Lula: 'Toda vez que discutimos avanço social aparece alguém para dizer que é gasto'
Por Karol Bandeira / O GLOBO
O presidente Lula voltou a defender a ampliação de gastos sociais em seu governo. Na cerimônia de lançamento do Novo Mais Médicos nesta segunda-feira, no Palácio do Planalto, Lula disse que “toda vez que a gente vai discutir avanço social, vai aparecer alguém da área econômica para dizer que é gasto”. A declaração de Lula acontece em meio às discussões dentro do governo sobre a nova regra de controle das despesas públicas, o arcabouço fiscal.
– Você não pode tratar a educação como gasto, você não pode tratar a saúde como um gasto, porque não tem investimento maior do que salvar uma vida. Como você pode colocar a saúde dentro do teto de gastos? – ponderou o presidente durante o discurso.
E continuou:
– O Brasil é especialista nisso. Toda vez que vamos discutir um avanço social, aparece alguém da área econômica para dizer que é gasto, que a gente não tem como gastar. Quanto custou ao Brasil a gente não alfabetizar o povo e fazer a reforma agrária na década de 50? :
Segundo o presidente, o governo investirá R$ 712 milhões no Mais Médicos neste ano. A iniciativa deve beneficiar 96 milhões de brasileiros, sendo o público-alvo moradores de regiões periféricas e interioranas com dificuldade de acesso ao serviço médico.
– O Mais Médicos voltou porque a saúde não pode ser refém do teto de gastos, dos juros altos ou cortes orçamentários em nome de um equilíbrio fiscal. Tudo sobre nós é sempre atrasado por conta do ‘gasto’. Nós precisamos arejar nossa cabeça – destacou Lula.
Os debates sobre o arcabouço fiscal continuam nesta segunda, em reunião da Junta de Execução Orçamentária no fim do dia. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, fez uma apresentação detalhada da proposta ao presidente numa longa reunião na última sexta-feira.
Mais Médicos prevê a contratação de 15 mil profissionais
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) anunciou nesta segunda (20) a retomada do programa Mais Médicos. Ao todo, serão abertas 15 mil vagas, com investimento de R$ 712 milhões somente neste ano.
Segundo o Ministério da Saúde, as primeiras 5.000 novas vagas serão abertas via edital já neste mês, e as outras 10 mil abrirão em um formato com contrapartida dos municípios, o que garante às prefeituras menor custo e mais condições de permanência nessas localidades.
O programa Mais Médicos foi criado em 2013, durante o governo da presidente Dilma Rousseff. Com a contratação de mais 15 mil médicos, serão 28 mil profissionais fixados em todo o país até o final de 2023. Atualmente, 13 mil médicos já atuam no programa.
Poderão participar dos editais do Mais Médicos profissionais brasileiros e intercambistas, brasileiros formados no exterior e estrangeiros. Assim como no formato anterior, os médicos não irão precisar revalidar o diploma para atuar no Brasil.
Os médicos brasileiros formados no Brasil continuam a ter preferência na seleção. O tempo de participação no programa passa a ser de quatro anos, prorrogável por igual período.
Segundo a ministra da Saúde, Nísia Trindade, o Mais Médicos foi aperfeiçoado principalmente com o objetivo de garantir a permanência dos profissionais nos municípios o maior tempo possível.
"Nós temos tido um diálogo intenso com as entidades representativas dos médicos, como a AMB (Associação Médica Brasileira) e, na verdade, o grande ponto é médico sem registro no Brasil. O que estamos fazendo é o incentivo para médicos se fixarem no programa. E vamos trabalhar junto ao Ministério da Educação para os registros. Mas a principal medida é o incentivo para os médicos brasileiros", disse.
Nesio Fernandes, secretário de Atenção Primária do Ministério da Saúde, disse que o novo formato estabelece condições de provimentos melhores para áreas que não tinha interesse de ser ocupadas por médicos do Brasil.
"Além da bolsa, o médico receberá uma indenização ao final. Poderá receber adicional de 10% a 20% da soma total das bolsas de todo o período em que esteve no programa, a depender da vulnerabilidade do município", disse.
Com a retomada, segundo o Ministério da Saúde, 96 milhões de brasileiros terão garantia de atendimento médico na atenção primária, porta de entrada do Sistema Único de Saúde.
Durante o seu discurso, Lula fez menção aos ataques que médicos cubanos sofreram na primeira edição e disse que, apesar disso, o programa obteve sucesso. O presidente disse ainda que a prioridade nas vagas será para brasileiros, mas que não é excludente, porque o que importa é a nacionalidade do paciente.
