gasto discricionário.
E a decisão de fazer o anúncio do pacote com a isenção de IR?
Pelo desconforto da ala política, pela dinâmica da própria decisão, que revelou que a equipe econômica do ministro Haddad está em segundo plano, entendeu-se que esse tipo de anúncio deveria ser acompanhado por outra boa notícia, que foi a isenção de IR para quem ganha até R$ 5 mil, um ponto de campanha do presidente. Aí claramente indicou que o viés da obra como um todo é populista, é um viés político-eleitoral. E essa medida, ela ainda interfere na própria dinâmica da política monetária, porque há dúvidas de como será feita essa compensação. Mesmo que compense essa do IR por qualquer outra medida que eles adotem, é uma medida expansionista do ponto de vista do consumo, porque a baixa renda consome muito mais enquanto porcentual do que recebe do que qualquer outra alternativa que encontre para compensar. É uma medida populista, é expansionista do ponto de vista do consumo, e carrega nela o viés eleitoral, que ficou claro no pronunciamento do ministro Haddad. A expectativa com esse pacote que já era baixa foi superada do ponto de vista negativo.
Este ano a agência Moody’s colocou o Brasil a um passo do grau de investimento. Com esse pacote, qual a possibilidade de avanço ainda neste governo?
A Moody’s surpreendeu de uma maneira muito forte, e a explicação para isso é que o rating é muito relativo. Sim, olharam mais para o crescimento e entenderam que o Brasil não estava tão mal. Então, não posso responder que a probabilidade de eles darem o grau de investimento é super baixa, porque havia uma probabilidade de 5% para o último rating e, não obstante, isso ocorreu. Se a Moody’s der o grau de investimento, hoje eu já acho que a probabilidade é de uns 30%, não 5%. As outras agências, a S&P, a Fitch, já deixaram muito claro que estão distantes desse movimento. Então, para essas duas, eu acho que a chance diminuiu. A Moody’s eu não sei dizer, porque como eles se contentaram com tão pouco, pode ser que esse “muito pouco” seja o que eles entendem que falta para dar o grau de investimento.
E teremos mais ajustes depois desse?
A minha conclusão com relação a tudo isso é o seguinte: não vai dar para parar por aqui. Porque quando você precisa fazer esse tipo de ajuste, dois anos antes da eleição, por conta de uma política de irresponsabilidade fiscal, em um contexto de economia crescendo muito, desemprego muito baixo, onde a probabilidade da economia desacelerar é muito maior do que ela continuar crescendo aos níveis em que ela está, e você tem agora o ciclo eleitoral pela frente, as chances da situação se deteriorar adicionalmente são grandes. Então, qual é a probabilidade do que eles anunciaram agora ser o movimento final de ajuste das contas públicas até a eleição daqui a dois anos? Baixíssimo. É muito baixa. Eles vão ter que voltar a atacar esse tema mais para frente. Eles vão ter que, brevemente, em algum momento do ano que vem, voltar para a prancheta e anunciar um outro programa. Esse não é o suficiente.
As expectativas de inflação já estavam em uma deterioração persistente. Elas devem desancorar ainda mais? Qual o efeito disso na Selic? Estamos mais para uma alta de 0,75 ponto na reunião de dezembro?
Com certeza, até porque, como está sendo comentado no mercado, o 0,75 ponto virou até uma opção mais dove (suave) nesse momento. De início, você pode ver e pensar que é um aumento bem Hawk (duro), de ser uma postura muito dura do BC. Como a curva de juros já está precificando algo entre o 0,75 e o 1, no fundo, a hipótese de uma alta de 1 ponto não seria descabida neste momento. O 0,75 viria como uma opção até branda, dado o processo de desencorajamento que tem vindo desde o último Copom e no último Focus e que vai continuar até a próxima reunião do colegiado. Tendo em vista que, do ponto de vista da inflação corrente, a situação não é favorável, estamos vendo toda essa pressão no câmbio, e muito da precificação da Selic ainda está feita, se você for olhar o Focus com câmbio de R$ 5,50, e estamos falando de R$ 6 hoje, certamente vamos continuar vendo, até a reunião do Copom, uma desancoragem adicional. Então, o que achamos é que esse Copom com alta de 0,75 está praticamente garantido.
