Eleição de 2020 já tem mais de 200 pré-candidatos a prefeituras de capitais
A menos de dez meses da eleição municipal de outubro, a lista de pré-candidatos às prefeituras das capitais brasileiras já ultrapassa a marca de 200 postulantes. O número pode aumentar, uma vez que ainda não há certeza sobre a criação da Aliança pelo Brasil nem sobre os candidatos que serão apoiados de fato pelo presidente Jair Bolsonaro, que abandonou o PSL. A Folha consultou líderes e presidentes de partidos nas últimas semanas, chegando a 224 nomes, isso sem contar as legendas nanicas.
Nem todos terão suas pretensões confirmadas, sendo que outros devem surgir nos próximos meses. As candidaturas só serão oficializadas nas convenções partidárias realizadas de 20 de julho a 5 de agosto. O primeiro turno da eleição municipal (prefeitos e vereadores) é em 4 de outubro, e o segundo, no dia 25 do mesmo mês.
Eleito pelo PSL, Bolsonaro tenta cumprir a burocracia legal —o que inclui o recolhimento e validação cartorial de 492 mil assinaturas de apoio— para colocar de pé a Aliança pelo Brasil até o início de abril, data máxima para a nova agremiação disputar a eleição.
O presidente ainda não se manifestou claramente sobre quais candidatos apoiará nos estados.
Em São Paulo, tenta fechar acordo com o apresentador José Luiz Datena (hoje sem partido). No Rio, pode apoiar um de seus fiéis escudeiros, o deputado federal Helio Negão, ou o deputado estadual Rodrigo Amorim. Em Belo Horizonte, as chances maiores, hoje, apontam para o deputado estadual Bruno Engler. Todos esses foram eleitos pelo PSL e devem migrar para a Aliança.
“Ideologia” será tema dos debates eleitorais
Coluna do Estadão
05 de janeiro de 2020 | 05h00
A dez meses das eleições municipais, presidentes de partidos, potenciais candidatos, analistas e marqueteiros se empenham em vislumbrar os caminhos que nortearão as campanhas. Ainda há muita incerteza, mas, no arrazoado das análises colhidas pela Coluna as apostas são de que, ao menos nas grandes capitais, o ambiente polarizado que toma conta do País esteja presente nos debates e crie um ambiente de “direita versus esquerda, corruptos versus não corruptos”. Será muito difícil para as candidaturas escapar da “ideologização”, dizem.
Ainda… Há, porém, uma diferença fundamental no atual cenário, especialmente em relação a 2016, no que diz respeito à Lava Jato. As eleições municipais daquele ano foram marcadas pelo auge da operação e pelo declínio do PT.
…pulsa. Agora, nem a Lava Jato é tão poderosa, nem o PT está tão combalido, resume um marqueteiro. Ele, porém, alerta, que as revelações e os impactos da operação contra a corrupção são muito vívidos na percepção dos brasileiros e ainda terão grande peso.
Para lembrar. Em 2016, ano do impeachment de Dilma Rousseff (PT), as eleições municipais foram nacionalizadas e ofuscadas pelos embates travados nas tribunas do Congresso.
Nova… As agruras de Jair Bolsonaro no governo, especialmente na diferença entre teoria e prática do combate à corrupção, levam parte dos analistas a apostar na relativização dos supostos poderes transformadores da “nova política”.
…velha roupa. Porém, eles acham que o embate “novo” contra “velho” deverá ganhar tons de “direita” contra “esquerda”.
Projetos provisórios, como escolas de lata e bolsa-aluguel, se perpetuam no país
SÃO PAULO — Escolas de lata, professores temporários, bolsa-aluguel. Idealizadas para serem medidas transitórias na gestão pública, todas elas são exemplos consagrados de como o provisório se transforma em permanente no país.
Escolas de lata funcionaram em Mato Grosso até meados do ano; foram desativadas após reportagem do Fantástico Foto: Reprodução/TV Globo
Em São Paulo, escolas de lata foram incorporadas definitivamente na rede de ensino, mesmo depois de 20 anos de polêmica e questionamentos sobre a precariedade dessas instalações e os reflexos disso para o aprendizado.
Atualmente cerca de 60 mil alunos estudam em 64 instalações desse tipo no estado mais rico do país, sendo a maioria na capital. A maior reclamação de quem é obrigado a aprender e ensinar nessas unidades é o calor e o barulho na sala de aula. Mas o governo paulista diz ter feito melhorias, rebatizou as antigas unidades como “escolas padrão Nakamura” e não tem planos de substituí-las.