"Nós queremos que todos os médicos que se inscrevam sejam brasileiros, esse é o esforço comum da nossa ministra, do edital, de garantir que os médicos que se inscrevam sejam médicos brasileiros, formados adequadamente. Se não tiver, a gente quer médicos brasileiros formados no estrangeiro. Se não tiver, vamos fazer com que médicos estrangeiros ocupem essa tarefa", disse.
"O que importa não é saber nacionalidade do médico, é saber nacionalidade do paciente, que é o brasileiro", completou.
Lula também fez críticas ao fato de a saúde e a educação estarem submetidas ao teto de gastos, em meio à discussão sobre nova regra fiscal.
"Não pode tratar educação como gasto, a saúde como gasto, porque não tem investimento maior do que salvar uma vida", afirmou.
Regra fiscal alimenta clima de desconfiança entre membros do governo Lula
Catia Seabra / folha de sp
O debate sobre a nova regra de controle das contas públicas, liderado até o momento pelo ministro Fernando Haddad (Fazenda), acontece em meio a um clima de desconfiança no núcleo do governo.
Segundo aliados, Haddad restringiu a discussão a um grupo pequeno para evitar que a proposta vazasse e chegasse transfigurada às mãos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O desenho só foi detalhado ao mandatário nesta sexta-feira (17).
Com receio de eventuais críticas de petistas, o titular da área econômica buscou antes de mais nada conquistar o aval do chefe para, assim, evitar pedidos de modificações –mantendo o desenho o mais longe possível dos olhos da ala política.
A ideia era impedir que a proposta fosse alvo de uma dissecação pública antes que fosse oficialmente apresentada ao presidente.
De acordo com relatos feitos à Folha, membros de outras áreas do governo gostariam de ter visto antes a proposta para orientar os trabalhos em torno do assunto. Mas as pastas interessadas não haviam, até os últimos dias, recebido nem as regras gerais da proposta de Haddad.
Até esta sexta, o chamado arcabouço fiscal não tinha sido encaminhado, por exemplo, à Casa Civil —apesar da demanda por informações.
Dentro do próprio Ministério da Fazenda, o debate ficou limitado aos secretários mais próximos ao tema, enquanto os demais não foram informados de detalhes –o que chega a ser interpretado também como uma falta de confiança na visão dos demais integrantes da pasta.
Durante a elaboração, Haddad apresentou as diretrizes ao vice-presidente e ministro Geraldo Alckmin (Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços) e à ministra Simone Tebet (Planejamento), além do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto.
Segundo integrantes do governo, o ministro da Fazenda também conversou com economistas de diferentes matizes. Aliados, inclusive, reagiram com estranheza ao fato de ele ter priorizado uma conversa com o presidente do BC –de visão liberal e que tem sido publicamente criticado por Lula.
A estratégia de Haddad gerou desconforto entre seus pares, que enxergam nele uma intenção de se consolidar como um superministro.
A atitude foi recebida por colegas de Esplanada como um sinal de que, na opinião de Haddad, outros integrantes do governo não seriam qualificados o suficiente para um debate sobre a nova regra fiscal.
Em defesa do rito definido por Haddad, seus interlocutores atribuem essa cautela ao impacto que o tema tem sobre o mercado e sua repercussão na economia do país. Contam, por exemplo, que ele chegou a cancelar uma reunião na Casa Civil após o vazamento de uma informação.
Uma outra preocupação de Haddad reside, segundo aliados, na articulação da proposta no Congresso Nacional. Sua intenção seria convencer Lula da necessidade de apresentação de um texto com chance de aprovação. Por isso, esse debate não poderia ser público.
O próprio ministro tem feito reuniões com intuito de azeitar a tramitação no Congresso. Ele chegou a jantar com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), para sensibilizá-lo da importância do projeto.
Essa articulação é uma atribuição da Secretaria das Relações Institucionais, hoje chefiada pelo ministro Alexandre Padilha, que não participou da reunião dessa sexta.
Além disso, conta a favor de Haddad na discussão a orientação pública de Lula aos ministros nesta semana. O mandatário determinou que as propostas devem estar alinhadas internamente antes de serem divulgadas.
Com essa postura, Haddad tenta evitar que aliados critiquem publicamente o arcabouço, a exemplo do que aconteceu com a ideia de reoneração dos combustíveis. Presidente do PT, Gleisi Hoffmann (PR) disse que esse seria um estelionato eleitoral.
Na opinião de aliados de Haddad, Gleisi não terá a mesma postura ante uma proposta endossada por Lula.
Legalmente, o governo tem até o fim de agosto para enviar a nova regra fiscal ao Congresso. Mas o ministro prometeu apresentá-la ainda neste mês, diante das expectativas geradas no mercado financeiro.
