Eleição em São Paulo tem reta final sem Lula e Bolsonaro e expectativa de polarização no 2º turno
Por Bianca Gomes e Zeca Ferreira / O ESTADAO DE SP
A polarização entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) não tem dado o tom da reta final da eleição para a Prefeitura de São Paulo. Ao contrário, os dois padrinhos políticos estiveram ausentes da capital paulista nos últimos dias. Lula, que viajou ao México neste domingo, 29, cancelou uma agenda que faria ao lado de Guilherme Boulos (PSOL) neste fim de semana, frustrando a campanha do psolista. O ex-presidente, que esteve em São Paulo pela última vez no dia 7 de setembro, tem rodado outros Estados do País para pedir voto a aliados.
Tanto a campanha de Nunes quanto a de Boulos já veem um segundo turno entre os dois como o cenário mais provável. As pesquisas de tracking realizadas pelas equipes nos últimos dias reforçam essa expectativa, com Pablo Marçal (PRTB) numericamente atrás dos dois. Nesse cenário, as campanhas apostam que a polarização poderá ganhar força na segunda fase da disputa municipal.
Apesar de o entorno de Boulos considerar que uma presença mais intensa de Lula em São Paulo seja fundamental para conquistar votos na periferia, onde Nunes tem ganhado terreno, membros da campanha psolista avaliam também que esse movimento pode ser adiado para o segundo turno, uma vez que há confiança de que o nome do PSOL deverá seguir na disputa. Além disso, interlocutores de Boulos afirmam que, considerando o perfil da cidade, dificilmente haverá dois candidatos da direita no segundo turno da disputa.
Integrantes do governo Lula afirmam que a ausência do presidente nas carreatas de Boulos que ocorreram neste sábado, 28, nas zonas sul e leste de São Paulo, está relacionada, em parte, à avaliação de que sua presença não é essencial neste momento da campanha. Inicialmente, estava previsto que Lula participaria de dois eventos com Boulos. Mas o Palácio do Planalto reconsiderou sua participação, tendo como principal justificativa a viagem dele para o México neste domingo, para acompanhar a posse de Claudia Sheinbaum, primeira mulher eleita presidente do país latino-americano.
A decisão de cancelar a presença de Lula nos eventos de Boulos também levou em conta a preservação da saúde do presidente, de 78 anos, que retornou há poucos dias de uma viagem a Nova York. Além disso, Lula ainda deve se reunir com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, para discutir a regularização das casas de apostas esportivas online, conhecidas como bets.
A campanha de Boulos afirma que espera a presença do presidente em um evento na véspera do primeiro turno, no dia 5 de outubro. Já para o segundo turno, é esperado que Lula participe de forma mais ativa do pleito – ainda que assessores de Boulos ponderem que a participação do mandatário dependerá da agenda presidencial. Boulos aposta justamente nessa participação de Lula para ampliar sua intenção de voto entre o eleitorado de baixa renda. Segundo a última pesquisa Datafolha, divulgada na quinta-feira, 26, Nunes aparece à frente nesse segmento, com 32%, ante 21% do candidato do PSOL.
Aliados de Bolsonaro, por sua vez, garantem que ele não planeja pisar na capital paulista antes do primeiro turno. Mas se Nunes avançar para o segundo, o ex-presidente “vai entrar pesado” na campanha, disse um aliado próximo a ele.
Nas últimas semanas, Bolsonaro tem percorrido o País participando de eventos de campanha de seus correligionários. Recentemente, ele esteve em cidades como Jaru (RO), Ji-Paraná (RO), Goiânia (GO), Aparecida de Goiânia (GO), Anápolis (GO), Alexânia (GO), São Luís (MA), Imbituba (SC), Balneário Camboriú (SC) e Imperatriz (MA).
O entorno de Nunes já planeja agendas ao lado do ex-presidente e assegura que está “fora de cogitação” descartar Bolsonaro numa eventual próxima etapa da eleição. Embora posar ao lado do ex-presidente seja visto como um risco, devido à alta rejeição dele na capital, pessoas próximas a Ricardo Nunes dizem que os compromissos conjuntos estão “apalavrados” e que o prefeito não quebrará o acordo. Um aliado do prefeito afirmou que todos entendem que é importante essa presença do político do PL.
No primeiro turno, a relação entre Nunes e Bolsonaro foi marcada por idas e vindas, em um jogo de “morde e assopra”, com poucas aparições juntos. No ato bolsonarista de 7 de Setembro, o prefeito subiu no carro de som onde estava Bolsonaro e posou para fotos com aliados do ex-presidente, incluindo o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP). Já Bolsonaro participou da convenção do MDB que oficializou a candidatura de Nunes à reeleição, onde fez um discurso morno, afirmando que o emedebista já havia provado suas qualidades no mandato e era o “nome adequado e justo para São Paulo”.
