Lentidão em demarcações no governo Lula frustra ativistas indígenas e quilombolas
Por Karolini Bandeira — Brasília / O GLOBO
Dois anos e meio após a posse de Luiz Inácio Lula da Silva, entidades que representam indígenas e quilombolas demonstram crescente insatisfação com a lentidão do governo federal na demarcação de terras. Em meio a dificuldades políticas para a pauta avançar, os movimentos sociais lembram que o petista foi reconduzido ao Palácio do Planalto com o compromisso de acelerar a política de titulação de territórios.
Apesar de manterem diálogo com esses grupos, os ministérios dos Povos Indígenas e da Igualdade Racial — criados por Lula antes do terceiro mandato para simbolizar o compromisso do governo com essas agendas — se mostram limitados na capacidade de destravar políticas efetivas.
O cenário é agravado pela indisposição do Congresso em relação à pauta. Em maio, por exemplo, o Senado aprovou um projeto que susta decretos de Lula para demarcações em Santa Catarina, feitas ao longo do ano passado.
Sem efeito prático
Lideranças que representam as minorias afirmam que as demandas por demarcação ficam restritas ao campo das conversas, sem alcançar os ministérios mais centrais do governo ou Lula. — Nunca tivemos problemas em nos reunir e dialogar com a ministra Sonia Guajajara. A ela, temos total acesso. Mas o ministério não tem conseguido ser um grande articulador. Os outros ministérios têm uma resistência a esse tema, a pauta indigenista é um tema espinhoso para o governo. E o que temos visto é que as outras instâncias não nos recebem — afirmou o coordenador da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Dinamam Tuxá.
Logo após a vitória eleitoral, Lula constituiu uma equipe para levantar 14 territórios que aguardavam apenas um decreto do presidente para concluir o processo de demarcação — e se comprometeu a tirá-las do papel nos cem primeiros dias de governo. De lá para cá, o governo oficializou 13 homologações, número que representa pouco mais da metade das realizadas no seu segundo governo, entre 2007 e 2010. Durante seus dois primeiros mandatos, Lula homologou 86 terras. Das áreas que já estavam prontas para homologação no início da atual gestão, falta apenas o decreto referente à Terra Indígena Xukuru-Kariri (AL), cujo processo teve início há 36 anos.
Tuxá afirma que a frustração com a quantidade de terras demarcadas, sobretudo se o número for comparado à expectativa criada pelo petista antes e após a posse, é “unânime” no movimento indígena. — Nós agradecemos a retomada de demarcação de terras. Houve um período de 10, 15 anos, de estrangulamento dessa política. Mas Lula gerou uma grande expectativa entre nós na campanha de que esse cenário iria mudar. Esperávamos que o número seria expressivo — disse o ativista.
Segundo lideranças, houve um distanciamento da gestão em relação aos indígenas entre 2023 e 2025. Eles relatam tentativas frustradas de se reunir com o ministro da Casa Civil, Rui Costa, desde 2024. Também não foram recebidos pela ministra Gleisi Hoffmann (Relações Institucionais), responsável pela articulação com o Congresso. — É muito difícil ter um diálogo mais franco e aberto com instâncias do governo, como a própria Casa Civil e a SRI. Também não adianta manter possibilidade de diálogo se depois o governo atua de forma omissa e conivente — afirmou o secretário-executivo do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Luis Ventura.
Na avaliação de Ventura, o Ministério dos Povos Indígenas não tem o respaldo das principais alas do governo. O ministério afirmou que “tem como prioridade a demarcação de territórios indígenas”, mas que “a questão não se restringe ao MPI e a responsabilidade vem sendo compartilhada entre todo o governo”. A lei do marco temporal, aprovada pelo Congresso em 2023, marcou o acirramento da tensão entre o governo e os indígenas. Segundo a norma, os povos indígenas só podem reivindicar terras que ocupavam até a data da promulgação da Constituição de 1988.
Em setembro de 2023, o STF considerou a tese inconstitucional. Lula vetou a proposta com base nesse entendimento, mas o veto foi derrubado pelo Congresso. O Brasil conta com 445 Terras Indígenas homologadas, que somam mais de 107 milhões de hectares. Outras 15 foram demarcadas ainda pelo extinto Serviço de Proteção aos Índios (SPI). Permanecem pendentes 261 áreas, sendo que 68 delas já aguardam apenas o decreto presidencial para finalização do processo.
Lideranças indígenas defendem que a demarcação de terras é uma forma de reparar uma dívida histórica. Além disso, argumentam que a conclusão desses processos contribui para a segurança fundiária, prevenção de conflitos e preservação ambiental.
Quilombolas
Em situação parecida, o governo titulou terras quilombolas pela última vez em dezembro de 2024. A gestão acumula 11 titulações parciais — ou seja, apenas partes dos territórios reconhecidos foram oficializadas — número considerado insuficiente por Biko Rodrigues, da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas. — Neste governo foram muito poucas titulações. E a maioria parcial, os fazendeiros continuam lá, ameaçando a vida das comunidades quilombolas — disse.
O Ministério da Igualdade Racial não se manifestou. O orçamento de 2024 para reconhecimento, delimitação, desintrusão e titulação de territórios era de R$ 137,5 milhões. Quase metade desse valor, contudo, foi contingenciado. Dados do Portal da Transparência indicam que o orçamento atualizado para o ano foi de R$ 59,38 milhões, dos quais apenas R$ 26,39 milhões foram efetivamente executados.
