Lula enquadra ministros e proíbe anúncios de medidas sem aval da Casa Civil
Por Weslley Galzo / O ESTADÃO
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) enquadrou publicamente os 37 ministros do governo nesta terça-feira, 14, ao proibir que os seus subordinados façam anúncios de medidas em estudo nas pastas sem que antes tenham tido o aval da Casa Civil da Presidência, ou do próprio presidente. Lula disse que a “genialidade” de alguns ministros precisa passar pelo crivo das áreas responsáveis pela análise de medidas do governo.
“É importante que nenhum ministro e nenhuma ministra anuncie publicamente qualquer política pública sem ter sido acordado com a Casa Civil, que é quem consegue fazer que a proposta seja do governo. Nós não queremos propostas de ministros. Todas as propostas de ministros deverão ser transformadas em propostas de governo e só será transformada em proposta de governo quando todo mundo souber o que será decidido”, afirmou Lula.
Juros do consignado do INSS devem cair para 1,70% ao mês
Cristiane Gercina / FOLHA DE SP
O CNPS (Conselho Nacional de Previdência Social) aprovou, em reunião nesta segunda-feira (13), a queda dos juros do empréstimo consignado do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social). A taxa do empréstimo pessoal, hoje em 2,14% ao mês, deve cair para 1,70%, e a do cartão de crédito e cartão consignado, deve ter queda de 3,06% para 2,62%.
O crédito consignado do INSS é um empréstimo com desconto diretamente no benefício previdenciário. A medida é controlada pelo conselho, que reúne representantes de governo, aposentados, trabalhadores e empresas.
A redução dos juros era uma reivindicação dos aposentados e vinha sendo defendida ministro da Previdência, Carlos Lupi. Para ele, por se tratar de um crédito com baixo risco de inadimplência, seria possível diminuir o patamar cobrado.
Segundo João Inocentini, presidente do Sindnapi (Sindicato Nacional dos Aposentados) da Força Sindical, a proposta dos bancos era um pouco maior, de juros em 2,04% ao mês, e o governo colocou a proposta de 1,70%, que foi aprovada.
Para ele, no entanto, a queda expressiva nas taxas pode fazer com que bancos menores não consigam operar o crédito. "Eu acho que nós temos que fazer cálculos para que os bancos [menores] continuem oferecendo, porque o impacto é muito grande."
Agora, um grupo de trabalho deverá ser formado para debater a taxa paga por bancos e outras instituições para operar o crédito. De acordo com ele, essa taxa precisa cair para garantir opção de contratação mais ampla para os aposentados e pensionistas do INSS.
"Acho que a grande parte dos bancos [menores] não vai conseguir fazer essa operação mais. Quem mais precisa vai ter dificuldade. É preciso abaixar a taxa, pois são esses que vão na favela, na roça, no sertão para fazer o consignado."
Por enquanto nada muda. As taxas a serem cobradas seguem no patamar atual. A mudança só ocorrerá após publicação de resolução com a medida.
ENTENDA O CRÉDITO CONSIGNADO DO INSS
Pelas regras atuais, o segurado pode comprometer até 45% do benefício com o consignado. Desse total, 35% são para o empréstimo pessoal, 5% para o cartão de crédito e 5% para o cartão de benefício, criado no ano passado.
O empréstimo pode ser pago em até 84 meses, o que dá sete anos. Os juros são limitados, o que significa que a instituição financeira pode cobrar menos, mas não mais do que essa taxa. Dados da Previdência são que, atualmente, há cerca de 17 milhões de benefícios com contratos ativos de empréstimo consignado.
Em nota na última semana, a Força Sindical defendeu "uma drástica redução das taxas" de juros, classificando a cobrança em vigor como "proibitiva" e "verdadeira extorsão". Os cálculos da central são de que, no ano, as taxas do consignado ultrapassam o percentual da Selic (taxa básica de juros da economia), que está em 13,75% e tem sido motivo de embate entre o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, e o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva.
O percentual máximo ao ano cobrado de aposentados no consignado chega a 29,93%, no caso do empréstimo, e 43,58%, no do cartão de crédito. Na pandemia, as taxas foram reduzidas, o empréstimo passou a ter patamar mensal de 1,80% em março de 2020, o que vigorou até o final de 2021.