No Mato Grosso, cerca de 100 contêineres funcionavam como salas de aula até meados deste ano. Somente após a falta de manutenção das instalações ganhar notoriedade nacional é que elas foram extintas pelo governo do estado.
Ainda na educação, outro improviso alvo de muito debate é a contratação de professores temporários. Criada para cobrir situações pontuais de ausência de educadores em sala de aula, como licença médica ou aposentadoria, a função vem sendo usada de forma generalizada para suprir o déficit de profissionais na rede.
Hoje são 567 mil professores temporários, segundo levantamento de 2018 do Ministério da Educação — um terço de todos os professores em atividade em escolas públicas, embora o Plano Nacional de Educação, de 2014, tenha estabelecido a meta de 10% na participação dessa categoria na rede de ensino até 2017.
A OMC e os valores civilizados
05 de janeiro de 2020 | 03h00
Um dos símbolos mais fortes de um mundo comprometido com a cooperação, a paz e a prosperidade geral, a Organização Mundial do Comércio (OMC) completa 25 anos acuada e sem condições de cumprir uma de suas principais funções, a solução de disputas entre os países-membros. Se há alguma notícia positiva, é a disposição reafirmada por seu diretor-geral, o diplomata brasileiro Roberto Azevêdo, de continuar buscando uma fórmula para preservar e reativar o Órgão de Apelação, instância máxima do sistema de solução de controvérsias. Com 164 países-membros e uma história de grandes serviços prestados à comunidade internacional, a OMC foi solapada nos últimos dois anos por uma nova onda nacionalista, populista e antiglobalista. O líder mais notório desse movimento é o presidente norte-americano Donald Trump. Um de seus seguidores é o presidente brasileiro Jair Bolsonaro, auxiliado nessa cruzada principalmente pelos ministros do Exterior, Ernesto Araújo, e do Meio Ambiente, Ricardo Salles.
Emperrar a nomeação de juízes para recompor o Órgão de Apelação da OMC foi uma das principais ações do presidente Donald Trump contra o sistema internacional de comércio. O governo dos Estados Unidos, como qualquer outro, pode reclamar dos critérios daquele órgão ou de qualquer aspecto do ordenamento das trocas internacionais. O tratamento razoável de questões desse tipo envolve discussão, negociação e votação em foros apropriados. Os padrões do presidente Trump são outros.
Ele prefere impor seus pontos de vista, e assim procedeu, ao forçar a paralisação de uma das funções essenciais da OMC. Da mesma forma, em duas ocasiões ameaçou barrar importações de aço e de alumínio provenientes do Brasil. Na segunda ocasião, contra todas as evidências, acusou as autoridades brasileiras de manipular o câmbio – e essas autoridades ficaram de cabeça baixa, limitando-se a prometer uma busca de entendimento amigável com o grande guru.
Apesar da fidelidade à ideologia trumpista, o governo brasileiro se absteve, até agora, de torpedear a OMC ou de causar qualquer prejuízo sério a seu funcionamento. Em várias ocasiões o presidente Bolsonaro e seus auxiliares tropeçaram no jogo de seguir o mestre. Não chegaram a abandonar o acordo de Paris sobre o clima, embora tenham chegado perto, muito perto, de criar para o agronegócio brasileiro a imagem de incendiário. Não transferiram a embaixada em Israel de Tel-Aviv para Jerusalém, limitando-se à criação de um escritório comercial. Quase conseguiram impedir o abastecimento de dois navios iranianos carregados de milho brasileiro, mas o Judiciário atrapalhou o espetáculo e mais uma vez a obediência ao guru Donald Trump foi imperfeita.
Também imperfeito é o sistema internacional de comércio, mas a OMC materializa um dos maiores sucessos alcançados até hoje na conformação de uma ordem econômica multilateral. Em operação desde janeiro de 1995, essa entidade é sucessora do Acordo Geral de Tarifas e Comércio (Gatt), implantado em 1947, numa das primeiras tentativas de reorganização da vida internacional depois da 2.ª Guerra Mundial. Com escopo mais amplo, a OMC estendeu as normas comerciais aos serviços, criou condições para a expansão dos fluxos de investimento e facilitou a implantação das novas cadeias globais de produção e de criação de valor. Desde 1995 o produto bruto mundial foi duplicado, enquanto o comércio de bens foi quadruplicado em valor e multiplicado por 2,7 em volume. As tarifas médias caíram de 10,5% para 6,4%. A prosperidade espalhou-se. Hoje a pobreza extrema, definida pelo limite diário de renda de US$ 1,95, atinge menos de 10% da população mundial. Em 1995, esses pobres eram mais de um terço da população mundial.
