Lula não via sua rejeição ser maior que apoio desde o Mensalão
Por Caio Sartori / O GLOBO
Dados históricos das pesquisas opinião ajudam a dimensionar o atual desafio da gestão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) quando o assunto é popularidade. Se considerados os dois mandatos anteriores, com base em levantamentos feitos na época pelo Ibope, e a avaliação sobre o atual medida pela Genial/Quaest, o petista não via a desaprovação superar numericamente o apoio à sua gestão desde dezembro de 2005, quando ainda enfrentava os efeitos do escândalo do Mensalão.
O pontapé inicial do Mensalão ocorreu em junho daquele ano, com a denúncia do deputado Roberto Jefferson (PTB) sobre o esquema, mas o caso cresceu ao longo dos meses. O ápice do reflexo do episódio na avaliação do governo se deu em dezembro, com 42% dos entrevistados pelo Ibope dizendo que aprovavam o Planalto, 20 pontos a menos do que em novembro do ano anterior. No mesmo dezembro de 2005, 52% desaprovavam o trabalho de Lula.
— Isso nos conta que, se olhar para o passado, Lula já mostrou capacidade de recuperação. É algo assegurado? Não. O problema que Lula tinha em 2005 era o Mensalão, que era enorme, mas ele teve a favor uma bonança na economia — diz o cientista político e sociólogo Antonio Lavareda, presidente de honra da Associação Brasileira de Pesquisadores Eleitorais (Abrapel). — Agora os problemas dele surgem associados à economia. Não existe o Mensalão ou a Lava-Jato, mas é um problema ligado a uma variável estrutural, que é a economia.
recuperação
A retomada de Lula pós-Mensalão foi expressiva. A partir do início de 2006, ano em que se reelegeria, o presidente reconquistou a avaliação positiva até alcançar o maior patamar da história nos meses finais do segundo mandato, em 2010, quando a aprovação ao seu governo passou de 80%.
— Ele também não conta hoje com a flexibilidade do eleitorado, que naquela época tinha mais plasticidade de opiniões. Hoje em dia as bolhas são mais enrijecidas — avalia Lavareda. — Mas, quando vemos a variação de uma pesquisa para outra da Quaest, o que teve de mais negativo foi o caso do Pix. Como é uma coisa mais conjuntural, isso abre espaço para ele se recuperar, por ter sido uma causa bem específica.
Na semana passada, a pesquisa Genial/Quaest mostrou um placar de 49% a 47% para os que reprovam a gestão. Os dois grupos ficaram empatados no limite da margem de erro, de um ponto percentual, mas houve redução da percepção positiva na comparação com a pesquisa anterior.
Apesar dos números em queda, Lula ainda conta com mais gente a favor do governo do que o percentual de brasileiros aptos a votar que o escolheram em 2022. Isso é constatado quando se analisam não os votos válidos, e sim quanto do total do eleitorado apertou o 13 nas urnas: 38,6%, quase dez pontos a menos do que os 47% que dizem aprovar a gestão.
— Não tem sentido fazer um sacrifício enorme para fazer políticas públicas, para o dinheiro chegar na conta, e depois esse dinheiro ser comido pela inflação — reconheceu Lula à imprensa.
Na coletiva de imprensa que promoveu na semana passada no Planalto, Lula abordou o recado das pesquisas. Ao relatar conversas que tinha com o ex-ministro Paulo Pimenta, que saiu da Secom para dar lugar ao publicitário Sidônio Palmeira, assumiu que o governo ainda não entregou à população as promessas de campanha, o que mexe com o humor da opinião pública.
— No primeiro ano de governo,o povo tem muita expectativa. No segundo ano, o povo começa a saber se as expectativas estão sendo cumpridas. Eu dizia para o Pimenta: não se preocupe com pesquisa, porque o povo tem razão. A gente não está entregando aquilo que a gente prometeu. Então como é que o povo vai falar bem do governo? — questionou o presidente.
Lula, no entanto, afirmou que “ainda é muito cedo” para projetar a eleição de 2026 e cravar se o governo é bom ou ruim.
— Tenho consciência do que estamos fazendo. Muita consciência. Cada coisa que eu falar, nós vamos entregar — assegurou.
pressão da inflação
Neste mandato, a série histórica da Quaest tem como melhor momento para Lula o mês de agosto de 2023, quando registrou 60% de aprovação, ante 35% de reprovação. Em todas as 11 pesquisas anteriores à divulgada na semana passada, o presidente manteve mais de 50% de aprovação.
Além da crise do Pix, que colocou o governo nas cordas, outro dado que preocupa o Planalto é a inflação dos alimentos. Para 83% dos entrevistados, o preço da comida piorou de dezembro para janeiro. O poder de compra é considerado uma variável decisiva na hora do voto.
Centrão domina eleição do Congresso, cobra de Lula fatura alta e não dá garantia de apoio em 2026
Líderes do centrão celebraram a folgada vitória para o comando do Congresso Nacional como um trunfo para a ampliação de poder sobre o governo e para o aumento de influência sobre a verba pública, num momento de queda de popularidade do presidente Lula (PT).
Já na noite de sábado (1º), após a eleição de Davi Alcolumbre (União Brasil-AP) e de Hugo Motta (Republicanos-PB) para as presidências do Senado e da Câmara dos Deputados, aliados da dupla discutiam cenários de um possível redesenho do governo e de retomada do controle sobre as emendas parlamentares.