Os juros do crédito consignado do INSS são hoje os menores disponíveis no mercado de crédito, por isso, uma "drástica" redução poderia prejudicar a oferta desse crédito aos aposentados e pensionistas, caso se tornasse inviável a operação por parte da bancos e financeiras.
"As entidades são a favor da queda dos juros para beneficiar os aposentados e pensionistas, mas a gente quer discutir isso para entender em que bases isso vai ser feito para que não diminua a oferta de crédito para essa população. Para que eles não se endividem pegando crédito pessoal ou até mesmo com agiotagem", disse a advogada Tonia Galleti, coordenadora do departamento jurídico do Sindnapi (Sindicato Nacional dos Aposentados, Pensionistas e Idosos),
A Febraban (Federação Brasileira de Bancos) afirmou, em nota na semana passada, que tentava "sensibilizar" o governo com argumentos técnicos e econômicos para o risco de que a redução poderia não suportar os custos do produto, impactando a oferta da linha de crédito.
Nascidos em março e abril podem sacar abono a partir de quarta-feira
Os trabalhadores nascidos nos meses de março e abril vão poder sacar, a partir de quarta-feira (15), cerca de R$ 3,4 bilhões do abono salarial 2023, ano-base 2021.
Em todo o país, o montante a ser depositado pela Caixa Econômica Federal corresponde a aproximadamente 3,5 milhões de parcelas do benefício.
Quem tem direito
Para ter acesso aos valores do abono salarial, o trabalhador de empresa privada precisa estar inscrito no Programa Integração Social (PIS) e os de empresas públicas, no Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (Pasep), há pelo menos cinco anos.
O abono salarial está assegurado aos trabalhadores que receberam, em média, até dois salários mínimos de remuneração mensal e que tenham exercido atividade remunerada pelo menos durante 30 dias, em 2021. Outro requisito é que os dados dos trabalhadores tenham sido informados corretamente pelo empregador (pessoa jurídica), na Relação Anual de Informações Sociais (Rais).
O Abono Salarial 2023 (ano-base 2021) equivale ao valor de, no máximo, um salário mínimo. O pagamento para cada trabalhador varia de acordo com a quantidade de dias trabalhados em 2021. O cálculo do benefício corresponde ao número de meses trabalhados multiplicado por um doze avos do valor do salário mínimo vigente.
O valor pode ser sacado até 28 de dezembro de 2023. Após esse prazo, os recursos não sacados voltam para o governo federal.
Calendário de pagamento
Os pagamentos são realizados conforme calendário anual definido pelo Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador (Codefat), em dezembro de 2022.
Meios de pagamento
Os trabalhadores do setor público recebem o benefício pelo Banco do Brasil. Os do setor privado, pela Caixa Econômica Federal.
Os correntistas da Caixa que possuem poupança na instituição vão receber o crédito automaticamente na conta do banco. Os demais beneficiários receberão os valores por meio da Poupança Social Digital para quem tem o aplicativo Caixa Tem.
A Poupança Social Digital permite pagar contas, fazer transferências de valores e realizar compras com o cartão de débito virtual.
O saque também pode ser realizado com o Cartão Social e senha nos terminais de autoatendimento, unidades lotéricas, correspondentes Caixa Aqui ou nas agências do banco, com a apresentação de um documento oficial de identificação.
Dúvidas
O Ministério do Trabalho e Previdência faz a habilitação dos trabalhadores que têm direito ao benefício.
Mais informações sobre o Abono Salarial 2023 estão disponíveis no site do abono salarial e no aplicativo Caixa Trabalhador.
Edição: Juliana Andrade
Estados e municípios acumulam bilhões parados em fundos de saúde
Estados e municípios acumulam saldos de mais de R$ 25 bilhões em repasses feitos pelo governo federal ao SUS (Sistema Único de Saúde). Esse valor disparou com verbas destinadas ao combate à pandemia de Covid-19 e emendas parlam,
entares.
Gestores da saúde e pesquisadores consideram que a cifra acumulada reflete diversos gargalos, como a dificuldade de gestão e execução da verba e até mesmo a ingerência política para manter os recursos em caixa e fechar o ano com resultado positivo.
