É descabida decisão do CNJ que regulou os ‘penduricalhos’
Por Editorial / O GLOBO
O ministro Mauro Campbell Marques, corregedor do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), limitou as verbas indenizatórias acrescidas ao salário de juízes — os “penduricalhos” — a R$ 46.336,19 mensais, o equivalente ao salário de um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF). Com isso, os magistrados poderão receber todo mês o equivalente a dois tetos constitucionais, ou R$ 92.672,38. Trata-se de um despropósito, pois a Constituição limita a remuneração mensal no setor público a um — e não dois — salário de ministro do STF. A decisão de Marques só pode ser explicada pelo nível de abuso nos supersalários pagos a juízes, procuradores e integrantes da elite do funcionalismo.
Eventuais pagamentos adicionais podem se justificar no caso de reembolso de despesas, diárias de viagem ou mesmo auxílios-moradia temporários, quando há mudança de cidade por motivo profissional. Mas devem ser excepcionais. Não é o que acontece. Os “penduricalhos” têm sido usados para assegurar gratificações descabidas e aumentos salariais disfarçados muito acima do que permite a Constituição.
O maior contracheque pago a juízes em dezembro somou R$ 788.358,05 brutos (ou R$ 678.386,57 líquidos). Um juiz aposentado com salário-base de R$ 37.731,80 recebeu no mesmo mês R$ 672.663,87 (R$ 31,2 mil só de gratificação natalina). Podem ser casos extremos, mas estão longe de ser isolados. De acordo com o próprio CNJ, foram pagos 63.816 salários mensais brutos superiores a R$ 100 mil em 2024. Mais de 90% dos juízes e procuradores ganham acima do teto, segundo levantamento do economista Bruno Carazza. Na média dos tribunais, o pagamento extrateto por magistrado foi de R$ 270 mil no ano passado. Isso para uma categoria que está na fatia de 1% de maior renda e representa apenas 0,06% do funcionalismo.
Os “penduricalhos” pagos a juízes somaram R$ 12,9 bilhões em 2024, ou um décimo do custo do Judiciário. Despesas com tribunais, Ministério Público e Defensoria Pública saltaram até 36% entre 2022 e 2023 em 18 estados, segundo o centro de pesquisa Justa. Não é à toa que, custando 1,3% do PIB (sem contar o Ministério Público), o Judiciário brasileiro seja tão caro.
A decisão de Marques respondeu a pedido do Tribunal de Justiça de Sergipe para pagar Adicional por Tempo de Serviço (ATS) retroativo aos magistrados do estado. Esse tem sido um dos caminhos para juízes receberem supersalários. O ATS — também conhecido como “quinquênio” — equivale a 5% de aumento a cada cinco anos, sem levar em conta mérito ou produtividade. Chegou a ser extinto, mas voltou a ser pago em 2022 na Justiça Federal, com um drible na lei. Depois, seguiram-se Justiça do Trabalho e tribunais estaduais. O efeito cascata estende a benesse, depois surgem pedidos de pagamentos retroativos.
A Constituição exclui verbas indenizatórias do teto salarial, mas não as define. A lei para discipliná-las até hoje não foi aprovada. O PL dos Supersalários que tramita no Congresso é repleto de exceções que eternizariam as distorções. No lugar dele, Executivo e Legislativo devem apresentar uma proposta sensata, limitando “penduricalhos” a casos excepcionais. Não faz sentido que Campbell Marques tenha decidido isso sozinho. O único alento da decisão é sugerir que o próprio Judiciário já tenha acordado para o problema.