Operação contra golpistas contribui para a democracia
Por Editorial / O GLOBO
São extremamente graves os fatos narrados pela Polícia Federal na investigação do plano de militares das Forças Especiais do Exército (apelidados “kids pretos”) para matar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o vice Geraldo Alckmin e o ministro do Supremo Alexandre de Moraes, depois da vitória de Lula sobre Jair Bolsonaro em 2022.
Foram presos pela PF quatro militares de alta patente e um policial federal. A prisão do general da reserva Mário Fernandes, secretário-executivo da Secretaria-Geral da Presidência no governo Bolsonaro, leva as investigações à antessala da Presidência da República. Fernandes foi ministro interino e, diz a PF, imprimiu dentro do gabinete da Secretaria no Planalto um documento com o sugestivo nome Punhal Verde Amarelo, em que se tramava envenenar Lula e Alckmin.
Entre os fatos investigados, estão mensagens enviadas por Fernandes ao então comandante do Exército, general Freire Gomes, pedindo adesão ao plano — a tentativa foi rechaçada. Em delação premiada, o tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, afirmou que Fernandes defendia um golpe de Estado para mantê-lo no poder. Uma de suas funções na trama descrita pela PF era obter adesões nas Forças Armadas. De acordo com as investigações, Cid e outros militares se reuniram em 12 de novembro de 2022 na casa do general Walter Braga Netto, ex-ministro da Defesa e candidato a vice na chapa de Bolsonaro, para tratar do plano golpista.
A trama previa, ainda segundo a PF, o assassinato das autoridades no dia 15 de dezembro de 2022, seguido pela instalação de um Gabinete Institucional de Gestão de Crise, sob o comando dos ex-ministros Braga Netto e Augusto Heleno. Os golpistas, diz o relatório policial, planejavam usar fuzis, pistolas, metralhadoras, lança-granadas, lança-rojões e armamentos de guerra.
Naquele período, o país vivia momento conturbado, com protestos contra a vitória de Lula exigindo que as Forças Armadas assumissem o poder. “A organização criminosa investigada tinha o objetivo de incitar parcela da população ligada à direita do espectro político a resistir na frente das instalações militares para criar ambiente propício ao golpe de Estado”, diz a PF. O inquérito apresenta indícios de que Fernandes era o elo entre o núcleo palaciano e golpistas acampados diante do quartel-general do Exército em Brasília. Felizmente, o plano não foi adiante, pois o Alto Comando das Forças Armadas não embarcou na aventura.
Foi um avanço que as investigações tenham chegado aonde chegaram. Agora precisam ir até o fim. É fundamental esclarecer se Bolsonaro tinha conhecimento ou se tomou parte no golpe urdido dentro do Palácio do Planalto. Independentemente disso, todos os militares ou civis que tiverem conspirado contra o Estado de Direito precisam responder por seus atos. Não pode haver exceções nem anistia para crime de tamanha gravidade. Por óbvio, as apurações devem ser feitas com serenidade, e aos acusados deve ser garantido amplo direito de defesa.
Sobretudo, é preciso sublinhar que a minoria golpista não representa os militares. Ficou evidente pelo desenrolar dos fatos que, quando confrontadas com a tentativa de golpe, as Forças Armadas seguiram a Constituição. Tal atitude, assim como a investigação que chegou aos golpistas, são sinais de maturidade da democracia brasileira.