As reformas e as ruas - O ESTADO DE SP
Um chefe de Estado consciente de suas responsabilidades deve ser capaz de convencer seus concidadãos da necessidade de adotar reformas duras, mesmo ao custo de abalo em sua popularidade. Não pode, ao primeiro sinal de descontentamento, hesitar. Deve, ao contrário, mostrar convicção de que as reformas são necessárias não apenas para resolver problemas imediatos, mas para garantir um futuro melhor. Um verdadeiro estadista governa também para as gerações seguintes, enquanto o populista só se ocupa do presente e de circunstâncias efêmeras, principalmente as relacionadas com sua manutenção no poder.
Infelizmente, o presidente Jair Bolsonaro tem vacilado quando se trata de defender as mudanças estruturais de que o País tanto precisa. Há alguns dias, Bolsonaro disse que a reforma administrativa, por exemplo, “vai aparecer por aí, mas vai demorar um pouco”. Também informou que essa reforma “será a mais suave possível”. Tal cautela, disse recentemente o ministro da Economia, Paulo Guedes, deriva da preocupação do presidente de que as reformas possam causar agitação social, como a que o Chile enfrenta. “É verdade que (o processo de reformas) desacelerou”, disse Guedes. “Quando começa todo mundo a ir para a rua por nenhuma razão aparente, você fala: ‘Não, para tudo, para que a gente não dê nenhum pretexto (para violência), vamos ver o que está acontecendo primeiro”, declarou o ministro, que disse respeitar o “ótimo instinto político” de Bolsonaro.
Ou seja, Bolsonaro, segundo o ministro da Economia, decidiu “desacelerar” as reformas como reação a protestos que, por motivos que não nos dizem respeito, aconteceram em países amigos, não aconteceram aqui e talvez nem venham a acontecer, a julgar pela normalidade que se verifica hoje no País. Tal excesso de zelo soa mais como pretexto para justificar uma condução errática e titubeante das reformas – contra as quais, é bom enfatizar, o atual presidente da República lutou bravamente como deputado federal. Basta lembrar que, a certa altura da tramitação da reforma da Previdência, Bolsonaro manifestou dúvidas a respeito da proposta e chegou a interceder em favor da manutenção de regalias de algumas categorias profissionais – contrariando o espírito de uma reforma cujo propósito era justamente acabar com privilégios.
À primeira vista, o governo agora está empenhado em apresentar novas reformas ao Congresso com vista à modernização do Estado, a mudanças no sistema tributário e ao aperfeiçoamento da distribuição de recursos e tarefas para os entes da Federação. Conta-se quase uma dezena de iniciativas que, se implementadas, teriam impacto considerável e benéfico sobre a economia do País. Contudo, ao inundar o Congresso de projetos, entre os quais três emendas constitucionais, sem estabelecer prioridades e sem organizar uma base que lidere o processo em nome do presidente da República, o que o governo faz, na prática, é dispersar esforços que deveriam estar concentrados para sua aprovação. Mais uma vez, deixou ao Congresso a tarefa de determinar o ritmo da agenda política – um absurdo num regime presidencialista.
Quando os parlamentares tinham apenas a reforma da Previdência para discutir, tal comportamento, embora tenha atrapalhado em muitos momentos, não impediu a aprovação da matéria; agora, diante da profusão de projetos encaminhados pelo governo, provavelmente haverá dispersão de energias e não se sabe o que será aprovado, se é que algo será. Tal incerteza já se reflete nos humores do mercado financeiro, sendo um dos fatores da recente alta do dólar.
Como 2020 será ano eleitoral, muito provavelmente o Congresso será refratário à discussão de temas espinhosos, capazes de tirar votos. Então, pode-se presumir que muitos dos projetos do governo tendem a ficar para as calendas – e a culpa por isso será descaradamente atribuída ao Congresso, quando, de fato, as responsabilidades não ultrapassam as paredes do Palácio do Planalto.
Afinal, não se pode culpar os parlamentares por perseguirem interesses eleitorais imediatos, já que o exemplo vem de cima e não é bom. Pois, ao empurrar as reformas com a barriga sob o pretexto de evitar “agitação social”, o presidente Bolsonaro nada mais faz do que cuidar de não perder preciosos votos na próxima eleição. E as gerações futuras que se virem.