Por interferir de forma direta nas projeções para as contas públicas ao longo dos próximos anos, o tema é acompanhado de perto por economistas e investidores.
Infraestrutura sofre com atrasos e dúvidas após iniciativas do governo Lula
Julio Wiziack / FOLHA DE SP
A atuação do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na área de transportes vem deixando investidores em dúvida e gerando atrasos em cronogramas de empreendimentos. A situação afeta rodovias, portos e aeroportos e está ligada a disputas políticas e ideológicas.
A orientação do PT contra privatizações paralisou o projeto de transferir à iniciativa privada o porto de Santos, assim como os últimos aeroportos da estatal Infraero. A atuação da presidente do partido, Gleisi Hoffmann, tem emperrado ainda a concessão de rodovias no Paraná.
Também por orientação do governo, o ministro Márcio França (Portos e Aeroportos) descartou que concessionárias possam cumprir suas obrigações com o poder público usando precatórios (dívidas a serem pagas pelo Estado a contribuintes, após decisão judicial). O mecanismo foi criado por emenda constitucional e seu veto gera preocupação no setor.
Nesta semana, França protagonizou mais um episódio —nesse caso, por anunciar uma medida sem aval superior. Ele disse ao jornal Correio Braziliense em entrevistapublicada no domingo (13) que prepara um programa de venda de passagens aéreas a R$ 200 para pessoas de baixa renda, mas foi desautorizado.
Na terça-feira (14), ele tomou uma bronca do presidente Luiz Inácio Lula da Silva —que proibiu ministros de lançarem "genialidades" sem antes consultar a Casa Civil. França não estava presente e não foi mencionado explicitamente.
Primeiro, por meio de sua assessoria, o ministério disse que o recado era para toda a Esplanada. No entanto, o ministro assumiu a crítica a jornalistas durante o lançamento da Frente Parlamentar Mista de Portos e Aeroportos, reconhecendo que a proposta não passou pela Casa Civil.
O ministro reiterou, no entanto, que o projeto não envolve subsídio público e que está sendo desenvolvido pela Secretaria de Aviação Civil (SAC). "Tão logo esteja formulado, será apresentado para apreciação da Casa Civil", disse em nota.
Na época da transição, França já havia pedido a suspensão de privatizações em andamento.
Em outra frente, sua pasta já vem sendo questionada por concessionários de aeroportos que pretendem pagar uma parcela da contribuição inicial da outorga com precatórios. Sua posição foi clara: recusar esses papéis como pagamentos em concessões.
No final de 2021, o Congresso aprovou uma emenda constitucional permitindo o uso desses papéis para o pagamento de concessões de forma "autoaplicável", mas em algumas alas do novo governo ainda é vista como necessária a criação de uma metodologia mais robusta para liberar as transações.
A situação já embaraça cinco concessões —três delas em aeroportos, incluindo o bloco liderado por Congonhas, leiloado no final do ano passado, e duas ferroviárias. A Rumo foi à Justiça para discutir o assunto.
O uso de precatórios foi uma medida idealizada pelo ex-ministro da Economia de Jair Bolsonaro, Paulo Guedes, e defendida pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional como forma de reduzir a dívida da União e atrair investidores.
Como existe um cronograma anual de pagamento dos precatórios, aceitá-los como moeda em concessões não traria grandes mudanças.
O novo governo, no entanto, discorda. Embora exista regulamentação para o abatimento de dívidas de contribuintes com precatórios, não há um processo de operacionalização do uso desses papéis no pagamento de concessões.
Apesar disso, o cumprimento da Constituição é considerado inadiável por procuradores federais ouvidos sob anonimato.
A Folha perguntou se o Ministério de Portos e Aeroportos iria ignorar a previsão constitucional do mecanismo. Por meio de sua assessoria, o ministério informou que "ainda aguarda uma portaria da AGU (Advocacia-Geral da União) e que, neste momento, reavalia o uso de precatórios para pagamento de outorgas".
No caso do porto de Santos, foi criado um impasse e o projeto aprovado pelo TCU (Tribunal de Contas da União) está paralisado.
Alas do PT preferem manter o terminal sob gestão pública e conceder o canal e armazéns. Esse modelo, no entanto, não atende aos interesses dos grupos que usam o porto para exportações —especialmente aqueles sediados em São Paulo e no Centro-Oeste.
Os investimentos pesados para fazer dobrar a capacidade só sairiam do papel, segundo esses grupos, se todo o porto fosse privatizado.