Com o dólar na casa dos R$ 6, como fica o cenário para a inflação de 2025? Vai ser pior em relação a esse ano, deve também superar o teto da meta?
Acho que a probabilidade é muito grande, porque até aqui vínhamos focando no núcleo de serviços, uma relação muito direta com a dinâmica da economia e do mercado de trabalho. Então, essa dinâmica do mercado de trabalho, dos salários, ainda vai demorar muito para gerar um benefício do ponto de vista da inflação de serviços. Enquanto a gente vai colher muito lentamente esse processo de desinflação, a gente já entrou com outro vetor, que é o dólar. O que não está tranquilo é a dinâmica dos IGPs. E isso, do ponto de vista dos bens industriais, do consumo de bens, tem uma transmissão que não é imediata, mas também não é tão rápida, não é tão lenta quanto a desinflação dos salários, dos serviços. Então, no ano que vem, a gente vai convergir para uma inflação de bens mais alta, por conta da pressão do dólar e dos IPAs, num momento em que a inflação de serviços vai continuar ainda muito elevada, porque os sinais de moderação são ainda muito tênues. E, nesse contexto, a gente falar em uma inflação de 5% no ano que vem, ou, a depender do patamar do dólar, até acima disso, parece bastante razoável. E dependendo, inclusive, de qual é a postura do Banco Central, claro.
Com essa frustração do pacote, como fica o crescimento da dívida/PIB no médio e no longo prazo?
Estamos trabalhando com um nível de 85% do PIB no final de 2026, no final do atual governo. Pode ser pior, até porque estamos vendo uma dinâmica muito negativa do juro real, que já bateu 7% nos vencimentos mais curtos, o câmbio também tem algum impacto negativo, no caso da dívida bruta, e vai depender muito do crescimento do PIB e da receita. O que está muito claro é que em 2027, seja oposição ou governo, a grande agenda vai ser a agenda da desindexação do gasto, a questão da vinculação dos benefícios sociais ao salário mínimo, saúde e educação indexados à receita, as regras de acesso aos benefícios sociais, o abono salarial, o seguro-desemprego. Essa bomba relógio vai ter de ser desmontada e, inclusive, muito provavelmente, com uma nova reforma da Previdência. Então, vamos entrar em 2027 tendo como a grande agenda pós-eleitoral a redefinição de toda essa indexação, de toda essa rigidez orçamentária que vem desde a Constituição de 88.
Governo Lula morde o próprio rabo com pacote desmilinguido e projeto que cria buraco na arrecadação
Por Carlos Andreazza / O ESTADÃO DE SP
Pacote de corte de gastos que não corta gastos. / Pacote de corte de gastos que corta receitas. / Que não corta gastos. Que corta receitas – que deixa descobertas. / O corpo que cresce. O cobertor que encolhe. / As razões do mau humor – do dólar que flanou aos R$ 6 – são. O poeminha explica.
Pacote de corte de gastos, “expressivo” por mais de mês, que se desmilinguiu em pente-fino requentado. Promessa desidratada – pela “convergência” dos ruis-costas – em desaceleração modesta do ritmo de crescimento das despesas. Poupança de R$ 70 bilhões – somados os dois próximos anos – que só a matemática de Haddad encontra. Pacote tenta-empurrar-a-imposição-do-mundo-real-para-2027. Pacote rola-engana-bomba-até-2026.
O arcabouço fiscal, natimorto muito louco que ora se fantasia reanimar, é casa que não poderia ter teto, nunca pôde, por inexistência original de paredes. Filho da esquecida PEC da Transição. A engenharia não fecha. Quem financia o cimento do governo percebe – e faz preço. Nada contra política pública – a isenção do imposto de renda para quem ganha até R$ 5 mil – que beneficie os que recebem menos. Tudo contra projeto apregoado sem previsão razoável de como suprir o volume da renúncia fiscal. Seriam cerca de R$ 40 bilhões por ano.
