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Justiça proíbe Sarto de impulsionar conteúdo nas redes sociais; prefeito alega ‘censura’

Escrito por Igor Cavalcante; Luana Barros / DIARIONORDESTE

 

O desembargador eleitoral do Ceará Luciano Nunes Maia Freire vetou, no último domingo (29), que a campanha à reeleição do prefeito José Sarto impulsione qualquer material nas redes sociais. A decisão recai tanto sobre publicações com teor de exaltação pessoal quanto aquelas com críticas a adversários — o que já é proibido pela Legislação Eleitoral. Na decisão, o magistrado considerou que o pedetista tem, reiteradamente, desrespeitado essa última regra e impulsionado material negativo contra outros candidatos.

Em coletiva de imprensa nesta segunda-feira (30), o prefeito se defendeu e disse estar sofrendo “censura” por parte da Justiça Eleitoral. Caso ele insista em impulsionar novos conteúdos, todos os seus perfis nas redes sociais podem ser tirados do ar na reta final da disputa pela reeleição, conforme a decisão.

O pedido de liminar foi apresentado à Justiça Eleitoral pela chapa liderada pelo candidato Evandro Leitão (PT). Eles acusam o prefeito José Sarto e o vice-prefeito, Élcio Batista (PSDB), de uso indevido dos meios de comunicação social e abuso do poder econômico "em razão da massiva publicação e impulsionamento de vídeos com conteúdo ofensivo e de propaganda negativa contra o candidato" petista.

Acusações rejeitadas

Em primeira instância, uma decisão proferida na 112ª Zona Eleitoral indeferiu todos os pedidos apresentados pela campanha de Evandro Leitão. A juíza que analisou o caso entendeu que os anúncios denunciados não estavam mais ativos, a quantidade de material não vislumbrava desequilíbrio no pleito e, para ela, não havia comprovação de continuidade na conduta ilegal.

A defesa da chapa petista contra-argumentou apontando que os conteúdos foram impulsionados várias vezes, "levando à população conteúdo difamatório, inverídico e gravemente descontextualizado: apontam Evandro como covarde em relação ao combate ao crime, associado às facções criminosas e responsável pelo aumento do ICMS". Os advogados reforçam ainda que "apesar de inativos os anúncios, o efeito causado pelos impulsionamentos permanece, uma vez que já atingiu o público".

Acusações aceitas

Na segunda decisão, o desembargador eleitoral do Ceará Luciano Nunes Maia Freire considerou que, ainda que os anúncios estejam inativos, há a possibilidade de que eles sejam excluídos. "A despeito de inativos (...) permanecem na internet propalando o seu intento, ainda que de forma menos gravosa, pois com menor alcance", avalia o magistrado.

Ele apontou ainda que considerar apenas a quantidade de vídeo impulsionado para analisar um possível desequilíbrio no pleito é uma "premissa equivocada". "Não se pode apreciar o ocorrido somente pelo viés da quantidade; deve-se, na verdade, mensurar o dano pelo potencial gravoso (e nefasto) que uma divulgação de cunho negativo pode conter, notadamente quando impulsionada e às vésperas do pleito", acrescentou.

O desembargador ressaltou ainda que está comprovada "a continuidade da conduta" ilegal por parte da campanha do Sarto. "Consta nestes autos comprovação de que o candidato e prefeito José Sarto permanece impulsionando vídeos de cunho negativo, mesmo após apreciadas liminares em representações em seu desfavor, com determinação de não mais assim proceder", escreveu.

Campanha do PT

No relatório apresentado pela defesa de Evandro Leitão, há um levantamento de que, entre os dias 22 e 24 de setembro, durante o período de campo da pesquisa Quaest, a campanha do Sarto contratou o impulsionamento de 306 conteúdos, "que veiculam vídeos exclusivamente destinados a atacar e difamar Evandro Leitão", tendo 14,8 milhões de visualizações.