O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas —ex-ministro de Infraestrutura, responsável pela condução do projeto de privatização do porto— tenta com o governo federal aprovar um plano B, capaz de agradar aos diversos interessados.
Até o momento, no entanto, as conversas não avançaram. Embora o ministro-chefe da Casa Civil, Rui Costa, tenha dito publicamente que o governo "não tem dogmas" sobre o tema, França afirmou que o porto de Santos, o maior da América Latina, não será privatizado.
"No porto de Santos serão realizadas concessões de terminais e serviços portuários", disse a pasta por meio de sua assessoria. "Entretanto, a autoridade portuária será mantida pública."
Além das divergências técnicas, existe no PT uma enorme resistência ao governador de São Paulo, um afilhado político de Jair Bolsonaro. Lula tenta apaziguar os ânimos, mas a pressão do partido não arrefece.
DISPUTA POLÍTICA
Nas rodovias, a presidente do partido, Gleisi Hoffmann, protagoniza um dos maiores embates políticos usando sua influência no governo para modificar um projeto do governador do Paraná, Ratinho Junior (PSD).
O embate envolve o ministro de Transportes, Renan Filho (MDB-AL), e a Casa Civil em torno da concessão de mais de 44 mil km de rodovias no Paraná. O projeto deve exigir investimentos de mais de R$ 90 bilhões.
"Em relação às concessões de rodovias no Paraná para novo pedágio, a equipe de transição do governo Lula está analisando a mudança de critério do leilão para baixar o preço da tarifa e vai solicitar alteração do edital neste sentido", afirmou Gleisi em novembro.
No início deste mês, os detalhes do projeto seriam anunciados em um evento com o governador, mas ele foi cancelado na última hora. Segundo assessores, seria divulgado o acordo para que os 2 primeiros lotes de rodovias —de um total de 6— fossem leiloados. Ambos já tiveram aprovação do TCU.
Esse anúncio foi feito depois de diversas reuniões entre o ministro Renan Filho e a Casa Civil. A primeira reunião, no entanto, foi marcada a pedido de Gleisi, que tentou minar o projeto, ainda segundo relatos, para modificá-lo totalmente.
A presidente do PT não concorda com o modelo de concessão aprovado, que dificulta a redução do pedágio. Para a ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres) e para os técnicos do TCU, o caixa da concessão pode ser posto em risco, ameaçando os investimentos, se a redução da tarifa for motivada por uso político.
De acordo com a modelagem previamente aprovada, há uma escala de investimentos próprios a serem feitos ao longo de cada ano pelo concessionário para que ele tenha o direito de conceder descontos no pedágio.
Essa cláusula garante que sempre haverá dinheiro no caixa (por meio do depósito obrigatório) para alguma emergência, mesmo com a redução do valor do pedágio.
Desde 2019, o governo do Paraná tenta viabilizar a concessão de 3.300 quilômetros de rodovias estaduais e federais que cortam o estado, dos quais 1.782 quilômetros precisam de obras de duplicação.
Nesta semana, o vice de Ratinho Junior enviou uma carta ao ministro pedindo que apresse a concessão. O assunto, ainda segundo assessores, foi parar na mesa do presidente Lula.
Consultada, Gleisi Hoffmann disse, via assessoria, que a redução do pedágio nas rodovias do Paraná é um compromisso de campanha do PT estadual e do presidente Lula, que implica numa nova modelagem de concessão, ainda em construção no âmbito do governo federal.
Governo Lula usa modelo sem transparência para repasses indicados pelo Congresso
Por Daniel Weterman e Felipe Frazão / O ESTADÃO
BRASÍLIA - No toma lá, dá cá com o Congresso, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva vai começar a transferir bilhões de reais do caixa federal para aumentar a base de apoio, sem qualquer transparência. O Palácio do Planalto elaborou um modelo de negociação que mantém em segredo o nome dos parlamentares que definirão para onde vão os recursos públicos que ficam sob controle dos ministérios, retomando uma prática amplamente adotada no orçamento secreto pelo orçamento secreto pelo ex-presidente Jair Bolsonaro.
No começo do mês, três ministros do governo assinaram portaria para estabelecer como vai ser o processo de pagamento de emendas parlamentares – verbas indicadas por deputados e senadores para suas bases eleitorais e repassadas pelo Executivo em troca de apoio político no Legislativo.
O documento não estabelece nenhuma medida para tornar público quem serão os congressistas atendidos pelas verbas controladas pelo governo. Além disso, Lula vetou uma proposta que identificava parte dos recursos de maior interesse dos parlamentares e permitia um nível de acompanhamento dos repasses.
