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Gastos com seca e enchentes no RS ficam fora da meta fiscal, mas elevam dívida pública

Por — Brasília / O GLOBO

 

Mesmo com a previsão oficial de fechar este ano com as contas públicas dentro da meta fiscal, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva deve entregar um rombo maior, estimado em R$ 64,4 bilhões pelo próprio Executivo. Por decisões judiciais ou determinação legal, o governo tem tirado do cálculo da meta algumas despesas. No entanto, mesmo que isso seja autorizado por lei, esses gastos não escapam da dívida pública. O resultado é o aumento da previsão do endividamento do governo brasileiro mesmo com o pacote de cortes anunciado na semana passada, o que preocupa especialistas.

 

Neste ano e no próximo, a meta do governo é um resultado zero. Ou seja, receitas iguais às despesas. O arcabouço fiscal, porém, permite que se chegue a um resultado negativo de até 0,25% do Produto Interno Bruto, o equivalente hoje a R$ 28,7 bilhões. Mas nos dois anos a conta no vermelho vai ser maior que essa.

 

Em 2024, isso vai acontecer principalmente devido aos chamados créditos extraordinários, editados para fazer frente a situações imprevisíveis e urgentes. As regras fiscais permitem que esse tipo de despesa seja computado fora da meta. Por isso, gastos para combater incêndios — decorrentes da seca — e para lidar com as chuvas no Rio Grande do Sul não serão contabilizados, embora engordem o déficit “real” das contas públicas.

 

Para o ano que vem, o resultado previsto pelo próprio governo é de um rombo de R$ 40,2 bilhões. Dessa vez, o déficit será maior porque o governo vai pagar R$ 44,1 bilhões em precatórios fora da meta com autorização do Supremo Tribunal Federal (STF). Precatórios são gastos decorrentes de decisões judiciais.

 

— Os abatimentos previstos na legislação têm ajudado o governo na tarefa de cumprir as metas fiscais, mas podem mascarar a situação das contas públicas. Independentemente desses abatimentos, a dívida pública pode subir mais — disse Alexandre de Andrade, economista da Instituição Fiscal Independente (IFI), ligada ao Senado Federal.

 

Estimativas da IFI apontam a que a dívida pública deve atingir 84,1% do Produto Interno Bruto (PIB) no fim de 2026. Em dezembro de 2022, o percentual do endividamento estava em 71,7%. Pulou para 78,6% do PIB em outubro deste ano. Com a piora do resultado das contas e o aumento da taxa de juros, o próprio governo já vê a dívida bruta em 81,6% a partir de 2026.

 

Segundo Andrade, é pouco provável que o governo consiga estabilizar a dívida em relação ao PIB em razão da dificuldade de realização de superávits primários nos próximos anos. Em 2024, destacou, houve o ingresso de quantias expressivas de arrecadação de Imposto de Renda sobre o estoque dos fundos exclusivos e das offshores (R$ 22,8 bilhões), receita que não se repetirá nos próximos exercícios.

 

Sinal de risco

O patamar de 80% do PIB de endividamento bruto é considerado um marco por especialistas porque é visto como alto para um país com as características do Brasil. Nas estatísticas do Banco Central, a única vez em que a dívida bruta ficou acima de 80% do PIB foi durante a pandemia de Covid-19.

Procurado o Ministério da Fazenda não quis comentar. O Ministério do Planejamento argumentou que do valor descontado da meta neste ano quase a sua totalidade refere-se a calamidades públicas (Rio Grande do Sul e seca) e 4% à decisão do Tribunal de Contas da União acerca do Judiciário. A pasta alega que a dispensa do alcance da meta fiscal era prevista.

 

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“A dispensa do atingimento de resultados fiscais já era prevista na própria Lei de Responsabilidade Fiscal, e foi aprofundada pelo Congresso Nacional em 2020”, afirma o ministério.

 

A situação é preocupante, mesmo com o pacote anunciado pelo governo na semana passada. Um dos objetivos do pacote, como repetiu o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, é fazer com que o governo consiga cumprir o arcabouço fiscal. — O pacote não ajuda a reduzir a dívida. Zero chance porque não endereça qualquer vetor estrutural de aumento da despesa — disse o economista-chefe da ARX investimentos, Gabriel Leal.

 

Ele lembrou que há um avanço continuado de despesas que estão sendo deduzidas tanto do limite de gastos, quanto da meta de resultado primário, sobretudo no segundo mandato do presidente Lula e, posteriormente, de Dilma Rousseff:

 

— Nesse período, o excesso de deduções produziu uma piora e desancoragem das expectativas dos agentes econômicos sobre o quadro fiscal, contaminando a curva de juros e a taxa de câmbio. A origem do problema é fiscal e apenas uma resposta contundente é capaz de reverter a piora substancial que temos visto — disse Leal.

 

O pacote anunciado na semana passada inclui mudanças nos parâmetros de reajuste do salário mínimo, no abono salarial, pente-fino no Benefício de Prestação Continuada (BPC) e no Bolsa Família, idade mínima para aposentadoria dos militares, entre outras ações pontuais.

 

O aumento da isenção do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF) para quem ganha até R$ 5.000 — uma das promessas de Lula quando era candidato à Presidência — foi anunciado de surpresa e foi mal recebido pelo mercado devido a dúvidas em relação a como essa perda de receita será compensada e por ter se misturado ao pacote de corte despesas.

 

Para compensar a medida o governo anunciou um imposto mínimo de IR de 10% para quem recebe mais de R$ 50 mil por mês. Esse cenário fez o dólar fechar a R$ 6 na sexta-feira, renovando o valor recorde nominal pelo terceiro dia seguido.

 

Busca por receitas

O pesquisador e associado do Insper Marcos Mendes disse que o governo terá que continuar com a estratégia de buscar mais receitas para fechar as metas de resultado primário para cobrir despesas que continuarão com crescimento real. Ele explicou que o pacote visa mais uma mudança na composição dos gastos, abrindo espaço para aumentar despesas discricionárias, mediante redução de despesas obrigatórias. O gasto com Saúde e Educação vai continuar pressionando o Orçamento, exemplificou.

 

Ele destacou que o trabalho do Banco Central de combate à inflação fica mais difícil porque o índice de preços é pressionado pela alta do dólar, como também está acontecendo.

 

— A inflação desvaloriza parte da dívida pública, resolvendo o problema de endividamento excessivo, mas a economia entra em crise, empobrecendo os mais necessitados, que não conseguem se proteger da inflação e são mais sensíveis à recessão — destacou Mendes.

Arnaldo Lima, da Polo Capital afirma que o mais preocupante é a elevação do ciclo de alta de juros para ancorar as expectativas de inflação. Isso tende a arrefecer o crescimento econômico:

 

— Por outro lado, caso consigamos avançar com medidas estruturantes do lado da despesa, como a extensão da Reforma da Previdência da União para os entes subnacionais, poderemos voltar para um cenário de redução da taxa de juros real, incentivando o crescimento econômico e acelerando a captação de investimentos estrangeiros.

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