Crise na relação: insatisfação entre aliados do governo cresce, e defesa de entrega de ministérios ganha corpo
Por Lauriberto Pompeu, Bruna Lessa, Victoria Abel, Gabriel Sabóia, Sérgio Roxo, Geralda Doca, Ivan Martínez-Vargas, Alice Cravo, Dimitrius Dantas e Karolini Bandeira— Brasília / O GLOBO
Em circunstâncias adversas ao Palácio do Planalto no Congresso, as cúpulas nacionais de PP, União Brasil, PSD, MDB e Republicanos têm escalado a insatisfação com o governo ao mesmo tempo em que acenam ao grupo do ex-presidente Jair Bolsonaro com objetivo de apoiar um nome de direita ou centro-direita em 2026. O movimento tem se intensificado com declarações públicas recentes a favor da entrega de cargos na Esplanada até o fim deste ano e tem se refletido nas sucessivas derrotas à agenda da gestão Lula no Legislativo. Juntos, os cinco partidos são responsáveis pela indicação de 11 ministérios.
A dificuldade para se aproximar desse segmento é evidente, por exemplo, na crise no INSS. O governo não conseguiu contornar a criação de uma CPI, que será instalada no segundo semestre, para investigar descontos irregulares nas aposentadorias. Desde a semana passada, o descontentamento também aumentou com a rejeição ao aumento de mais um tributo, o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). Ontem, na reunião de líderes da Câmara, parlamentares da base se mostraram insatisfeitos com a medida e céticos diante de uma derrubada do decreto pelo Legislativo. (leia mais na página 15)
Neste mesmo cenário, a oposição conseguiu suspender parte da ação a que responde o deputado Alexandre Ramagem (PL-RJ) no processo da tentativa de golpe de Estado e obteve as assinaturas necessárias para apresentar um pedido de urgência da anistia aos envolvidos nos ataques de 8 de janeiro de 2023.
Defesa do desembarque
Em entrevista ao GLOBO, na terça-feira, o vice-presidente do União e ex-prefeito de Salvador ACM Neto disse que “não faz sentido” o seu partido “ocupar cargos” porque a sigla não estará com Lula em 2026. O presidente do PP, Ciro Nogueira (PI), que foi ministro da Casa Civil de Bolsonaro, também tem defendido publicamente o desembarque.
No Republicanos, o deputado Lafayette Andrada (MG) diz que o partido tem uma minoria a favor do governo. Segundo ele, a escolha de Silvio Costa Filho, deputado licenciado pelo Republicanos de Pernambuco, para comandar o Ministério dos Portos e Aeroportos não representa a sigla.
— Cerca de 90% dos deputados foram com o Bolsonaro (em 2022). Um único deputado, o Silvio Costa Filho, apoiou o Lula. (A nomeação para o ministério) foi muito mais um agradecimento a ele, Silvio, do que ao partido — disse Andrada.
No mesmo caminho, o deputado Danilo Forte (União-CE) fez críticas à articulação política do governo e às indicações feitas pelo seu partido aos ministérios.
— É mais desgastante estar no governo, (o União Brasil) não deveria nem ter entrado. Lula não tem mais saco para estar no dia a dia do Congresso, nem o governo tem habilidade.
MDB e PSD ainda são legendas menos assertivas sobre o futuro que irão trilhar. O GLOBO ouviu deputados e senadores dos cinco partidos. Questionados se são favoráveis à entrega das pastas ocupados por suas agremiações, 43 parlamentares das siglas afirmaram que sim. Outros 35 disseram que não. Enquanto isso, outros 205 preferiram não se posicionar, sem querer demonstrar fidelidade ou contrariar de forma explícita o Executivo.
Desde o início do terceiro mandato, os articuladores políticos de Lula têm negociado o apoio a cada projeto ou pauta de interesse do governo. Ao todo, 63 parlamentares ouvidos pelo GLOBO avaliam que a relação com o Executivo não melhorou desde 2023, enquanto 23 veem uma melhora. O restante se absteve de responder ou considera que não há mudanças.
Outro sinal dessa dificuldade do Planalto em atrair os partidos aconteceu na semana passada. Os presidentes do PSD, Gilberto Kassab, do PP, Ciro Nogueira, e do União Brasil, Antônio Rueda, estiveram juntos em um evento marcado pelo bolsonarismo: a filiação do secretário estadual de Segurança Pública de São Paulo, Guilherme Derrite, ao PP.