Parte do montante é o espólio do orçamento secreto, derrubado pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Inclui ainda outras verbas incluídas pelos parlamentares no Orçamento de 2023. No total, Lula terá até R$ 100 bilhões para negociar, dos quais R$ 16 bilhões foram incluídos na peça orçamentária a pedido de representantes do Centrão, que pressionam Lula a liberar o dinheiro.
São verbas para bancar, por exemplo, pavimentação de ruas, construção de rodovias, compra de tratores e manutenção de postos de saúde. Como o Estadão revelou, durante o funcionamento do orçamento secreto, parlamentares escolhidos a dedo pelo governo Bolsonaro promoveram compras com indícios de sobrepreço, contratação direcionada de empresas de amigos e familiares dos políticos e concentração de recursos em redutos do Centrão. Em dezembro, o Supremo declarou o orçamento secreto inconstitucional.
Parte da premissa do orçamento secreto foi ressuscitada na portaria assinada pelos ministros Simone Tebet (Planejamento), Esther Dweck (Gestão) e Alexandre Padilha (Relações Institucionais). O documento entregou a Padilha o poder de centralizar a negociação com o Congresso de verbas controladas diretamente pelo Executivo, sem necessidade de equidade na divisão dos recursos ou transparência na indicação.
A fonte dos recursos é o dinheiro que alimentou o esquema de Bolsonaro, mas que fora transferido para outra rubrica orçamentária, chamada de RP2 – antes era RP9.
Com Bolsonaro, a negociação sobre quem teria acesso ao dinheiro estava exclusivamente nas mãos de um grupo de parlamentares, entre eles o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Agora, a decisão terá de passar pela pasta de Padilha. O que não significa que Lira perdeu força. Como comanda a pauta da Câmara e do Centrão, as negociações passarão obrigatoriamente por ele.
O Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional, por exemplo, tem R$ 2 bilhões para obras, que vão desde a compra de tratores até a pavimentação de ruas. Os parlamentares escolhidos pelo governo Lula poderão dizer em que cidade irão aplicar os recursos como “pagamento” por votarem a favor do governo. Também foram reservados R$ 54 milhões para abastecimento de água no sertão de Alagoas, reduto de Lira.
A procuradora Élida Graziane, do Ministério Público de Contas de São Paulo, disse que a portaria do governo Lula restabelece o orçamento secreto.
Governo Lula faz megaevento de entrega de viaturas compradas pela gestão Bolsonaro
Por Weslley Galzo / O ESTADÃO
BRASÍLIA - O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) participa nesta quarta-feira, 15, de uma megasolenidade no Palácio do Planalto de lançamento do novo Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci). No evento, o governo petista anuncia a entrega de 270 viaturas policiais para Estados que foram compradas por meio de licitações feitas no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro.
Desde o início do mês, o ministro da Justiça, Flávio Dino, vinha alardeando a ação na área de segurança em suas redes sociais. O anúncio também foi propagandeado pela Secretaria de Comunicação (Secom) da Presidência da República. Os veículos serão destinados para ações de segurança na área de combate às violências perpetradas contra as mulheres. Mas o governo Lula omite que as viaturas foram compradas pela gestão do antecessor.
Durante o evento, Dino chegou a brincar que não precisará pedir ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad, a liberação de recursos para a compra de novos veículos. O governo pretende entregar mais 230 viaturas até o fim deste ano, totalizando 500 carros repassados aos Estados. O ministro, contudo, não informou à plateia no Palácio do Planalto que os carros já foram comprados e estão sob posse da União aguardando apenas a destinação.
A gestão do ex-ministro da Justiça e Segurança Pública Anderson Torres, que se encontra preso por suspeita de envolvimento na tentativa de golpe de 8 de janeiro, fez uma concorrência em dezembro do ano passado para comprar as viaturas policiais. No total, o pregão envolveu aquisições no valor de R$ 338 milhões na compra de uma fronta de 2806 veículos.
Os 270 veículos das marcas Toyota, Chrysler e Fiat entregues hoje passaram por uma fábrica para serem convertidos em viaturas policiais e já receberam a logomarca do governo petista e do programa recriado Pronasci. Segundo Dino, embora os veículos tenham sido adquiridos pela gestão passada, o Ministério da Justiça não pretende desfazer a licitação.
“Nós temos licitações feitas em várias áreas e a nossa visão sempre é de garantir velocidade. Obviamente, em relação às políticas que são tradicionais, com essa de entrega de viaturas e armamentos, nós estamos aproveitando as licitações (passadas)”, disse ao ser questionado pelo Estadão. “Certamente todas as licitações que foram feitas serão aproveitadas porque não há razão para nós apertarmos uma tecla mágica e zerarmos licitações. Nós não temos interesse econômico.Nosso interesse é a boa execução da política pública”, completou.