Os recursos provêm do FNS (Fundo Nacional de Saúde), cuja função é irrigar os cofres dos entes da Federação para custeio, investimento e financiamento de ações da rede pública. Do saldo total, R$ 10,3 bilhões estão em contas estaduais. E o restante, com os municípios.
Autores de estudos sobre os saldos, Blenda Pereira e Daniel Faleiros dizem que falta monitoramento por áreas especializadas, como de atenção básica ou vigilância sanitária, do Ministério da Saúde sobre o destino da verba.
"O ministério faz parte da gestão do SUS, não pode só repassar o recurso", disse Pereira, que é doutoranda em saúde pública na USP.
Por outro lado, eles afirmam que é preciso olhar os valores dos saldos com cautela. "Não considero que o volume seja alto. Equivale a cerca de três meses de repasses [do FNS]", afirmou a pesquisadora.
Para o Conass (Conselho Nacional de Secretários de Saúde), "um monitoramento efetivo por parte do Ministério da Saúde para orientação aos entes subnacionais é fundamental".
"Ajudaria a comprovar ou não os fatores apontados acima e daria um suporte técnico aos entes subnacionais, contribuindo assim para uma maior celeridade aos respectivos processos", disse a entidade em nota.
O Ministério da Saúde afirma que a responsabilidade do montante é dos entes da Federação. "Uma vez que os recursos são transferidos, pelo Fundo Nacional de Saúde, aos estados e municípios, sua gestão cabe aos mesmos", disse.
A pasta também ofereceu uma outra hipótese para os saldos: os recursos podem já estar comprometidos, aguardando comprovação de uma obra, por exemplo, para serem executados.
Entretanto, há casos em que um local poderia ficar meses sem receber novos repasses e continuaria com recursos. Não há nenhuma regra determinada pelos legisladores ou gestores para repasses nas situações em que as contas já tenham saldo mais do que 100% superior ao recurso destinado pelo ministério.
É o que ocorre em Goiás. O estado, governado pelo médico Ronaldo Caiado (União Brasil), tem R$ 440 milhões em saldos do FNS. No ano passado, recebeu cerca de R$ 390 milhões e executou R$ 410 milhões. Ou seja, um valor menor do que há em saldo.
"Estes valores [R$ 440 milhões] são provenientes de várias portarias do Ministério da Saúde, que transferiram recursos para a SES-GO [Secretaria da Saúde], e cada um desses instrumentos possui regramento específico de utilização, com objetos definidos", disse a secretaria em nota.
Desse montante, continuou a pasta, cerca de R$ 150 milhões são de recursos destinados à pandemia da Covid-19 e aguardam a finalização de licitações, "cujo trâmite não permite a utilização imediata do recurso".
Goiás teve 28 mil mortes pelo vírus. No auge da pandemia, o sistema de saúde de Goiânia colapsou.
Doutor em economia da saúde pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), Daniel Faleiros afirma que há uma cultura do Ministério da Saúde de enviar recursos carimbados para "pequenos planos", o que trava a execução da verba.
"A Saúde chegou a repassar R$ 600 milhões na pandemia que só poderiam ser usados na compra de medicamentos de saúde mental, quando o gasto poderia ter servido para compra de respiradores ou outras ações", disse ele.
Outro estado com saldo muito superior aos repasses é Mato Grosso. Há R$ 571 milhões no caixa. No ano passado, o estado recebeu repasses de R$ 385 milhões.
No mês de melhor execução, Mato Grosso gastou R$ 33,14 milhões do fundo. Nesse ritmo, o saldo duraria por mais de um ano, sem precisar de um novo aporte do ministério.
Parte dos repasses do FNS é obrigatório. Outros recursos são destinados por emendas parlamentares ou para ações definidas durante o ano.
As chamadas emendas do relator, que foram consideradas inconstitucionais pelo STF (Supremo Tribunal Federal), ampliaram distorções no financiamento do SUS.