Fortalecidos, líderes do grupo passaram a defender um choque na estrutura da gestão Lula, que poderia incluir a redução do peso do PT na chamada cozinha do Palácio do Planalto, responsável pela coordenação do governo.
Representantes desses partidos têm alertado que uma simples acomodação de suas legendas no ministério de Lula não basta para garantir uma adesão a todos projetos de interesse do governo no Congresso e, menos ainda, para assegurar apoio à uma candidatura de Lula à reeleição em 2026.
Para que esses partidos ampliem o alinhamento com o governo e, depois, subam no palanque petista, Lula precisaria reorganizar o governo e recuperar popularidade —principal desafio do governo neste momento.
Líderes do centrão manifestam resistência a adensar sua participação no mandato do petista num momento de queda dos índices de avaliação do presidente. O argumento é que, com esse movimento, eles arriscariam seu capital político entre eleitores de direita.
Um integrante da cúpula da Câmara aponta que, atualmente, deputados e senadores já são "unidades orçamentárias", graças ao aumento expressivo das emendas parlamentares, e que não são mais dependentes da força do governo para abastecer seus redutos eleitorais. Por isso, a retomada do poder sobre as emendas, alvo de bloqueio do STF, soa até mais urgente do que uma reforma ministerial.
Essas constatações são interpretadas, tanto no governo como no próprio centrão, como um diagnóstico legítimo do quadro político, mas também como um argumento para ampliar o poder de barganha do Congresso na negociação de cargos no primeiro escalão.
Um dirigente desses partidos afirma que a ideia de participação na equipe de Lula não é totalmente descartada porque há, sim, chances de reeleição do presidente em 2026, principalmente diante da possibilidade de um racha da direita.
Com esse cenário, aliados de Lula afirmam que ele já admite, em conversas reservadas, a necessidade de fazer um gesto mais amplo para esses partidos, com uma reforma ministerial mais abrangente. Para isso, poderia ser necessário sacrificar aliados próximos e o próprio PT.
Nesta segunda-feira (3), Lula dará início a uma nova rodada de conversas políticas. À tarde, ele se reunirá com a presidente do PT, Gleisi Hoffmann (PR), que deve assumir o cargo de ministra-chefe da Secretaria-Geral da Presidência. Há uma expectativa de que Lula receba também Alcolumbre e Hugo.
O presidente teria sinalizado a intenção de reacomodar o ministro-chefe da Secretaria de Relações Institucionais, Alexandre Padilha (PT), na Saúde. Lula vem demonstrando insatisfação com o desempenho da atual titular, Nísia Trindade, embora resista a demiti-la. Padilha seria um substituto natural porque já ocupou o cargo no governo Dilma Rousseff (PT).
Caso a troca seja feita, Lula faria uma mudança na cozinha do Planalto. O ministério responsável pela articulação política poderia ficar com um não petista. O mais cotado hoje seria o ministro Sílvio Costa Filho (Portos e Aeroportos), do Republicanos, partido de Hugo Motta.
A cúpula da Câmara, por sua vez, ainda trabalha para emplacar no posto o líder do MDB na Casa, Isnaldo Bulhões Jr (AL), devido à boa relação que ele mantém com Hugo e com Alcolumbre.
As discussões no governo para ampliar laços com partidos de centro e centro-direita refletem um comportamento crítico de líderes dessas legendas em relação ao governo. O caso mais emblemático é o do PSD, cujo presidente, Gilberto Kassab, disse na semana passada que Lula não conquistaria um novo mandato se a eleição ocorresse agora.
Nessa lógica, ganhou mais força a aposta no ex-presidente do Senado Rodrigo Pacheco (PSD-MG) para o ministério de Lula. Emissários chegaram a pleitear para ele a pasta da Justiça, mas o presidente não gostaria de tirar do cargo o atual titular, Ricardo Lewandowski.
O Ministério de Minas e Energia, atualmente controlado por Alexandre Silveira (PSD), poderia ser um destino para Pacheco. O Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, ocupado pelo vice Geraldo Alckmin (PSB), também seria alvo de interesse, o que ainda dependeria de uma negociação com Alckmin.
Dentro da estratégia de atrair o centrão, há expectativa de negociação com o ex-presidente da Câmara Arthur Lira (PP-AL), a quem é creditado o desempenho de Hugo na eleição para a Casa.
Segundo aliados de Lula, o presidente tem a opinião de que Lira não impôs tantos obstáculos à agenda do governo na Câmara e, por isso, não estaria descartada a possibilidade de sua nomeação para um ministério como o da Agricultura, ainda que o trabalho do atual ministro, Carlos Fávaro (PSD), seja bem avaliado.
O presidente do Republicanos, Marcos Pereira (SP), também é citado na bolsa de apostas. Integrantes do governo avaliam que ele ajudaria o governo a se aproximar do segmento evangélico, além de ser uma sinalização ao próprio partido.
Interlocutores do presidente citam um remanejamento, considerado muito provável, da ministra da Ciência e Tecnologia, Luciana Santos (PC do B), para a pasta das Mulheres. Seria uma prova de que Lula está disposto a reduzir o espaço de um aliado histórico no xadrez que poderia acomodar partidos de centro.
O desenho foi esboçado diante da constatação do fortalecimento do centrão. Elaborado no calor das eleições no Congresso, o modelo pode ser revisto, como já aconteceu em discussões de reformas ministeriais passadas.