Lula e a ministra Sônia Guajajara receberam indígenas no Planalto — Foto: Cristiano Mariz
Lula publica decreto que regulamenta Lei de Reciprocidade após sobretaxa de Trump
O presidente Lula (PT) publicou nesta segunda-feira (14) o decreto que regulamenta a chamada Lei da Reciprocidade, instrumento que permitirá ao Brasil adotar medidas em resposta à sobretaxa de 50% anunciada pelo governo Donald Trump para produtos brasileiros.
O decreto estabelece os procedimentos que devem ser adotados para a aplicação da lei aprovada pelo Congresso em abril, que impõe a reciprocidade de regras ambientais e comerciais nas relações do Brasil com outros países. A proposta teve tramitação acelerada na Câmara e no Senado, com apoio de ruralistas e governistas.
O conteúdo do decreto foi publicado na edição desta terça-feira (15) do Diário Oficial da União.
O decreto prevê dois ritos distintos para aplicação da reciprocidade.
No rito ordinário, para situações que não são urgentes, os casos serão remetidos à Camex (Câmara de Comércio Exterior), vinculada à Presidência e ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços. Esses processos serão mais longos e incluirão a realização de consultas públicas.
Haverá também um rito expresso, que poderá ser acionado em casos excepcionais para a aplicação de medidas consideradas mais urgentes. Os processos serão avaliados por um comitê interministerial presidido pelo Ministério do Desenvolvimento, com a participação de Fazenda, Itamaraty e Casa Civil.
O decreto prevê que o alvo da reciprocidade seja comunicado pelos canais diplomáticos em cada fase do processo, o que garante que a negociação seja mantida constantemente entre os países —e serve até mesmo como uma forma de pressão para evitar qualquer tipo de retaliação.
O ministro Rui Costa (Casa Civil) afirmou a jornalistas na tarde desta segunda que o decreto, assim como a norma aprovada pelos parlamentares, autoriza o Executivo a adotar medidas de "proteção do país quando medidas extemporâneas e extraordinárias forem adotadas de forma unilateral por outros países".
"Por isso a denominação reciprocidade. Para que o Brasil possa responder num formato também rápido se outro país fizer medida semelhante a essa anunciada pelos EUA", disse o ministro da Casa Civil.
A Lei da Reciprocidade define como alvo qualquer país ou bloco econômico que decida adotar medidas unilaterais e ações que prejudiquem a competitividade internacional de bens e produtos brasileiros.
O modelo permite ao Brasil adotar contramedidas comerciais e diplomáticas proporcionais quando países ou blocos econômicos impuserem barreiras ambientais injustificadas aos produtos brasileiros. A Camex passa a ter papel central na aplicação de medidas, garantindo uma abordagem mais técnica e menos suscetível a distorções políticas.
Em vez de barreiras automáticas, o texto prevê consultas diplomáticas coordenadas pelo Ministério de Relações Exteriores, possibilitando a resolução de conflitos de forma negociada antes da aplicação de contramedidas.
Trump anunciou a sobretraxa no último dia 9, em publicação numa rede social. Produtos importados pelos EUA do Brasil são sobretaxados atualmente em 10%, tarifa anunciada por Trump em 2 de abril. Ou seja, além das tarifas de importação já cobradas, há uma cobrança adicional de 10%.
Um exemplo é o caso do etanol, de acordo com interlocutores. Os americanos impunham uma tarifa de 2,5% ao produto, elevada a 12,5% após a sobretaxa de 10%. Com o novo anúncio, a porcentagem sobe a 52,5% em agosto.
A sobretaxa não é adicionada a produtos que já sofrem tarifas setoriais, como aço e alumínio, sobre os quais há tarifas de 50%.
Nesta segunda-feira, em um comunicado divulgado no X, a Embaixada dos EUA no Brasil lembrou o comunicado enviado por Trump ao governo brasileiro em que diz que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) é perseguido pela Justiça brasileira. A representação afirmou estar "acompanhando de perto a situação".
"Trump enviou uma carta impondo consequências há muito esperadas ao Supremo Tribunal de Moraes e ao governo Lula, em resposta aos ataques a Jair Bolsonaro, à liberdade de expressão e ao comércio dos EUA. Esses ataques são vergonhosos e desrespeitam as tradições democráticas do Brasil", afirma o texto das redes sociais.
'Eu vou levar jabuticaba para você, Trump': diz Lula em vídeo publicado por Janja
Sonar - A Escuta das Redes/ O GLOBO
A primeira-dama Janja da Silva publicou um vídeo neste domingo em que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva colhe e oferece jabuticabas a Donald Trump. Na publicação, Lula diz que a fruta é genuinamente brasileira e dará ao presidente americano contra o mau-humor. — Eu vim chupar jabuticaba de manhã, porque eu duvido que alguém que chupe jabuticaba fique de mau humor. Eu vou levar jabuticaba para você, Trump — diz o presidente, e depois complementa sobre o tarifaço imposto pelo governo dos EUA contra o Brasil. — E você vai perceber, sabe, que o cara que come jabuticaba de manhã, num país que só ele dá jabuticaba, não precisa de briga tarifária. Precisa de muita união, e de muita relação diplomática.
