Haddad: ‘Queremos abrir a caixa-preta das renúncias fiscais, detalhar CNPJ por CNPJ’
Por Adriana Fernandes e Murilo Rodrigues Alves / O ESTDÃO
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, antecipou ao Estadão que quer abrir o que ele chama de “caixa-preta” das renúncias tributárias, o volume de recursos que o governo abre mão de arrecadar e que produz um buraco de R$ 600 bilhões no Orçamento.
Segundo ele, o Ministério da Fazenda prepara com a Advocacia Geral da União (AGU) a divulgação da lista de “CNPJ por CNPJ” das empresas que hoje são beneficiadas por renúncias e subsídios, chamados de “gastos tributários”.
Uma medida cobrada há muitos anos por setores da sociedade civil, mas que nunca saiu do papel com a alegação de que se trata de sigilo fiscal. Haddad diz que esse não é seu entendimento, nem do comando atual da Receita Federal.
Para ele, essa caixa-preta é a “maior da história”, muito mais alta do que o orçamento secreto, mecanismo revelado pelo Estadão de distribuição de verbas a parlamentares sem critério e transparência em troca de apoio político. “Só estamos pagando R$ 700 bilhões de juros porque estamos pagando R$ 600 bilhões de renúncia. É simples assim.”
A meta de Haddad é cortar um quarto dos privilégios – R$ 150 bilhões –, chamados por ele de “jabutis tributários”. Ele quer acabar com distorções e fechar brechas que levam as empresas a pagar menos impostos – como abater do imposto incentivos do ICMS concedidos por Estados.
Durante a entrevista, realizada no escritório do Ministério da Fazenda em São Paulo, o ministro falou sobre o mal-estar no mercado com a entrega do texto final do arcabouço fiscal ao Congresso sem a responsabilização do presidente, caso não cumpra as metas.
Como o sr. responde à crítica de que a versão do arcabouço enviada ao Congresso perdeu força?
Nós passamos do tempo de criminalizar uma regra fiscal. Não tem precedente em outros países. O enforcement (a ideia de fazer cumprir) que precisa é aquele que estamos propondo na regra: ir limitando a capacidade do Estado se os resultados não forem correspondendo às expectativas estabelecidas pelo próprio governo. Funciona muito parecido com o que é o BC, que é a autoridade monetária.
O sr. se refere ao cumprimento do sistema de metas de inflação?
Existe a autoridade fiscal (responsável pela sustentabilidade das contas públicas) e a monetária (que fica com o controle da inflação com instrumentos como a taxa básica de juros). Não se criminaliza o presidente do BC porque ele não cumpriu a meta de inflação, mesmo fora da banda (intervalo para o cumprimento da meta). De certa maneira, passa-se a ver o problema de uma forma mais moderna, que é reconhecer que não existem duas políticas econômicas, uma fiscal e outra monetária. O BC não é um espectador do que acontece no sistema econômico. Ele é parte, inclusive, da formação de expectativas – o que nem sempre o BC se vê como. Mesmo quando ele decide sentar na arquibancada e assistir ao jogo de fora, ele está formando expectativa ao tomar essa decisão. E, quando ele entra em campo, está formando expectativa também. É impossível dissociar a política fiscal da monetária. Eu creio que as próprias atas do Copom têm deixado claro que o Ministério da Fazenda está perseguindo a meta de equilibrar as contas de uma maneira nova.
Que maneira é essa?
A novidade dessa gestão é que o equilíbrio das contas vem com o fim das regalias a quem não precisa delas, e não com o corte de saúde, educação e salário mínimo – como vem acontecendo de sete anos para cá.
O sr. está falando de várias medidas para aumentar a arrecadação nesse sentido...
No sentido de recompor a base. Eu insisto que é uma recomposição da base fiscal. Não estamos levando em conta receitas extraordinárias. É algo que vai todo ano acontecer. Com a reforma tributária, que vai acabar com a festa de lobbies no Congresso Nacional, com os velhos e novos jabutis, vamos consolidar uma base tributária estável para o Estado. Você vai ver como isso vai garantir uma condição de sustentabilidade. São R$ quase 600 bilhões de renúncia fiscal. Estamos falando de rever um quarto das renúncias.
Outros governos já tentaram...
Ah, mas é que chegou no limite. Chegou no limite social, estamos tirando o pão da mesa do trabalhador para engordar o lucro de empresas que estão tendo lucro. Mas essa agenda, muitos governos e ministros falaram e nunca de fato foi enfrentada. Não creio que ela foi abraçada como está sendo agora. Eu despacho com relator de MP, de projeto de lei, ministro do STJ, ministro do STF, despacho todo o dia. Eu estou negociando pessoalmente.
E por que o sr. acredita que agora será diferente?
Se a imprensa trouxer para a luz do dia – e vocês continuarem trazendo – que nós, ao invés de matar a fome, de atender as pessoas no posto de saúde, reduzir a fila do SUS, estamos aprovando um benefício fiscal para quem não precisa, se isso estiver escancarado aos olhos de todo mundo, como eu pretendo. Estamos dialogando com a AGU (Advocacia Geral da União), que temos que explicitar os benefícios fiscais CNPJ por CNPJ.
Apesar de cobrança da sociedade, a Receita nunca fez isso por alegar questões jurídicas.