No entendimento do desembargador, as punições tomadas até então, mesmo com multa, não foram suficientes para vedar os descumprimentos da legislação. Por fim, ele ordenou "o bloqueio imediato da contratação de impulsionamentos por parte do perfil de José Sarto nas redes sociais Instagram e Facebook indicadas no registro de candidatura, sob pena de, em caso de descumprimento, suspender todos os seus perfis, até o final do 1º turno das eleições deste ano", decide. 

Ele determinou ainda que o Facebook exclua as publicações citadas no processo e informe os valores pagos pela campanha do PDT para a contratação de anúncios destinados a impulsionar tais materiais. 

Sarto se defende e alega censura

Na manhã desta segunda-feira (30), o prefeito José Sarto convocou uma coletiva de imprensa para lamentar a decisão da Justiça Eleitoral. Ele alegou diversas vezes que está sendo censurado. “Essa é uma atitude que provoca extremo desequilíbrio entre as campanhas, é uma tentativa de censura. O nosso departamento jurídico já está tomando todas as providências cabíveis”, disse.

Na fala, o pedetista minimizou o alegado tom negativo dos impulsionamentos. Segundo ele, os vídeos destacavam apenas discursos contraditórios de Evandro Leitão. O político ainda negou que esteja reiteradamente descumprindo decisões judiciais. "Todas as recomendações da Justiça Eleitoral estão sendo cumpridas à risca por nós, não há nenhum descumprimento judicial", afirmou. 

O prefeito também reclamou que a ação liminar do PT tramitou rapidamente, segundo ele, enquanto representações feitas pelo PDT ainda tramitam na Justiça Eleitoral. "Isso está mostrando uma total parcialidade do que está acontecendo em uma tentativa de fazer censura, de calar a boca de uma campanha que está mostrando quem é o candidato do PT aqui em Fortaleza", criticou.

Sarto demonstrou preocupação com o período em que a decisão foi proferida. "Essa eleição está completamente aberta e esta semana é decisiva, nós estamos em um período muito decisivo da campanha, onde a população agora que está começando a prestar atenção", acrescentou.

Sarto disse que espera uma decisão célere da Justiça Eleitoral. "A eleição é domingo, hoje é segunda-feira, então cada hora que passa a gente deixa de impulsionar conteúdo", disse.

A Justiça Eleitoral foi questionada pelo PontoPoder sobre as acusações do prefeito em relação aos trâmites das representações. A reportagem aguarda retorno da Justiça Eleitoral.

Voto útil

Merval Pereira/Uma análise multimídia dos fatos mais importantes do dia / O GLOBO

O voto útil, esse nosso velho conhecido nas eleições, responsável por tantas surpresas nas últimas campanhas eleitorais, volta a dar as caras nas duas maiores cidades do país, São Paulo e Rio de Janeiro. A mais recente foi a vitória de Wilson Witzel para o governo do Rio. Para evitar que Romário pudesse ir para o segundo turno contra Eduardo Paes, muita gente pregou o voto útil em Witzel na ilusão de que seria derrotado no segundo turno com facilidade. Não contavam com a tempestade perfeita que vinha a reboque do fenômeno Bolsonaro naquele 2018, que transformou aquele juiz desconhecido em um fenômeno, passageiro felizmente.

 

Ao mesmo tempo que, no Rio de Janeiro, o reconhecimento de Ramagem como candidato apoiado por Bolsonaro o leva a melhorar de posição, em São Paulo os candidatos da direita dividem o eleitorado bolsonarista e caminham de maneira quase independente nos últimos dias de campanha, sem que o ex-presidente tente intervir.

 

À esquerda, também o presidente Lula se afasta da candidatura de Boulos, certo de que dificilmente terá chance de ver seu candidato vencer a disputa, mesmo que vá para o segundo turno. O problema da esquerda paulistana é não ter representante no segundo turno, o que seria uma derrota de grandes proporções. A disputa acirrada pelo segundo turno levou a que um grupo de artistas e intelectuais divulgasse texto defendendo o voto útil a favor de Boulos, para impedir que a direita leve seus dois candidatos ao segundo turno.