Lula tem insistido para que os ministros de estados do Nordeste trabalhem para reverter tendência de queda de sua aprovação na região —o que tem sido motivo de preocupação do presidente. Aliados do presidente afirmam que a reforma deve consumir mais 15 dias.
Governador Elmano de Freitas destaca parceria com a Assembleia Legislativa
Por Guilherme de Andrade / ALECE
- Foto: Pedro Albuquerque
O governador do Estado do Ceará, Elmano de Freitas, participou da solenidade de posse da nova Mesa Diretora da Assembleia Legislativa do Estado do Ceará (Alece) para o biênio 2025-2026, na manhã deste sábado (01/02), e destacou, em coletiva de imprensa, a parceria entre os poderes Executivo e Legislativo.
Elmano afirmou que a relação com o Parlamento será de “muita colaboração” e de “respeito à autonomia dos poderes”. Para o começo do período, ele revelou que deve fazer o envio de mensagens sobre segurança pública e educação, e realizar reunião para debater o reajuste dos servidores. “Nós vamos ter várias matérias, e eu tenho certeza que conto com a Assembleia para aperfeiçoar o que nós vamos enviar para cá”, afirmou.
Ele elogiou a atuação do deputado Romeu Aldigueri (PDT), presidente eleito da Alece e ex-líder do Governo no Parlamento cearense, e afirmou que a Casa ganha muito com o deputado à frente do poder. Para o governador, a Assembleia “está nas mãos de um democrata” e terá um presidente que busca construir posições políticas a partir do “diálogo e consenso”. “O deputado Romeu Aldigueri tem a grandeza que a Assembleia Legislativa do Estado do Ceará merece, de ter um presidente com seu preparo, com sua inteligência”, destacou.
O governador anunciou, ainda, a vinda do presidente Lula (PT) ao Estado do Ceará para a entrega do novo Hospital Universitário do Ceará, localizado no campus da Universidade Estadual do Ceará (Uece), no Itaperi. A data da visita deve ocorrer entre os dias 20 e 28 de fevereiro.
Durante a entrevista coletiva, o presidente Romeu Aldigueri também enfatizou a parceria com os poderes do Estado. “Nós vamos assumir agora uma posição de mediador, procurando sempre ouvir, dialogar, agregar, respeitar e participar, com muita parceria com o Poder Judiciário, com o Poder Executivo, com o Ministério Público, com a Defensoria Pública, com as Prefeituras Municipais, com a sociedade civil”, afirmou.
O parlamentar destacou a ampla representatividade da Mesa Diretora que, pela primeira vez, conta com a presença de uma mulher, deputada Larissa Gaspar (PT), no posto de vice-presidente, e dos oito partidos que formam a direção da Casa: PDT, MDB, PT, União, Progressistas, Cidadania, PSDB e Republicanos. “Procuramos fazer com que a Mesa Diretora seja o retrato da sociedade cearense e o retrato da casa do povo”, enfatizou.
O novo presidente da Alece disse também que dará continuidade ao trabalho realizado pelo ex-presidente Evandro Leitão (PT), atual prefeito de Fortaleza. Segundo ele, o objetivo é seguir levando a Assembleia para o interior do Estado, fortalecer a Escola Superior do Parlamento Cearense (Unipace) e criar o programa chamado Ceará de Valores, “para dar oportunidade aos jovens que querem crescer e se desenvolver”.
Edição: Clara Guimarães
FGTS para toda obra
Por Notas & Informações / O ESTADÃO DE SP
O governo Lula convocou os bancos privados para discutir uma proposta de utilização do FGTS como eventual garantia extra na concessão de crédito consignado, uma roupagem nova para a velha estratégia petista de estimular o consumo via crédito “barato”.
Os bancos passariam a ter acesso direto aos dados das folhas de pagamento dos cerca de 40 milhões de trabalhadores em regime CLT. Em contrapartida, esses bancos se comprometeriam a respeitar um “teto” de juros para este novo tipo de empréstimo, tal como no consignado INSS – ideia que por óbvio rechaçam. Como a Selic não para de subir para tentar conter a inflação que teima em ficar acima da meta, o governo busca opções para reduzir os juros ao trabalhador, aquele que perde cada vez mais poder de compra.
Para tentar baratear o crédito, entrou em ação o voluntarioso ministro do Trabalho, Luiz Marinho, com mais uma engenhosa proposta de utilização do FGTS. Inicialmente contrário ao chamado saque-aniversário do fundo, criado durante o governo de Jair Bolsonaro, Marinho defendia a extinção dessa modalidade que, segundo ele, desvia o fundo de sua missão: garantir uma poupança ao trabalhador e financiar o setor de habitação.
Curiosamente, agora Marinho não vê desvio de finalidade do FGTS no consignado para celetistas, projeto que teria a marca dele, o que demonstra que seu real interesse nunca foi o de proteger a missão expressa do fundo.
Não é exatamente uma novidade. Desde que o governo de Michel Temer liberou o saque de contas inativas do FGTS para reaquecer a economia, não param de surgir ideias de utilização desses recursos para fins que nada têm a ver com a função para a qual eles foram concebidos. Como a eliminação do saque-aniversário é improvável – já se popularizou e é atraente para os bancos –, o governo evitou tocar no assunto após a reunião com as instituições financeiras. Estas, por sua vez, têm “antecipado” a parcela do FGTS que os trabalhadores podem resgatar anualmente, quando fazem aniversário, obviamente cobrando juros.