Nós queremos enfrentar. Os liberais brasileiros neste momento deveriam ser os primeiros a defender a transparência: ‘olha explicitem os benefícios fiscais , CNPJ por CNPJ, empresa por empresa’. O chamado gasto tributário no Brasil está chegando a R$ 600 bilhões. Estamos pagando R$ 700 bilhões de juros porque estamos abrindo mão, renunciando R$ 600 bilhões, que deveriam ser pagos. Vamos supor que, de legítimo desses R$ 600 bilhões – Santas Casas, entidades beneficentes, Prouni (programa de financiamento estudantil) –, isso tudo chega a quanto? A R$ 200 bilhões, R$ 300 bilhões. Ainda é o dobro do que nós precisamos para fechar as contas.
O comando da Receita sempre foi reticente a abrir essas dados. Por quê?
Eu acredito que não se trata de sigilo fiscal. O meu comando da Receita não acha que seja.
Na lista dos gastos tributários, há políticas com renúncias muito elevadas e de difícil corte.
No Simples (regime simplificado de tributação para empresas de até pequeno porte) não pretendemos mexer. Mesmo assim, estamos falando de valores muito consistentes.
Mas o sr. não é o primeiro ministro da Fazenda que diz que vai acabar com privilégios. O sr. está disposto a comprar essa briga?
Eu comprei em outras circunstâncias também. Eu comprei uma briga gigantesca para fazer o Prouni, porque as instituições não pagavam impostos. As instituições de ensino privado não pagavam impostos. Foi um acordo que beneficiou 3 milhões de estudantes pobres e pretos. Eu negocio. Eu vou sentar à mesa com esses setores que estão sendo afetados por essas medidas para negociar.
O sr. não teme ser minado no cargo por comprar essa briga?
Se eu temesse alguma coisa, eu iria assumir o ministério da Fazenda nessa conjuntura? Não tem isso. Se você acredita num projeto, tem que defendê-lo.
O sr. acredita que o site com os nomes do CNPJ pode ajudar nesse movimento da revisão dos benefícios?
Eu acredito. Se a AGU entra nisso e a gente explicitar qual é o gasto tributário e para o que ele está sendo feito, qual é a justificativa, eu creio que muitas dessas coisas saem. Falava-se muito de caixa preta do BNDES, mas ele não existia. Mas no Orçamento ela existe. A maior caixa preta do Orçamento é o gasto tributário. Falava-se muito em orçamento secreto (mecanismo revelado pelo Estadãocriado no governo Bolsonaro de distribuição de emendas parlamentares sem transparência e critérios para obter apoio político). Esse orçamento é o mais secreto de todos. Por que alguém se insurge contra o orçamento secreto, o BNDES, e quando vai falar de gasto tributário, fica todo mundo com medo de falar? Eu não vejo a turma vir a público defender essa agenda. Cadê a turma do equilíbrio macroeconômico? Não adianta esses economistas liberais falarem: ‘é muito difícil de conseguir’. Lutem pela causa. Ela é justa. Vamos ficar mais sete anos sem reajuste do salário mínimo para manter esses gastos tributários? Mais sete anos sem médico? Sem reajuste da bolsa da Capes, tirando dinheiro da educação para sustentar esse gasto? Fica para a sociedade o que se está fazendo com o dinheiro dela: ‘olha, eu não vou dar reajuste de salário mínimo porque eu vou dar uma subvenção de R$ 5 bilhões para tal empresa’.
Boa parte desses gastos tributários foi criado no governo do PT. Como o sr. responde?
Não estou mexendo com os que foram criados pelo PT. Não estou mexendo com o Simples e não estou mexendo com desoneração da folha (redução dos encargos cobrados sobre os salários dos funcionários). Nós não vamos reonerar a folha. Até porque vamos tratar disso depois da emenda constitucional.
Mas existem outros incentivos também criados nos governos petistas.
Mas aconteceram coisas que o PT não poderia prever: por exemplo, a retirada do ICMS da base de cálculo do PIS/Cofins, que fez com que a arrecadação caísse R$ 100 bilhões. Isso não estava no horizonte. São coisas que aconteceram agora. Esse dispositivo de 2017, que abriu um rombo de R$ 88 bilhões, não estava na conta. São coisas que aconteceram depois e abriram um buraco no Orçamento e que precisam ser revistas. Agora, a reforma tributária é o grande antídoto contra futuras investidas em relação à base fiscal do Estado. A reforma tributaria estabiliza uma base fiscal. Vamos trabalhar com essa base, que dá uma sustentabilidade fiscal muito grande para o País – inclusive do ponto de vista de segurança jurídica, porque é muito mais inquestionável o IVA (Imposto sobre Valor Agregado) do que qualquer outro tributo com suas milhares de excepcionalidades, como acontece hoje.
O sr. depende do Congresso, que não é “amigo” dessa pauta.
Tenho me surpreendido positivamente com o Congresso. Eles estão muito sensíveis. O estrago foi muito grande. Por incrível que pareça, o teto de gastos (regra que atrela desde 2017 o crescimento das despesas à inflação) aumentou o gasto tributário. O teto ampliou o gasto primário.
Por quê?
A regra fiscal ficou frouxa num tal nível que a única política que era possível fazer era abrir mão de receita. Como o gasto estava contratado, o que a política, entre aspas, podia fazer? Abrir mão de receitas – e foi o que eles fizeram. Fizeram duas coisas: no gasto, criaram os extra-tetos; e na receita, abriram mão. Eles desorganizaram totalmente as finanças públicas com a complacência, inclusive, de muitos que cobram providências em 90 dias do governo para pôr ordem em tudo.
Há alguma ação ideológica do PT contra o arcabouço fiscal? Algumas lideranças, como a presidente do partido, Gleisi Hoffmann, já falaram que não querem teto para investimentos, por exemplo.