 

Esse voto útil paulistano ataca diretamente a candidata Tabata, que está com 11%, segundo a pesquisa Quaest divulgada ontem. Por sua vez, a candidata do PSB, que tem na esquerda uma rejeição forte, faz campanha pelo voto útil afirmando que somente ela pode derrotar Boulos no segundo turno. A performance de Tabata na campanha em si, e em especial nos debates, mostra como a esquerda está defasada em suas escolhas. Tem pouca chance de ter sucesso desta vez, mas fincou definitivamente sua bandeira como uma das boas revelações para a renovação da política brasileira.

 

No Rio de Janeiro, embora a situação do prefeito Eduardo Paes seja ainda tranquila para vencer no primeiro turno, o crescimento da candidatura Ramagem traz o fantasma da mudança de ventos na última semana da campanha. A ponto de uma campanha a favor do voto útil em Paes ser desencadeada nas redes sociais, contra a candidatura da esquerda Tarcísio Motta, que tem aparecido estagnado nas pesquisas de opinião mais recentes.

 

Embora o PT apoie a reeleição de Eduardo Paes, o candidato do PSOL tentou a campanha inteira atrair os votos da esquerda para si, sem renegar Lula. Até agora, no entanto, os que votaram em Lula no segundo turno da eleição presidencial estão indo majoritariamente para Eduardo Paes, e é possível que a campanha de voto útil tenha êxito entre a esquerda carioca para impedir que Ramagem consiga ir ao segundo turno.

 

O ex-presidente Bolsonaro, mesmo sem ter, como em São Paulo, divisão na direita, não se dedicou à campanha de Ramagem, provavelmente cheirando a derrota que está por vir. Os dois líderes populares pressentem derrotas em seus domínios eleitorais e procuram desvencilhar-se delas, como se fosse possível. Os dois, em momentos diversos, anunciaram que as eleições de domingo seriam um embate entre direita e esquerda representadas por ambos.

 

Levantamentos preliminares indicam que a direita terá uma vitória importante no quadro nacional. A presença de Marçal, no entanto, vitorioso tanto quanto Tabata na esquerda mesmo que não vença, deixa o futuro incerto na direita. O brilho de Tabata e a vitória esmagadora que seu namorado, o prefeito do Recife, João Campos, certamente terá farão com que o PSB ganhe mais força no campo da esquerda.

 

Eleição em São Paulo ainda merece mais debate

Quando não se prestam a socos e cadeiradas, debates entre postulantes a um determinado cargo público cumprem uma função importante no contexto eleitoral: estimulam o confronto de ideias e propostas.

Não que estas e aquelas estejam ausentes em outros momentos da campanha; palanques e peças de rádio ou TV, contudo, revestem-se de inevitáveis toques publicitários, enquanto entrevistas não constituem o foro mais adequado para comparar iniciativas de diferentes candidaturas.

Além disso, no esforço de passar uma mensagem sintética e duradoura, candidatos costumam direcionar sua artilharia para características ideológicas, alianças partidárias e condutas pessoais, como se estivessem colando um selo de virtudes em si mesmos e carimbando os adversários com a marca dos defeitos.

São, sem dúvida, aspectos relevantes para o eleitor decidir o voto, mas eles não bastam. Quando se disputam cargos majoritários, como o comando da Prefeitura de São Paulo, é fundamental conhecer os programas de governo e saber como os principais candidatos os criticam e os defendem.

Daí por que são deploráveis os ataques físicos desferidos por José Luiz Datena (PSDB) contra Pablo Marçal (PRTB) e por um assessor deste contra o marqueteiro de Ricardo Nunes (MDB): além da boçalidade que representam, eles conspurcam uma ocasião preciosa para a vida democrática.

Sem arruaças dessa natureza, o encontro promovido pela Folha e pelo UOL nesta segunda (30) teve o mérito de adotar o banco de tempo, um formato tradicional na França que favorece a interação entre os participantes.