STF, o poder das antessalas - José Nêumanne, O Estado de S.Paulo
Ao elaborar a primeira Constituição da República, o jurista baiano Rui Barbosa imaginou um Supremo Tribunal Federal (STF) que exercesse o papel moderador do imperador Pedro II. Criou um poder com pesos demais e freios de menos. A escolha de grandes juristas para ocupá-lo mascarou esse problema. O marechal Castelo Branco chegou a criar cinco vagas, mas logo depois, no Pacote de Abril, Geisel e Golbery mantiveram os 11 de um time de futebol. Até que veio a democracia de 1988 e os civis no poder substituíram os sábios de antanho pelos ocupantes das antessalas dos palácios que passaram a ocupar na democracia dos que nunca tinham comido mel e se lambuzaram todos.
Em Memórias do Esquecimento, o jornalista e militante da esquerda armada contra o regime militar Flávio Tavares reconheceu o papel honroso desempenhado em sua biografia por um dos cinco ministros adicionados por Castelo. Trocado pelo embaixador Charles Elbrick, Tavares teve seu habeas corpus negado pelo Superior Tribunal Militar. Mas no STF, sua defesa, apresentada por Evaristo de Moraes e George Tavares, foi aceita pelo relator Adalício Coelho Nogueira, que fez história ao dar o primeiro habeas corpus a um acusado pela então novíssima Lei de Segurança Nacional. Essa decisão passou, então, a regular pleitos do gênero.
Certa vez, o colega Carlos Marchi e eu almoçamos com Tavares no restaurante do Estado, ocasião em que ele nos alertou, com desalento: “Vocês ainda vão testemunhar quão nefastos serão os resultados da ignorância de Lula sobre o futuro do Brasil”. Na ocasião, o ex-sindicalista estava em seu primeiro mandato e os resultados de sua arrognância (neologismo cunhado por Roberto Campos, misturando arrogância com ignorância) ainda estava a produzir pérolas de suas escolhas para o mais alto grau do Poder Judiciário. Lula abandonou critérios que nortearam a presença de Nelson Hungria e outros grandes nomes do Direito na vida acadêmica e na cena forense.
Alerta: o STF está próximo de decidir se haverá censura prévia na internet
“Aqueles que abdicam da liberdade em troca de um pouco de segurança, não merecem nem liberdade nem segurança”. A icônica frase de Benjamin Franklin (1706-1790) é para sempre atual. Assim o era antes de ser dita. Assim ainda é, enquanto existirem as relações humanas. Pois é o espírito que norteia a máxima que está por trás de um iminente julgamento no STF.
Na verdade, dois julgamentos que, em resumo, funcionarão para tão-somente um propósito: o de determinar se seria sensato realizar censura prévia na internet, em busca de impor limites à liberdade de expressão no meio online. Tema que já tem suscitado conflito entre as empresas digitais e entidades de proteção da liberdade de expressão (que publicaram hoje esta carta pública, confira no link), com aqueles em favor do cerceamento do direito que todos têm de manifestar as próprias opiniões.
Os julgamentos, que envolvem casos da Google – mais especificamente, ainda de uma prolongada história envolvendo o Orkut – e do Facebook, não importam ao contexto, de forma específica. Os simplificarei: são indivíduos que se sentiram ofendidos por comentários jogados nas plataformas online, pediram remoção do conteúdo, e querem responsabilizar os sites e apps pela origem dos mesmos.
Desde 2014, com a aprovação do Marco Civil da Internet, há um regime claro para lidar com esse tipo de cenário. Ele é explanado no artigo 19 da lei: “Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário”.
Ou seja, se alguém se sentir injustamente atacado na web pode, evidentemente, reclamar à Justiça. Se juízes decidirem que o indivíduo tem razão, aí se obriga sites e apps a excluir o conteúdo específico. Em acréscimo, e se Google (e YouTube), Facebook (e Instagram), Twitter e afins se recusarem a corresponder à ordem? Pagam indenizações, multas. No limite, correm o risco de fechar as portas no Brasil.
TRF-4 dá ao STF um ar de STL, Supremo do Lula...
Ao pendurar no pescoço de Lula uma segunda medalha de corrupto, o TRF-4 deixou no ar uma dúvida incômoda quanto à adequação do nome do tribunal que representa a última instância do Judiciário brasileiro: STF ou STL? Supremo Tribunal Federal ou Supremo Tribunal do Lula? A dúvida não é impertinente. Ao contrário, é plenamente justificável.
