Previdência privada é aplicação financeira e precisa pagar imposto de herança, defende Appy
Por Alvaro Gribel, Mariana Carneiro, Iander Porcella (Broadcast) e Fernanda Trisotto (Broadcast) / O ESTADÃO DE SP
BRASÍLIA – A cobrança de imposto sobre herança em investimentos de previdência privada é correta do ponto de vista técnico, afirma o secretário Extraordinário de Reforma Tributária do Ministério da Fazenda, Bernard Appy. Em entrevista ao Estadão/Broadcast, Appy defendeu a inclusão da medida no segundo projeto de lei de regulamentação em análise pela Câmara, após a própria equipe econômica ter retirado a ideia na proposta original enviada ao Congresso.
“É um ativo que está sendo deixado como herança. Uma coisa é o seguro de vida mesmo: aquele que pago um pouco todo mês e se, eu morrer, a família recebe um valor alto. Esse não faz sentido ter cobrança de imposto de herança e doação. Outra coisa é o VGBL. É uma aplicação financeira e tem que pagar imposto sobre herança”, afirmou Appy.
Os deputados incluíram no relatório uma isenção do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) aos investidores que ficarem mais de cinco anos no VGBL, a contar da data do aporte. Na visão do secretário, esse prazo ajuda a diminuir o planejamento tributário por parte das famílias.
“Colocar cinco anos já ajuda a não ter distorções como: tenho aplicação financeira, vejo que vou morrer em um ano, e aí eu pego e mando tudo para o VGBL para não pagar imposto. Pelo menos, evita esse planejamento de, na última hora, transferir todo o patrimônio para o VGBL só para poder não pagar imposto”, afirmou.
Em junho deste ano, o Estadão revelou que a minuta do projeto de lei elaborado pela equipe econômica previa a cobrança do imposto de herança sobre a previdência privada. Com a repercussão negativa após a publicação da reportagem, principalmente nas redes sociais, houve uma determinação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva para que a medida fosse retirada do texto, segundo apurou o Estadão.
Na ocasião, Appy alegou apenas que houve uma “avaliação política”, mas sem dar mais detalhes sobre a decisão.
Agora, a inclusão da medida pelo grupo de trabalho que analisa o segundo projeto de lei complementar na Câmara ganha abertamente o apoio do secretário. Esse segundo projeto ainda passará por votação no plenário da Casa, com previsão para ser analisado em agosto. O primeiro projeto de regulamentação da reforma foi aprovado na Câmara no último dia 10.
Appy aponta que o VGBL tem a vantagem de transmitir os recursos diretamente para a família, de forma automática, sem a conclusão do processo de inventário. Porém, na sua visão, é preciso que haja a cobrança do imposto.
“Se for aplicação financeira, precisa terminar todo o processo do inventário para poder liberar as aplicações. No VGBL, é automático. Isso é positivo: às vezes a família está precisando de recursos para se manter quando morre a pessoa que tinha renda na família. Mas não quer dizer que não pode ter cobrança de impostos. A não incidência de impostos em uma coisa que é claramente aplicação financeira não faz sentido. Mas o grupo de trabalho optou, no projeto de lei 108, por fazer esse meio termo, para ter mais de cinco anos para ter a isenção”, disse.
Para o PGBL, contudo, não valerá essa regra – eles serão tributados independentemente do prazo.
Seguro em previdência privada escapará de imposto
O parecer dos deputados também especifica, como previa a Fazenda na minuta do projeto, que a tributação incidirá apenas sobre os planos que visem ao planejamento sucessório — ou seja, que tenham natureza de aplicação financeira, e não de seguro.
Dessa forma, o que se tratar de cobertura de risco não será taxado, por ter caráter securitário. Atualmente, parte dos planos de previdência tem contrato misto, incluindo um componente de seguro, como indenização por morte ou invalidez. Essas indenizações, portanto, ficarão isentas.
O contrato do plano já distingue o aporte acumulado ao longo dos anos do valor de uma eventual indenização – e é nisso que a tributação vai se basear. Por exemplo: se o pai falecido acumulou R$ 1 milhão em aportes em um VGBL, e a indenização pela sua morte é de R$ 2 milhões, o filho pagará ITCMD sobre R$ 1 milhão. Os R$ 2 milhões da indenização ficarão isentos do tributo estadual.
A mesma lógica vale para a indenização por invalidez. Os seguros de vida, por sua vez, continuarão isentos dessa taxação.