Claro que tem. Eu vi essa matéria. O Lula teve que inventar prévias dentro do PT, entendeu? Não vai ter unanimidade no PT, o que quer que seja.
Mas o PT vai votar a favor?
Ah, vai. Não existe isso. O governo é governo. Tem sua base e vai dar o comando para a base. Ali, todo mundo é adulto.
Mas o partido pode mudar o projeto?
Não tem clima para mudar. Foram muito negociados esses parâmetros, foi muito conversado. Eu ouvi muita gente. Eu não podia revelar, mas eu podia ouvir.
Como o sr. vai enfrentar a mudança na tributação diferenciada que os fundos exclusivos dos super ricos têm hoje?
Vou enfrentar da seguinte maneira, eu vou sempre separar o estoque do fluxo. Eu penso que, metodologicamente, faz sentido fazer isso. Vou falar: ‘daqui para frente, vamos fazer o que o mundo inteiro faz e discutir o para trás numa negociação transparente com a sociedade’. Daqui para frente, rico e pobre, todo mundo paga igual. Não precisa ser rico para pagar Imposto de Renda. Aqui no Brasil, precisa ser rico para não pagar Imposto de Renda. Sendo rico é que você adquire o direito de não pagar Imposto de Renda. É uma coisa impressionante. Vamos, daqui para frente, arrumar. E para trás, o estoque? Vamos pensar numa alíquota? Aí, é uma receita extraordinária.
O sr. tem ideia da alíquota?
Não tenho ideia, porque não abri essa negociação. Mas quando eu abrir, ela pode ser uma receita extraordinária. Não vou contar com ela para sempre. Tributaristas avaliam que o governo pode arrecadar muitos bilhões de reais com essa medida, muito além dos R$ 10 bilhões que o governo previu lá atrás.
O sr. tem noção do valor?
Eu já vi conta. Mas tem gente que está confundindo essa medida com offshore (medidas para evitar triangulação). Eu acredito que é um volume significativo, sobretudo se contar o estoque.
No caso dos incentivos dos benefícios ao setor de refrigerantes na Zona Franca de Manaus, o sr. também vai mexer?
Já fui apresentado ao problema. Olha, nós não temos na Fazenda tabu em abrir contas do orçamento fiscal nebuloso. Queremos abrir. A caixa preta do gasto fiscal é a maior da história.
Veja três orientações antes de usar uma das novas medidas para destravar o crédito anunciadas pelo governo
Por Caroline Nunes — Rio / O GLOBO
O Ministério da Fazenda anunciou 13 medidas que visam facilitar o acesso ao crédito. Garantia com recursos previdenciários e novo marco de garantias estão entre as ações que constam no pacote que foi encaminhado para o Congresso. As medidas podem até animar quem está endividado, mas é preciso ter cuidado no momento de solicitar crédito para não correr o risco de fragilizar ainda mais a sua situação financeira.
O GLOBO conversou com a coordenadora do programa de Serviços Financeiros do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Ione Amorim para entender quais cuidados os consumidores devem ter com as novas ações.
Todo crédito é um risco
O primeiro alerta da economista é o fato de que todo tipo de crédito é um risco, até mesmo aqueles com promessa de juros mais baixos. Ione orienta que antes de pensar em optar por qualquer formato empréstimo, se faça uma análise do orçamento da família.
— Quando você toma algum credito você está comprometendo sua renda futura. Por isso é preciso fazer o exercício. antes de tomar o crédito, de colocar no papel todos os seus gastos, inclusive os empréstimos já contratados. É preciso tomar cuidado pra não continuar dependente desses créditos no futuro, porque, no fim, você pode só estar empurrando para frente a realidade de endividamento que está vivendo hoje — aconselha.
Avalie as alternativas com cuidado
Uma das propostas do governo é que o uso de recursos de planos como previdência complementar, Fundo de Aposentadoria Programada Individual (Fapi) e seguros pessoais possam ser permitidos para garantia de crédito a juros mais baixos.
Para Ione Amorim, a medida é válida para o consumidor, porque com a garantia os juros do empréstimo serão menores.
No entanto, pontua a economista, é preciso avaliar a alternativa com atenção. E nunca usar essa alternativa para viabilizar as compras do seu dia a dia.
Isto porque em caso de inadimplência o cidadão estará comprometendo suas economias ou uma receita futura que deveria complementar a aposentadoria. Isso pode acabar tornando a sua situação financeira ainda mais fragilizada, já que suas economias serão usadas para o pagamento da dívida.
— Você vai colocar a sua reserva que é pra garantir o futuro como garantia de um crédito. Se esse crédito for para a situação de consumo imediato é uma decisão errada. Você está se expondo ao risco, mesmo com a taxa de juros baixa. É preciso lembrar que até os juros baixos causam endividamento. Você até poderia utilizar a reserva como garantia, mas em em situações emergenciais e com planejamento, como fazer uma cirurgia, reformar uma casa — alerta Ione Amorim
Cuidado para não multiplicar o risco
Se aprovado, o novo marco de garantias permitirá ainda que um bem, como carro e casa própria, possa ser oferecido como garantia em mais de uma operação de crédito. Como o O Globo já exemplificou, se o bem for avaliado em R$ 200 mil e a dívida anterior é de R$ 50 mil, será possível usar os R$ 150 mil restantes em outro empréstimo no mesmo banco.