São Gonçalo, no Rio de Janeiro, tem um dos maiores saldos entre os municípios, de R$ 146 milhões. Essa reserva era de R$ 60 milhões em maio de 2022. O valor mais do que dobrou após a chegada das emendas em junho, meses antes das eleições.
Em nota, a prefeitura disse que há recursos de emendas feitas há mais de cinco anos e que só agora, com regulação pelo Ministério da Saúde, poderão ser utilizados. O valor exato, contudo, não foi compartilhado.
O município diz ainda haver uma crescente demanda por serviços públicos de saúde; por isso, os repasses.
"A atual gestão vem trabalhando com planejamento e otimização dos recursos, a fim de aplicá-los de forma assertiva, para garantir a efetiva melhora na prestação de serviços", afirmou.
O FNS é regido por lei e portarias do ministério. Os recursos que chegam aos entes são carimbados, ou seja, têm destinação específica. Uma regra estabeleceu ainda que, a partir de 2018, só teriam dois objetivos: investimento e custeio.
A portaria que versa sobre o fundo veda a utilização dos recursos para pagamento de servidores, ativos ou inativos, e gratificações. O texto também proíbe o uso do dinheiro para pagar assessorias ou consultorias.
Para investimento, os gestores podem utilizar os recursos na compra de equipamentos, obras de reformas ou construções novas. Esse tipo de gasto costuma ser mais trabalhoso, por exigir licitações e depender de empresas.
São Paulo, por exemplo, tem o maior saldo em contas, com R$ 2,1 bilhões. Mas o estado tem patamares altos de execução, o que mantém o saldo relativamente estável.
Sergipe, por sua vez, é o estado com o menor saldo de recursos do FNS, R$ 43 milhões.
O critério do rateio do FNS está definido em lei e tem como objetivo reduzir desigualdades regionais. Para pesquisadores, as emendas parlamentares ferem esse princípio.
Médico sanitarista e professor da FGV, Adriano Massuda afirma que o SUS deve encontrar caminhos para melhorar a execução dos recursos e atender demandas regionais. Ele cita como uma saída a criação de arranjos de contratação de obras e equipamentos,
O professor diz ainda que verbas de ações prioritárias foram cortadas para acomodar as emendas. "Problema não é o volume do recurso [em saldos], mas a alocação. O SUS é subfinanciado. Esse dinheiro deveria estar alocado em outros lugares."
REPASSES FEDERAIS DO SUS
Estados e municípios recebem verbas federais
- Verba distribuída em 2022: R$ 101 bilhões
- Saldo atual de estados e municípios: R$ 25,8 bilhões em dezembro de 2022
- Saldo antes da pandemia: R$ 17,2 bilhões em janeiro de 2020
- Maior repasse em 2022: R$ 19,14 bilhões, em junho, sob influência de emendas
- Melhor execução em 2022: R$ 9,98 bilhões, em dezembro
- Execução dos fundos no ano: cerca de 74,6% em 2022
Fonte: Fundo Nacional de Saúde
A Saúde chegou a repassar R$ 600 milhões na pandemia que só poderiam ser usados na compra de medicamentos de saúde mental, quando o gasto poderia ter servido para compra de respiradores ou outras ações
Gestão Lula assina contratos milionários com indícios de 'cartel do asfalto'
O governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) assinou contratos de cerca de R$ 650 milhões herdados de Jair Bolsonaro (PL) que levam para a atual gestão uma série de empreiteiras e condutas suspeitas de prática de cartel em obras de pavimentação.
As empresas contempladas agora e as práticas suspeitas nas concorrências são semelhantes às reveladas no ano passado em auditoria do TCU (Tribunal de Contas da União) sobre a ação de um chamado "cartel do asfalto" a partir de licitações da estatal federal Codevasf.
O governo Lula assinou os contratos e manteve a direção da Codevasf nomeada por Bolsonaro, mesmo com essa e outras fiscalizações do TCU e da CGU (Controladoria-Geral da União) que apontam irregularidades em série, como superfaturamentos, desvios e obras precárias.
A Codevasf foi entregue por Bolsonaro ao centrão e mantida dessa forma por Lula em troca de apoio no Congresso.