Trump enviou uma carta a Lula anunciando uma sobretaxa de 50% aos produtos nacionais, defendendo o ex-presidente Jair Bolsonaro, réu por tentativa de golpe de Estado, e criticando o Judiciário brasileiro.
A postagem segue o novo roteiro do governo de defesa da soberania, discurso que ganhou fôlego num momento que o petista enfrenta baixa popularidade. Essa semana, os governistas superaram a oposição no embate nas redes sociais sobre a taxação de 50% determinada por Trump. Outro mote foi a campanha lançada no perfil oficial do governo: “Brasil com S de Soberania”.
Durante a semana, Lula afirmou que pretende negociar e criará um comitê com empresários para repensar a política comercial com os Estados Unidos, mas que, se a sobretaxa de Trump entrar em vigor, vai responder, e medidas de retaliação já estão em estudo. O petista disse que levará o caso à Organização Mundial do Comércio (OMC), mas, diante do esvaziamento da entidade, a expectativa é que o país use a Lei da Reciprocidade, aprovada pelo Congresso, tão logo o tarifaço entre em vigor. A lei permite a adoção de sanções equivalentes às impostas por outros países.
Neste domingo, o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) afirmou que o governo vai editar, até terça-feira, o decreto que regulamenta a Lei da Reciprocidade, que permite ao Brasil responder à tarifa. Alckmin disse, entretanto, que o governo ainda trabalha para reverter a tarifa, prevista para entrar em vigor no dia 1º de agosto.
/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_da025474c0c44edd99332dddb09cabe8/internal_photos/bs/2025/j/i/7jp9bgTwyg2i4g3RRzQg/lula-oferece-jabuticaba-a-trump.jpg)
Rede do PT que abastece influenciadores com IA tem Instituto Lula, Perseu Abramo e sindicatos
REDAÇÃO O ESTADÃO DE SP
BRASÍLIA – Uma rede articulada pelo PT para abastecer influenciadores digitais com conteúdos políticos, como os gerados por inteligência artificial, conta com integrantes do Instituto Lula, da Fundação Perseu Abramo e sindicatos. A estratégia inclui “briefing” para grupos específicos capazes de disseminar materiais sugeridos por técnicos ligados à direção partidária.
Segundo a versão oficial dos profissionais e políticos mobilizados para o embate político digital, as peças criadas e as sugestões de atuação para a militância digital não passam pela “fulanização” de ataques nem pela desqualificação do Congresso.
As mensagens recomendadas seriam limitadas a críticas à “extrema-direita”. Entretanto, os materiais sugeridos, acessados pela reportagem, são personalizados contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e contra o governador de São Paulo, Tarcísio Freitas (Republicanos).
Os responsáveis pela campanha petista negam estar por trás de motes como o de “Hugo Não se Importa”, que mirou o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), o de “Congresso da Mamata” e o contra o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP). Também afirmam que não pagam influenciadores e que conteúdos agressivos contra congressistas são elaborações espontâneas de usuários.
Entretanto, há uma zona cinzenta na organização da comunicação petista. Para além de encontros abertos, como o realizado no início do mês, articuladores da comunicação virtual fazem tratativas com grupos menores de influenciadores alinhados com o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
A informação foi confirmada por integrantes desses encontros que, por outro lado, se recusaram a listar os influenciadores brifados e os termos das orientações oferecidas.
A relação com influenciadores se dá sob o guarda-chuva da campanha “Pode Espalhar”, lançada pelo PT e arquitetada por uma das agências de comunicação que prestam serviços a esse ecossistema, a Caê Comunicação.
A empresa é de Martha Romano, ex-sócia de Otávio Antunes, o marqueteiro responsável pela campanha de “nós contra eles” divulgada pelos canais oficiais do partido. Os contratos ficam diluídos entre instituições e sindicatos, de forma que não estão concentrados na prestação de contas partidária. Romano não quis dar entrevista.
A Pode Espalhar recebe cadastros de influenciadores e disponibiliza vídeos, cards e até posts prontos para o X (ex-Twitter) para que os aliados os lancem na internet. Uma parte dos grupos de WhatsApp é administrada por Ana Flávia Marx, diretora do Instituto Lula e uma influente estrategista digital ligada ao PT.
Uma estratégia semelhante foi liderada pelo Instituto Lula durante a campanha eleitoral de 2022. Ana Marx nega ataques pessoais. O Instituto Lula se define como entidade sem fins lucrativos “independente de estados e de partidos políticos” que se dedica ao “desenvolvimento nacional”, à “redução de desigualdades” e ao “estudo e compartilhamento de políticas públicas e privadas destinadas à erradicação da extrema pobreza e da fome”.
Em comunicado divulgado no dia 3, o PT e a Perseu Abramo, entidade de formação política da sigla, informaram que o objetivo da Pode Espalhar é “reunir militantes digitais que já atuam nas redes em defesa das políticas públicas do governo e da democracia, organizando essa atuação com mais conteúdo, estratégia e formação”.