Cobrança pelos Estados
A cobrança de ITCMD é de grande interesse dos governadores, que administram o imposto e pleitearam a volta da medida. Alguns Estados, como Minas Gerais, já fazem esse tipo de cobrança, mas não há regra unificada nacionalmente e sobram questionamentos na Justiça.
Em Minas, VGBL e PGBL são taxados independentemente do prazo da aplicação. Rio de Janeiro, por sua vez, cobra apenas sobre os PGBLs, e não sobre os VGBLs, enquanto São Paulo não taxa nenhum dos dois.
Em 2021, os ministros da 2ª Turma do STJ concluíram, por unanimidade, que a cobrança sobre VGBL é irregular. No ano passado, porém, ao julgar um recurso especial, o tribunal firmou o entendimento de que, se considerado investimento, o plano de previdência deve sim passar por inventário, ficando sujeito ao ITCMD.
Apesar de a reforma tributária ter como foco os tributos sobre consumo, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC), promulgada no fim do ano passado, trouxe mudanças na taxação do patrimônio, como no caso do IPTU, em que deu mais poderes ao Executivo local de reajustar o valor venal dos imóveis, ou seja, a base sobre a qual incide o imposto.
Canindé: MPE denuncia vereador, PM e empresário por compra de votos que movimentou quase R$ 500 mil
O Ministério Público Eleitoral (MPE) ofereceu denúncia, na última sexta-feira (12), contra o vereador Antônio Maciel Abreu, mais conhecido como Giovane Lira,do município de Canindé. Além dele, também foram denunciados um cabo da Polícia Militar e um empresário. Eles são acusados de compra de votos nas eleições de 2020 para a Câmara Municipal de Canindé. O MPE não divulgou o nome dos suspeitos, mas o Diário do Nordeste teve acesso à decisão judicial que tornou o grupo réu.
Na representação, o promotor eleitoral Jairo Pequeno Neto aponta que a conduta ilícita movimentou quase R$ 500 mil. O esquema foi identificado a partir de uma outra investigação criminal conduzida pelo Ministério Público no ano passado. "Essa denúncia é fruto de provas colhidas na operação São Francisco, feita em 2023. À época, colhemos elementos que indicaram essa compra de votos nas eleições de 2020", explicou o promotor.
Conforme as provas obtidas, o agente policial atuava como agiota, sendo fonte recorrente de financiamento da campanha do vereador denunciado.
Em troca, o policial cobrava vantagens e esperava benefícios concretos na forma de empregos e contratos na Prefeitura de Canindé. Já o empresário, segundo o MPE, agia como intermediário para obter recursos para a compra de votos e garantir que os acordos eleitorais fossem honrados.
Conforme relatado na denúncia, a compra de votos era planejada e demandava organização e estratégia com antecedência, evidenciando articulado cenário de compra de votos e financiamento ilícito.
ESQUEMA
Para o esquema, os denunciados organizavam reuniões com os eleitores e prometiam ou entregavam as vantagens ilícitas em troca de votos, como transporte de eleitores, fornecimento de kits de motocicletas e pagamento de combustível, de impostos e de documentação de veículos.
Os três homens foram denunciados pelo crime de compra de votos tipificado no art. 299 do Código Eleitoral. Além disso, o vereador foi denunciado pelo crime tipificado no artigo 350 da mesma lei, por omitir a declaração da quantia de quase R$ 500 mil movimentada durante a campanha.
O Diário do Nordeste contactou a Câmara Municipal de Canindé, que disse não ter sido notificada da decisão. A reportagem não conseguiu localizar o vereador.
Esquema que desviou R$ 16 milhões de fundo para idosos no Ceará tinha servidor público como líder
DIARIONORDESTE
O esquema criminoso que desviou mais de R$ 16 milhões de Fundo dos Direitos da Pessoa Idosa de Fortaleza (FMDPI) da Prefeitura de Fortaleza, revelado pelo Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE), tinha como líder um servidor público. Sérgio Gomes Cavalcante exercia a função de ordenador de despesas.
O grupo composto por 14 pessoas, entre servidores públicos e empresários, virou réu na Justiça neste mês, após a Vara de Delitos de Organizações Criminosas acatar o parecer do MPCE. Eles se valiam de posições privilegiadas no serviço público para se apropriarem dos recursos, e ainda usaram o Núcleo de Produções Culturais e Esportivas (Nuproce) como fachada.