A especialista alerta para a possibilidade do risco ser multiplicado pela quantidade de empréstimos. Não é o valor de um patrimônio que determina a capacidade de pagamento de alguém e essa capacidade não é elástica, destaca a economista.
Cada pessoa precisa ter noção de que a sua capacidade corresponde à sua renda mensal e se não levar isso em consideração pode acabar perdendo o seu patrimônio.
— Essa medida é cabível para outros bens que não sejam sua moradia, por exemplo. Porque se não tiver um planejamento, a pessoa corre o risco de perder seu patrimônio. O mais importante é que cada pessoa questione o que está causando esse desequilíbrio financeiro que gera a necessidade de tantos créditos — finaliza.
Licença para gastar
Se já havia grande dúvida sobre a capacidade do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de cumprir as metas de equilíbrio orçamentário anunciadas há três semanas, o envio do projeto da nova regra fiscal ao Congresso nesta terça (18) deu resposta ainda mais alarmante.
O texto indica que Lula simplesmente não se compromete com as metas —e quer desde já livrar-se de punições caso o saldo entre as receitas e despesas do Tesouro Nacional não atinja o resultado previsto.
É o que se nota no artigo que altera a Lei de Responsabilidade Fiscal, de 2001, para estabelecer que o descumprimento dos objetivos traçados "não configura infração" à lei. Assim o mandatário escapa de consequências que, no limite, podem chegar a um processo por crime de responsabilidade.
Vale dizer: se a expansão dos gastos do governo petista resultar em um déficit superior ou um superávit inferior ao projetado, não há punições às autoridades.
O estímulo à imprudência é reforçado no projeto com o fim da obrigatoriedade de promover bloqueios preventivos de pagamentos caso se notem riscos para o cumprimento das metas —hoje, de acordo com a LRF, tais contingenciamentos são avaliados a cada dois meses, conforme as estimativas mais atualizadas da arrecadação.
Dispositivos desse calibre não estão no projeto por acaso. O governo percebe, por óbvio, que são remotas as chances de obter o prometido déficit zero já em 2024. Para isso será necessário um aumento exorbitante da carga tributária, já exagerada, ou uma contenção de despesas —que não se quer fazer.
O único impacto importante do descumprimento da meta será um aperto do limite para o crescimento anual do gasto acima da inflação, que cairia de 70% para 50% da expansão da receita.
Nem mesmo está claro, porém, com que tempestividade tal providência seria tomada, dado que o resultado de um determinado exercício só é conhecido no ano seguinte, quando já haverá um Orçamento aprovado e em execução. Se o descumprimento ocorrer no ano eleitoral de 2026, a conta fica para o próximo governo.
Sai de cena o teto de dispêndios inscrito na Constituição em 2016, já bastante avariado pela ofensiva eleitoreira de Jair Bolsonaro (PL). Propõe-se em seu lugar uma regra mais complicada, cheia de exceções e brechas para driblar as restrições orçamentárias.
Institui-se algum controle da despesa, o que, claro, é melhor do que nenhum. Entretanto o que importa é estancar a dívida pública, sem o que a economia ficará asfixiada. O Congresso precisa fazer exame rigoroso do projeto e zelar para que o governo se comprometa, de fato, com metas realistas e eficazes.
O desequilíbrio do parafuso é a falta de políticas públicas
JOHANNA NUBLAT / FOLHA DE SP
Ao relacionar ataques em escolas a pessoas "com algum problema de deficiência mental" e com "desequilíbrio de parafuso", o presidente Lula demonstrou preconceito, ignorância e injustiça.
Difícil ter certeza sobre a que o presidente se referia quando usou a expressão "deficiência mental", que acometeria, segundo dados creditados por Lula à Organização Mundial da Saúde (OMS), 15% da humanidade.
Poderíamos interpretar que ele quis dizer deficiência intelectual. Segundo o DSM-5 (o Manual Estatístico e Diagnóstico de Transtornos Mentais), a deficiência intelectual é um transtorno do neurodesenvolvimento que se caracteriza por "déficits em capacidades mentais genéricas, como raciocínio, solução de problemas, planejamento, pensamento abstrato, juízo, aprendizagem acadêmica e aprendizagem pela experiência" e "prejuízo na função adaptativa diária".
Esse transtorno tem quatro níveis de gravidade (leve, moderado, grave e profundo), acomete cerca de 1% da população e necessariamente está ou pode estar associado a casos como autismo, lesões cerebrais traumáticas e síndromes genéticas, como a síndrome de Down.
O mais provável, no entanto, é que o presidente estava se referindo a transtornos mentais, um termo guarda-chuva.
Nos diz o DSM-5 que transtorno mental "é uma síndrome caracterizada por perturbação clinicamente significativa na cognição, na regulação emocional ou no comportamento de um indivíduo que reflete uma disfunção nos processos psicológicos, biológicos ou de desenvolvimento subjacentes ao funcionamento mental", como os transtornos do neurodesenvolvimento (aí incluídos a deficiência intelectual e o autismo), transtornos bipolares, depressivos, alimentares, da personalidade, entre outros.
O próprio DSM faz a ressalva de que "desvios sociais de comportamento (por exemplo, de natureza política, religiosa ou sexual) e conflitos que são basicamente referentes ao indivíduo e à sociedade não são transtornos mentais a menos que o desvio ou conflito seja o resultado de uma disfunção no indivíduo, conforme descrito".
A estimativa da OMS é que uma em cada oito pessoas (ou seja, 12,5% da população mundial) viva com algum transtorno mental.