A Folha analisou as 56 licitações de pavimentação da Codevasf de 2022,feitas principalmente em dezembro, na reta final de Bolsonaro. Desse total, 47 concorrências levaram à assinatura de contratos em 2023, já sob Lula.
A maior parte das concorrências teve a participação de pelo menos uma empreiteira apontada pelo TCU como suspeita de integrar o "cartel do asfalto". Os contratos resultantes desse lote somam R$ 650 milhões.
Nesse grupo de licitações, a reportagem encontrou situações que indicam a entrada de empreiteiras apenas para fazer número ou simular competição em concorrências, além da repetição de um padrão de divisão de mercado em regionais da Codevasf verificado pelo TCU.
Uma das tendências é a de baixa competitividade nas licitações.
Em um setor em que há centenas de empresas em condições de disputar obras de pavimentação, as concorrências da Codevasf tiveram, em média, apenas seis participantes para esses novos contratos. A auditoria do TCU mostra que, antes do governo Bolsonaro, a média alcançava o triplo desse valor (18 concorrentes).
Outro indício destacado pelo TCU se refere à queda nos descontos oferecidos pelas empresas nas licitações. Nos pregões de 2022 analisados pela Folha, o desconto médio foi de 11%. Em 2018, o percentual era de 30%.
Um dos casos concretos que chama a atenção é o de uma disputa em Minas Gerais ganha por uma empreiteira do Rio Grande do Norte, que fica a cerca de 1.800 km da regional mineira da Codevasf.
Apesar de o setor de construção pesada termais de 200 empresas em Minas Gerais, apenas 4 construtoras entraram na concorrência para um contrato de cerca de R$ 29 milhões.
A licitação foi aberta pelo sistema de pregão eletrônico, pelo qual os lances e comunicações com os pregoeiros são feitos online.
Na abertura, a empreiteira potiguar CLPT fez uma oferta com desconto de apenas 1% em relação ao preço de referência da obra. Outras três construtoras deram lances melhores, com abatimentos de 9,1%, 9% e 5,5%.
Porém, ao serem sucessivamente convocadas para formalizarem suas propostas de acordo com os preços finais, e assim ganharem a disputa, nenhuma das três efetivou a vitória na prática.
Duas delas nem apresentaram a proposta. A outra solicitou a própria desclassificação, "em razão de não possuir atestados suficientes". Isso abriu espaço para que a CLPT, que tinha dado o pior desconto, levasse o contrato.
Fatos como esse coincidem com situações de risco indicadas em guias de combate a cartéis elaborados pela OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) e pelo Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), que serviram de base para a auditoria do TCU.
A primeira delas é o número de propostas substancialmente inferiores ao esperado, já que a licitação teve apenas quatro concorrentes e é grande o número de empresas aptas a fazer pavimentações em Minas Gerais.
Outra é a de que "uma empresa foi convocada como vencedora, seja porque apresentou o menor preço/maior desconto, mas não apresentou sua proposta". No caso de Minas Gerais, essa circunstância atingiu duas das empreiteiras com melhores descontos.
Nessa licitação ainda houve situação que se assemelha a proposta fictícia, "caracterizada por apresentação de proposta por empresa que não tinha condições de atender aos critérios de habilitação", já que uma empresa pediu a própria eliminação por não ter a documentação suficiente para ganhar o contrato.
A CLPT é a empresa que lidera o ranking de vitórias na Codevasf em 2022 no quesito valor, tendo levado contratos que somam R$ 144 milhões. Segundo a Receita Federal, o sócio-administrador da CLPT é Mario Lino de Mendonça Neto. Ele foi candidato a vice-prefeito da cidade de Upanema (RN) pelo MDB.
A campeã das licitações de 2021, a empreiteira maranhense Engefort, indicada na auditoria do TCU como a então líder do cartel do asfalto, levou contratos que somam R$ 47 milhões para execução na gestão Lula.
Uma das vitórias da Engefort, para um lote de pavimentações no estado do Tocantins, seguiu o mesmo roteiro da licitação de Minas Gerais ganha pela CLPT: desconto ínfimo de 0,01% e eliminação em série das supostas concorrentes.
Como os pregões foram feitos nos últimos dias do governo Bolsonaro, os acordos foram assinados nas primeiras semanas da gestão Lula.