De acordo com o MPCE, Sérgio Gomes era conhecido como Coronel Sérgio, e ocupou diversos cargos de relevância voltados ao público idosos na Capital cearense.
"Coronel Sérgio exercia sua influência para intermediar questões relevantes do Nuproce, direcionando as ações em conformidade com os interesses do grupo criminoso. Para elucidar com maior clareza as ações específicas de Sérgio, detalhes de sua participação serão esmiuçados ao longo da presente denúncia, ressaltando seu envolvimento no esquema ilícito", diz o órgão ministerial.
Em resposta ao Sistema Verdes Mares, Sérgio Gomes Cavalcante disse que foi "pego de surpresa", pois sempre cumpriu o que foi determinado, e que se comunicava com gestores e entidades somente "para ajudar naquilo que era preciso".
Conforme ele, "nenhum centavo sai do Fundo Municipal dos Direitos da Pessoa idosa se não for através de deliberação do colegiado do Conselho Municipal dos Direitos da Pessoa Idosa".
"[...] Quando se fala em desvio de dinheiro da Prefeitura do Fundo, não existe, porque esse dinheiro utilizado pela entidade foi integralmente captado através de empresas que fazem a captação de recursos para eles", declara.
"Eu desempenho a função de ordenador de despesas do fundo e compete a mim conversar com todas as entidades que fazem termos de fomento. Então, além de estar na coordenadoria idosa, a gente estava à frente dos termos de fomento e todos os processos pagos pelo fundo são aprovados pelo Conselho Municipal dos Direitos da Pessoa Idosa. Os projetos, as entidades têm que ter inscrição no Conselho", diz.
ATIVIDADES ILÍCITAS
Outro nome citado com atuação junto a Sérgio é o de Honorato Ayres, que atuou como presidente do Nuproce. Ele organizaria atividades ilícitas junto a seus familiares, dando orientações e direcionando afazeres. Segundo o MPCE, a atividade principal dele era buscar novos projetos de captação "para alimentar o esquema criminoso".
Conforme o Ministério Público, os 14 nomes envolvidos são:
- Alysson Castelo Branco Silvestre,
- Amanda Solon Araripe
- Bruno Sterpheson Costa Ximenes,
- Fernanda Araújo da Silva
- Hewan Neves de Mesquita
- Hewan Neves de Mesquita Júnior
- Honorato Ayres Feitosa
- Jordânia Oliveira de Araújo,
- Kátia Cristina Moura Feitosa,
- Lásaro Fernando Lacerda da Silva,
- Marcela Moura Feitosa de Mesquita,
- Maria das Dores Bezerra de Freitas,
- Priscila Lima de Castro
- Sergio Gomes Cavalcante
O Diário do Nordeste não localizou as defesa de todos, mas deixa o espaço aberto para que o réus enviem posicionamentos sobre as acusações. Eles serão julgados na Justiça por peculato, lavagem de dinheiro, organização criminosa e corrupção ativa e passiva.
Por meio do Nuproce, os servidores e empresários faziam contratações fictícias e não executavam ou executavam parcialmente os serviços. Mesmo assim, eles ainda emitiam notas fiscais, o que dava a impressão de que não era um golpe.
Os projetos realizados pelo Núcleo estão inseridos nas áreas de esporte (Academias nas Praças), segurança alimentar (Hortas Sociais), inclusão digital e protagonismo da pessoa idosa via divulgação de ações positivas e discussões sobre o envelhecimento saudável.
LEIA A RESPOSTA DO SERVIDOR APONTADO COMO LÍDER:
"Com relação a esse processo, eu desempenho a função de ordenador de despesas do fundo e compete a mim conversar com todas as entidades que fazem termos de fomento. Então, além de estar na coordenadoria idosa, a gente estava à frente dos termos de fomento e todos os processos pagos pelo fundo são aprovados pelo Conselho Municipal dos Direitos da Pessoa Idosa. Os projetos, as entidades têm de ter inscrição no Conselho.
O recurso que é encaminhado às entidades não é recurso do Tesouro Municipal. As entidades recebem do Conselho um certificado de captação de recursos. Elas vão atrás do dinheiro e esse dinheiro entra na conta do fundo. Elas apresentam os planos de trabalho, a Comissão de Avaliação analisa e encaminha para o Conselho, e, se esse plano de trabalho for aprovado, aí, sim, é firmado um termo de fomento entre o Poder Público Municipal e a entidade.