Para os bancos, o saque-aniversário é um negócio de baixo risco. Por essa razão, não veem necessidade de que tal modalidade seja substituída pelo consignado FGTS. Ao contrário, entendem que ambas podem conviver, pois atenderiam públicos distintos. Já o segmento de construção, crítico de longa data do saque-aniversário, não tem interesse em ver compartilhados mais recursos do FGTS, uma fonte consolidada e mais barata de financiamento para esse setor.
Os arroubos criativos em torno do FGTS, que ampliam o escopo de utilização do fundo, acabam por diminuir os recursos disponíveis para a poupança do trabalhador e para a construção de moradias.
A verdade é que o principal interessado nesse imbróglio segue sem voz. Forçado a investir em um fundo ao qual não tem acesso e que remunera muito mal, o trabalhador vê governos abusarem da criatividade sobre a utilização do FGTS. Estivessem verdadeiramente interessados nos proprietários do fundo, permitiriam que os trabalhadores realmente ao menos pudessem decidir o que fazer com ele.
A sinceridade de Lula
Por Notas & Informações / O ESTADÃO DE SP
O presidente Lula da Silva anunciou em português cristalino que, no que depender dele, “não tem outra medida fiscal”. Como tudo no governo depende dele, estão oficialmente encerradas as fantasias da equipe econômica, criadas pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, de que haveria medidas adicionais para conter gastos porque, em suas palavras, o pacote fiscal apresentado “não é suficiente”.
A sinceridade do presidente não só constrangeu Haddad (de novo), como deixou na chuva o novo presidente do Banco Central (BC), Gabriel Galípolo – que terá de levar em conta a evidente falta de disposição de seu padrinho para equilibrar as contas e facilitar o controle da inflação. Como já vinha acontecendo na gestão de Roberto Campos Neto, o BC seguirá sozinho na briga com a inflação, já que o governo decididamente não quer colaborar.
Mas Lula se esforçou para aparentar otimismo. Demonstrando uma confiança que raramente exibe diante de jornalistas, o presidente Lula comemorou o registro de um déficit fiscal de 0,09% do Produto Interno Bruto (PIB) no ano passado. “Isso é déficit zero. Não é 2,5% como recebemos do governo anterior”, disse.
Há ao menos dois problemas nessa declaração. A primeira é que o cálculo mencionado pelo presidente desconsidera despesas com o combate a enchentes no Rio Grande do Sul e a incêndios na Amazônia e no Pantanal. Se esses dispêndios forem incluídos, o rombo sobe de R$ 11 bilhões para R$ 43 bilhões, ou 0,36% do PIB, acima, portanto, do limite inferior da meta, que permitia um déficit de até 0,25% do PIB.
A segunda é que seria injusto culpar o ex-presidente Jair Bolsonaro pelo déficit que Lula da Silva diz ter herdado. Bolsonaro, por óbvio, nunca foi um exemplo na área fiscal, mas o fato é que sua administração deixou um superávit de R$ 54 bilhões nas contas públicas em 2022.
É bem verdade que o resultado teria sido negativo não fosse o calote nos precatórios. Mas até nisso – na busca de manobras para ampliar gastos sem contabilizá-los na meta alardeando um alegado compromisso fiscal – os dois políticos são mais parecidos do que gostariam de admitir. Quem elevou o déficit para R$ 228,5 bilhões em 2023 foi o governo Lula da Silva, por meio da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição e do pagamento das dívidas da União já reconhecidas pela Justiça represadas por seu antecessor.
Dito isso, a redução do rombo de 2023 para o de 2024 é falaciosa. Não seria factível diminuir o déficit em cerca de R$ 200 bilhões em apenas um ano e sem qualquer medida mais dura. O que houve foi uma ginástica financeira para jogar receitas e despesas de um ano para outro para piorar o resultado de 2023 e assim melhorar o de 2024.
Se fosse mera retórica política, vá lá. Mas o problema é que o presidente parece realmente acreditar que fez muito na área fiscal e que não será preciso fazer mais nada nessa seara. Os petistas costumam torturar os números para fazê-los exprimir o que lhes convém. Em outras palavras, o que importa, para o petista, é parecer que o arcabouço fiscal está sendo cumprido.
Não importa que vários gastos tenham sido contabilizados fora da meta, como o Pé-de-Meia, que as receitas que engordaram o caixa do Tesouro tenham sido extraordinárias ou que a trajetória da dívida pública esteja longe da estabilidade que a âncora fiscal deveria proporcionar.
Tampouco importa que as despesas com Previdência tenham sido quase R$ 30 bilhões maiores do que o governo estimava no ano passado, nem que os gastos com o Benefício de Prestação Continuada (BPC) tenham sido subestimados em R$ 7,6 bilhões. Não importa que os dispêndios com as duas rubricas tenham tido aumento real de 3,8% e de 14,9%, bem acima do limite do arcabouço fiscal.
Lula acha que só seu palavrório é suficiente para comprovar seu compromisso com a responsabilidade fiscal. Será sob essas condições, e de olho no horizonte eleitoral de 2026, que o petista diz que quer entregar “o menor déficit possível”, o que literalmente significa qualquer coisa. O País que lide com as consequências dessa decisão.
Lula pedirá para ser traído se cobrar fidelidade de partidos agora para chapa em 2026, dizem aliados
Por Roseann Kennedy e Iander Porcella / O ESTADÃO DE SP
Concluída a eleição das presidências da Câmara e do Senado neste sábado, aumentará a pressão dos partidos aliados ao governo Lula por mais espaço na reforma ministerial. Por óbvio, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva estabeleceu o apoio em 2026 como critério para afagar as legendas. Mas os próprios governistas estão céticos em relação à régua escolhida. Com dois anos de antecedência e a popularidade em baixa, cobrar fidelidade é pedir para ser traído, admite petistas com amplo trânsito no Palácio do Planalto.