Esses números dizem muito mais que qualquer discurso a respeito das vantagens da cooperação e do multilateralismo. Dão razões muito claras e fortes para a preservação, aperfeiçoamento e multiplicação de instituições como a OMC – e para a rejeição, é claro, de quaisquer pretensões de hegemonia internacional baseada no poder econômico e na força.
Turismo inexpressivo - O ESTADO DE SP
05 de janeiro de 2020 | 03h00
O Brasil recebeu 6,62 milhões de visitantes estrangeiros em 2018, praticamente o mesmo número registrado pela Organização Mundial de Turismo das Nações Unidas (UNWTO, na sigla em inglês) nos últimos três anos, o que indica uma estagnação da procura pelo País como destino turístico internacional. Para dar uma ideia do quão inexpressivo é este número tendo em vista as potencialidades turísticas de um país como o Brasil, apenas uma das atrações de Paris, o Museu do Louvre, foi visitada por 10,2 milhões de pessoas naquele mesmo ano, sendo 7,6 milhões estrangeiros. A França é o destino mais procurado por turistas estrangeiros (89 milhões de pessoas por ano, aproximadamente).
Na região, o Brasil recebeu menos turistas do que a Argentina (6,94 milhões de desembarques internacionais em 2018). Visitam o País menos estrangeiros do que os que procuram o Irã (7,29 milhões) e a Ucrânia (14,20 milhões). Os três países decerto têm grande riqueza cultural e uma vasta oferta de atrações turísticas, algumas delas históricas, como no caso do Irã, mas igualmente as tem o Brasil. As razões pelas quais aqui desembarcam menos turistas do que nos países citados, entre muitos outros, são bem conhecidas. Nebulosas são as ações do Ministério do Turismo para alterar esse quadro vergonhoso para um país com clima favorável o ano inteiro, variedade cultural riquíssima, belezas naturais incomparáveis e povo acolhedor como o brasileiro.
De acordo com o barômetro da UNWTO, hoje há muitos países experimentando um boom no turismo internacional – incluindo países da América Latina como o México, o Peru e a República Dominicana. Já o Brasil está estagnado. Uma das principais razões para isso, não resta dúvida, é a violência urbana. No final de semana passado, um casal de turistas suíços foi vítima de assalto no Rio de Janeiro. Eles saíam do Recreio dos Bandeirantes, na zona oeste da capital fluminense, em direção a Paraty, onde pretendiam passar a noite de ano-novo. A polícia acredita que por orientação do GPS eles tenham ido parar na favela da Cidade Alta, próxima à rodovia Rio-Petrópolis, onde foram abordados por bandidos fortemente armados. O marido, um senhor de 75 anos que não fala português, foi baleado e está internado em estado grave no Hospital Estadual Getúlio Vargas. A mulher foi ferida pelos estilhaços.
Casos traumáticos como esse são tristemente corriqueiros em muitas capitais do País, notadamente nas Regiões Sudeste e Nordeste, as mais procuradas pelos turistas estrangeiros. Os que têm a sorte de sobreviver, dificilmente retornam ao Brasil. Além disso, a ampla repercussão dos crimes na imprensa internacional – há no Brasil correspondentes de praticamente todos os jornais relevantes do mundo – afasta outros potenciais visitantes.
O governo federal prometeu dobrar o número de turistas estrangeiros no Brasil até 2022. É uma meta bastante arrojada, para não dizer impossível de ser atingida. Recentemente, o Ministério do Turismo lançou a campanha “Brazil by Brasil”, espalhando publicidade em várias cidades da Europa e dos Estados Unidos. O presidente Jair Bolsonaro fala em transformar Angra dos Reis, no Rio de Janeiro, em uma espécie de “Cancún brasileira”, mas suas ações e palavras vão na direção oposta, ou seja, ele mais contribui para repelir turistas do que para atraí-los.
“Bolsonaro não é atraente”, disse Thomas Kohnstamm, autor do guia Lonely Planet Brasil, ao jornal The Washington Post. Ele se referiu a declarações do presidente fazendo pouco-caso da proteção do meio ambiente, desqualificando homossexuais – Jair Bolsonaro já disse “preferir ter um filho morto a um filho gay” –, entre outras barbaridades. Não à toa, Jair Bolsonaro revogou uma norma estabelecida pelo ex-presidente Michel Temer para aprimorar a acolhida no País de turistas idosos, portadores de necessidades especiais e da comunidade LGBT, um dos mais ricos filões turísticos atualmente.