Então, o que compete à coordenadoria, o que compete ao ordenador do fundo é acatar as decisões do setor jurídico, do setor de parcerias. A gente cumpre aquilo que é determinado. Então, nós não pegamos prestação de contas, nós não pegamos nada relacionado.
E um dado importante, nenhum centavo sai do Fundo Municipal dos Direitos da Pessoa Idosa se não for através de deliberação do colegiado do Conselho Municipal dos Direitos da Pessoa Idosa. Então não existe possibilidade, quando se fala em desvio de dinheiro da Prefeitura do fundo, não existe, porque esse dinheiro utilizado pela entidade foi integralmente captado através de empresas que fazem isso.
Então, a gente é pego de surpresa, mas vamos trabalhar. Vamos trabalhar porque os projetos foram executados não só da entidade Nuproce. Nós lidamos dia a dia com várias entidades que têm termos de fomento lá no Fundo Municipal dos Direitos da Pessoa Idosa.
Então, a gente conversa com todos os gestores de entidades, a gente procura ajudar naquilo que precisa, mas dizer que realmente é uma organização que queria burlar o sistema, isso aí não condiz não."
Sérgio Gomes Cavalcante
Maduro suspenderá as eleições venezuelanas?
Por Andrés Oppenheimer / O ESTADÃO DE SP
O crescimento do candidato da oposição, Edmundo Gonzalez Urrutia, nas pesquisas para as eleições de 28 de julho na Venezuela gerou receios crescentes de que o ditador Nicolás Maduro suspenda as eleições ou desqualifique seu rival sob algum pretexto nos próximos dias.
Diante desses cenários, circulam diversas propostas de ação diplomática regional. Uma das ideias em circulação é enviar uma missão de chanceleres latino-americanos à Venezuela para observar as eleições e se oferecer para atuar como mediadores no caso de um potencial conflito pós-eleitoral.
A missão poderia igualmente incluir representantes de países amigos e críticos do regime de Maduro, como Brasil, Colômbia, Chile, Argentina e Guatemala. Este “grupo de acompanhamento” poderia se oferecer como um potencial mediador entre o governo e a oposição no caso de um lapso de violência, dizem os defensores da ideia.
Maduro sofreu um duro golpe de propaganda durante um recente evento de campanha na cidade de San Cristobal, no estado de Táchira, quando uma câmera indiscreta o flagrou reclamando ao governador local a respeito do pequeno número de pessoas que compareceram ao comício.
Uma nova pesquisa publicada pela Hercon Consultores mostra Gonzalez Urrutia liderando com 68,4% dos votos, em comparação com 27,3% de Maduro. Outra pesquisa da Datanalisis, que analisa diferentes cenários, coloca Gonzalez Urrutia na liderança por uma margem que varia entre 18% e 25% dos votos.
Quando perguntei, em uma entrevista, ao candidato da oposição Gonzalez Urrutia se ele temia que Maduro suspendesse as eleições ou o desqualificasse antes de correr o risco de uma derrota, ele me disse que talvez fosse tarde demais para isso.
“Claro que sim, eles podem fazer isso, especialmente porque é um governo que não tem limites para recorrer a truques desse tipo”, disse Gonzalez Urrutia. “Mas seria admitir publicamente que estão perdidos. Não creio que se arriscariam a tomar essa decisão.”
No entanto, várias lideranças da oposição me disseram em privado que, dados os resultados das últimas pesquisas, Maduro pode se sentir tentado a tomar medidas extremas. Embora já tenha implementado vários truques para reduzir o eleitorado da oposição, como impedir que cerca de 4,5 milhões de venezuelanos no estrangeiro se inscrevessem para votar, Maduro pode ter concluído que seria mais fácil suspender as eleições do que manipular a contagem dos votos no dia das eleições.
Carlos Vecchio, que foi embaixador do ex-presidente interino Juan Guaidó em Washington, está entre os que apoiam a ideia de enviar uma missão de mediação de chanceleres regionais à Venezuela.
“É possível que vejamos momentos muito conflituosos”, disse Vecchio. “Uma missão local de ministros das Relações Exteriores latino-americanos poderia ter acesso a ambos os lados e ajudar a evitar que Maduro fizesse algo maluco.”
Embora Gonzalez Urrutia não tenha mencionado especificamente uma missão de ministros das Relações Exteriores, ele me disse que conversou com vários presidentes latino-americanos nos últimos dias e pediu-lhes que se envolvessem nas eleições venezuelanas.