A ideia inicial seria cobrar das siglas o seguinte: mesmo se não estiverem na chapa de Lula, garantam que não farão coligação com o principal adversário dele. Uma ala governista, entretanto, ressalta que somente a retomada da economia e o resgate do apoio popular podem garantir os partidos do Centrão na chapa. Um líder com influência na Câmara e no Senado diz que a popularidade será definitiva para formar o arco de alianças em 2026.
Além disso, a negociação com Lula não significa adesão automática ao nome de outro petista que possa substituí-lo na disputa presidencial. Há uma avaliação na cúpula do PT de que figuras hoje “fechadas” com o presidente da República, como o prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes (PSD), e o governador do Pará, Helder Barbalho (MDB), poderiam “abandonar o barco” do governismo caso Lula decida não concorrer, como tem considerado por conta de sua saúde. “Este assunto naturalmente deverá ser tratado na instância partidária”, respondeu Helder à Coluna do Estadão. Paes não respondeu.
O desafio do governo para manter em sua órbita os partidos de centro foi ilustrado pelo presidente do PSD, Gilberto Kassab. O dirigente, cuja sigla ocupa três ministérios, chamou o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, de “fraco” e disse que Lula perderia a eleição se o pleito fosse realizado hoje.
Como mostrou a Coluna do Estadão, as declarações de Kassab não são aleatórias. O presidente do PSD reforça que embora esteja hoje no governo Lula, não está agarrado ao PT. Ao contrário disso, firmou os dois pés no projeto político do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP). A mensagem pode ser lida também como um alerta: corram para tentar ajustar rotas e “reconquistar” o PSD.
'Se tem facilidade de crítica, vejo muita dificuldade de apresentar proposta', diz Elmano sobre oposição
O governador Elmano de Freitas (PT) falou, nesta quinta-feira (30), sobre a eleição de 2026, quando poderá tentar a reeleição, e disse acreditar que segurança será um dos temas centrais do debate eleitoral. Contudo, reforçou que o assunto é uma "dificuldade para todos", tanto para ele que está no Palácio da Abolição como para os opositores.
"Porque se a oposição tem facilidade de crítica, eu vejo muita dificuldade de apresentar proposta. Qual é a proposta que a oposição fez e que nós não tentamos, que nós não estamos buscando fazer?", indagou o governador. "Eu vejo dificuldade da oposição de apresentar algo crível para população". A declaração foi feita durante café da manhã com jornalistas, na sede do Governo do Ceará.
Críticas da oposição
Dados do Ministério da Justiça mostraram que o Ceará é o segundo estado do país a ter alta na taxa de assassinatos entre 2023 e 2024, ficando atrás apenas de Pernambuco. O Ceará fechou o ano de 2024 com aumento de 10,2% nas mortes violentas. Ao todo, foram 3.272 vítimas ao longo do ano passado, enquanto, em 2023, o Estado registrou 2.970 mortes do tipo, mesma quantidade de 2022.
Os índices acabaram gerando crítica de lideranças da Oposição ao Governo Elmano de Freitas, como o ex-deputado federal Capitão Wagner (União) e o ex-prefeito de Fortaleza Roberto Cláudio (PDT).
"Ceará com a segunda mais alta taxa de assassinatos do Brasil. Escândalos de corrupção na política do Ceará sendo notícia nacional. Facção e corrupção de mãos dadas. Até agora, só o silêncio oficial. Tempos de decadência moral em nosso estado. É preciso reagir", disse Roberto Cláudio, em publicação no Instagram.
Wagner publicou vídeo citando o caso de uma criança que foi morta em Canindé. "Até quando o governador vai ficar calado? Inocentes estão sendo exterminados no “Ceará 4x mais forte” e a situação ficará por isso mesmo?", indagou.
Em resposta aos dois, o chefe da Casa Civil do Governo do Ceará, Chagas Vieira, teceu críticas aos opositores. "Reflita: que moral tem organizador de motim para falar de segurança? E que moral tem o padrinho da pior gestão da história de Fortaleza, que ainda se aliou à extrema-direita, para falar de soluções para o Governo? Oposição é importante. Mas, quando age com hipocrisia, vira piada", escreveu no X (antigo Twitter).
Problema nacional
Indagado sobre como os índices ruins na segurança podem reverberar politicamente, inclusive nas chances de reeleição em 2026, Elmano de Freitas admitiu que os índices ruins são um "elemento dificultador", mas reforçou que o tema é um problema nacional.
"Esse é um debate não só no Ceará, é um debate no Brasil todo", disse. "O tema da segurança é um desafio para todas as forças políticas do país e precisamos ter humildade para acolher tudo que temos experiência positiva pelo país e temos que ter grandeza de saber que temos que nos unir para enfrentar as organizações criminosas", completou.
O governador disse ainda que "tem a impressão" de que os opositores "não têm proposta" para a área.
"Eu penso que vamos ter esse debate em 2026 e, se todo o planejado acontecer, será em um cenário de redução do índice de violência e apontando que a política que estamos desenvolvendo é a correta. Porque a oposição tem que dizer o seguinte: a política que está sendo feita é errada por isso, por isso e por isso. Tem que dizer que está errado e o que faria diferente. E eu tenho a impressão que os membros da oposição não têm proposta", afirmou o petista.