Para reagir ao ataque de Donald Trump ao Brasil, a campanha petista elaborou conteúdos que miram o clã Bolsonaro e o governador Tarcísio. As peças tratam a família do ex-presidente como “gangue” e o chefe do Executivo paulista de “cúmplice do tarifaço”.
Os vídeos misturam recortes de entrevistas com trechos produzidos com inteligência artificial e são explicados por um narrador. Há versões específicas para WhatsApp. “Bolsonaro e sua turma são os verdadeiros traidores da pátria”, destaca uma das produções.
Peças com o slogan “Defenda o Brasil” foram disseminadas na sexta-feira, 11. Elas exploram o verde amarelo e a bandeira nacional contra Trump e bolsonaristas. A narração de um dos vídeos incluiu a mensagem: “usaram nossa bandeira como fantasia para esconder traição, mentira, submissão. Essa bandeira não é figurino de traidor”.
Entre os influenciadores que ampliaram o alcance de vídeos artificiais do PT está Thiago dos Reis (PT), um dos maiores produtores de conteúdo político do País que repete a receita do “gabinete do ódio” da gestão Bolsonaro.
Na sexta-feira, 11, ele compartilhou um vídeo feito com inteligência artificial que simula trabalhadores reclamando de Bolsonaro e dizendo que “os bolsominions querem quebrar o nosso País” e “atrapalhar a nossa economia para livrar o golpista da cadeia”.
“ATENÇÃO!!! EXCELENTE vídeo da comunicação do PT expõe como BOLSONARO TAXOU O BRASIL pra atrapalhar a economia!!”, publicou Reis, que também redistribui vídeos de outros influenciadores e de contas apócrifas.
O influenciador, que já gerou mais 1 bilhão de visualizações com seu canal no YouTube, responde a vários processos por calúnia.
O presidente da fundação, Paulo Okamotto, disse ao Estadão que entre as premissas da rede petista estão “fazer debate político” e “politizar a sociedade” de forma qualificada, sem ataques pessoais. Segundo ele, as montagens direcionadas ao Congresso nascem espontaneamente na internet.
“O que acontece é que a rede virou terra de ninguém. Dizem que ‘Lula é ladrão, Lula roubou’. Aí o pessoal começa a responder na mesma pegada. Eu não faria, mas não vou falar para o cara não fazer”, afirmou. Ele também nega responsabilidade sobre vídeos com inteligência artificial com críticas a Hugo Motta. “Isso enche o saco do Hugo Motta, mas não politiza”.
O bode expiatório dos Correios
Por Notas & Informações / O ESTADAÕ DE SP
O presidente dos Correios, Fabiano Silva dos Santos, entregou sua carta de demissão na semana passada. O pedido ainda será analisado pelo presidente Lula da Silva, mas sua renúncia se tornou questão de tempo depois que a empresa registrou um prejuízo de R$ 1,7 bilhão no primeiro trimestre deste ano. Seria fácil culpar Fabiano Silva dos Santos por um resultado tão desastroso – e, em última instância, a responsabilidade é mesmo do presidente da empresa –, mas também seria incoerente, pois, não faz muito tempo, o governo defendeu sua atuação.
Em janeiro, a ministra da Gestão e da Inovação, Esther Dweck, deu uma entrevista coletiva para justificar o estrondoso déficit de R$ 6,7 bilhões registrado pelas empresas estatais federais que não dependem do Tesouro Nacional para se sustentar. Desse total, os Correios foram responsáveis por R$ 3,1 bilhões. À época, a ministra, ao lado de Fabiano, diminuiu a importância do rombo. Segundo ela, os Correios estavam com um plano de investimentos em curso para ampliar sua presença no mercado e em breve retomariam sua trajetória positiva.
Mais que uma promessa, era puro devaneio. O problema dos Correios era bem maior do que o governo estava disposto a admitir. A culpa não foi apenas da famosa “taxa das blusinhas”, que o governo impôs sobre importações de produtos chineses baratos e que, de fato, teve impacto no faturamento. Tampouco foi o custo de manutenção dos milhares de imóveis que a empresa tem em todo o País. A questão central é que as receitas da empresa simplesmente não são suficientes para arcar com o tamanho de suas despesas, e isso não se reverteria mesmo que os Correios investissem pesadamente em tecnologia, logística e centros de distribuição para disputar o mercado com concorrentes de peso.
A vacância da presidência dos Correios será politicamente útil neste momento. Aparentemente, o ministro da Casa Civil, Rui Costa, enxerga na saída de Fabiano uma chance de posar de fiscalista. Teria partido dele a exigência de que os Correios adotassem o plano de reestruturação ao qual Fabiano demonstrou resistência. É de perguntar por que o mesmo governo concordou com a realização de um concurso público dos Correios no fim do ano passado. Também cabe questionar se o Executivo acha mesmo que fechar algumas agências, vender imóveis e abrir programas de demissão voluntária, como quer Rui Costa, vai salvar a empresa.
O mais provável é que o erro de Fabiano tenha sido a admissão de que os Correios precisarão de um aporte bilionário para conseguir se sustentar neste ano e no próximo, como revelou a Folha de S.Paulo. É o tipo de notícia da qual o governo Lula da Silva não precisava neste momento, pois evidencia que nada mudou na visão que o PT tem sobre o papel das empresas públicas na economia.