Taxados – o cronista apoia – os que ganham mais de R$ 50 mil por mês, pergunta-se: o valor levantado alcançaria cobrir o buraco na arrecadação?
Não é a iniciativa nem a quem se destina. É a conta que não fecha. Governo gastador acelerado que abriria mão de receitas para beneficiar os que ganham menos; os que seriam prejudicados já. O cidadão, que come dólar e é comido pela inflação imediatamente, não pagaria imposto de renda a partir de 26. A ver com que poder de compra chegará lá.
A ver como chegará lá a dívida pública – que cresce descontroladamente. Insustentabilidade que o governo ilumina. Iluminado também o diabo que será capaz de fazer em – por – 26. A embocadura se arma para expansionismo fiscal – uma nova PEC Kamikaze – em nome da reeleição de Lula. A ver com que poder de compra chegará lá.
O governo corre para morder o próprio rabo repetidamente.
O improviso para gerar esse pacote afinal murcho consistiu em resposta à reação do mercado malvadão ante a leitura – era começo de outubro – de que a Fazenda apresentaria o projeto de reforma do imposto de renda sem demonstrar de onde viriam os bilhões para preencher o rombo. O compromisso de austeridade veio, para fazer esquecer a intenção de mexer no IR, e depois o anúncio televisivo das medidas – junto com o plano de isenção e sem solução crível para lhe tapar a cova.
O governo Lula se empenha em abocanhar o próprio rabo – parece que desta vez contido, avalie-se o drama, por Lira e Pacheco.
Sem água, escolas e universidades do Rio suspendem aulas e Tribunal de Justiça cancela expediente presencial
Yuri Eiras / FOLHA DE SP
A falta de água em boa parte da cidade do Rio de Janeiro e municípios da Baixada Fluminense afeta escolas, postos de saúde, universidades e o Tribunal de Justiça do Rio nesta sexta-feira (29). Muitas universidades suspenderam aulas e o tribunal cancelou o expediente presencial dos servidores.
O abastecimento na cidade é afetado desde a terça (26), quando houve paralisação do Sistema Guandu para manutenção anual realizada pela Cedae (Companhia Estadual de Águas e Esgotos).
O prazo para normalização era de 22 horas, mas a distribuição de água segue prejudicada, porque apesar de o Sistema Guandu ter voltado a operar com 100% da capacidade na quinta (28), segundo a Cedae, as concessionárias ainda faziam serviço de melhoria da rede, o que tem demorado para normalizar o abastecimento.
Desde 2021, ano da até então maior concessão de serviços de água e esgoto do Brasil, as concessionárias são responsáveis pelo tratamento e distribuição da água, e a Cedae faz a operação dos sistemas.
A Águas do Rio, concessionária responsável por boa parte da capital e municípios da região metropolitana, deu prazo até domingo (1°) para a normalização total, podendo levar mais tempo em áreas altas e nas pontas da rede de distribuição.
O Rio alcançou a maior temperatura do ano nesta quinta, com 43,2°C em Guaratiba. Na escala de calor de 1 a 5, criada pela prefeitura em julho, o Rio chegou ao nível 3 pela primeira vez. Nesta sexta, com o tempo nublado e previsão de chuva, retornou ao nível 1.
Além da manutenção da Cedae, a Águas do Rio precisou fazer reparo emergencial em uma rede de distribuição na zona portuária que afetou ainda mais o centro, zona sul e zona norte.
Com o problema emergencial 20 bairros foram prejudicados, entre eles Botafogo, Laranjeiras, Maracanã e Tijuca. A Águas do Rio disse que o fornecimento "está em processo de normalização", o que significa que a água volta aos poucos.
Também há relatos de falta d'água em bairros da zona oeste cuja distribuição é responsabilidade da concessionária Rio+Saneamento.