O presidente do PL, Valdemar Costa Neto, e o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), considerado um dos possíveis herdeiros políticos de Bolsonaro, também estavam presentes.
O presidente do Republicanos, Marcos Pereira, se ausentou, mas disse que teria ido ao evento se já não tivesse um compromisso com prefeitos na mesma hora. Pereira também disse que seu partido “estará em um campo de centro-direita em 2026” e não com Lula.
Nogueira avalia que a união dos dirigentes partidários no evento em São Paulo “com certeza” sinaliza a disposição das siglas de estarem juntas em 2026. Em entrevista ao GLOBO, Rueda já havia acenado com candidatura própria em 2026 e disse que não haverá “subserviência” a Lula.
Com União e PP formando uma federação, o novo grupo partidário se encaminha para uma proximidade maior com a oposição do que com o governo. Rueda até tentou uma aproximação com o governo Lula, mas o petista tem preferido centrar as articulações envolvendo o União no presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP).
Gilberto Kassab é outro que mantém diálogo com o bolsonarismo e vem se afastando de Lula. Ele é próximo de Tarcísio, de quem é secretário de Governo, manteve uma relação de desconfianças com Bolsonaro, mas nos últimos meses houve uma melhora, chegando ao ponto de o próprio Bolsonaro citar Kassab em tom elogioso e de o presidente do PSD fazer análises pessimistas envolvendo o governo.
Há uma ala de bolsonaristas dentro do PSD da Câmara. O deputado Ismael dos Santos (SC), que é ligado à bancada da bala, é um deles. Mesmo com a sigla comandando os ministérios da Agricultura, de Minas e Energia e da Pesca, o parlamentar disse que apenas o primeiro é relevante para os deputados. — Dos três (ministérios do PSD), só um funciona. Energia, para nós, no Parlamento, tem pouca validade.
Entre os nomes que também se movimentam para serem candidatos estão os governadores Ronaldo Caiado (União-GO), Romeu Zema (Novo-MG), Ratinho Júnior (PSD-PR) e Eduardo Leite (PSD-RS).
Programa em comum
O ex-presidente Michel Temer, do MDB, disse que falou com os cinco governadores que almejam o Palácio do Planalto e propôs a construção de uma aliança com um programa de governo em comum.
No MDB, o prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes, é um dos principais nomes a defender o apoio a Bolsonaro. Ele já disse, em fevereiro, que o ex-presidente deveria recuperar a elegibilidade e ser candidato a presidente.
Já Temer adotou recentemente um tom comedido. O ex-presidente disse que falou com governadores sobre 2026, mas não discutiu o assunto com Bolsonaro. Ele afirmou, no entanto, que os governadores podem incluir o ex-presidente na articulação.
— Não estou preocupado com pessoas, me preocupo com a falta de projeto, com a falta de programa — disse Temer.
Os sinais de distanciamento
- Votos pró-Ramagem: Partidos que integram o primeiro escalão do governo foram responsáveis por 63% dos votos que levaram a Câmara a aprovar a suspensão da ação penal contra o deputado Alexandre Ramagem (PL-RJ) no STF. Urgência para anistia: O requerimento de urgência para o projeto que perdoa os envolvidos no 8/1 contou com o apoio de 143 deputados de partidos com ministérios — mais da metade do total de assinaturas. O texto abre brecha para beneficiar Jair Bolsonaro.
- Abertura da CPI do INSS: A CPI, que pode gerar constrangimentos ao Planalto, recebeu apoio de 81 deputados de cinco partidos — União Brasil, PP, MDB, PSD e Republicanos — que têm ministérios. Desses, 60 já haviam contribuído com outras derrotas do governo. Declarações pró-desembarque: Vice-presidente do União Brasil, ACM Neto defendeu, em entrevista ao GLOBO, que o partido entregue os ministérios e lance um candidato contra a reeleição de Lula. Presidente do PP, Ciro Nogueira vai na mesma linha.
- Aproximação com Bolsonaro: Na semana passada, os presidentes do PP, Ciro Nogueira, e do União Brasil, Antonio Rueda, se encontraram com Jair Bolsonaro. A cúpula da federação União- PP fala abertamente em apoiar um candidato de centro-direita. Críticas ao IOF: Líderes da Câmara, inclusive de siglas da base, indicaram que, caso o governo não apresenta uma solução alternativa à alta do IOF, vão derrubar a medida. Nesse grupo está o líder do União, Pedro Lucas Fernandes (MA).
O plenário da Câmara dos Deputados — Foto: Brenno Carvalho/Agência O Globo