O resultado da licitação foi publicado no Diário Oficial no penúltimo dia do governo Bolsonaro. No mesmo dia, o então presidente tinha viajado para os Estados Unidos para não participar da solenidade de posse e entregar a faixa presidencial a Lula.
A prática de omitir compras e projetos realizados por outras gestões se intensificou no governo passado. Durante seu mandato, Bolsonaro se vangloriou de ter concluído as obras de transposição do Rio São Francisco, mas sem mencionar que foram iniciadas na gestão Lula. O ex-presidente omitia que o percentual de obras remanescentes era pequeno e a maior parte da infraestrutura foi feita pelos governos petistas.
Na disputa eleitoral do ano passado, Lula se queixou diversas vezes da apropriação da tranposição do São Francisco pelo governo Bolsonaro. Agora de volta ao Palácio do Planalto, a gestão petista omite aquisições feitas pelo antecessor.
Lula provoca Bolsonaro e diz que gosta de ser presidente
Por Sérgio Roxo — Brasília / O GLOBO
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva provocou nesta terça-feira o antecessor Jair Bolsonaro e afirmou que gosta de comandar o país. A declaração foi dada no encerramento do encontro da Frente Nacional de Prefeitos (FNP) em Brasília.
— Uma vez nós tivemos um presidente que dizia: ‘ah, eu não gosto de ser presidente, eu não deveria estar aqui’. Quero dizer para vocês: eu gosto de ser presidente e gosto de estar lá para provar que é possível a gente fazer as coisas que tem que fazer — discursou Lula.
Em 2021, Bolsonaro afirmou que não sabia “onde estava com a cabeça” quando decidiu concorrer à Presidência da República. Também afirmou que não era fácil ocupar o cargo.
Na sua fala aos prefeitos nesta terça-feira, Lula defendeu a classe política.
—Tem gente que diz: eu não gosto de político porque político não presta, político é tudo ladrão.Mas o político a cada quatro anos ele vai para rua colocar o nome dele em julgamento para ser xingado para ser avacalhado.
O presidente ainda disse preferir os políticos que os técnicos.
— Aprendi a ser político, aprendi a gostar de política, aprendi a respeitar os políticos. Prefiro um político competente do que um técnico porque o político entende um pouco de tudo e muitas vezes o técnico não atende de nada. O técnico tem que ter um chefe e esse chefe é um político.
Lula ainda pediu aos prefeitos presentes que não tenham vergonha de serem políticos. Durante o discurso, o presidente falou que o país tem 14 mil obras paradas e prometeu ouvir os gestores municipais para implantar os projetos de infraestrutura no seu governo,
Em nova onda de ataques no RN, ônibus são queimados e alvo de tiros em Natal
Renata Moura / FOLHA DE SP
Após uma madrugada violenta, com registros de atos criminosos em 14 de cidades do Rio Grande do Norte, dois ônibus do transporte público foram incendiados e um terceiro coletivo foi alvo de tiros em Natal na tarde desta terça (14), em uma nova onda de ataques.
Segundo o governo do estado, 15 pessoas foram presas até as 17h desta terça, e um suspeito foi morto. Um adolescente também foi apreendido.
Por causa das ações, os demais coletivos serão recolhidos aos pátios como medida de segurança, de acordo com o Sindicato das Empresas de Transportes Urbanos.
Segundo as autoridades, a suspeita é que a ação tenha sido coordenada pelo crime organizado como resposta a ações policiais recentes que culminaram na prisão e morte de criminosos e na apreensão de armas e drogas.
Ao menos 14 cidades registram ocorrências desde a madrugada, entre incêndios, tiros e confrontos com a polícia: Natal, Acari, Boa Saúde, Caicó, Campo Redondo, Cerro Corá, Jaçanã, Lajes Pintadas, Montanhas, Mossoró, Parnamirim, Santo Antônio, Tibau do Sul e São Miguel do Gostoso.
Os ataques começaram pouco depois da meia-noite desta terça.
No início da madrugada, em Acari (a cerca de 200 km de Natal), houve incêndio a veículos no pátio da Secretaria de Obras. Uma empresária de 39 anos, que pediu o anonimato, conta que ouviu os primeiros estrondos e diz ter visto fogo e fumaça da janela de casa.
Em Caicó, principal cidade da região do Seridó, um empresário de 35 anos, dono de uma loja, disse à Folha que o clima de medo no comércio é generalizado. Um posto de combustíveis e uma agência bancária da Caixa Econômica Federal foram alvo de tiros, e uma concessionária foi incendiada.
