Aumento do IOF, seguido de recuo parcial, gera novo atrito dentro do governo e volta a dar munição à oposição
Por Jeniffer Gularte, Rafaela Gama e Luis Felipe Azevedo— Rio de Janeiro / O GLOBO
A decisão tomada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, de aumentar mais um imposto criou uma nova saia-justa entre integrantes do governo Luiz Inácio Lula da Silva. Internamente, o anúncio e depois recuo parcial na alta do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) gerou um embate direto entre o titular da Secretaria de Comunicação Social (Secom), Sidônio Palmeira, e o chefe da política econômica. Sem conseguir emplacar uma estratégia para alavancar a popularidade de Lula, o Palácio do Planalto tentou agir rapidamente para evitar um revés ainda maior. O impacto negativo, até aqui, ficou mais concentrado entre agentes econômicos. O Executivo identificou, contudo, potencial do desgaste escalar, inclusive com a mobilização da oposição.
Uma ala do Palácio do Planalto considerou equivocada a estratégia da Fazenda de anunciar um aumento nas alíquotas do IOF ao mesmo tempo em que divulgou bloqueios para 2025. No mesmo dia, houve um anúncio da contenção de R$ 31 bilhões em despesas do Orçamento, o que deveria ser uma boa notícia para os investidores. A Fazenda, no entanto, argumenta que os anúncios tinham que ser concomitantes para fechar as contas, ou então o contingenciamento do Orçamento teria que ser maior.
Essa não foi a primeira crise interna envolvendo anúncios — e recuos— da Fazenda. Durante o terceiro mandato de Lula, a taxação de 20% sobre produtos importados de até 50 dólares, a chamada “taxa das blusinhas”, gerou uma crise na comunicação do governo e impulsionou memes sobre o ministro, apelidado de “Taxad” por críticos. O episódio foi marcado pelo vaivém de anúncios, com críticas internas à política.
Já a regra da Receita Federal que ampliava a fiscalização financeira sobre movimentações via Pix foi revogada por determinação de Lula após uma campanha intensa da oposição.
Controle de ‘incêndio’
Segundo o colunista Lauro Jardim, do GLOBO, Sidônio reclamou com interlocutores do governo que há uma determinação de Lula sobre anúncios de medidas importantes: todas têm que ser conversadas antes com a Secom com o objetivo de montar uma estratégia de comunicação adequada. Se isso não acontece, sobra ao marqueteiro da campanha de Lula em 2022 a função de “apagar incêndios”.
A interlocutores, Haddad tem dito que sua obrigação foi cumprida ao apresentar antes a medida a Lula. A Secom, segundo ele, também ciente da medida, deveria ter analisado como achasse melhor e procurado o diálogo.
O governo publicou na sexta-feira um decreto que mantém em zero a alíquota do IOF sobre aplicação de investimentos de fundos nacionais no exterior. O texto original da medida previa uma alta de 3,5%.
Além do mal-estar no mercado, a reação contrária nas redes sociais ao anúncio feito na quinta-feira também pesou na antecipação do comunicado de que parte do decreto seria revogado horas depois.
Mais de 70% das menções na internet ao aumento do IOF foram negativas, aponta levantamento feito pela consultoria Bites a pedido do GLOBO. Os dados reforçam que o anúncio foi malvisto pela opinião pública ao ser interpretado como um crescimento na taxação feita pelo governo a investimentos de brasileiros no exterior.
Desde quinta-feira, o assunto foi mencionado 144 mil vezes — 78,2 mil só na sexta-feira. O teor negativo esteve presente em 72,6% das postagens, enquanto o positivo alcançou 15%.
— Quase ninguém defendeu o governo nas redes, mesmo entre deputados do PT. Mais uma vez, houve um vai e vem no anúncio de medidas econômicas, o que enfraquece a gestão em relação à sua própria base, que não consegue criar uma linha de argumentação — afirma André Eler, diretor- adjunto da Bites: — Há o entendimento que o governo Lula taxa, aumenta impostos. Isso já vem da taxa das blusinhas. O caso atual reforçou a retomada do meme do “Taxad” pela direita. Não é um impacto negativo tão grande quanto o caso do Pix, mas foi um desgaste por nada, já que, na prática, nem vai ocorrer o aumento de arrecadação pretendido.