Nunes chegou a anunciar que Bolsonaro gravaria inserções para o seu horário eleitoral e participaria de uma agenda com ele na Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo (Ceagesp), que foi comandada pelo seu vice, o coronel Ricardo Mello Araújo (PL). Mas nada disso se concretizou. Aliados de Nunes alegam incompatibilidade de agendas, mas há bolsonaristas que afirmam que o comando da campanha não fez questão do encontro. A expectativa é que, num eventual segundo turno, a agenda do Ceagesp seja um dos compromissos conjuntos do ex-presidente e do prefeito.
A eleição para o comando da capital paulista é considerada estratégica para o bolsonarismo. Vencer na cidade, que abriga o maior colégio eleitoral do País, seria uma demonstração de força desse campo ideológico com vistas a 2026 – razão pela qual Bolsonaro fará questão de colocar a sua digital na campanha no segundo turno.
Cidade de Motta, favorito de Lira para sucedê-lo, tem duelo eleitoral entre pai e ‘Moro do sertão’
Por Eduardo Gayer / O ESTADÃO DE SP
ENVIADO ESPECIAL A PATOS (PB) – No coração do sertão nordestino, a população de Patos (PB) acompanha, nessas eleições municipais, um duelo que parece contar a história política recente do País. O prefeito Nabor Wanderley Filho (Republicanos), candidato ao quarto mandato, busca não apenas manter o controle do município nas mãos da família, poderosa desde os anos 1950, mas consolidar sua reabilitação política após um período de ocaso. Do outro lado da polarização local está Ramonilson Alves (PSDB), ex-juiz que foi algoz do prefeito nos tempos de toga.
O paralelo entre o cenário patoense e o embate do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) com o senador Sérgio Moro (União-PR) é inevitável – e pode até profetizar a disputa presidencial de 2026, para a qual o ex-juiz da Lava Jato é ventilado. Nas últimas semanas, contudo, Patos ganhou importância nacional por outro motivo: é a terra natal do deputado federal Hugo Motta (Republicanos-PB), filho do prefeito Nabor e favorito do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), para sucedê-lo no cargo.
Aos 35 anos, idade mínima para entrar na linha sucessória da Presidência da República, Motta é uma figura em ascensão na política brasileira. Chegou a Brasília como deputado federal em 2011 e usou na posse o broche do avô Edivaldo Motta, que foi constituinte ao lado de Lula. Antes no MDB, o expoente do Centrão cresceu na capital com as bênçãos do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, e ao lado de Lira acompanhou o antigo aliado do apogeu ao cadafalso.
O poder de Motta tornou-se um ativo para a gestão do pai, que asfaltou dez novas ruas com verbas enviadas pelo filho. Só neste mandato de Nabor (2021-2024), o deputado destinou a Patos R$ 10,9 milhões em emendas parlamentares individuais, incluindo restos a pagar. O número não leva em conta o que foi destinado ao município via emendas de relator (antigo Orçamento Secreto) e emendas de comissão, que não são rastreáveis. O Supremo Tribunal Federal (STF) proibiu a execução dessas emendas até a definição de critérios de transparência.
“Hugo tem nos ajudado com recursos para saúde, educação, pavimentação, aquisição de máquinas para a zona rural. Em praticamente todas as áreas da prefeitura temos o trabalho do deputado. Ele tem sido fundamental”, afirmou o prefeito Nabor ao Estadão.
Apoiado pelo governador da Paraíba, João Azevêdo (PSB), e pelo senador Efraim Filho (União-PB), Nabor conversou com a reportagem na residência de sua irmã Helena, secretária de Desenvolvimento Social do município. Era feriado local em homenagem à padroeira da cidade, Nossa Senhora da Guia. Com situação política confortável, ele não fez atos de campanha naquele dia e na véspera. A reta final da campanha terá uma caminhada com o governador e Hugo Motta.
Até lá, o candidato à reeleição será pressionado sobre os problemas da cidade. De acordo com o Instituto Água e Saneamento, 86,64% dos patoenses não têm acesso a saneamento básico, o que impõe às ruas um odor desagradável. Em 2021, dado mais recente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) era de 0,801, em uma escala de 0a1.
Cortado pela rodovia Transamazônica, o município de Patos tem 108 mil habitantes, mas quem anda pelas ruas tem a sensação de que não há eleição por lá. Em um misto de frustração com a política e um clima de “já ganhou” para Nabor, há poucos atos de panfletagem. O prefeito tem apoio de 15 dos 17 vereadores.
“Nabor hoje é o político que está mandando, não tem uma força [para concorrer com ele]. E aqui no sertão da Paraíba, a maior liderança é o Hugo Motta”, avaliou o sapateiro Valmir Rodrigues, 48 anos, um patoense que acompanha a política local de perto. Ele diz estar indeciso sobre em quem votar. “Estou na corda bamba”, revela ao lado dos sapatos que serão enviados para comercialização justamente em Brasília.
Para o principal candidato da oposição, as contratações temporárias feitas pela prefeitura são um desafio adicional que favorece o prefeito. “Seja eu, Gandhi ou Papa Francisco, 12 mil pessoas te veem como adversário do prato”, afirmou Ramonilson ao Estadão, que aponta para o prefeito um óleo de peroba durante os debates. “Isso aqui é a mini Venezuela. Sequer consigo falar em todos os veículos de comunicação”.