Por outro lado, dados recentes indicam que só 25% dos assassinos em massa e atiradores nos Estados Unidos tinham exibido ter uma doença mental ou tinham diagnóstico conhecido de doença mental.
"Não existe uma relação direta demonstrada entre esses atos de violência e os transtornos mentais. Mais do que isso, mesmo quando os transtornos mentais estão presentes em casos de violência como esses, eles não são o fator predominante, existem outras variáveis que são muito mais relevantes. Até porque temos uma quantidade enorme de pessoas com transtornos mentais e isso não implica em nenhum ato desta natureza", diz Lucelmo Lacerda, doutor em educação e pesquisador em autismo e inclusão.
A ignorância e o preconceito, misturados ao senso comum sem base em evidências, são uma combinação perigosa para a intolerância, o que ficou evidente nos últimos anos, no Brasil.
Lacerda diz se importar menos com as expressões usadas pelo presidente do que com esse impacto potencial da associação do transtorno mental com atos de violência.
"Esses indivíduos, em especial o indivíduo com o transtorno do espectro autista, sofrem especialmente com o bullying escolar, que é um ato repreensível pela sociedade, mas que continua acontecendo. Essa associação [com a violência] pode estabelecer uma outra relação — muito mais violenta, que não é só com outros estudantes, mas com a comunidade escolar como um todos, [incluindo] professores, pais —, uma visão social, institucional, de quase prévia criminalização desse público."
Raquel Del Monde, médica especialista em autismo, avalia que a fala do presidente foi capacitista e ofensiva. "Foi decepcionante. As pessoas com deficiência estavam com uma esperança maior agora de sair de um lugar de segregação. Vindo de um líder é muito complicado e mostra a necessidade de a pessoa se informar um pouco mais. E de se retratar, porque teve uma repercussão muito grande e ofendeu muita gente."
Chamo a atenção para como a fala do presidente Lula é, também, injusta.
Muitos desses 12,5% da população com transtornos mentais se desdobram, manhã, tarde e noite, para participar da vida em sociedade, da vida em família, para conseguir estudar, fazer amigos, trabalhar e superar cotidianamente preconceitos como o da falta de parafusos. E para, apesar das dificuldades, seguir vivendo uma vida tão legítima quanto a de um homem eleito três vezes presidente da República.
Como disse Lula, podemos estimar esse grupo em quase 30 milhões de brasileiros. Mas essas pessoas não são potenciais assassinos. Elas são potenciais alvos de políticas públicas de saúde, educação, assistência social, trabalho, cultura e emprego. Políticas em que o Estado historicamente falhou. E segue falhando.
Haddad aceita reunião com MST, que mantém áreas invadidas; Fávaro volta ao Brasil em meio à crise
Por Pedro Venceslau e José Maria Tomazela / O ESTADÃO
O ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, cancelou a palestra que faria a empresários nesta sexta-feira, 21, no Lide Brazil Conference, em Londres, e retornou ao Brasil em meio à crise causada pelas invasões realizadas pelo Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) desde o último domingo, 16, na retomada do chamado “Abril Vermelho”.
Como parte da ofensiva no campo, o movimento voltou a invadir fazendas produtivas da Suzano, ocupou sedes do Instituto Nacional de Reforma Agrária (Incra) e invadiu área de pesquisa da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) em Pernambuco. Até o momento, as propriedades seguem ocupadas, mesmo após o governo Lula ceder cargos no Incra e renovar apelo em defesa das reintegrações de posse. Ainda assim, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, divulgou em sua agenda oficial um encontro previsto para o fim da tarde de hoje com o comando nacional do MST em São Paulo.
Na noite de quarta, 19, o ministro do Desenvolvimento Agrário (MDA), Paulo Teixeira, voltou a pedir que o movimento desocupe as áreas de pesquisa da Embrapa Semiárido, em Petrolina (PE), invadidas desde domingo, 16, e da Suzano, em Aracruz (ES), tomadas na segunda-feira, 17. O movimento se comprometeu a sair das propriedades, mas ainda não efetivou a desocupação.
Na manhã desta quinta, pelo menos seis áreas invadidas pelo MST no “Abril Vermelho” continuavam ocupadas, inclusive as terras citadas por Teixeira, segundo o próprio movimento.
Lula entra em atribuição do STF e diz que vândalos do 8/1 serão todos julgados
Matheus Teixeira / FOLHA DE SP
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) afirmou nesta quarta-feira (19) que todas as pessoas que invadiram e depredaram as sedes dos Três Poderes em 8 de janeiro serão julgadas.
A declaração do chefe do Executivo foi dada horas após a revelação de imagens internas do Palácio do Planalto que mostram a atuação de integrantes do GSI (Gabinete de Segurança Institucional), inclusive do chefe da pasta, ministro Gonçalves Dias, na data da invasão.
"Nós não deixaremos de julgar cada um dos golpistas porque nesse país não existe espaço para nazista, para fascista e para quem não gosta de democracia", disse em discurso no evento de posse do conselho de participação social na elaboração do Plano Plurianual.
O mandatário não explicou, no entanto, como será esse julgamento, uma vez que a atribuição para julgar o caso é do Judiciário, e não do Executivo, Poder que está sob sua responsabilidade.
As imagens reveladas pela CNN Brasil mostram que os vândalos receberam água dos militares e cumprimentaram agentes do GSI durante os ataques.
As gravação também mostram o ministro da pasta circulando pelo terceiro andar do palácio, na antessala do gabinete do presidente da República, enquanto os atos ocorriam no andar debaixo.