O pico de menções em assuntos econômicos no governo Lula ocorreu no primeiro mês de 2025, quando houve a discussão sobre a fiscalização do Pix. No dia 15 de janeiro, foram contabilizadas 261,1 mil postagens nas redes sobre o tema. O volume de posts sobre o IOF se aproximou, no entanto, do registrado em temas tributários, como quando houve isenção de tarifas de alimentos, em 7 de março (85,2 mil menções) ou em 18 de março, quando o governo confirmou a isenção de Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil por mês (93,9 mil menções).
Bolsonaro critica
Jair Bolsonaro e seus aliados exploraram o assunto nas redes. O ex-presidente ressaltou que baixou um decreto em março de 2022 que zerava a alíquota do IOF ligada ao câmbio até 2028.
“Infelizmente, o atual governo, em sua ânsia por elevar a arrecadação, reverteu essa política e anunciou um aumento generalizado nas alíquotas do IOF câmbio”, escreveu. Ele disse, em seguida, que o anúncio seria um desestímulo a investimentos e relatou que está em conversas com lideranças do PL para avaliar a possibilidade de “barrar mais esse aumento de impostos promovido pelo governo Lula”.
Já o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) descreveu a medida como “efeito direto do caos fiscal e da agenda econômica bizarra da extrema-esquerda”. “Pelo menos fica a lição: nunca acredite em um lulopetista”, escreveu. O parlamentar também republicou posts sobre o aumento no dólar, que abriu a sexta-feira cotado a R$ 5,71, e que se referiam a Haddad como “Taxad”.
O senador Sergio Moro (União-PR) também criticou o governo ao repostar o anúncio feito pela conta oficial do Ministério da Fazenda no X. “Estamos na República do improviso e parece que não tem ninguém responsável no governo Lula”, comentou.
O deputado André Fernandes (PL-CE), por sua vez, fez referência à crise do INSS e a críticas aos gastos da Presidência ao comentar a postura da gestão Lula. “Escândalos, gastos exorbitantes com viagens ao exterior e anúncios de mais impostos. Tudo isso se repete a todo momento no desgoverno petista”, escreveu.
O relatório encontrou postagens de 16 parlamentares sobre o caso. Apenas um saiu em defesa da gestão petista: o deputado Bohn Gass (PT), o que mostra mobilização tímida da esquerda em defender a medida.
O governador de Minas, Romeu Zema (Novo), foi outro que usou o episódio para desgastar o governo. —Essa medida precisa ser revogada imediatamente ou nós vamos entrar aqui numa crise de confiança (para investimentos) e um país que já está ruim vai piorar ainda mais — disse ele, em um vídeo publicado nas redes.
Outros casos com repercussão negativa
- Ministro ‘Taxad’: Fernando Haddad virou alvo da oposição e passou a ser chamado de “Taxad” nas redes sociais. O apelido é uma alusão a projetos do governo votados pelo Congresso para reduzir o déficit público e reorganizar o sistema tributário, como a reforma tributária e a taxação de compras de baixo valor no exterior. As críticas miraram o aumento de arrecadação como forma de equilibrar as contas.
- ‘Taxa da blusinha’: A “taxa da blusinha”, criada em junho do ano passado, instituiu a cobrança de imposto de importação em compras no exterior de até 50 dólares por pessoa física. A cobrança onerou transações de pequeno valor em sites competitivos, em especial os chineses, e atendeu a um pedido de empresários brasileiros. A oposição explorou o tema nas redes sociais.
- Monitoramento do Pix: Em janeiro deste ano, o governo federal recuou e revogou uma norma da Receita Federal sobre monitoramento das movimentações financeiras, incluindo o Pix, após a repercussão negativa e uma onda de notícias falsas nas redes sociais, como a de que haveria cobrança de imposto nas transações. O recuo foi determinado pelo presidente Lula.