“Peço a qualquer membro da comunidade internacional que tenha conhecimento do processo eleitoral que está em curso na Venezuela, que preste atenção ao que vai acontecer aqui naquele dia” para que “possam ser fiadores” de um processo limpo, disse González Urrutia.
Já há cerca de 8 milhões de venezuelanos que fugiram do seu país nos anos mais recentes, e outros milhões poderão partir para os países vizinhos se Maduro roubar as eleições e houver um novo ciclo de violência política, acrescentou ele.
A história poderá se repetir: quando Maduro foi reeleito fraudulentamente em 2018, houve protestos massivos e os paramilitares do regime mataram cerca de 7.000 pessoas, de acordo com o gabinete do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos.
A menos que as democracias latino-americanas ajam em conjunto e enviem uma missão regional à Venezuela, é muito provável que Maduro tente manipular os resultados eleitorais e depois convoque a Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC), um grupo regional controlado por governos da esquerda, para abençoar sua fraude.
Para evitar um banho de sangue e uma nova onda de imigração em massa, as democracias da região devem se envolver o mais rapidamente possível nestas eleições, como pede Gonzalez Urrutia. O custo de não fazê-lo seria alto demais para todos. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL
Câmara favorece Zona Franca de Manaus na reta final da regulamentação da reforma tributária
Por Mariana Carneiro / O ESTADÃO DE SP
BRASÍLIA – Na reta final da votação da regulamentação da reforma tributária na Câmara, deputados do Amazonas conseguiram emplacar mudanças no texto que favorecem a Zona Franca de Manaus em relação à proposta original do Ministério da Fazenda enviada ao Congresso.
Fabricantes de itens de informática, por exemplo, terão acesso a um abatimento de imposto equivalente a dois terços da alíquota do IBS – o novo imposto de Estados e municípios a ser criado com a reforma, que substituirá os atuais ICMS (estadual) e ISS (municipal). Isso não constava na proposta original da equipe econômica.
Ainda assim, os parlamentares não ficaram satisfeitos e prometem manter a pressão por mais incentivos durante a tramitação no Senado, onde o relator da regulamentação será o ex-governador do Amazonas Eduardo Braga (MDB-AM).
“Firmamos um compromisso com o (Arthur) Lira (presidente da Câmara) e ele nos assegurou que os benefícios existentes hoje seriam mantidos, sem mais nem menos. Mas não foi isso o que aconteceu”, afirma o deputado Pauderney Avelino (União-AM).
Ele alega que, ainda que tenha havido inserções de incentivos, eles ficaram abaixo do que é praticado hoje na Zona Franca. Secretários estaduais de Fazenda ouvidos pela reportagem, que temem os efeitos sobre a arrecadação dos demais Estados, contestam a conclusão. Procurado, o Ministério da Fazenda não se manifestou.
A proposta original da equipe econômica concedia às empresas instaladas na região o acesso a um crédito presumido – que reduz a tributação por meio da renúncia fiscal – na aquisição de insumos que varia de 7,5% a 13,5%, a depender da origem da matéria-prima. Além disso, havia um segundo crédito presumido, aplicado na venda dos produtos, de 6% ou 2% a depender da alíquota de IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) do produto.
A Câmara manteve esses dois benefícios e incluiu mais um crédito presumido para os fabricantes de bens industriais. No caso de fabricantes de bens de informática, o crédito será de dois terços do IBS a ser recolhido na venda do produto. Esses valores decaem para 90,25% desses dois terços para bens intermediários, 75% para bens de capital e 55% para bens de consumo finais – como aparelhos de ar-condicionado, motos e de áudio, por exemplo.
“Dois terços não atende”, afirma o deputado Sidney Leite (PSD-AM). “Os fabricantes de duas rodas e de ar-condicionado não estão contemplados.”
O texto original da Fazenda não fixava os valores desse crédito presumido e dizia que eles seriam determinados pelo Comitê Gestor do IBS (formado por representantes dos Estados e dos municípios), com metodologia de cálculo aprovada pelo Tribunal de Contas da União (TCU).
Um dos critérios para essa fórmula era que o benefício da Zona Franca ficasse próximo da média oferecida pelos demais Estados – o que, na prática criava um redutor para esses incentivos em relação aos concorrentes.