Tidas pelo lulopetismo como um vetor do desenvolvimento, as estatais são estimuladas a gastar muito além de suas possibilidades, independentemente dos resultados financeiros. Mas há uma diferença considerável entre não dar lucro e gerar um prejuízo bilionário. Em uma empresa privada, isso seria intolerável para os acionistas e o Conselho de Administração. Em uma empresa pública, no entanto, o PT avalia que é obrigação do governo socorrê-la com dinheiro do contribuinte.
O pior é que, na situação em que os Correios estão, nem mesmo um aporte bilionário pode ser suficiente. Se o dinheiro for utilizado para bancar despesas correntes, a empresa passará a ser dependente do Tesouro Nacional. E para fazer isso sem descumprir as regras fiscais, o Executivo teria de cortar R$ 20 bilhões para incorporar todos os gastos da empresa ao Orçamento-Geral da União, o que não parece crível para um governo que faz malabarismos para tentar cumprir a meta de déficit fiscal zero neste ano.
É difícil acreditar que Fabiano Silva dos Santos, advogado que participou da equipe de transição do governo e que está à frente dos Correios desde janeiro de 2023, tenha feito algo na empresa sem o conhecimento e o aval de Lula da Silva. Fato é que o insaciável presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), tem a pretensão de indicar um sucessor na empresa, e o governo precisa desesperadamente de um bode expiatório.
Problemas do presidencialismo não isentam Lula de erros
FOLHA DE SP
A recente crise entre o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o Congresso Nacional, para a qual foi arrastado o Supremo Tribunal Federal (STF), avivou um proveitoso debate acerca dos problemas do presidencialismo brasileiro.
Governar o Brasil decerto não é fácil. Normas permissivas trazidas pela redemocratização levaram a uma proliferação de partidos políticos com assento no Congresso, o que obriga o presidente da República a formar coalizões amplas para conseguir maiorias, em geral por meio da distribuição de cargos e verbas.
Nos últimos anos, o Parlamento assumiu maior protagonismo na agenda nacional e controle exagerado sobre recursos do Orçamento, tornando-se menos dependente de barganhas com o Planalto —sem, no entanto, arcar com responsabilidades proporcionais às novas prerrogativas.
Como resumiu o cientista político Marcus André Melo, em sua coluna na Folha, há duas leituras rivais sobre o atual impasse entre governo e Legislativo em torno da elevação do IOF, ora levado para a arbitragem do Supremo.
Uma sustenta que o presidencialismo de coalizão tornou-se disfuncional com o enfraquecimento do Executivo; outra, sem negar as transformações do presidencialismo no país, dá maior ênfase à gestão deficiente da coalizão atual —em particular a recusa do PT em compartilhar poder decisório com os partidos aliados.
De fato, como já apontou este jornal, não contribui para a solidez da aliança que um partido com meros 13% dos assentos no Congresso tome para si quase um terço dos ministérios do governo, aí incluídos Fazenda, Casa Civil, Relações Institucionais, Desenvolvimento Social, Saúde e Educação, deixando para os parceiros quase só pastas periféricas.
Essa desproporcionalidade faz ainda menos sentido no caso de um presidente eleito por margem minúscula de votos e taxas de aprovação popular que caíram de modestas para baixas.
Há mais, contudo. Desde a campanha eleitoral, era evidente a inconsistência dos planos de Lula para seu terceiro mandato, em especial na área decisiva da economia. O resultado foram poucas ideias além de ressuscitar programas e bandeiras petistas, investir inutilmente contra reformas aprovadas em outros governos e promover uma elevação brutal de gastos públicos.
A alta do IOF —agora convertida de modo farsesco em cruzada por justiça social— foi de início apenas medida canhestra para lidar com as consequências das más escolhas econômicas, que impulsionaram a inflação, os juros e a dívida pública.
Empecilhos anômalos à governabilidade devem ser enfrentados. O número de partidos tem caído graças a providências como a cláusula de desempenho. O avanço das emendas parlamentares precisa ser contido. Inexiste, de todo modo, sistema político imune a falhas de funcionamento. Aqui, Lula nem mesmo pode dizer que as desconhecia.
O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo.
Baixar as armas
EDITORIAL DA FOLHA DE SP
Ao gerir o setor de segurança pública com base em ideologia, em vez de técnica, Jair Bolsonaro (PL) flexibilizou por meio de decretos uma série de normas que restringiam o aceso a armas de fogo no país. Felizmente o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vem conseguindo reverter o descalabro.
É o que mostra o levantamento de dados realizado pela Folha e analisados em parceria com o Instituto Sou da Paz. Entre 2022, último ano do mandato de Bolsonaro, e 2024, o número de armas compradas por CACs (caçadores, atiradores e colecionadores) despencou de 448.319 para 39.914, uma queda de 91%.
O estudo revelou que houve aumento apenas na aquisição de fuzis, entre o ano passado e o primeiro semestre de 2025, de 1.063 para 1.248 —o poder público precisa apurar a motivação para a alta, principalmente por ser tratar de dispositivo de grande impacto.
Atualmente, 980 mil CACs possuem cerca de 1,5 milhão de armas, sendo que 932.551 delas foram registradas no governo Bolsonaro, e 234.849, no de Lula (compras feitas até abril).
