Projetos em fase inicial ou ainda no papel são obstáculo para ‘ano da colheita’ anunciado pelo presidente Lula
Por Alice Cravo, Karolini Bandeira e Ivan Martínez-Vargas — Brasília / O GLOBO
A 43 quilômetros do Palácio do Planalto, o pedreiro Luiz Chagas, de 58 anos, vive em um barraco sem banheiro na Sol Nascente, a maior favela do Distrito Federal. Em uma casa de paredes de madeira, telhado de amianto e o chão de cimento, ele costuma encher um balde para tomar banho do lado de fora. No local improvisado, não há privada nem fossa.— Faço minhas necessidades em sacos e papéis e jogo para a terra adubar — diz ele.
A exemplo da casa do pedreiro de Brasília, em mais de 1 milhão de domicílios do país não há banheiro, de acordo com o Censo de 2022. A situação levou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva a anunciar, em novembro do ano passado, que o Ministério das Cidades apresentaria um plano para resolver o problema.
Mas, diferentemente da intenção do petista, repetida em discursos, de fazer de 2025 o “ano da colheita”, o ministro Jader Filho disse que ainda discute um cronograma para zerar o déficit e admite que o programa esbarra nos custos elevados, que variam de R$ 11 bilhões a R$ 18 bilhões.
‘2026 já começou’
A pressão de Lula para que seus auxiliares apresentem resultados tem por trás um cálculo político de que “2026 já começou”, como ele próprio declarou na primeira reunião ministerial do ano, em janeiro. A preocupação é ainda não ter conseguido imprimir uma marca da sua terceira gestão, como foram o Bolsa Família e o Minha Casa Minha Vida em seus primeiros mandatos.
A tentativa de mostrar resultados se intensificou após pesquisas de avaliação do governo mostrarem queda na popularidade do presidente. Segundo levantamento do Datafolha divulgado na sexta-feira, a avaliação positiva do petista desabou de 35% para 24%, atingindo o pior patamar dos seus três mandatos.
O resultado negativo foi divulgado no mesmo dia em que Sidônio Palmeira completou um mês como ministro da Secretaria de Comunicação Social, em uma tentativa do governo de impulsionar ações positivas. A pasta de Jader Filho não é a única a enfrentar obstáculos. A lista inclui iniciativas dos ministérios da Saúde, Justiça, Integração Nacional, Trabalho, Mulheres e Povos Indígenas.
Uma das principais apostas do petista está na Saúde. A ministra Nísia Trindade tenta impulsionar o Programa Mais Acesso a Especialistas, que tem como meta ampliar a oferta de consultas, exames e cirurgias na rede pública. A iniciativa, contudo, avança a passos lentos e chegou à marca de 99% dos municípios do país atendidos só em fevereiro, dez meses após ter sido lançado. Lula cobrou Nísia em reuniões no fim do ano passado.
Em nota, o ministério afirma que o programa “representará um novo salto no acesso a tratamento especializado pelo SUS em uma lógica de cuidado que prioriza a jornada do paciente”. Ainda assim, a avaliação de integrantes da pasta é que, por ser uma política estruturante, só mostrará resultados a médio e longo prazo, não podendo ser usado como vitrine eleitoral por Lula.
Enquanto isso, na pasta das Mulheres, a promessa de redução do número de feminicídios também segue a passos lentos. De acordo com os dados do último Anuário Brasileiro de Segurança Pública, 2023 teve recorde de casos, além de registrar altas taxas de estupros.
Ao mesmo tempo, uma das principais iniciativas da pasta para combater a violência contra as mulheres, a reformulação do Ligue 180, ainda não foi concluída. Apesar de ter contratado equipe especializada para atender o canal, o ministério ainda sofre com a falta de dados e tenta firmar acordos com estados para saber, por exemplo, de onde a ligação é feita para poder dar andamento às denúncias.
— Precisamos aumentar a capilaridade, chegar nos municípios. Sei que a redução de feminicídio é um processo a médio e longo prazo, mas o que me interessa mais é ter engajamento, outras pessoas fazendo denúncia, tendo conscientização — disse a ministra Cida Gonçalves.
Outra área que o governo tem sido mal avaliado, a segurança pública encontra suas principais ações travadas. A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que aumenta o papel do governo federal na área, carro-chefe de Ricardo Lewandowski no Ministério da Justiça, ficou meses parada na Casa Civil. Agora, passa por novos ajustes na Secretaria de Relações Institucionais. “O ministro levou em consideração parte substancial das preocupações manifestadas pelos governadores”, disse a pasta, em nota, ao justificar o fato de a medida apresentada em julho de 2024 ainda não ter sido enviada ao Congresso.
Já no Ministério da Integração e Desenvolvimento Regional, Waldez Góes ainda não conseguiu lançar o Plano Nacional de Proteção e Defesa Civil, importante para a gestão de risco de desastres. A previsão era que o lançamento ocorresse no segundo semestre de 2024. Procurado, o ministério não respondeu se há nova previsão. A falta de um sistema de alertas eficaz está entre as preocupações de quem precisou sair de casa e teve prejuízos com as inundações no Rio Grande do Sul em maio do ano passado.
— Quando estava quase estourando os diques, o governo simplesmente mandou a população ficar calma que não haveria risco. Faltou a parte do governo de alertar a população, mandar evacuar as casas — critica Maicon Vaz, mecânico morador de Canoas (RS).
Sem previsão
Algumas iniciativas não têm previsão de entrega. Entre elas está a regulamentação do trabalho de motoristas e entregadores de aplicativo, promessa de Lula na campanha. O ministro do Trabalho, Luiz Marinho, enviou, no ano passado, um projeto ao Congresso prevendo regras para os motoristas. O formato do texto, contudo, repercutiu mal na categoria. A parte dos entregadores também não avançou. E Lula nunca mais falou disso. A pasta não comentou.
Lula enfrenta cobranças até em grupos que apoiaram a sua eleição. Durante a Cúpula Social do G20 em novembro, no Rio, representantes de povos indígenas protestaram. Entre as pautas está a aprovação da Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas (PNGATI), que prevê ações para proteger terras demarcadas.
Kleber Karipuna, coordenador executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), afirma que poucos pontos da política estão sendo implementados:
— Fomos para a rua em 2022 apostando nesse projeto e ainda estamos esperançosos. Em nota, o Ministério dos Povos Indígenas afirmou que tem entre as prioridades a “criação e fortalecimento de mecanismos de financiamento para políticas públicas voltadas aos povos indígenas, como a PNGATI”.
Cientista político da Universidade do Estado do Rio, Christian Lynch vê Lula se baseando em um modelo eleitoral antigo, em que o bom resultado das políticas sociais seriam suficientes para angariar votos: — O mundo mudou. A onda que levou ao poder a extrema direita é duradoura. Em 2010 não havia acirramento ideológico. Já para a cientista política Flávia Biroli, da Universidade de Brasília, questões como falta de articulação do próprio governo e limitações orçamentárias explicam a dificuldade dos ministérios em tirar os projetos do papel: — Há uma pressão grande por ajustes, que limitam a capacidade de atuação dos governos em benefício da população. Como se faz política pública sem orçamento ou com orçamento baixo?