Fora da capital, o abastecimento está afetado nos municípios de Belford Roxo, Duque de Caxias, Mesquita, Nilópolis, Nova Iguaçu, Queimados e São João de Meriti, na Baixada Fluminense.
Na quinta, faltou água na ilha de Paquetá e nas cidades de Japeri, São Gonçalo, Itaboraí e Maricá por conta de outro problema, a queda no fornecimento de energia.
Unidades da rede municipal de saúde do Rio estão com serviços prejudicados. Algumas clínicas e postos têm funcionamento parcial. "O problema é sério e começa a se agravar em algumas unidades", afirmou a secretaria de Saúde, em nota.
Em publicação no X, o prefeito do Rio Eduardo Paes (PSD) disse que pediu ao Procon carioca "rigor em relação a concessionária para aplicar as devidas punições".
"Não bastasse o transtorno que está causando à população em várias áreas da cidade, existem prédios como hospitais e clínicas que passam por situações que implicam inclusive em risco de vida pela demora na normalização do abastecimento", escreveu Paes.
Algumas escolas municipais adotaram atendimento remoto aos alunos, e outras solicitaram carros-pipa. A secretaria municipal de Educação diz que escolas foram impactadas pela falta d'água em 22 bairros, alguns populosos como Campo Grande, Maré e Cidade de Deus.
Campo Grande, o bairro mais populoso, tinha mais de 350 mil moradores no Censo de 2022 do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
O presidente do Tribunal de Justiça do Rio, desembargador Ricardo Rodrigues Cardozo, suspendeu expediente presencial nesta sexta (29).
Universidades como Uerj (Universidade Estadual do Rio de Janeiro) e Unirio (Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro) também suspenderam as aulas nos campi.
Na terça, uma adutora se rompeu em Rocha Miranda, na zona norte. O rompimento causou a morte de uma mulher 80 anos, deixou estragos na rua e afetou o abastecimento. A Águas do Rio investiga o rompimento, mas menciona a idade do sistema como uma das causas. A canalização de concreto que passa pela região é de 1949.
Lula e Elmano assinam financiamento de R$ 3,6 bi para Transnordestina em Brasília
Escrito por Inácio Aguiar, / diarionordeste
O governador Elmano de Freitas (PT) e o presidente Lula (PT) participam da assinatura, nesta quinta-feira (28), em Brasília, do contrato de financiamento entre o Banco do Nordeste e a Transnordestina Logística S.A para garantir a conclusão das obras da Ferrovia. A obra é estratégica para o Nordeste, mas sofre com lentidão na execução há 18 anos.
A solenidade, no Palácio do Planalto, terá a presença do presidente do BNB, Paulo Câmara, e de deputados federais e senadores pelo Estado do Ceará. Em reunião com a bancada federal cearense na quarta-feira (27), o governador convidou os parlamentares e agradeceu pelo empenho da bancada para destravar os recursos.
O financiamento é da ordem de R$ 3,6 bilhões e deve garantir a continuidade das obras em um momento de incertezas sobre a Transnordestina. Conforme o Diário do Nordeste noticiou recentemente, havia a previsão de liberação de R$ 1 bilhão do governo Lula neste ano, mas a liberação não teria acontecido.
Em passagem por Fortaleza, o ministro da Casa Civil, Rui Costa, negou o atraso e garantiu a liberação dos recursos.
O projeto da Ferrovia prevê a interligação entre os portos de Suape, em Pernambuco, e o Pecém, no Ceará. A obra se arrasta há 18 anos. A nova previsão de conclusão da companhia será em 2028.
Salário mínimo, abono, militares: veja o que já se sabe sobre o pacote de corte de gastos do governo
Por Alvaro Gribel, Daniel Weterman e Luiz Guilherme Gerbelli / O ESTADÃO DE SP
BRASÍLIA – O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, fez um pronunciamento em rede nacional na noite desta quarta-feira, 27, anunciando o pacote de contenção de despesas, o aumento da isenção do Imposto de Renda para Pessoa Física até R$ 5 mil e uma taxação para quem ganha acima de R$ 50 mil por mês. As medidas ainda serão detalhadas nesta quinta-feira.