Relatório de transição pode levar Sarto a responder por crime de responsabilidade no caso dos precatórios
O processo de transição de governo em Fortaleza já acabou, mas segue revelando desdobramentos que podem trazer consequências jurídicas e políticas para o ex-prefeito José Sarto (PDT). Nesta sexta-feira (31), a vice-prefeita Gabriella Aguiar (PSD), coordenadora da equipe de transição, entregará ao Tribunal de Contas do Estado do Ceará (TCE-CE) o relatório final sobre a situação em que a gestão atual pegou a Prefeitura.
Entre os pontos destacados no documento está o não pagamento dos valores que deveriam ter sido destinados aos precatórios em 2024. Segundo a nova administração, a dívida original era de R$ 64 milhões, mas, como o pagamento não foi feito dentro do prazo, em dezembro, houve a incidência de uma multa de cerca de R$ 20 milhões, elevando o débito total para aproximadamente R$ 84 milhões.
A ausência do pagamento obrigatório sugere o cometimento de crime de responsabilidade, além de possível improbidade administrativa, o que pode levar Sarto a responder judicialmente e até se tornar inelegível.
A coluna buscou, por diversas vezes, contato com auxiliares do ex-prefeito José Sarto para ouvi-los sobre o assunto, entretanto, até a publicação dessa reportagem, não houve retorno sobre a demanda. De qualquer forma, a Coluna segue aberta para manifestação do ex-prefeito sobre o assunto.
TCE pode recomendar rejeição das contas
Além do relatório, o TCE-CE analisará a prestação de contas de governo da gestão de José Sarto em 2024. Como o pagamento de precatórios é uma obrigação constitucional, a omissão desse repasse pode levar o Tribunal a emitir um parecer pela desaprovação das contas do ex-prefeito.
Caso isso ocorra, o parecer será enviado à Câmara Municipal de Fortaleza, responsável pelo julgamento final das contas dos prefeitos. Se os vereadores acompanharem a recomendação do TCE e rejeitarem as contas de Sarto, ele poderá ficar inelegível, conforme prevê a Lei da Ficha Limpa.
Além disso, a omissão pode ser alvo de ação do Ministério Público Estadual (MPCE), que pode processar o ex-gestor por improbidade administrativa. As punições nesse caso incluem suspensão dos direitos políticos, multa e devolução de recursos ao erário.
Crime de responsabilidade leva a processo criminal
Além das sanções na esfera cível e administrativa, há ainda a possibilidade de que o ex-prefeito responda criminalmente. O não pagamento de despesas obrigatórias pode se enquadrar como crime de responsabilidade, conforme prevê o Decreto-Lei nº 201/1967, que dispõe sobre os crimes cometidos por prefeitos e vereadores.
Em um cenário extremo, um eventual processo criminal pode resultar até em pena de prisão, caso fique comprovado que o ex-prefeito agiu com dolo, ou seja, teve intenção deliberada de descumprir a obrigação legal.
O que são precatórios?
Precatórios são dívidas do poder público reconhecidas pela Justiça, referentes a condenações definitivas contra a administração municipal, estadual ou federal. Quando um cidadão, empresa ou servidor público processa o governo e ganha a ação, o valor devido entra na fila de precatórios e deve ser pago conforme regras definidas na Constituição.
Os municípios são obrigados a destinar parte da Receita Corrente Líquida (RCL) para quitar esses débitos. O descumprimento dessa regra pode acarretar punições para os gestores responsáveis.
Novos desdobramentos
Com a formalização do relatório ao TCE, o caso passará a ser analisado pelos órgãos de controle. A depender dos desdobramentos, José Sarto poderá enfrentar processos administrativos, cíveis e criminais.
A defesa do ex-prefeito ainda não se manifestou sobre o assunto. Enquanto isso, a nova gestão precisará encontrar uma solução para quitar os valores devidos e evitar o bloqueio das contas municipais.
‘Bora de Graça’: Caucaia mantém programa de passe livre nos ônibus, mas com 16 veículos a menos
Na terça (28), a gestão municipal, o Ministério Público do Ceará (MPCE) e a Empresa Vitória, que tem a concessão dos ônibus na cidade, reuniram-se para discutir um plano de manutenção do passe livre, “considerado essencial para a população mais vulnerável”, segundo o prefeito da cidade, Naumi Amorim.
A adequação entre as partes estipulou que o custo do serviço passa a ser de R$ 2,8 milhões por mês, uma economia superior a R$ 1 milhão em relação ao que vinha sendo praticado.
Em nota enviada ao Diário do Nordeste, a Empresa Vitória informou que o acordo anterior garantia a circulação de 70 ônibus em períodos regulares e de 62 em períodos de férias escolares. Com a reavaliação do serviço, a frota diminuiu para 54 veículos.
A nova lista de horários para as 31 linhas incluídas na Tarifa Zero já está disponível no site da empresa.
“A Vitória permanecerá empenhada e com o compromisso em continuar atendendo os seus passageiros dentro desta nova realidade, garantindo assim a manutenção do programa tarifa zero”, completa a empresa.
A reportagem procurou a Prefeitura de Caucaia para saber detalhes sobre o impacto da redução orçamentária no número de viagens, de veículos e, por efeito, de passageiros atendidos, mas não houve retorno até esta publicação.