Não fosse pela recente decisão do Supremo de revogar a regra que permitia a prisão de condenados na segunda instância, Lula estaria nesse momento fazendo uma mala para retornar à cadeia. Graças ao Supremo, esse risco foi substituído pelo velho cenário em que os condenados com dinheiro para pagar advogados recorrem em liberdade até o infinito ou a prescrição dos crimes —o que chegar primeiro.
Generoso, o pedaço do STF que compõe o STL ainda ofereceu à defesa de Lula a possibilidade de requerer a anulação do processo. Fez isso ao determinar que réus delatados devem falar por último nos processos, depois de tomar conhecimento das alegações finais dos delatores. Os advogados pediram a anulação. Mas o TRF-4 negou.
Prevaleceu o entendimento segundo o qual os juízes não poderiam adivinhar que o Supremo criaria uma nova regra, que não estava prevista em nenhuma lei, para beneficiar os condenados. Os advogados de Lula irão recorrer. Os recursos chegarão ao STF. Ou ao STL. Hoje, o combate à corrupção no Brasil depende dos humores do Supremo Tribunal do Lula.
Zero Um terá de trocar cinismo por explicações...
Flávio Bolsonaro está na bica de ser devolvido à grelha do Ministério Público do Rio de Janeiro. Formou-se no Supremo Tribunal Federal uma maioria a favor do óbvio: o antigo Coaf tem o dever de comunicar indícios de crimes às autoridades encarregadas de investigar e denunciar criminosos.
O repasse de dados dispensa ordem judicial. O mesmo entendimento deve ser estendido à Receita Federal.
Prevalecendo a lógica, esse julgamento resultará em duas consequências. A primeira, inquestionável, é o reconhecimento de que Dias Toffoli, presidente do Supremo, fez uma lambança ao congelar há quatro meses a investigação contra o filho Zero Um do presidente e outros 935 inquéritos.
A segunda consequência, ainda pendente de reconhecimento, é a provável revogação da liminar que blindou Flávio Bolsonaro e Cia. Nessa hipótese, o primogênito de Bolsonaro terá de abandonar o cinismo das firulas jurídicas e levar meio quilo de explicações à balança da Justiça.
Fundo Eleitoral x Fundo Partidário: entenda as diferenças e como ficam as novas regras
O Fundo Partidário foi criado em 1995 para bancar despesas cotidianas dos partidos, como contas de luz, água e salários e é formado por uma mistura de dinheiro público e privado que vem de arrecadação de multas, penalidades pagas por partidos políticos, doações de pessoas físicas e um montante definido todo ano através da Lei Orçamentária.
O valor aprovado para 2019, por exemplo, é de mais de R$ 927 milhões; 5% desse valor são distribuídos igualmente com todos os partidos legalmente registrados. O restante, 95%, é dividido proporcionalmente de acordo com o número de deputados que cada partido tem.
Quem tem mais, ganha mais.
E um detalhe: para receber dinheiro do fundo, o partido precisa ter atingido a cláusula de barreira, que nas eleições de 2018, a regra foi a seguinte: atingir 1,5% dos votos válidos em no mínimo 1/3 das unidades da Federação, com um mínimo de 1% dos votos válidos em cada uma delas.
Isso, ou ter pelo menos nove deputados eleitos em, no mínimo, 1/3 das unidades da Federação.
Nas próximas eleições, a cláusula de barreira ficará cada vez mais rígida.
Minirreforma Eleitoral
Em setembro, o Congresso aprovou a minirreforma eleitoral. De acordo com o projeto, o fundo partidário poderá ser usado também para:
- Impulsionar conteúdos na internet;
- Comprar passagens aéreas para não-afiliados;
- Contratar advogados e contadores, sem que o valor seja contabilizado no limite de gastos estipulado pelo TSE.
Fundo Eleitoral
Já o Fundo Eleitoral foi criado em 2017 para bancar as despesas de campanhas eleitorais, compensando assim o fim do financiamento privado - determinado pelo Supremo em 2015. Ou seja, o Fundo Eleitoral, como o nome indica, só está disponível em ano de eleição.
Em 2018, o valor foi de R$ 1,7 bilhão. Em 2020, a estimativa é de que seja de R$ 2 bilhões.
A divisão acontece assim:
- 2% igualmente entre todos os partidos;
- 35% entre os partidos com ao menos um deputado;
- 48% entre os partidos na proporção do número de deputados;
- 15% entre os partidos na proporção do número de senadores.
- O GLOBO