Haddad afirmou que o pacote de ajuste fiscal poupará R$ 70 bilhões até o final do mandato de Lula. A líderes do Congresso, ele sinalizou, segundo apurou o Estadão, que as medidas terão um impacto fiscal de R$ 308,5 bilhões entre 2025 a 2030. Serão R$ 29,8 bilhões em 2025, R$ 39,7 bilhões em 2026, R$ 47,1 bi em 2027, R$ 55,9 bi em 2028, R$ 63 bi em 2029 e R$ 73 bilhões em 2030.
Veja o que já se sabe sobre as medidas de ajuste fiscal, que serão detalhadas nesta quinta-feira:
Salário mínimo
Como mostrou o Estadão/Broadcast, o pacote inclui mudanças na regra de reajuste do salário mínimo. Em vez de corrigir o benefício pela inflação e pelo aumento do PIB de dois anos anteriores, o mínimo seguirá os limites do arcabouço fiscal, com crescimento de no máximo 2,5% e, no mínimo, 0,6% ao ano acima da inflação.
A mudança na política de valorização do salário mínimo tem um impacto ampliado, uma vez que hoje ele serve como base para reajustar outros benefícios, como o abono salarial, o seguro-desemprego e o Benefício de Prestação Continuada (BPC).
Abono salarial
Na PEC, estarão incluídas medidas para o abono salarial, que será corrigido apenas pela inflação, não mais pelas regras de indexação do salário mínimo.
Hoje, o abono funciona como um 14º salário e é pago para quem recebe até dois salários mínimos – entra no cálculo o número de meses trabalhados no ano e o benefício é limitado ao valor de um salário mínimo
Segundo o ministro, o abono salarial será assegurado a quem ganha até R$ 2.640. “Esse valor será corrigido pela inflação nos próximos anos e se tornará permanente quando corresponder a um salário mínimo e meio”, afirmou o Haddad.
Além disso, o fundo do Distrito Federal passará a ser corrigido pelo mesmo critérios de outros fundos constitucionais, pela inflação, segundo apurou a reportagem.
Militares
O pacote também atinge as Forças Armadas, com a criação da idade mínima de 55 anos para a reserva remunerada de militares, com período de transição, como mostrou o Estadão. Atualmente, o critério para aposentadoria é pelo tempo de serviço - ao menos 35 anos.
O governo também propõe o fim da chamada da morte ficta (ou fictícia) - quando militares expulsos das Forças por crimes ou mau comportamento têm garantido, às suas famílias, o direito a receber pensão. Agora, a família do militar passará a ter direito a auxílio-reclusão, tal como previsto na Lei 8.112/90, para os servidores públicos.
Outra medida é fixar em 3,5% da remuneração a contribuição do militar das 3 Forças para o Fundo de Saúde, até janeiro de 2026. Por fim, ficará proibido que militares transfiram o direito a pensão para beneficiários das 2ª e 3ª ordens (pais e o irmão dependentes do militar).
Fundeb
No caso do Fundo de Desenvolvimento e Manutenção da Educação Básica (Fundeb), haverá obrigatoriedade de que 25% do fundo seja usado para escola em tempo integral, melhorando a composição do gasto.
A equipe econômica chegou a propor um aumento no porcentual dos recursos destinados ao Fundo de Desenvolvimento e Manutenção da Educação Básica (Fundeb) que são contabilizados no mínimo destinado à educação, mas a medida foi descartada.
Mudanças na correção dos pisos constitucionais de saúde, hoje atrelados à receita do governo, foram descartadas.
Supersalários
No pronunciamento, Haddad também destacou que o governo planeja acabar com os supersalários no setor público. “Vamos corrigir excessos e garantir que todos os agentes públicos estejam sujeitos ao teto constitucional”.