Por causa dos ataques, universidades públicas do estado anunciaram a suspensão das atividades nesta terça (14).
Na Ufersa (Universidade Federal Rural do Semi-Árido), a suspens ão de aulas atinge o campus sede, em Mossoró, além dos campi de Pau dos Ferros, Angicos e Caraúbas e um polo localizado na cidade de Serra de São Bento.
Campi da UERN (Universidade do Estado do Rio Grande do Norte) em seis municípios também tiveram atividades presenciais canceladas.
Professores de escola pública de Parnamirim, na região metropolitana, contam terem recebido por WhatsApp um aviso de aulas suspensas após os ataques.
Em meio à crise, a governadora Fátima Bezerra (PT), que cumpre agenda em Brasília, disse que vai antecipar a volta para Natal e que vai se reunir ainda na tarde desta terça com forças de segurança do estado e do Ministério da Justiça.
Em vídeo, ela descreveu os episódios de violência como "inaceitáveis" e afirmou que "todo o trabalho está sendo feito para os que os criminosos sejam presos, julgados e punidos com o rigor da lei".
BALANÇO DE AÇÕES DA PM
15 suspeitos presos
1 adolescente apreendido
5 armas de fogo apreendidas
18 artefatos explosivos apreendidos
3 galões de gasolina apreendidos
4 motos apreendidas
1 carro apreendido
Dinheiro
Drogas
Lula amplia espaço da União Brasil na Codevasf e mantém aliados de Lira em estatal
Na tentativa de atrair votos no Congresso, o presidente Lula (PT) ampliará o espaço da União Brasil no comando da Codevasf (Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba).
Para evitar retaliações, o chefe do Executivo também deve manter um indicado do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), em um cargo chave no órgão.
A Codevasf foi entregue por Jair Bolsonaro ao centrão e mantida dessa forma por Lula em troca de apoio no Congresso.
Interlocutores do Palácio do Planalto afirmam que o governo já deu aval para que a União Brasil, que tem a presidência do órgão desde o governo de Jair Bolsonaro (PL), faça as indicações de duas diretorias, que hoje estão com aliados do senador Ciro Nogueira (PP-PI) e do ex-senador Roberto Rocha (PTB).
Com 59 deputados e 9 senadores, o partido indicou nomes para chefiar três ministérios no governo e ainda se declara independente. O esforço é tentar garantir o apoio de ampla maioria dos deputados nas votações.
No último domingo (11) a Folha revelou que o governo Lula assinou contratos de cerca de R$ 650 milhões herdados de Bolsonaro que levam para a atual gestão uma série de empreiteiras e condutas suspeitas de prática de cartel em obras de pavimentação na Codevasf.
As empresas contempladas agora e as práticas suspeitas nas concorrências são semelhantes às reveladas no ano passado em auditoria do TCU (Tribunal de Contas da União) sobre a ação de um chamado "cartel do asfalto" a partir de licitações da estatal federal.
O governo Lula assinou os contratos e manteve a direção da Codevasf nomeada por Bolsonaro, mesmo com essa e outras fiscalizações do TCU e da CGU (Controladoria-Geral da União) que apontam irregularidades em série, como superfaturamentos, desvios e obras precárias.
A Codevasf afirma que "o sistema de pregões não provê a nenhum licitante — nem mesmo ao pregoeiro — a possibilidade de identificar as empresas concorrentes; somente após o encerramento da etapa de lances os participantes do processo licitatório são identificados". A empresa também diz colaborar com órgãos de fiscalização e controle.
A cúpula da Codevasf é formada pela presidência e três diretorias. A União Brasil só não controlará a diretoria de gestão dos empreendimentos de irrigação, onde foi nomeado Luís Napoleão Casado —indicado por Lira e que está lá também desde a gestão anterior.
Com orçamento de R$ 1,8 bilhão neste ano, a Codevasf foi inflada por recursos de emendas parlamentares no governo Bolsonaro, que ampliou o loteamento de cargos no órgão. No ano passado, a Folha revelou indícios de fraudes na estatal, que foi alvo de operação da Polícia Federal.
A presidência da Codevasf irá continuar com Marcelo Andrade Moreira Pinto –indicado pelo deputado Elmar Nascimento (BA), líder da União Brasil na Câmara. Um dos parlamentares mais próximos de Lira, Elmar foi vetado por petistas para ocupar uma das vagas da União Brasil no ministério de Lula.
O Palácio do Planalto busca atender aos pedidos de cargos do partido no segundo e terceiro escalão para conseguir consolidar o apoio do grupo ligado a Elmar.