Em nota, o MPCE reiterou os termos da audiência de conciliação. "A Prefeitura manifestou interesse em manter o programa, mas que não teria como arcar com o atual custo mensal do serviço (cerca de R$ 3,7 milhões), só podendo pagar R$ 2,8 milhões. A Empresa Vitória concordou em manter o programa, reduzindo o número de ônibus utilizados. A proposta foi aceita pelo município", confirmou.
Redução da frota
Os impactos da redução da frota em horários de pico preocupam a babá Marly Moreira, 48. Moradora do bairro Conjunto Cabatan, ela relata que os ônibus nos quais ela, o filho e “vários moradores” embarcavam às 6h20 ou 6h40 já não passam mais.
“Os ônibus saíam do Centro de Caucaia 6h10 e 6h30, e passavam no meu bairro 6h20 e 6h40. Agora o primeiro que passa aqui é 7h15. Isso afetou muita gente, estudantes e trabalhadores que precisam pegar no primeiro horário”, relata Marly.
O filho dela, que trabalha em Aquiraz, a quase 50 km de casa, precisa caminhar por cerca de 20 minutos até outro bairro caucaiense para embarcar no transporte e conseguir seguir o trajeto diário. Antes, ele pegava o ônibus de 6h20 no próprio bairro.
“O problema não é a redução da frota: poderiam reduzir, tirar alguns horários durante o dia, mas não os horários de pico, jamais. Prejudicou muita gente”, finaliza a babá.
Conforme a gestão de Amorim, “o compromisso com a qualidade e a eficiência do serviço permanece”, embora seja “um momento de desafios financeiros”.
“A gente tá adequando os valores, pra que consiga manter esse programa. A gente sabe que quem mais precisa é que usa o transporte. A gente quer trabalhar pra manter. A situação não é fácil, o município de Caucaia está devendo quase R$ 800 milhões”, declarou o prefeito, em publicação nas redes sociais.
Ao voltar ao cargo e reassumir a gestão municipal no início de 2025, o prefeito apontou uma série de inconformidades em contratos e dívidas com empresas prestadoras de serviços. Assim, vem defendendo reajuste nas contas públicas para honrar os compromissos já assumidos.
Reforço em decreto
Lançado oficialmente no dia 31 de setembro de 2021, ainda no mandato do prefeito Vitor Valim, o Bora de Graça implementou passe livre para todos os moradores da segunda maior cidade do Ceará em população.
Dados da antiga gestão mostram que o programa diminuiu, em média, 40% do fluxo de veículos na cidade e permitiu acréscimo de 15% a 36% na renda de famílias mais carentes.
A continuidade do Bora de Graça em 2025 já era prevista na Lei Orçamentária Anual (LOA) de Caucaia, que estima as receitas que serão arrecadadas e autoriza a realização das despesas decorrentes do plano de governo.
Para este ano, havia previsão do emprego de R$ 40.386.100 para a “Manutenção do Transporte Público Gratuito”, o que equivaleria a R$ 3,36 milhões destinados ao mês.
A Prefeitura de Caucaia aponta que o município tem uma dívida de cerca de R$ 14 milhões junto à empresa concessionária do transporte, que correspondem a “pagamentos não realizados nos anos de 2023 e 2024”.
Diante dos impasses, a gestão afirma que o Bora de Graça será, em breve, oficializado por lei. Atualmente, o programa é estabelecido por decreto, que será revogado. Depois disso, a gestão municipal enviará um projeto de lei à Câmara Municipal para votação dos vereadores.
Entrevista: Lira diz que só reforma ministerial 'não salvará' o governo e defende 'arrumação de baixo para cima'
Por Gabriel Sabóia e Victoria Abel— Brasília / O GLOBO
Prestes a deixara a cadeira após quatro anos no comando, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), afirma que o governo precisa de uma “arrumação de baixo para cima” e que só a reforma ministerial não será suficiente. Cotado para o Ministério da Agricultura, ele argumenta que “falta sintonia” e existe “desequilíbrio” na composição do primeiro escalão, com representantes do Senado ocupando um espaço maior que os da Câmara.
O governo Lula registrou reprovação maior que a aprovação pela primeira vez. A que isso se deve?
O governo foi eleito com uma pauta social muito forte. Isso tem custos, mas tem que ter responsabilidade fiscal. Não é fácil equilibrar. Quando parte da população que votou no governo e outra parte que votou contra começam a caminhar para o mesmo lado (para a insatisfação), é lógico que baixa a popularidade. Não é com uma varinha de condão que vai resolver. Eu tenho a impressão de que o governo vai ter que arrumar do primeiro andar para a cobertura. Não adianta mudar só a cobertura.
O que isso significa?
O primeiro andar é a economia, emprego, inflação. É o sentimento popular, se há alguma coisa melhorando a vida. Depois (no segundo andar) tem a credibilidade política. O governo está com deficit, com dificuldades no Parlamento, na relação institucional. É preciso solucionar.
A dificuldade se resolve com mudança na articulação?
É fato que é necessária uma reforma ministerial. As nomeações originais da Esplanada foram feitas no calor da PEC da Transição. Ainda acho que o Senado ficou mais prestigiado que a Câmara e, no final, a Câmara votou mais fácil com o governo do que o Senado. Existem partidos que estão menos representados e dão mais votos. O governo deve ajustar isso, se entender que é a maneira de conseguir apoios. Deve haver arrumação de baixo para cima. Só em cima, não salvará, não resolverá. O Lula é um animal político muito experiente, mas não pode estar na linha de batalha. Tem que ter gente brigando.
