Sem ‘especialista em internet’, avançam as conversas de Lula com a China sobre Defesa e Segurança
Por Eliane Cantanhêde / O ESTADÃO DE SP
O ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, matou no peito e livrou o presidente Lula de uma de suas muitas dores de cabeça, ao negar no Congresso que o governo esteja “importando” um especialista em internet da China, como o próprio Lula havia anunciado. A questão, porém, vai além disso. Há intensas discussões entre os ministérios e negociações com a China para a adaptação de sistemas chineses de defesa externa e de segurança interna no Brasil.
Além da gravidade e da urgência do combate ao crime organizado, às milícias e à violência que atormenta o País e as famílias brasileiras todo o tempo, há também uma outra questão, esta política e econômica: a dependência dos satélites e antenas da Starlink, de Elon Musk, na sua área mais estratégica, a Amazônia.
As duas palavras chaves para driblar essa dependência dos Estados Unidos e dividir os sistemas com tecnologia e equipamentos da China são “autonomia” e “diversificação”, especialmente quando o governo Donald Trump vai se revelando, dia a dia, hora a hora, um perigo não apenas para o comércio internacional, mas para o equilíbrio geopolítico e para nações como o Brasil, principal País da América Latina.
O ministro chefe da Casa Civil, Rui Costa, já foi à China em março, voltou em maio na comitiva de Lula e tem tido reuniões tanto com os ministérios da Defesa, da Justiça, da Fazenda e das Relações Exteriores, como também, diretamente, com os comandos das Forças Armadas, em especial do Exército, responsável pelo Sistema Integrado de Monitoramento de Fronteiras (Sisfron), que dispõe, por exemplo, de sensores, câmeras, viaturas, radares e estações meteorológicas contra ameaças transfronteiriças.
Num jantar restrito à comitiva brasileira, em Pequim, Lula deixou claro que uma das prioridades da sua visita ao país asiático era ampliar a coleta de informações e as conversas bilaterais para o aperfeiçoamento, a abrangência e atualização dos sistemas de defesa e de segurança. A China é uma potência tecnológica nessas áreas.
O foco está na estatal chinesa Norinco (China North Industries Corporation), que pesquisa, fabrica, fornece para o Exército chinês e exporta, inclusive para a América do Sul, modernos e sofisticados equipamentos da área de defesa, desde veículos e máquinas a explosivos e produtos químicos e, o que é muito importante, ópticos-eletrônicos. O Brasil tem interesse nos produtos, e a China, em ter participação na Avibras Aeroespacial, a maior fabricante brasileira de defesa.
Com seu território imenso, sua fronteira marítima invejável, sua fronteira terrestre complexa e porosa e riquezas incomensuráveis, como a própria Amazônia, o Brasil precisa pensar no hoje e no amanhã. Nada disso, porém, é simples.
O obstáculo mais comezinho é a crise fiscal crônica e os sucessivos cortes e contingenciamentos em todas as áreas, mas há também uma questão política delicada. Se é preciso, sim, não ficar “na mão” dos EUA e do próprio Musk, é igualmente necessário cuidar para não atravessar uma outra fronteira: a das liberdades individuais.
Assim como não há “especialista” em regulação das redes na China, mas sim em censura, há também um monitoramento implacável contra cidadãos, cidadãs e empresas, inclusive com espionagem tradicional, biometria facial e sensores de calor (inclusive humano), com uma teia hiper complexa de cruzamento de dados, como George Orwell já imaginava no ainda hoje obrigatório “1984”.
É fundamental aprofundar a autonomia da defesa e o uso da ciência e da tecnologia contra o crime organizado nacional e transnacional, mas todo o cuidado é pouco para manter o Brasil equidistante das estratégias de dominação tanto dos EUA quanto da China. Eis o centro do debate, ou o X da questão.
Comentarista da Rádio Eldorado, Rádio Jornal (PE) e da GloboNews