A redução é bem-vinda, dado que tanto pesquisas científicas como experiências em outros países evidenciam que não só não há relação direta entre expansão do acesso a armas e diminuição de indicadores de criminalidade como verifica-se aumento de mortes que seriam evitáveis.
Agora, o governo precisa endurecer o monitoramento do comércio do setor no país, ainda mais com a mudança da instituição que realiza a tarefa.
Mudança necessária, já que o Exército falhou claramente na atribuição, como conceder acesso a esses dispositivos a condenados por tráfico ou homicídio e a procurados pela polícia com mandados de prisão em aberto, o que contraria o Estatuto do Desarmamento, de 2003.
Em 2023, um decreto federal passou a responsabilidade do Exército para a Polícia Federal. A transição deve ser concluída até 29 de agosto. O órgão cuidará da emissão do certificado de registro e do cadastro de armas além da fiscalização de CACs, clubes de tiro e lojas de armas.
Em 1º de julho, a PF contratou 579 terceirizados para a empreitada, mas demandou no ano passado a criação de 3.000 novos cargos (sendo 780 terceirizados), entre delegados, agentes, psicólogos e técnicos administrativos.
A melhoria no cenário de compra de armas no país deixa claro que a ideologia é má conselheira em políticas públicas —e que a alternância de poder é um mecanismo valioso das democracias para a promoção de ajustes.
Série da Folha mostra aumento da influência chinesa na economia do Brasil
A Folha lança nesta terça-feira (8) a série Avanço Chinês, que aborda os impactos no mercado brasileiro da chegada crescente de empresas da China. As reportagens mostram como o desembarque de multinacionais asiáticas mexeu com o mercado de trabalho, a concorrência, o acesso à tecnologia e outros aspectos da economia brasileira
Do boneco Labubu aos carros elétricos, passando pelos painéis fotovoltaicos, os produtos chineses estão por toda parte. Essa vinda de empresas do país asiático se intensificou nos últimos três anos.
Desde 2009, a China é o maior parceiro comercial do Brasil, sendo o principal destino (28%) das exportações. Ao mesmo tempo, 24% das importações vêm do gigante asiático.
O Brasil registra superávit comercial com o parceiro, que conseguiu aumentar suas vendas em quase 20% no ano passado, tendência que se manteve no primeiro semestre de 2025.
As reportagens da série explicam ainda como o cenário geopolítico, com a guerra comercial entre EUA e China, fez o país asiático ampliar relações e os investimentos na América Latina.
A aproximação entre os dois países se intensificou nos últimos anos, com acenos do governo Lula a Pequim, que recebeu duas visitas do petista no atual mandato.
Brasil importa 'capitalismo chinês', com concorrência agressiva em carros, tecnologia e serviços
O desembarque de 7.000 carros da BYD de um navio no porto de Itajaí, no dia 28 de maio, foi celebrado pela empresa líder em vendas de veículos eletrificados no Brasil e no mundo. Enquanto comemorava a chegada recorde de produtos num mercado em que acumula sucesso, a montadora se preparava para outro desembarque, o de concorrentes.
Já existem pelo menos oito marcas chinesas oficialmente instaladas no Brasil, que deve receber outras três – Leapmotor, MG Wuling – até o final deste ano.
O segmento de veículos eletrificados é um entre tantos, como os de smartphones, eletrônicos, equipamentos médicos, e-commerce e serviço de entregas, em que empresas da China concorrem pelo consumidor brasileiro.
Ao mesmo tempo em que disputam espaço com grupos locais e outras multinacionais, as chinesas protagonizam uma concorrência entre elas, replicando aqui o cenário que vivenciam no seu país.
"A economia da China tem o ambiente mais competitivo do mundo", afirma a economista Keyu Jin, economista e autora do livro "A Nova China: Para Além do Capitalismo e do Socialismo".
Segundo ela, essa concorrência feroz traz problemas para os competidores de outros países e para a rentabilidade das empresas chinesas. Ao mesmo tem uma importância vital no avanço do gigante asiático, avalia a economista.
"Essa disputa força as empresas a inovarem constantemente, em ciclos muito rápidos. Não tem como ficar confortável após o sucesso como acontece com as companhias da Europa e dos EUA.", compara.
No setor automotivo da China, por exemplo, existem centenas de marcas, com uma produção que o mercado local já não é capaz de absorver. Estimativas indicam que, atualmente, o estoque é superior a 3 milhões de unidades.
Realidade semelhante é registrada em outras indústrias de tecnologia, como a de smartphones e de eletrônicos. Elas seguem uma política do Partido Comunista Chinês que incentiva a globalização das marcas do país.
Isso acontece no momento em que é cada vez mais difícil para as multinacionais crescerem no mercado local muito concorrido, avalia In Hsieh, consultor de empresas chinesas. "Quando conseguem crescer é em taxas de um dígito por ano, o que é insuficiente. Precisam mais e, para isso, a solução é se internacionalizar", afirma.
Com as restrições impostas nos EUA e na Europa, "o Brasil virou o grande campo de batalha [das empresas]", diz Hsieh.
É o caso do mercado de smartphones. Desde 2019, as cinco marcas locais que disputam com a Apple na China desembarcaram no Brasil. Primeira a chegar, a Xiaomi viu seus concorrentes Oppo, Honor, Vivo (rebatizada de Jovi) e, por último, a Huawei, com um celular de R$ 33 mil, lançarem produtos no Brasil.