A equipe de transição do governo Lula chegou a usar a Codevasf como mau exemplo de uso de recursos de emendas parlamentares. Parte do grupo avaliou que a estatal deveria se concentrar no desenvolvimento de regiões mais pobres em vez de escoar em pavimentações e maquinários a verba direcionada por congressistas.
Mudanças mais bruscas na Codevasf foram barradas com a decisão do governo de manter a estatal nas mãos do centrão. A ideia é que o engenheiro Marcelo Moreira, nomeado em 2019 com aval da União Brasil, siga na presidência da estatal, e que sejam alterados alguns nomes em superintendências e nas diretorias.
Especialistas ouvidos pela Folha disseram que a estatal poderia ter deixado de assinar os acordos com indícios de cartel.
"Ao longo do procedimento licitatório e até mesmo da execução contratual, a estatal não só pode como deve rever seus atos", afirmou o professor de direito constitucional da PUC-SP Pedro Estevam Serrano.
Para o advogado especialista em licitações Anderson Medeiros Bonfim, "o compromisso de contratação futura deve ser reanalisado pela estatal na medida em que incidem gravíssimos questionamentos".
Segundo o ex-diretor da Faculdade de Direito da USP e constitucionalista Floriano Peixoto de Azevedo Marques Neto, a estatal deveria ter aberto um procedimento para investigar as licitações e, se constatada a fraude, anular as concorrências.
Outra empresa apontada pelo TCU como integrante do cartel em 2021, a goiana Mobicon, aparece em terceiro lugar no ranking dos contratos formalizados nos primeiros dias da gestão Lula, com acordos que somam R$ 84 milhões.
Em um dos lotes vencidos pela construtora em Goiás, além dela, houve a participação apenas de outra empresa também apontada como integrante do cartel do asfalto, que só deu um lance inicial com desconto irrisório de 0,0001%. A Mobicon acabou levando o lote dando um abatimento de somente 0,5%.
OUTRO LADO
A Codevasf afirmou que suas licitações seguem a lei e não fixam limites mínimos para número de participantes ou para descontos em relação aos valores de referência.
Procurado, o Planalto não se manifestou sobre os contratos da Codevasf.
O Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional afirmou que a Codevasf tem autonomia administrativa, "sendo responsável por suas obras e pela prestação de contas à sociedade".
A construtora Engefort afirmou que "nunca combinou preços com empresas concorrentes e jamais atuou para fraudar qualquer licitação".
A empreiteira Mobicon nega que tenha atuado em cartel e sustenta que participa das licitações dentro da legalidade.
A CLPT foi procurada, mas não respondeu.
O QUE É A CODEVASF
Estatal criada na década de 1970 para desenvolver projetos de irrigação no semiárido. No governo Bolsonaro, passou a ser uma grande executora de obras de pavimentação financiadas por emendas parlamentares
Orçamento de 2023: R$ 2,27 bilhões
Estrutura: 2.450 servidores em exercício, sendo 790 comissionados entre efetivos e sem vínculo com a administração pública
Comando: A empresa foi loteada por Bolsonaro ao centrão. Lula manteve Marcelo Moreira, nomeado em 2019 com aval da União Brasil, na chefia do órgão
Suspeitas: Sob Bolsonaro, auditoria do TCU (Tribunal de Contas da União) revelou indícios da ação de um cartel de empresas de pavimentação em licitações da Codevasf que somam mais de R$ 1 bilhão. O governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) assinou outros contratos de R$ 650 milhões herdados de Bolsonaro que levam para a atual gestão uma série de empreiteiras e condutas suspeitas de prática de cartel, semelhantes às indicadas pelo TCU no governo anterior
OS INDÍCIOS DE CARTEL
Poucas propostas
O número de participantes dos pregões da Codevasf vem caindo. Em 2018, a quantidade média de participantes era 18. O número chegou a 4,1 em 2021. Nas licitações do ano passado, o número foi de 6
Empresas figurantes
Empresas que participam das licitações apenas para figurar, sempre perdendo
Proposta fictícia
Apresentação de proposta por empresa que não tinha condições de atender os critérios de habilitação
Baixos descontos
O desconto médio segue tendência de queda. Em 2018, era de 30%, e caiu para 5% em 2021. Nos pregões de 2022 analisados pela Folha, foi de 11%
No primeiro mês do governo Lula, Brasil criou 83 mil de vagas com carteira assinada, queda em cerca de 50%
Por Renan Monteiro — Brasília / O GLOBO
No primeiro mês do governo Lula, a economia brasileira gerou 83,2 mil postos de trabalho com carteira assinada, uma queda de 50,2% em relação a janeiro de 2022, quando foram registrados 167,2 mil contratos. Os dados do Ministério do Trabalho foram divulgados nesta quinta-feira.
O Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) de janeiro deste ano registrou 1,87 milhões de contratações e 1,79 milhões de demitidos, gerando o saldo líquido de 83,2 mil admissões. No consolidado do ano passado, foram 22,6 milhões de contratações e 20,6 milhões de demissões.
Outro lado divulgado é o salário médio de admissão de novos empregados. Em janeiro de 2023 ficou em R$ 2.012,78. Uma redução de R$ 8,71 em relação ao mês de janeiro do ano passado — R$ 2.021,49. Os são são valores reais, com desconto da inflação.
Janja e EBC são processadas por transmissão de live da primeira-dama
Por João Paulo Saconi / O GLOBO
A Justiça Federal de São Paulo recebeu ontem uma ação contra Janja e a EBC pela live “Papo de Respeito”, produzida nas instalações da empresa pública e retransmitida terça-feira nas contas da TV Brasil em redes sociais, além do perfil da própria primeira-dama. Para o vereador Rubinho Nunes, do União Brasil em São Paulo, a utilização da emissora na criação e veiculação do conteúdo teria ferido a autonomia da EBC e violado o princípio da impessoalidade no poder público.
Com participações de Janja e da ministra Cida Gonçalves (Mulheres), o programa foi apresentado pela atriz Luana Xavier, a convite de Janja, e tratou sobre temas femininos em alusão ao Dia Internacional da Mulher, na quarta.
O pedido de Nunes à 25ª Vara Federal de São Paulo é para que a EBC seja obrigada a remover a live de suas redes e que novas participações de Janja em programas da TV Brasil sejam suspensas pelo Judiciário.
GOVERNO QUER CONDICIONAR PAGAMENTO DE EMENDAS AO APOIO NO CONGRESSO
Por Julia Lindner e Mariana Carneiro / O ESTADÃO
Governistas afirmam que o Palácio do Planalto planeja usar a liberação de emendas que serão destinadas aos parlamentares em primeiro mandato, que não são impositivas, como ferramenta para obter apoio no Congresso. Há 218 parlamentares nessa situação na Câmara. O líder do governo na Casa, José Guimarães (PT-CE), disse a políticos da base que, embora haja autorização para que as emendas sejam empenhadas igualmente por todos, o pagamento para os que votarem com o governo será priorizado. Portaria baixada pelo ministro Alexandre Padilha (Relações Institucionais) na última sexta (3) deu regras para que as emendas de deputados reeleitos também passem pelo crivo do Planalto antes de seguir para os ministérios setoriais.
No governo Jair Bolsonaro, o trâmite era diferente. O pagamento das emendas extras - ou seja, as não impositivas - era tratado por líderes partidários com Arthur Lira (PP-AL) e seguia direto para a execução dos ministérios. Agora, deverão passar pelo portão de Padilha e, no caso da Câmara, também por José Guimarães. Isso inclui as emendas de bancada estadual e as de comissão.
FILA. Mesmo as emendas impositivas, dizem petistas, podem ter o pagamento retardado a depender dos interesses do Planalto, empurrando para o fim do ano a autorização de empenho e em até dois anos o pagamento.
PAZ. Questionado por deputados novatos nesta terça (7), Padilha disse que o governo não pretende retaliar parlamentares que tenham assinado o pedido de criação da CPMI dos Atos Antidemocráticos, que o governo deseja abortar.