Utilizado pela primeira vez no Brasil em 2018, durante debate da Folha, do UOL e do SBTo modelo permite a cada candidato administrar seus minutos —20, no caso atual— como julgar melhor; sempre que alguém fala, seu tempo começa a ser descontado, como ocorre em partidas de xadrez.

Desde que o relógio permitisse, cada candidato podia fazer uso da palavra em qualquer resposta, mesmo que a pergunta não lhe tivesse sido dirigida. Assim, surgiram diversas oportunidades para um explorar o que considera um ponto vulnerável de outro.

Reconheça-se, entretanto, que mesmo esse esforço resulta insuficiente quando os postulantes preferem tergiversar, deixando de lado tanto os variados problemas da cidade quanto as soluções que prometem implementar.

Ao paulistano desolado com a qualidade das discussões resta o consolo de saber que há remotas chances de a eleição terminar no primeiro turno. De acordo com a pesquisa mais recente do Datafolha, o prefeito Nunes, o deputado Guilherme Boulos (PSOL) e o influencer Marçal brigam pelas duas vagas na segunda rodada.

Melhor assim. Quando sobrarem apenas dois postulantes no páreo, espera-se que o medo da rejeição os faça abandonar os subterfúgios rasteiros para que os temas da cidade possam, enfim, assumir o primeiro plano.

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Eleitor só pode ser preso em flagrante e em mais 2 casos a partir desta terça (1)

Ana Gabriela Oliveira Lima / folha de sp

 

Nenhum eleitor pode ser preso desta terça-feira (1°) até o dia 8 de outubro a não ser em três casos: de flagrante, de sentença criminal condenatória por crime inafiançável ou de desrespeito a salvo-conduto.

Entre os exemplos de crimes inafiançaveis estão racismo, tortura, tráfico de drogas e terrorismo.

A restrição a prisões já estava válida para candidatos desde o dia 21 de setembro, quinze dias antes do primeiro turno. Até o dia 8, eles só podem ser presos em caso de flagrante delito.

Segundo o Código Eleitoral, "ocorrendo qualquer prisão o preso será imediatamente conduzido à presença do juiz competente", e o magistrado avaliará a legalidade ou não da detenção.

As medidas têm como objetivo impedir interferência indevida na lisura do pleito e assegurar o direito de votar e ser votado.

A eleição 2024 está marcada para o primeiro domingo de outubro, dia 6. A votação começa às 8h e vai até as 17h no horário de Brasília. O segundo turno acontece, nas cidades em que houver, no dia 27 do mesmo mês.

O pleito definirá prefeitos e vereadores por todo o país. A votação ocorrerá em mais de 5.500 cidades e vai mobilizar mais de 150 milhões de eleitores, segundo o TSE.

CABINE DE URNA

Candidatas invisíveis: mulheres relatam abandono por partidos, interessados apenas em cumprir cota de 30%

Por ,    e  / O GLOBO

 

Mesmo sem tempo para se dedicar à campanha eleitoral, a diarista Adriana Regina da Silva, de 47 anos, aceitou entrar na disputa após dirigentes do partido Republicanos a procurarem em busca de mulheres para concorrer. Mãe de três filhos, ela costuma sair de casa às 6h30 para trabalhar e volta apenas à noite, inclusive aos sábados. Essa rotina e a falta de recursos impediram que a candidata a vereadora em Jarinu (SP), cidade de 37,5 mil habitantes a 70 quilômetros da capital paulista, alavancasse a sua campanha. A uma semana das eleições, a postulante não recebeu um centavo da legenda até o momento nem fez publicações nas redes sociais para divulgar o seu número nas urnas.