O GSI afirmou nesta quarta-feira (19) que realiza investigações internas sobre a conduta de seus agentes naquela data.
"O Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República esclarece que as imagens mostram a atuação dos agentes de segurança que foi, em um primeiro momento, no sentido de evacuar os quarto e terceiro pisos do Palácio do Planalto, concentrando os manifestantes no segundo andar, onde, após aguardar o reforço do pelotão de choque da PM/DF, foi possível realizar a prisão dos mesmos", diz a nota.
A pasta também afirmou, a respeito da colaboração de agentes com os invasores, que "as condutas de agentes públicos do GSI envolvidos estão sendo apuradas em sede de sindicância investigativa instaurada no âmbito deste ministério". "Se condutas irregulares forem comprovadas, os respectivos autores serão responsabilizados", completa.
Após os ataques, o presidente Lula exonerou militares do Gabinete de Segurança Institucional e demonstrou desconfiança com os agentes que atuaram naquele dia.
"Eu quero ver todas as fitas gravadas dentro da Suprema Corte, dentro do palácio. Teve muito agente conivente. Teve muita gente da PM conivente. Muita gente das Forças Armadas aqui de dentro coniventes. Eu estou convencido que a porta do Palácio do Planalto foi aberta para essa gente entrar porque não tem porta quebrada. Ou seja, alguém facilitou a entrada deles aqui", afirmou, em café da manhã com jornalistas, no dia 12 de janeiro.
Pesquisa Quaest: taxação de Shein e Shopee impacta, e avaliação do governo Lula piora
Por Nicolas Iory — São Paulo / O GLOBO
Nova pesquisa da série Genial/Quaest divulgada nesta quarta-feira mostra que a aprovação ao governo Lula caiu quatro pontos percentuais desde fevereiro, passando de 40% para 36%. Já a taxa de desaprovação subiu de 20% para 29%.
Essas alterações no humor da população em relação ao terceiro mandato do petista na Presidência fizeram com que a distância entre satisfeitos e insatisfeitos, antes em 20 pontos percentuais, passasse para sete pontos em cerca de dois meses. São 29% os que classificam a administração federal como regular, taxa que era de 24% em fevereiro.
Os dados do levantamento, feito entre 13 e 16 de abril, acendem uma luz amarela no Planalto. Perguntados sobre alguma notícia negativa que tenham ouvido recentemente em relação ao governo Lula, 16% dos entrevistados mencionaram espontaneamente o plano da equipe econômica para taxar compras internacionais de até US$ 50 — abandonado nesta terça-feira após repercussão negativa. Nenhum outro tema foi tão lembrado quanto esse.
A medida impactaria diretamente compras em plataformas como Shein, Shoppee e AliExpress, muito populares entre os jovens. E é justamente nessa parcela da população em que a insatisfação com o governo mais cresceu: na faixa etária entre 16 e 34 anos, a aprovação recuou de 38% para 31%, enquanto a desaprovação saltou de 17% para 29%. Agora, os dois grupos são tecnicamente equivalentes, considerando a margem de erro de 2,2 pontos percentuais para mais ou menos.
A pesquisa indica que o aumento das ressalvas da população ao desempenho do governo pouco tem a ver com desconhecimento em relação às principais ações federais. Foram 82%, por exemplo, os entrevistados que disseram saber do relançamento do Bolsa Família com o valor de R$ 600. Mais da metade declarou também ter conhecimento sobre a volta do Mais Médicos (58%), a revogação do decreto das armas (58%), a aprovação do novo salário mínimo reajustado (57%) e a isenção do imposto de renda para quem ganha até dois salários mínimos (55%).
A imagem pessoal de Lula teve desgaste ainda maior que a do governo, segundo o levantamento. A forma como o presidente se comporta era aprovada em fevereiro por 65% dos eleitores, e agora é por 53%. Os que desaprovam os modos do petista passaram de 29% para 40%.
Governo diz que só retomará reforma agrária após MST deixar áreas invadidas
Por Jeniffer Gularte — Brasília / OOBO
O ministro do Desenvolvimento Agrário, Paulo Teixeira, disse nesta terça-feira ao GLOBO que a desocupação de terras invadidas nos últimos dias pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) é um condicionante para o governo prosseguir com o programa de reforma agrária. Mais cedo, o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, também fez questão de condenar as ofensivas recentes do movimento social.
Na segunda-feira, o MST intensificou as ocupações e protestos em sedes do Incra em 12 estados. Desde o início do abril, o grupo se estabeleceu em pelo menos nove propriedades rurais, sendo oito terrenos em Pernambuco e um no Espírito Santo.
— A minha opinião é que essa jornada de luta já acabou, estamos pedindo as retiradas, para prosseguir o programa de reforma agrária. O condicionante nosso é esse — afirmou Teixeira ao GLOBO.
Uma das prioridades do ministério é conduzir a reforma agrária. De acordo com o Teixeira, as invasões não terão efeito de pressão na aceleração dos programas que vêm sendo elaborados pelo governo neste sentido.
— O governo já tem compromisso com a reforma agrária. Tem programas a apresentar. Não muda nada esse tipo de ação nessa direção, com os compromissos que estamos fazendo.
Mais cedo, Alexandre Padilha já havia se manifestado sobre a invasão de terreno da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), vinculada ao Ministério da Agricultura, em Pernambuco. Padilha afirmou que "há outras formas de lutar".