Com as trocas previstas na Codevasf, o PTB e o PP perderão os postos.
O diretor da área de desenvolvimento integrado e infraestrutura, Antônio Rosendo Neto Junior, foi indicado por Rocha, enquanto Rodrigo Moura Parentes Sampaio, diretor de revitalização das bacias hidrográficas, é aliado de Ciro Nogueira.
No desenho atual, a previsão é a de que, no lugar deles, entrarão pessoas ligadas a outros integrantes da União Brasil, os deputados Fernando Coelho Filho (PE) e Paulo Azi (BA).
Auxiliares de Lula dizem que vão cumprir o acordo feito com o partido e que as nomeações devem sair ainda neste mês.
As mudanças na Codevasf e em outras estatais têm o objetivo de formar uma base mais consistente de apoio ao governo no Congresso. Com isso, o Palácio do Planalto tenta, de imediato, impedir a articulação para criar uma CPI sobre os atos golpistas de 8 de janeiro.
Na avaliação de aliados de Lula, o presidente conseguiu, até o momento, capitalizar politicamente os ataques antidemocráticos do início de governo e, se a CPI for aberta, há o risco de a oposição buscar fatos para inverter esse quadro.
Além das negociações envolvendo as diretorias da Codevasf, o Planalto também deverá usar parte das 12 superintendências da estatal para atender a mais aliados.
No caso da superintendência regional de Penedo, em Alagoas, João José Pereira Filho, que é primo de Lira, também deverá continuar no cargo.
A superintendência de Petrolina, em Pernambuco, deverá ser indicada por Sílvio Costa Filho (Republicanos-PE). Ele é aliado de Lula e um dos interlocutores do Republicanos, partido que o Planalto tenta atrair para sua base de apoio no Congresso.
Hoje, a vaga de superintendente de Pernambuco é de Aurivalter Cordeiro da Silva, que foi indicado pelo ex-senador Fernando Bezerra Coelho (MDB). Ele é pai de Fernando Coelho Filho e que terá a escolha de um dos novos diretores da União Brasil na estatal.
O governo também decidirá quem será o superintendente do Maranhão porque quer usar o posto para atender a base local e fazer negociações políticas.
Além disso, pediu para que a União Brasil não faça, por ora, nenhuma indicação para a superintendência de Minas Gerais.
Desde que Lula assumiu o governo, houve troca apenas da superintendência de Teresina, Piauí, onde estava Inaldo Guerra, outro aliado de Ciro Nogueira. O governo colocou, por ora, José Ocelo Rocha Júnior como substituto –o objetivo era tirar o aliado do senador.
Para atender ao senador Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), o governo também deverá manter Hilton Rogério Cardoso na vaga de superintendente da Codevasf em Macapá, no Amapá. Ele foi indicado por Alcolumbre ainda na gestão Bolsonaro.
Segundo integrantes do Palácio do Planalto, todas as indicações feitas pela União Brasil e outros partidos passarão por uma avaliação política para que o governo verifique se elas não promoverão desarranjo entre aliados locais.
Lula quer compor com alguns governadores e, por isso, evitar nomeações que desagradem a alguns de seus aliados.
Tarcísio chega à posse da nova Alesp com apoio de 60 dos 94 deputados nas redes sociais
Por Pedro Venceslau e Samuel Lima/ O ESTADÃO
O governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) já recebeu apoio público nas redes sociais de 60 dos 94 deputados estaduais que tomam posse na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp) nesta quarta-feira, 15. No entanto, o chefe do Executivo paulista ainda não criou uma rede própria de aliados e depende da retaguarda de políticos do “bolsonarismo raiz”.
Os dados são da empresa de análise digital de reputação de marcas Codecs, que, a pedido do Estadão, fez um levantamento com base nas postagens de todos os parlamentares da nova legislatura, entre 1º de janeiro, quando Tarcísio deu início ao seu mandato, até 8 de março. As postagens foram classificadas como positivas, neutras ou negativas.
O material abrange 3,8 mil conteúdos sobre a gestão estadual publicados no Twitter, Facebook e Instagram. Ainda que a quantidade de menções positivas e negativas seja semelhante, o engajamento da base de apoio de Tarcísio representa mais do que o dobro do da oposição, reflexo da presença mais expressiva do bolsonarismo e seus aliados nas plataformas digitais.
De acordo com o levantamento, 53 parlamentares publicaram somente postagens positivas à gestão Tarcísio. Outros sete deputados fizeram, em geral, mais elogios ao governador, mas também manifestaram críticas pontuais a determinadas políticas, como o veto a um projeto de lei que estabelecia validade indeterminada ao laudo médico de autismo.