Os deputados amazonenses, no entanto, não aceitaram essa redação: queriam que o benefício fosse concedido de maneira integral e conseguiram emplacar a concessão dos benefícios de forma autoaplicável – ou seja, sem a necessidade de cálculo prévio do Comitê Gestor.
Numa negociação que se estendeu até a hora da votação, o Ministério da Fazenda teve força apenas para incluir o limite a “dois terços”, alegando que a concessão integral não caberia nas contas do governo, uma vez que os custos com os incentivos serão bancados por todos os contribuintes na fixação da alíquota de referência do novo Imposto sobre Valor Agregado (IVA), estimado atualmente em cerca de 27% com a inclusão das carnes na cesta básica com imposto zero.
Para o economista Bento Antunes de Andrade Maia, do Centro de Cidadania Fiscal (CCiF), em cálculos iniciais, as modificações empatam as condições atuais de incentivos às indústrias instaladas na região. “Há possibilidade de aperfeiçoamentos, mas está aderente aos benefícios atuais”, diz.
Os deputados, no entanto, preveem que esse trecho seja alterado no Senado, assim como a data-limite para a inscrição de projetos industriais na Zona Franca que terão direito ao benefício tributário.
O limite fixado na regulamentação era dezembro de 2023, mas os parlamentares querem esticar essa data para dezembro de 2027. Segundo Avelino, fabricantes de baterias de elétricos informaram, apenas neste ano, a intenção de se instalar na Zona Franca. Caso a data não seja alterada, eles não terão acesso ao benefício tributário.
Além dos incentivos por meio do crédito presumido, os fabricantes instalados na Zona Franca também são beneficiados com a taxação de concorrentes com o IPI, tributação que terá sobrevida para dar vantagem à Zona Franca. Isso foi aprovado na emenda constitucional que instituiu a reforma tributária, no ano passado, e segue valendo com a regulamentação.
O que é a Zona Franca
Criada em 1967 como forma de desenvolver a região amazônica, a política de incentivos para a instalação de indústrias na região vem sendo prorrogada e, em 2014, foi estendida até 2073. Os incentivos custam cerca de R$ 25 bilhões por ano em renúncias tributárias, segundo dados da Receita Federal.
Críticos da política afirmam que a instalação das fábricas na Zona Franca só ocorreu em razão dos incentivos tributários que, por sua vez, distorcem a lógica da produção e estimulam a corrida das empresas por mais incentivos. O custo fiscal a cada emprego gerado também é elevado, o que gera questionamentos sobre a manutenção do programa.
“Técnicos do governo e os técnicos de forma geral são, por princípio, contra a Zona Franca, mas nós temos uma situação que é difícil e que, para mexer, será preciso alterar muita coisa ao longo do tempo“, diz o deputado Avelino. “É possível que haja um dia o beneficiamento de produtos locais, mas o que existe hoje é que o Amazonas é um dos Estados que mais arrecadam para a Previdência em função da alta formalidade de empregos da Zona Franca – o que não existe no Pará, por exemplo.”
Durante a votação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da reforma tributária no Senado, em novembro do ano passado, também houve um acordo de última hora, costurado no corpo a corpo do plenário, para beneficiar a região Norte. Por unanimidade, foi aprovada a criação do Fundo de Desenvolvimento Sustentável dos Estados da Amazônia Ocidental (que inclui Amazonas, Acre, Rondônia e Roraima) e do Amapá.
Esse fundo, o quarto criado pela reforma, se somou ao Fundo de Sustentabilidade e Diversificação Econômica do Amazonas, específico para o Estado, que já constava no texto aprovado pela Câmara.
O tributarista Nelson Machado, que foi ministro dos governo Lula e Dilma e hoje trabalha no CCiF, afirma que esse fundo de Desenvolvimento dos da região Norte deveria ser usado como alternativa à prorrogação indefinida dos benefícios tributários.
Lula diz que Janja é uma das pessoas que ele mais ouve e com quem discute política e economia
Por Caio Spechoto (Broadcast) e Matheus de Souza (Broadcast) / O ESTADO DE SP
BRASÍLIA E SÃO PAULO - O presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse que uma das pessoas que mais ouve é sua mulher, Janja Lula da Silva. Segundo o petista, ela quer discutir assuntos como política e economia.