A proposta é limitar os pagamentos que ultrapassam o teto constitucional, hoje de R$ 44 mil mensais – o equivalente à remuneração do ministro do Supremo Tribunal Federal. A medida atinge remunerações de todo o setor público, principalmente do Judiciário e do Ministério Público, que contam com uma série de “penduricalhos” nos salários.
A ideia do governo é que esses benefícios, como o auxílio-moradia e o bônus para quem trabalha em mais de uma comarca, sejam restritos a situações excepcionais. O Centro de Liderança Pública (CLP) calcula uma economia de R$ 5 bilhões por ano, mas o ajuste pode ser neutralizado por dois fatores que aumentariam as despesas, em vez de economizar: as exceções que forem criadas e a volta do quinquênio (bônus pago a cada cinco anos de carreira), em tramitação no Senado.
Emendas
As emendas impositivas (obrigatórias) do Congresso, aquelas indicadas individualmente por cada deputado e senador e pelas bancadas estaduais para mandar recursos a redutos eleitorais, terão crescimento real, com limite de até 2,5% acima da inflação a partir de 2026, o mesmo teto do arcabouço fiscal.
Além disso, as emendas de comissão, herdeiras do orçamento secreto, serão incluídas no Orçamento com R$ 11,5 bilhões em 2025 e crescimento pela inflação nos próximos anos. Metade dos recursos das comissões deverá ir obrigatoriamente para a saúde, o que deve aliviar o cumprimento do piso constitucional da área em aproximadamente R$ 6 bilhões pro ano. Esse desenho foi aprovado pelo Congresso, sancionado por Lula nesta semana e também entrou no pacote como medida de ajuste.
A medida envolve crescimento real para emendas parlamentares, que devem ultrapassar R$ 50 bilhões no ano que vem, diminuindo ainda mais o espaço para outras despesas. Para o governo, porém, a proposta coloca uma previsão no valor dos recursos daqui para frente, além de fazer parte de um acordo com o Congresso Nacional.
“O montante global das emendas parlamentares crescerá abaixo do limite das regras fiscais. Além disso, 50% das emendas das comissões do Congresso passarão a ir obrigatoriamente para a saúde pública, reforçando o SUS”, disse Haddad em pronunciamento na TV.
BPC
Em relação ao Benefício de Prestação Continuada (BPC), pago a idosos e pessoas com deficiência de baixa renda, além da implementação do uso de biometria para impedir fraudes, o governo pretende coibir as decisões judiciais que têm feito disparar as concessões.
Como mostrou o Estadão, nos últimos três anos, decisões de tribunais triplicaram os benefícios para pessoas com deficiência, que saltaram de 48,4 mil em 2021 para 155,8 mil em 2024.
Bolsa Família
Haverá também medidas de “pente-fino” para o Bolsa Família, com adoção de biometria e outras ações para tentar diminuir as fraudes.
Aldir Blanc
Na área de cultura, recursos da lei Aldir Blanc que não forem utilizados pelas prefeituras terão de ser devolvidos ao Tesouro Nacional.
Benefícios tributários
Haddad que ficará proibida a “criação, ampliação ou prorrogação” de benefícios tributários caso o País registre déficit primário (saldo negativo) nas contas públicas.
O arcabouço fiscal já prevê gatilhos em caso de descumprimento da meta fiscal, sendo que um deles proíbe a “concessão ou ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária”. Para 2024 e 2025, o objetivo fiscal mira o déficit zero, com metas de superávits nos próximos anos.
Imposto de Renda
O ministro também anunciou a isenção da cobrança de Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil – promessa de campanha do presidente Lula – e, para compensar a renúncia fiscal, a taxação para quem ganha acima de R$ 50 mil por mês, com a criação de uma alíquota mínima sobre a soma de todas as fontes de renda.
O projeto de lei com a mudança na tributação deve integrar a reforma da renda e ser enviado ao Congresso somente no ano que vem.