 

— Me convidaram a sair porque precisava ter mais mulheres no partido e eu acabei aceitando — afirmou Adriana, que diz ter se aproximado de políticos por meio de uma irmã que trabalhava na prefeitura. Essa não é a primeira vez que Adriana figura como candidata. Seu nome já constou nas urnas em 2016, pelo PTB, e em 2020, pelo mesmo Republicanos. Nas duas ocasiões, o resultado foi o mesmo: nenhum recurso para campanha e apenas 15 votos: — Foram só os da minha família — disse ela.

 

Procurados, dirigentes do Republicanos não quiseram comentar.

— Eu relutei bastante em aceitar ser candidata, mas eles precisavam preencher a cota de mulheres. Acabei aceitando, porque se quero igualdade e representatividade, então, por que não vou aceitar? — afirmou Elizete. Ela contou que, sem ajuda, tem pedido votos apenas entre amigos, no boca a boca.

 

O MDB, partido de Elizete, lançou 20 candidatos a vereador na cidade de 214.493 habitantes, sendo seis mulheres. Desse total, apenas 14 receberam recursos do fundo eleitoral — 10 homens (R$ 119 mil no total) e quatro mulheres (R$ 29.050). Elizete não recebeu nada. O presidente do MDB de Criciúma, Valdir Cobalchini, afirma que o problema é "matemático": — Não temos como atender a todos os candidatos. Atendemos a legislação ao enviar 35% para mulheres — disse ele, referindo-se às candidaturas femininas no estado todo.

 

A lei eleitoral prevê que, além do número mínimo de candidatas, 30% dos recursos públicos reservados para campanhas precisam abastecer candidaturas femininas. Mas a norma não estabelece divisão igualitária entre elas, cabendo a cada partido adotar seus próprios critérios de distribuição.

 

O resultado prático da aplicação dessa regra é a concentração de recursos em poucas campanhas e uma série de candidaturas femininas sem qualquer suporte. Até sexta-feira, 2 de cada 3 candidatas a vereadora no país não tinham visto a cor do dinheiro. Das que viram, 18% receberam até R$ 1 mil dos cofres dos partidos — e a maioria delas (58%) ganhou de R$ 1.001 até R$ 10 mil para bancar gastos eleitorais. Entre as eleitas de 2020, o custo médio de financiamento foi de R$ 36,2 mil. Neste ano, apenas 17 mulheres tiveram mais de R$ 1 milhão colocado à disposição pelas legendas.

 

Em alguns casos, como no PSD de Recife, a aposta do partido em um único nome levou quase metade das candidatas a vereadora no município a cogitar desistir das suas campanhas. Dos R$ 670 mil enviados até agora para 16 mulheres, R$ 500 mil foram para impulsionar apenas uma candidatura à Câmara Municipal — de Déa de Paula, filha do ministro da Pesca, André de Paula, do mesmo partido Uma das postulantes chegou a comunicar dirigentes da legenda que iria abrir mão da disputa eleitoral. "Não consigo fazer nada sem apoio", escreveu Andreza Salvador em uma mensagem enviada a um coordenador partidário de Recife. Ela também divulgou uma nota em grupos de WhatsApp na qual reclama do "descompromisso" da sigla com as mulheres que sonham em entrar na política (leia abaixo).

 

— A partir do momento que eu entrei (no partido), recebi muitas promessas. Eu pedi tanta ajuda que eu já desisti — afirmou Andreza. A crise só foi contornada após as reclamações se avolumarem. A sigla decidiu repassar R$ 10 mil para cada uma das sete candidatas que estavam questionando a falta de apoio. Procurado, o PSD recifense não quis comentar. O ministro da Pesca e sua filha também não se pronunciarem.

 

Mas o abandono dos partidos em relação a candidatas mulheres vai além da falta de dinheiro para imprimir panfletos ou mesmo colocar combustível no carro para rodar a cidade em busca de votos. Em Cabo de Santo Agostinho (PE), município de 203 mil habitantes na região metropolitana de Recife, a técnica de enfermagem Patrícia Lopes relata que além de não receber recursos que haviam sido prometidos quando aceitou ser candidata a vereadora pelo Partido da Mulher Brasileira (PMB), foi excluída de reuniões partidárias.