Um país como o Brasil não pode ser um destino turístico marginal. Ajudará muito um olhar menos sectário para essa indústria bilionária, bem como a coordenação de esforços entre as três esferas de governo.
Palácios da injustiça - O ESTADO DE SP
05 de janeiro de 2020 | 03h00
Reformas de estruturas legais normativas, tais como a trabalhista, a previdenciária ou a tributária, envolvem por sua natureza a correção de desajustes e a retificação de injustiças. Ajustes cíclicos são sempre necessários devido a transformações demográficas, sociais ou econômicas. Mas há as injustiças derivadas exclusivamente da ganância corporativa que sedimenta privilégios na forma de “direitos”. De todas as reformas, a administrativa é a que tem maior potencial de corrigir injustiças que corroem a vida pública ao longo de gerações. E, por uma contradição, nenhum Poder evidencia mais o abuso do Direito para normatizar a injustiça do que a própria Justiça.
Como mostrou reportagem do Estado, em 24 dos 27 Estados os juízes recebem mais de R$ 1 mil mensais de vale-refeição. Em apenas três Estados o valor é equivalente ao do Judiciário federal, R$ 910, enquanto o vale-refeição do Executivo federal é de R$ 458.
Surpreendentemente – mas, no fundo, consequentemente – os valores são mais altos em alguns dos Estados mais pobres, desiguais e com pior IDH. Em Pernambuco, o valor chegou a R$ 4.787, quase cinco vezes o salário mínimo (R$ 998) e mais que o dobro da renda mensal dos brasileiros (R$ 2.317). Enquanto os professores recebem em média R$ 2.557 de salário, os magistrados do Amapá chegaram a receber para suas refeições R$ 3.546; os do Acre, R$ 4.255; e os de Roraima, R$ 2.000. Vale lembrar que os tribunais, sobretudo os de segunda instância, gozam de verbas suculentas para oferecer todo tipo de refeições, lanches e coquetéis aos seus apaniguados.
“O Poder Judiciário se distanciou demais da realidade brasileira. Há um fosso muito grande entre o povo e a Justiça”, disse o deputado José Nelto (Pode-GO). “Passou da hora de a sociedade reagir e de o Judiciário começar a dar a sua cota de sacrifício.” Na verdade, nem sequer se trata de sacrificar o que quer que seja, mas apenas de restituir – ou ao menos parar de drenar – recursos do contribuinte que, por qualquer critério imaginável de administração ou moralidade pública, não deveriam estar abastecendo o patrimônio dos juízes.
Enquanto os 50% menos favorecidos da população têm renda média de R$ 820, o teto para remuneração dos juízes, R$ 35.462, já os coloca no topo do 1% mais rico do País, cuja renda média é de R$ 27.744. Mas os juízes estaduais recebem em média R$ 43.437, devido aos “penduricalhos”, auxílios e vales (para moradia, livros, paletó, etc.), que, ademais, entram livres, sem tributação.
Como costuma dizer o ministro Gilmar Mendes, o teto constitucional tornou-se o “piso”. Um piso peculiarmente sólido, por sinal, já que o orçamento do Judiciário é protegido de qualquer crise – todo tipo de corte ou bloqueio por parte dos governadores é vedado, para não caracterizar interferência em outro Poder.
O corporativismo obsceno, que levou, por exemplo, o procurador-geral da República a justificar os 60 dias de férias de magistrados e procuradores devido a uma carga de trabalho “desumana”, é desmascarado a cada novo levantamento. Um estudo feito pelo Partido Novo na Câmara mostra que os servidores do Judiciário, do Ministério Público e do Tribunal de Contas da União têm uma carga de trabalho 20% menor do que os empregados com carteira assinada. Isso porque nesses órgãos a jornada de trabalho é de 35 horas semanais e há recesso forense de 20 de dezembro a 6 de janeiro, além de cinco feriados exclusivos da Justiça. A discrepância é gritante até em relação ao resto do funcionalismo: a carga dos servidores do Legislativo é 16,5% menor que a do trabalhador privado e a do Executivo, 1,5%.
“Os juízes perderam a compostura e esqueceram o que significa uma nação”, disse o deputado Rubens Bueno (CDD-PR), autor de uma proposta que regulamenta benefícios como esses. Em que pesem os méritos e a boa conduta de tantos juízes tomados individualmente, o veredicto do deputado em reação à corporação é irrefutável. “Deveriam fazer a lei valer para todos, mas burlam a norma para obter benefícios próprios.”