Na articulação política?
Sim, em todos os aspectos. Há um desencontro do governo com o próprio governo, entre áreas do governo. Não há uma sintonia. Mas, é o momento agora de tentar fazer, olhando para todos os aspectos, inclusive econômicos.
Como viu as declarações do presidente do PSD, Gilberto Kassab, com críticas ao governo? Disse que Haddad era “fraco”.
Não posso emitir um juízo de valor. São falas dele.
Aceitaria um convite para ocupar uma vaga na Esplanada?
Eu não falo sobre conjecturas. O “se” não existe. Nunca tive conversas com Lula sobre ministério, nem com nenhum membro do governo.
Aceitaria o Ministério da Agricultura?
Não tenho respostas para algo que nunca foi conversado. Minha obrigação é deixar a presidência com a cabeça erguida, com a sensação de dever cumprido.
O senhor se incomodaria em prestar contas ao PT ou a Rui Costa, caso virasse ministro?
Nunca falei isso para ninguém. Não tenho nenhum problema com ninguém. Tenho amigos do PT ao PL.
Acredita que o momento pode fazer com que alguns partidos evitem entrar no governo?
Alguns partidos podem fazer essa opção, sim.
O senhor defende o apoio do PP à reeleição de Lula?
Hoje temos Lula e Bolsonaro como únicos candidatos da esquerda e da direita, é assim que vejo. Bolsonaro está tão inelegível quanto Lula esteve preso em 2018. A nossa Constituição traz brechas para isso. A decisão de apoiar um ou outro precisa ser muito amadurecida. Hoje, o PP não tem essa decisão clara de que iremos para cá ou para lá.
Os últimos anos foram marcados pelo acirramento do embate entre Congresso e Judiciário. Como solucionar o impasse das emendas?
Sempre defendemos a transparência e sempre defenderei as emendas. Elas têm uma função social importante. Para obras estruturantes, de saúde, saneamento e para o povo. Coisas que nenhum ministro tem condições de enxergar. As desvirtuações disso são caso de polícia, não de política. Tudo o que foi votado no final do ano foi feito seguindo orientação do poder Executivo. Mas, essa discussão vai perdurar por algum tempo, porque estamos falando de disputa de poder.
Qual é a solução?
Existem palavras fáceis de serem usadas depois de algum tempo. Hoje, fala-se em “rastreabilidade”. Sempre se soube de onde vinha a emenda. Na obra, o prefeito, o deputado, sempre falaram com orgulho da realização para aquele lugar. É claro que tudo está documentado. Mas, se quiserem transformar todas as emendas em individuais, podemos fazer, e cada emenda terá um único dono. Não podemos criminalizar a indicação parlamentar.
Da direita à esquerda, há críticas sobre a “imprevisibilidade de pautas” e requerimentos de urgência. Como avalia as reclamações?
Eu não uso o regime de urgência sozinho. É preciso a anuência de 257 deputados com digital. O que houve nesse período foi uma mudança, na qual o Legislativo assumiu o protagonismo. Quando eu cheguei aqui não se votava projeto de origem parlamentar. Os textos viviam pulando de comissão em comissão e não chegavam ao plenário. O Congresso era um carimbador de Medidas Provisórias.
Por que o senhor não pautou a cassação do Chiquinho Brazão, acusado de mandar matar Marielle Franco?
Tiveram muitas pautas duras no final do ano. Não houve motivo específico. O caso está pronto, logo irá a plenário.
O senhor encerra um ciclo de quatro anos. Qual marca sua gestão deixa?
Tivemos uma primeira eleição disputada e naquele período difícil, da pandemia, focamos em matérias estruturantes e reformas. A primeira foi a da independência do Banco Central. Depois, demos proteção à Covid. Na eleição seguinte, em meio à polarização, tive apoio de políticos de espectros diversos. Com Lula e Bolsonaro sempre dei muito conforto para que o governo tivesse suas pautas prioritárias aprovadas. Nenhuma pauta bomba foi colocada. Fui o primeiro chefe de Poder a reconhecer a vitória do Lula. A Reforma Tributária, no segundo biênio, é um marco para o país.
O que gostaria de ter feito, mas não conseguiu?
Sempre haverá muitas coisas. Por aqui, sempre deixamos as discussões amadurecer para entregar um texto mais equilibrado. Neste momento, debate-se muito a Inteligência Artificial. Realmente, não votamos. Mas, não era o momento. Está longe de ser uma frustração, já que ainda tramitará na Câmara e no Senado. O PL das fake news também não foi possível. Às vezes, não legislar é legislar.
O pior momento foi a operação da PF sobre os kits de robótica, que mirou um funcionário do seu gabinete?
Eu sofri porque nunca interferi junto à polícia. Eles investigaram esse caso por 1 ano e 4 meses e não acharam nada contra mim. Mas investigaram de forma adversa. A matéria que iniciou a investigação se referia a um “aliado de Lira” pelo fato dele criticar o governo de Alagoas e ser do meu partido. A polícia investigou e não comprovou desvio, o fim foi o arquivamento. Foi o momento mais duro, sim. Não é bom ser injustiçado.
Em 2026, cogita mudar de Casa e se candidatar ao Senado? Ou também cogita o governo de Alagoas?
A vida em Alagoas é de muito trabalho. Sempre há cobranças por ascensão a cargos majoritários, como governador, vice ou senador. Isso depende do grupo político, mas há a possibilidade.