 

— Entrei no partido esperando receber algum recurso e até agora nada. Se você não tem um financeiro bom, eles também lhe deixam de lado, excluem de muitas coisas — disse Patrícia. — A gente percebe que o tratamento com os homens é muito diferente. Eles dão mais acolhimento, mais atenção. Se é mulher, é mais para a parte de cota mesmo — completou.

 

A presidente do PMB, Suêd Haidar, disse que o TSE bloqueou os repasses de dinheiro público à sigla, que por dois anos consecutivos deixou de prestar contas: — Se tivesse liberado, eu teria dado apoio — afirmou ela.

 

O descompasso no investimento em campanhas de homens e mulheres reflete na baixa representatividade delas na política. Nas eleições deste ano, as candidaturas femininas respondem por 34% dos registros, a maior proporção dos últimos 24 anos, mas ainda longe dos 51,5% que elas representam na população do país.

 

Cruzamento de dados feito pelo GLOBO mostra que 1.076 candidatas que não receberam recursos e tiveram votação inexpressiva em 2020 — até 10 votos — estão concorrendo novamente nas eleições deste ano. Destas, 536 também não registraram movimentação financeira até o momento. A presidente do TSE, Cármen Lúcia, afirmou que o temor de sofrer retaliações dos partidos muitas vezes impede mulheres de denunciarem o abandono às suas candidaturas.

 

— A gente precisa ter canais específicos de denúncia para apuração. Porque muitas não reclamam e não chega ao Judiciário — afirmou Cármen ao GLOBO.

 

A falta de apoio a essas mulheres ocorre mesmo após o TSE adotar providências para impulsionar candidaturas femininas. Uma delas foi estabelecer o prazo de 8 de setembro para que fossem feitos repasses às campanhas de mulheres. A determinação teve como objetivo evitar que o dinheiro só chegasse na véspera da eleição, sem tempo hábil para ser utilizado.

 

A eleição municipal deste ano também será a primeira em que o TSE analisará os casos com base em regras pré-definidas para identificar indícios de candidaturas-laranjas, ou seja, o registro de uma mulher apenas para cumprir a cota. Uma súmula publicada pela Corte em abril estabelece três critérios para reconhecer uma candidatura fictícia: votação zerada ou pífia das candidatas; prestação de contas com movimentação financeira irrelevante; e ausência de atos efetivos de campanha.

 

O exemplo de Jacobina

Esses filtros foram adotados a partir do julgamento de um caso referente a eleição para a Câmara Municipal em Jacobina (BA). O tribunal entendeu que o PP incluiu quatro mulheres na chapa formada em 2020 apenas para cumprir a cota mínima de 30% de candidatas e determinou a cassação dos envolvidos, incluindo um vereador eleito. O partido alega não haver “evidências” da ilegalidade.

 

A punição também incluiu as quatro mulheres consideradas laranjas — uma professora, uma garçonete, uma auxiliar de serviços gerais e uma dona de casa —, que foram condenadas à inelegibilidade. Procuradas, elas não quiseram falar sobre o caso. Quatro anos depois, seguem exercendo as atividades que já possuíam e nenhuma delas voltou a se envolver com política.

 

Especialistas em direito eleitoral afirmam que o receio de acabarem punidas como as candidatas de Jacobina é o que leva, em alguns casos, mulheres a não denunciar situações na qual são abandonadas pelas siglas. Afinal, elas podem ficar oito anos sem poder se candidatar. Como um dos critérios da Justiça Eleitoral para identificar a candidatura fictícia é ausência de atos de campanha, algumas delas insistem em levar suas candidaturas adiante para tentar evitar uma punição futura.

 

— Infelizmente, muitas mulheres que aceitam ser candidatas não conhecem as regras do jogo e a dinâmica da política partidária. Muitas vezes, elas caem em armadilhas, quando, por exemplo, os dirigentes partidários fazem promessas sobre recursos para financiamento da campanha e não fazem os repasses — afirma a advogada Gabriela Rollemberg, que promove consultoria gratuita para candidatas, a Quero Você Eleita.