— Eu condeno veementemente qualquer ato que dafinifique áreas e processos produtivos. Não é a melhor forma de lutar para qualquer coisa. Temos outros instrumentos para as mais variadas lutas. É muito importante a agricultura familiar, viabilizar economicamente os assentamentos rurais que nós temos, melhorar a qualidade de vida nesses territórios, porque boa produção da agricultura familiar significa comida saudável na mesa do nosso povo — afirmou.
As invasões do MST fazem parte do chamado Abril Vermelho, jornada anual de lutas do movimento em prol da reforma agrária. Em nota, a Embrapa se manifestou afirmando que o movimento ocupou "terras agricultáveis e de preservação da Caatinga", que tem sido utilizada para "instalação de experimentos diversos e multiplicação de material genético básico de cultivares lançadas pela Empresa".
Outra área da Suzano, no Espírito Santo, também foi ocupada. Em nota, a empresa afirma que foi "surpreendida" com a invasão, em "duas áreas produtivas da Suzano no dia de hoje, no estado do Espírito Santo, mesmo em um contexto de diálogo e construção de convergência entre as partes."
Poucos antes de Pacheco tomar a decisão, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), filho do ex-presidente, disse que seria uma situação “muito ruim, constrangedora, de que a palavra não fosse cumprida”, disse. Ele ainda garantiu que a oposição aumentará o enfre
Cézar Feitoza / FOLHA DE SP
O governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) endureceu as declarações contra a ação do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) após um grupo de 600 famílias invadir uma área de preservação ambiental controlada pela Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) em Petrolina (PE).
Os discursos em repúdio à ação dos sem-terra marcam uma mudança na postura que o governo vinha adotando com o movimento —um dos principais entraves na relação do governo Lula com o setor do agronegócio.
"Inaceitável! Sempre defendi que o trabalhador vocacionado tenha direito à terra. Mas à terra que lhe é de direito!", escreveu o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, em suas redes, na segunda-feira (17).
O ministro ainda disse que a empresa é um dos "maiores patrimônios do nosso país", e que o "agro produz com sustentabilidade" com apoio do "trabalho de desenvolvimento promovido pela Embrapa".
"Atentar contra isso está muito longe de ser ocupação, luta ou manifestação. Atentar contra a ciência, contra a produção sustentável é crime e crime próprio de negacionistas", completou.
Fávaro foi escolhido por Lula para chefiar a pasta após ele realizar um trabalho de aproximação do petista com empresários do agronegócio durante a campanha presidencial. Apesar de ser filiado ao PSD, sua nomeação foi marcada na cota pessoal do presidente.
Em sintonia com Fávaro, o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, afirmou nesta terça (18) que condena atos que danifiquem processos produtivos.
"Não é a melhor forma de lutar por qualquer coisa. Eu condeno toda atitude que possa atrapalhar a produção. Temos outros instrumentos melhores e mais efetivos para as bandeiras que podem ser levantadas para a conquista desses interesses", disse.
O Ministério da Agricultura e Pecuária divulgou nota na segunda em crítica às invasões do MST. A pasta diz que as áreas ocupadas pelos sem-terra são "patrimônio do governo brasileiro, produtivas e destinadas ao uso exclusivo da Embrapa Semiárido".
Segundo o governo, a estatal usa o espaço para o desenvolvimento de pesquisas e geração de tecnologias para a melhoria da qualidade de vida de populações rurais.
"A invasão traz prejuízos consideráveis a produtores e agricultores familiares da área de abrangência da atuação da nossa instituição, bem como para toda a sociedade", completa a nota.
Padilha, porém, afirmou que as ações do MST não interferem na relação do Planalto com a bancada ruralista no Congresso Nacional —apesar das manifestações críticas da Frente Parlamentar da Agropecuária contra o governo Lula.
"Não sinto qualquer interferência disso no ambiente do Congresso Nacional. Aquilo que é prioritário para o governo —arcabouço fiscal, reforma tributária e MPs—, não temos qualquer tipo de interferência e tenho visto um ambiente muito positivo", completou.
O líder da Frente Parlamentar da Agropecuária, deputado Pedro Lupion (PP-PR), afirmou à Folha que a mudança no discurso sobre as invasões do MST é a primeira sinalização positiva que o governo Lula faz para uma abertura na interlocução com a bancada ruralista.
"É óbvio que o posicionamento do governo, mesmo que tímido, é positivo para condenar essas barbaridades das invasões. Não só contra a Embrapa, mas todas elas. Só falta um posicionamento político mais claro do chefão, para travar os aliados e acabar com esses movimentos", disse Lupion, em referência a Lula.
Ele afirmou ainda que, com quatro meses de governo, o Planalto só apoiou "pautas negativas" ao agronegócio. "A interlocução do governo [com a frente parlamentar] é proporcional ao que o governo dá à bancada [...] É um primeiro passo, mas precisa dar mais sinais de que a postura mudará", concluiu.
O MST iniciou a chamada Jornada Nacional de Luta pela Terra e pela Reforma Agrária com a invasão de ao menos nove fazendas pelo país e das sedes do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) em ao menos sete unidades da federação.
As iniciativas ganharam corpo no sábado (15), quando foram invadidas oito fazendas no estado de Pernambuco, incluindo áreas na região metropolitana do Recife, zona da mata, agreste e sertão. Em nota, o MST afirmou que as terras são latifúndios improdutivos.
Uma das áreas invadidas é a da Embrapa, em Pernambuco.
Ao todo, 2.280 famílias sem-terra invadiram áreas no estado de Pernambuco desde o início de abril. A primeira terra invadida foi a do Engenho Cumbre, em Timbaúba (102 km do Recife), há cerca de duas semanas. Segundo o MST, a área pertence ao Governo de Pernambuco.