Projeto de Lula obriga empresas com mais de 20 funcionários a divulgar salários de mulheres e homens
Por Weslley Galzo / O ESTADÃO
O projeto que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva enviou ao Congresso nesta quarta-feira, 8, Dia Internacional da Mulher, obriga empresas com mais de 20 funcionários a publicar relatórios de “transparência salarial e remuneratória” de homens e mulheres.
Pela proposta, o Ministério do Trabalho e Emprego ficará responsável por regulamentar como deverão ser feitos esses relatórios, que devem seguir a legislação atual de proteção de dados pessoais.
De acordo com o texto encaminhado ao Congresso, quando houver discrepância entre os salários do conjunto de mulheres e o conjunto de homens, a empresa deverá apresentar um plano para reduzir a desigualdade, com metas e prazos e incluir a participação de sindicatos e representantes das trabalhadoras e dos trabalhadores.
Caso a empresa não consiga reduzir as desigualdades, aí que será aplicada a multa, cinco vezes o maior salário pago pela empresa, podendo ser elevada a dez vezes o maior salário. Pela legislação atual, a multa é de 50% do maior benefício pago pela Previdência Social, o que equivale a R$ 3.753,75.
Caberá ao Ministério do Trabalho instituir o protocolo de fiscalização contra a discriminação salarial e remuneratória, segundo o projeto.
Ao Estadão a ministra do Planejamento, Simone Tebet, já tinha dito que a multa “vai doer no bolso” dos empresários que se recusarem a seguir lei de igualdade salarial, caso o texto seja aprovado pelo Congresso. Segundo Tebet, a lei “é o primeiro de inúmeros passos” que o governo deve dar na tentativa de reduzir a disparidade de direitos entre os gêneros.
Dado de 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontam para uma subida da disparidade salarial entre homens e mulheres, que chega atualmente a 22%. Isso significa que uma brasileira recebe, em média, 78% do que ganha um homem.
No Reino Unido, uma lei trabalhista de 2017 obriga empresas com mais de 250 empregados a publicarem a diferença salarial no pagamento de homens e mulheres. Todos os dados são divulgados publicamente em um site do governo, e companhias que apontam defasagem salarial de gênero são encorajadas a divulgar planos de ação para a equiparação.
'Se a Uber não gostar do nosso processo de formalização, sinto muito', afirma ministro do Trabalho
Por Fernanda Trisotto — Brasília / O GLOBO
O ministro do Trabalho, Luiz Marinho, defendeu a discussão sobre formalização de trabalhadores de plataformas, como a Uber, para garantia de proteções mínimas e controle de jornada. Ele disse que “sente muito” se as plataformas não gostam do tema, e que não quer que a Uber ou outras deixem o mercado brasileiro, mas considera fundamental a definição de um enquadramento na atividade.
― Se a Uber e as outras plataformas não gostarem de um processo de formalização, eu sinto muito ― disse Marinho em evento da Frente Parlamentar do Empreendedorismo, ressaltando que essa não será uma imposição da pasta, mas uma discussão da sociedade.
Ele acrescentou:
― A Uber não irá embora porque o Brasil é mercado número um, mas ninguém quer que ninguém vá embora. Pelo contrário, nós queremos é garantias de proteção social a esses trabalhadores, a valorização do trabalho. Tem que ter regras, controle para não ter excesso de jornada.
No mês passado, Marinho já havia falado, em entrevista ao jornal Valor Econômico, que não se preocupava com a saída da Uber do país, em caso de discordâncias sobre a regulamentação dos prestadores de serviço da plataforma. Ele ainda sugeriu que poderia contar com o trabalho dos Correios para suprir a função.
Como o GLOBO já mostrou, Marinho não defende a obrigatoriedade da contratação em regime CLT para trabalhadores por aplicativo, como Uber ou 99. Mas o ministro diz que é necessário articular um tipo de enquadramento com proteções e uma ‘remuneração de qualidade’ para essas categorias.
Mais uma vez, Marinho ponderou que não são todos os trabalhadores de plataforma que querem ter um vínculo formal de emprego e isso deve ser levado em conta.
Por outro lado, demonstrou preocupação com as jornadas longas de trabalho e disse que o aumento de acidentes por causa disso acabam onerando o estado com os custos de saúde, e por isso é importante discutir enquadramento de atividade.