 

A equipe do projeto tem recebido dezenas de relatos de mulheres que não tiveram, ao longo destes dois meses de campanha, qualquer suporte de seus partidos. Entre eles o da funcionária de uma prefeitura num município de 20 mil habitantes no interior de Pernambuco que afirmou ter assinado um documento em branco para que seu nome fosse usado como candidata. Em contato com a reportagem, ela pediu para não ter a identidade revelada com receio de perder o emprego.

 

Desde o início de agosto, O GLOBO também acompanha grupos de WhatsApp formados por candidatas para trocar experiências e discutir estratégias de atuação conjunta na hora de cobrarem seus partidos. A maior parte dos relatos é de dificuldades para obter recursos e candidaturas "só para preencher cota".

 

"Eu não pedi pra ser candidata de nada. Primeiro os meus compromissos que são muitos aliás. Só aceitei ser candidata para preencher a cota das mulheres. Só vou participar quando for possível", escreveu no grupo uma dessas mulheres, que pediu anonimato por medo de retaliações políticas.

O Observatório da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) para as eleições monitora a situação de candidatas mulheres para identificar situações em que elas são usadas para fraudar a cota de gênero. Até agora, porém, não registrou qualquer denúncia do tipo. — O que a gente identifica é que as mulheres têm dificuldade de fazer qualquer denúncia, sobretudo as que são candidatas ao cargo de vereador, pois temem retaliações — diz Sidney Neves, presidente da Comissão de Direito Eleitoral da OAB e responsável pelo observatório.

 

'Punição desproporcional'

A punição de mulheres em casos envolvendo candidaturas laranjas, no entanto, virou tema de discussão no TSE em um julgamento concluído no dia 15 de agosto. Na ocasião, a Corte entendeu que o Republicanos fraudou a cota feminina em Granjeiro, município cearense a 415 quilômetros de Fortaleza, e determinou a cassação de toda a chapa eleita em 2020. O partido negar ter cometido a irregularidade. Entre os quatro vereadores que perderam o mandato estava Renagila Viana, a única mulher na Câmara Municipal.

 

— Parece-me um contrassenso político-normativo que a sanção de violação à cota de gênero nas eleições municipais redunde exatamente na redução de mulheres no parlamento municipal e, consequentemente, no afastamento ainda maior das mulheres na política — disse o ministro Floriano de Azevedo Marques durante o julgamento. Ele foi acompanhado por outros três magistrados, mas terminou vencido.

 

O advogado Raul Bittencourt, que defendeu Renagila no TSE, entende que o mandato da vereadora deveria ter sido mantido, inclusive porque ela foi a segunda mais votada na eleição da cidade.

— O que a gente observa é que essa é uma punição desproporcional, sobretudo quando uma mulher que foi eleita com tantos votos é atingida. A representatividade, que é o objetivo das cotas, acaba também sendo atingida — afirmou Bittencourt.

Apesar da cassação, o tribunal entendeu que Renagila não participou do esquema de candidaturas legendas e não aplicou a pena de inelegibilidade a ela.

 

O caso de Granjeiro não foi isolado. O mesmo motivo levou a vereadora Simone Lima a perder o mandato conquistado em 2020 na Câmara Municipal de São Miguel dos Campos (AL), a 56 quilômetros de Maceió. Ela teve que deixar a cadeira na cidade de pouco mais de 60 mil habitantes depois que a sua chapa foi cassada por fraude à cota de gênero. Após trocar sua antiga sigla, o PP, e se filiar ao PV, neste ano ela decidiu se candidatar novamente, mas diz ter ficado mais vigilante em relação às candidaturas de mulheres.

 

— Da outra vez não fiquei tão atenta, me preocupei apenas com a minha campanha e perdi o meu mandato. Neste ano, estou vigilante — afirmou ela.

 

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