As outras sete invasões em Pernambuco ocorreram no fim de semana, sendo a maior delas na área que pertence à Embrapa. Também foram ocupadas outras áreas em Timbaúba, Jaboatão dos Guararapes, Tacaimbó, Caruaru, Glória do Goitá e Goiana.
A maior parte das terras são de antigos canaviais e engenhos de açúcar. O MST argumenta que as terras são improdutivas, pertencem ao poder público ou são de empresas que faliram ou possuem irregularidades tributárias perante o Estado.
Lula muda o tom e condena invasão da Ucrânia após cobranças dos EUA e da Europa
Por Felipe Frazão e Eduardo Gayer / O ESTADÃO
BRASÍLIA - Ainda sem citar nominalmente a Rússia, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou nesta terça-feira, dia 18, que o Brasil “condena” violação territorial da Ucrânia. Lula sofreu forte pressão e cobrança internacional, nos Estados Unidos e na Europa, para que se posicione explicitamente sobre a guerra e aumente o tom contra Moscou.
“Ao mesmo tempo em que meu governo condena a violação da integridade territorial da Ucrânia, defendemos uma solução política negociada para o conflito”, afirmou Lula nesta terça-feira, 18.
A declaração foi dada por Lula durante um almoço no Itamaraty com o presidente da Romênia, Klaus Iohannis, país vizinho à Ucrânia que sofre diretamente as consequências humanitárias e econômicas da guerra de agressão unilateral, deflagrada em 24 de fevereiro de 2022 por Vladimir Putin. A fronteira entre os países no Leste Europeu tem cerca de 600 quilômetros. Até mesmo cidadãos brasileiros que viviam na Ucrânia escaparam da guerra por meio de gestões consulares e diplomáticas com auxílio da Romênia.
Nesta terça, Lula mudou o tom e falou de forma mais protocolar, lendo um discurso previamente escrito. O texto foi elaborado pela assessoria de Lula, diante da sensibilidade do momento. Um embaixador ouvido pela reportagem disse que Lula “voltou ao eixo” da posição manifestada por seu próprio governo no diálogo internacional.
Nos últimos dias, as declarações de Lula em entrevistas foram duramente criticadas por democracias ocidentais, durante sua passagem pela China e pelos Emirados Árabes.
O presidente apontou uma ideia de equivalência de responsabilidades sobre a guerra entre Volodimir Zelenski e Vladimir Putin e o que considera ser um incentivo à continuidade do enfrentamento militar, por parte dos EUA e da União Europeia, que enviaram armamentos para defesa ucraniana.
Washington e Bruxelas reagiram e disseram que Lula repetia propaganda favorável aos russos e fragilizara sua condição de mediador ao adotar um discurso que tem lado. O governo Joe Biden espera explicações do Itamaraty e do Palácio do Planalto. Sobretudo depois de Lula receber com distinção em Brasília o chanceler russo, Sergei Lavrov, enviado por Vladimir Putin. Na ocasião, Lavrov afirmou, sem ter ser contestado pela diplomacia brasileira, que Brasil e Rússia partilham da mesma visão sobre o conflito bélico.
Ao longo do discurso, Lula reafirmou sua disposição em ver o acordo comercial UE-Mercosul aprovado e citou a possibilidade de o Brasil ampliar o fluxo de comércio e investimentos com a Romênia em áreas como defesa e agricultura, com a participação da Empresa Brasileira de Aeronáutica (Embraer) e Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).
A guerra foi um dos temas mais abordados por Lula e pela imprensa internacional durante a viagem do petista à Ásia, na semana passada. No final da visita, já em Abu Dhabi, o presidente afirmou que a responsabilidade pela invasão russa na Ucrânia é tanto de Moscou quanto de Kiev. “A decisão da guerra foi tomada por dois países”, disse em entrevista coletiva antes de deixar os Emirados Árabes.
Em janeiro, durante visita do chanceler alemão Olaf Scholz ao Brasil, Lula chegou a dizer que a Rússia estava errada em invadir o país vizinho, mas também sinalizou para culpa na própria Ucrânia. “Continuo achando que quando um não quer, dois não brigam”, afirmou. Em maio de 2022, ele também declarou que o presidente ucraniano, Volodmir Zelenski seria “tão culpado quanto o (Vladimir) Putin”, presidente russo, pelo conflito.
O presidente romeno adotou uma postura contundente diante de Lula. Iohannis chamou o conflito de uma “guerra de agressão lançada pela Rússia contra a Ucrânia” - termos que não são adotados pelo Brasil - e afirmou que a comunidade internacional tem o dever de defender a vítima e ajudar a repelir a ofensiva militar. Segundo ele, Romênia será “implacável” no apoio à Ucrânia.
“A mensagem da Romênia, como Estado vizinho e com a maior fronteira entre os Estados da União Europeia e da OTAN com a Ucrânia, é clara, forte e deve ser compreendida por nossos parceiros: por mais que Moscou tente justificar suas ações, a Rússia é um Estado agressor, que violou à força a soberania territorial da Ucrânia e tentou anular sua independência”, disse o presidente romeno, durante o almoço com Lula. “A Ucrânia é vítima da agressão russa. Todos os efeitos negativos dessa agressão global são consequência direta de sua ação, contrária ao direito internacional. A comunidade internacional tem o dever de apoiar a Ucrânia para repelir a agressão e vencer esta guerra para libertar o país.”