Elas repetem uma competição que acontece há quase uma década na venda de ar-condicionados. As chinesas Gree e Midea disputam entre si e com as coreanas LG e Samsung o aquecido mercado brasileiro.
"Estamos cada vez mais olhando para o Brasil", afirma o vice-presidente comercial da Gree, Nicolaus Cheng. Segundo ele, o país representa 10% das vendas globais da empresa, que anuncia ser a maior fabricante de aparelhos do mundo.
A Gree, diz Cheng, planeja investir cerca de R$ 50 milhões na fábrica do grupo em Manaus até 2026. A ideia é nacionalizar a produção de componentes que atualmente vem da China.
De janeiro a maio, o Brasil registrou aumento de 70% na importação de peças para fabricação de ar-condicionado, na comparação com o mesmo período do anos passado. As indústrias instaladas no país gastaram US$ 370 milhões (R$ 2 bilhões) nesses componentes, segundo dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços.
O mesmo levantamento registra que os brasileiros em geral compram cada vez mais da China. Nos primeiros cinco primeiros meses do ano foram US$ 29,5 bilhões (R$ 163 bilhões), uma alta de 26% nas importações com origem no país asiático.
A tendência acelera ainda mais o investimento das empresas de e-commerce no Brasil, seguindo caminho traçado por Shopee, Shein e Alibaba, que passaram a ter novos concorrentes como Temu, Kwai Shop e TikTok Shop.
Quase um ano após a implementação da chamada "taxa da blusinha", com a cobrança de impostos sobre os produtos importados no valor de até US$ 50, as empresas asiáticas ampliaram investimentos no país.
A resposta delas à tributação "foi menos recuar e muito mais se adaptar e crescer", avalia Ícaro Medeiros, gerente para o mercado de empresas chinesas na DHL Supply Chain.
Para isso, apostaram no investimento em logística e na relação com vendedores locais, afirma o executivo. Ele cita como exemplo a Shein que ampliou a sua atuação como marketplace, com cerca de 30 mil vendedores no país. O grupo chinês que tem sede em Singapura montou um centro de distribuição em Guarulhos com mais de mil robôs.
Medeiros prevê uma disputa acirrada no setor vendas online nos próximos ano, com crescimento da participação das asiáticas. Hoje, a dona da maior fatia do mercado brasileiros é a argentina Mercado Livre, com cerca de 35% de participação, à frente da Shopee e da Amazon.
"Até 2028, no máximo, 2030, acredito que metade do mercado estará com as chinesas", afirma o executivo da DHL.
Antes disso, outro segmento que deverá ser impactado pela concorrência com empresas da China é o de delivery. Dois gigantes, Didi e Meituan, prometem uma disputa acirrada com iFood e Rappi.
A 99, marca da Didi no Brasil, retomou o serviço de entrega em junho. Um mês antes, em maio, a Meituan, líder na Ásia, anunciou a chegada ao Brasil, durante a viagem de Lula a Pequim. A estreia está prevista para este ano, com a marca Keeta.
O grupo tem mais de 770 milhões de usuários ativos na China, 14,5 milhões de restaurantes parceiros e média 98 milhões de entregas diárias por meio de pedidos online só em 2024.
Juro alto eleva inadimplência de pequenas empresas, que buscam mais crédito para operar
Por Glauce Cavalcantie Bruno Rosa — Rio/ O GLOBO
Em meio à escalada dos juros no Brasil — a Taxa Selic está em 15% ao ano, o maior patamar em 19 anos —, a busca por crédito por micro, pequenas e médias empresas não para de crescer. Mas o aumento trouxe um efeito colateral: a inadimplência atingiu em maio o maior patamar da série do Banco Central (BC). Em maio, segundo dados do BC, esses negócios somaram R$ 1,179 bilhão em empréstimos, aumento de 11,6% em 12 meses. É financiamento usado principalmente como capital de giro. Com dívidas a pagar a um custo cada vez mais alto a reboque da taxa de juros, essas empresas buscam recursos para manter a operação rodando.
Em maio, segundo dados do BC, esses negócios somaram R$ 1,179 bilhão em empréstimos, aumento de 11,6% em 12 meses. É financiamento usado principalmente como capital de giro. Com dívidas a pagar a um custo cada vez mais alto a reboque da taxa de juros, essas empresas buscam recursos para manter a operação rodando. Nesse cenário, a inadimplência está em alta, enquanto avança o número desses negócios em recuperação judicial — em abril, eles representaram perto de 90% dos pedidos de proteção apresentados ao Judiciário. A inflação ainda alta, que reduz o consumo, também dificulta as vendas.
— A procura maior por financiamento é reflexo da dificuldade das empresas nesse ambiente de juros elevados. Estão buscando mais crédito para complementar o faturamento menor, pois as vendas estão sendo comprometidas pelos juros, que afetam o crescimento econômico. E isso leva as empresas a uma maior necessidade de capital de giro — avalia Miguel Ribeiro de Oliveira, diretor executivo de Estudos e Pesquisas da Associação Nacional dos Executivos de Finanças (Anefac).