“A Janja é uma pessoa que diz não para mim muitas vezes. Ela quer discutir economia, quer discutir política de direitos humanos, política de gênero, política de igualdade. Tudo ela quer discutir e eu acho maravilhoso”, afirmou o presidente, ao ser questionado sobre se há hoje, como em mandatos anteriores, pessoas que possam aconselhá-lo e alertá-los sobre questões do governo.
Na entrevista o presidente discordou que atualmente poucas pessoas teriam coragem de confrontá-lo dentro de sua equipe. De acordo com o presidente, “muita gente” se sente à vontade para fazê-lo, “porque eu estabeleço com as pessoas uma relação muito verdadeira, isso com os meus ministros e com outros, que não são do meu governo”, afirmando que ninguém está “proibido” de falar com ele.
“Eu jamais ficarei de biquinho, jamais ficarei de cara feia porque você disse uma coisa que eu não gosto. Se você disser uma coisa que eu não gosto, às vezes essas coisas podem me ajudar mais do que se você fosse uma pessoa lambe-botas”, disse o presidente, dizendo “dar guarita” para que a equipe lhe faça “sugestões sinceras”.
Desde o início do mandato, se fala nos bastidores que, dentro da equipe do presidente, poucos nomes teriam coragem de bater de frente com o petista, o que poderia criar “pontos cegos” para Lula, que não estaria sendo devidamente informado dos principais problemas de sua gestão.
Lula também discordou que teria mais contato com representantes dos outros poderes nos seus mandatos anteriores. “Não é verdade que tive mais convivência [com outros políticos] no primeiro mandato que agora”, disse.
O presidente também voltou a citar sua mãe, Dona Lindu, como um exemplo de como aprendeu a ter responsabilidade fiscal, observando como ela fazia a gestão das contas de casa durante sua infância. De acordo com o presidente, ele está “ciente do que tem que fazer” e que, a exemplo do que aprendeu em casa, o País só vai gastar o que tem, e só vai se endividar “em alguma coisa que aumente o nosso patrimônio”. O argumento foi usado para justificar o déficit do País ser zero, 0,1% ou 0,2%.
“É apenas uma questão de visão, você não é obrigado a estabelecer uma meta e cumpri-la se você tiver coisas mais importantes para fazer. Esse país é muito grande, é muito poderoso, o que é pequena é a cabeça dos dirigentes desse país e a cabeça de alguns especuladores”, disse Lula, que prometeu fazer tudo com previsibilidade. “Vamos fazer ao meio-dia, não à meia-noite, com todo mundo assistindo”, disse.
Apesar de citar melhoras na economia, o presidente continuou com críticas à taxa básica de juros, tema que o incomoda desde que assumiu a Presidência, em 2022. De acordo com Lula, a taxa de juros é a única coisa que “não está controlada”. Lula, no entanto, desta vez não citou nominalmente o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto.
O líder da autarquia virou o principal alvo do petista devido ao ritmo de queda da Selic, que atualmente está em 10,50% ao ano. Também não agrada o petista a proximidade de Campos Neto com o ex-presidente Jair Bolsonaro e seus aliados, como o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos).
Estados Unidos
Lula também voltou a comentar sobre o atentado contra o Donald Trump, ex-presidente americano, representante da extrema-direita do país, e que tenta voltar ao cargo nas eleições deste ano. Segundo o presidente, Trump tentará “tirar proveito” do atentado que sofreu no último sábado, quando foi atingido por um tiro de raspão na orelha durante um comício.
De acordo com o petista, a foto do americano com o braço erguido e o rosto sujo de sangue não poderia ser melhor para a campanha nem se fosse encomendada. “Eu, sinceramente, acho que o Trump vai tentar tirar proveito disso. Aquela foto dele com o braço erguido, se fosse encomendada não sairia melhor. Ele vai explorar isso”, afirmou o presidente. “E cabe aos democratas encontrar um jeito de não permitir que isso seja a razão pela qual ele possa ter votos”, completou.
Big Techs
Lula da Silva também defendeu ser necessária uma regulação “urgente” das grandes empresas de tecnologia, as chamadas big techs. O chefe do Executivo disse que deve se reunir nesta semana com o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, para tratar sobre o tema, e defendeu a construção de proposta sobre o assunto ouvindo empresários e os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).
“Não é possível essas empresas continuarem ganhando dinheiro disseminando mentiras, disseminando inverdades, fazendo provocação, campanha contra vacina, campanha favorável a isso, campanha favorável àquilo, sem levar em conta nenhum compromisso com a verdade”, disse Lula.