Com IOF, impacto seria maior
O aperto no caixa poderia ser maior, caso o decreto do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) tivesse entrado em vigor, já que o IOF incide toda vez que a empresa faz empréstimo para capital de giro ou antecipação de recebíveis. O tema será alvo de uma reunião de conciliação entre Executivo e Legislativo determinada pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF). — Qualquer aumento de imposto num ambiente já extremamente tributado encarece o crédito e pesa na capacidade das empresas de pagar dívidas — diz Oliveira. Ele destaca que, junto com a Selic, sobe o custo de crédito de todas as linhas, como as de capital de giro e desconto de duplicatas.
— Apesar do empréstimo estar mais caro, o crédito é a forma que o empreendedor de menor porte tem de manter a rotina financeira. Ele recorre ao crédito para ter capital de giro — diz Camila Abdelmalack, economista da Serasa Experian.
A busca por crédito pelas empresas no país chegou a subir cerca de 13% em fevereiro ante igual mês de 2024, segundo a consultoria. Essa alta foi impulsionada pela procura vinda de MPEs. Em abril, a variação anual foi de 6,3%. Do total de empresas no país, diz a economista, mais de 90% são micro, pequenas e médias.
Além da alta no volume de crédito a micro, pequenas e médias empresas (MPMEs), os dados do BC apontam que a inadimplência de empresas deste porte foi de 4,5% em janeiro até alcançar 5,1% em maio, o maior nível da série histórica.
Pela classificação do BC, PMEs são aquelas com receita bruta anual de até R$ 300 milhões ou com ativo total de até R$ 240 milhões.
Diante do encarecimento do crédito, afirma Camila, da Serasa, os pequenos empreendedores têm recorrido a operações de antecipação de recebíveis para acessar recursos. Ela chama atenção para o efeito do nível recorde de inadimplência. Segundo dados de março, de 7,3 milhões de CNPJs negativados, 6,9 milhões são de MPMEs.
O cenário de juros altos, afirma Nelson Andreatta, fundador da Eats For You, um aplicativo de alimentação para empresas, afeta diretamente os planos de crescimento:
— Os investimentos previstos para 2024 e 2025 foram postergados para 2026 e 2027. Se o crédito convencional estivesse mais acessível, nossos investimentos em novos negócios já estariam ativos há um ano. Com crédito limitado e caro, tivemos que reestruturar a companhia, focando na autossuficiência e no crescimento com recursos próprios no curto e médio prazo.
Andreatta lembra que o ciclo de alta dos juros gerou uma diminuição maior do apetite dos investidores:
— É inviável investir em inovação dependendo de recursos externos nas condições que temos hoje.
A cervejaria Hocus Pocus analisa se vai recorrer ao crédito ou buscar aporte de um investidor para expandir operações, segundo Pedro Butelli, diretor executivo de Marketing da companhia. A meta é elevar a capacidade de produção de cerca de 120 mil litros para 200 mil litros mensais.
— A fábrica chegou à capacidade. Vamos precisar de mais dinheiro. Estamos indo bem, batendo metas e tendo lucratividade. Mas a gente queima caixa se ficamos abaixo das metas. E, subindo ainda mais a Selic, fica ainda mais difícil obter financiamento. É uma corda no pescoço — diz.
O Sebrae atua como avalista a micro e pequenas empresas na contratação de crédito. Viabilizou R$ 3,5 bilhões em empréstimos a mais de 50 mil empreendedores entre 2023 e 2024, com previsão de alcançar R$ 12 bilhões este ano, diz Décio Lima, presidente do Sebrae.
Um dos motores de crescimento está no lançamento do Fundo Garantidor BNDES-Sebrae (FGBS), com operação compartilhada pelas duas instituições. O Sebrae já tem diversos bancos parceiros na concessão de crédito avalizado a empreendedores.
— O crédito com aval ajuda na queda da inadimplência, tira o risco e enfrenta a Selic — diz Lima.
Lena Matos, sócia da RR Adventure, agência de turismo receptivo em Boa Vista (RR), está entre os negócios que tomaram crédito com aval do Sebrae em 2024:
— Tomamos R$ 65 mil em crédito direto no banco. Com o aval, o juro fica mais baixo. Preservamos caixa para uma emergência e usamos como capital de giro e para a renovação constante de equipamentos.
Fundo para PMEs
O BNDES reflete a alta demanda por financiamento. No ano passado, aprovou R$ 92,4 bilhões em crédito para MPMEs, o maior nível desde 2013, em valores nominais — e um aumento de 47% ante 2023. Mais de 203 mil negócios foram apoiados em 2024.
Desses R$ 92,4 bilhões, R$ 52,2 bilhões foram para médias empresas, R$ 27,5 bilhões para pequenas e R$ 12,7 bilhões a microempresas, diz Maria Fernanda Ramos Coelho, diretora de Crédito Digital para MPMEs do banco. A meta para 2025 é manter o mesmo patamar do último ano:
— Estudamos a criação de um fundo para pequenas e médias empresas. O objetivo é garantir acesso ao crédito.
Há mais R$ 63,9 bilhões em operações de MPMEs por agentes financeiros com garantias de fundos garantidores, somando R$ 156,3 bilhões em oferta de crédito ao segmento.
Inadimplência de pequenas empresas bate recorde — Foto: Arquivo/Agência O Globo