Juiz aposentado após comprovar visão monocular, Ramonilson se apresenta como cristão e tenta afastar as comparações com Moro. “Confesso que tenho admiração pelo que ele representou em termos de caráter republicano, de moralidade. Mas um é do Nordeste, outro do Sul, não há nenhum paralelo em que pese ambos terem sido juízes”, afirma. “A inspiração não é ele [Moro]. É Jesus Cristo”.
O tucano nega a tese de que perseguiu Wanderley Filho enquanto magistrado. “Não fui só eu que eventualmente operei condenações contra ele, que tem reiteradas condenações por improbidade administrativa”, diz. O prefeito rebate: “Esse ex-juiz tentou surfar na onda do falso moralismo que aconteceu no passado. Mas faltou combinar com Deus e com o povo, que é quem elege”.
Para Ramonilson, a política feita pelos “WanderMotta” – uma alcunha instituída pelos opositores – lembra o tempo dos coronéis. “São políticos profissionais, vivem de eleição e praticam tudo o que for necessário, inclusive fora de padrões éticos, para se perpetuarem”, afirmou. As críticas se estendem a Hugo Motta. “Em que pese ser jovem, ele encarna tudo o que a velha política representa. O vale-tudo para chegar e permanecer no poder, sem nenhum respeito, nenhum padrão ético ou cristão.” Nabor entende que as sucessivas eleições da família se devem a entregas para a cidade.
Patos, um município que escapa à polarização nacional
Se nas grandes capitais, como São Paulo, a polarização entre Lula e o ex-presidente Jair Bolsonaro influenciam o comportamento do eleitor, em Patos o debate é focado nos problemas da cidade. Demora para marcar consultas é queixa recorrente nas ruas, e um recente escândalo envolvendo suposta fraude de R$ 21 milhões na contabilização do IPTU por um servidor, agora afastado pela prefeitura, virou munição para a oposição. A “fuga” da nacionalização política visa à sobrevivência dos candidatos: em 2022, o petista obteve 66% dos votos válidos contra 34% de Bolsonaro.
Wanderley Filho se gaba do acesso em Brasília com o filho deputado federal, enquanto Ramonilson foca nas alianças partidárias firmadas nesta disputa. “Temos o apoio do senador Veneziano Vital do Rêgo (MDB), que é amigo de Lula e vice-presidente do Senado. Todas as portas estarão abertas para Patos”, assegurou o ex-juiz, que tem o PL de Bolsonaro e o Novo na sua coligação.
O PT tem candidato próprio em Patos, o Professor Edileudo, mas a candidatura não é competitiva. A quarta candidata é Aline Leite, do União Popular.
Família de Hugo Motta é poderosa em Patos desde os anos 1950
A história dos Motta Wanderley se confunde com a própria história de Patos, a “joia da coroa” da família. Em 1950, Nabor Wanderley, pai do atual prefeito e avô paterno de Hugo Motta, comandou a cidade por cinco anos. Nabor Wanderley Filho só chegou ao poder em 2004, após dois mandatos do rival político Dinaldo Wanderley, seu primo de quarto grau que morreu de covid-19 há três anos.
Em 2016, depois de dois mandatos, “Naborzinho” emplacou a sucessora: a então sogra Francisca Motta, avó materna de Hugo Motta, e hoje deputada estadual pelo sexto mandato. Mas os ventos contrários chegaram na reta final do mandato de Francisca.
Em setembro daquele ano, a Polícia Federal deflagrou uma operação para apurar irregularidades em contratos de locação de veículos pela gestão municipal. A prefeita foi afastada e sua filha, Ilanna Motta, mãe de Hugo e então chefe de gabinete, foi presa. A crise custou a eleição de Naborzinho, que tentava ali seu terceiro mandato. Saiu vitorioso o médico Dinaldinho Wanderley, filho de Dinaldo.
Em 2018, um novo revés para política local: Dinaldinho foi afastado por suspeitas de corrupção. O vice renunciou. O presidente da Câmara Municipal, que assumiu em seguida, também. A Justiça Eleitoral determinou uma eleição indireta no município e foram quatro prefeitos em dois anos.
A instabilidade política da época, na avaliação de apoiadores da gestão municipal e da oposição, pavimentou o retorno de Nabor Filho ao poder em 2020. Aliados dizem que ele voltou para fazer justiça com a própria história. O quarto mandato disputado neste ano busca consolidar essa ressurreição política.
Reinado dos Gomes está em risco no berço do clã, em campanha com ameaças e violência
Em Sobral, cidade no interior do Ceará tida como modelo para o país em alfabetização e primeiros anos do ensino fundamental, a campanha à prefeitura é marcada por violência e intimidação associada a facções criminosas.
Os dois únicos candidatos —Izolda Cela (PSB) e Oscar Rodrigues (União Brasil)— reclamam de não terem conseguido entrar em determinados bairros depois de receberem recados de supostos intermediários de facções. Com 203 mil habitantes, Sobral é a 38ª cidade mais violenta do país e a terceira do Ceará, segundo o Atlas da Violência 2024.
Izolda, ex-governadora do estado (era vice de Camilo Santana e assumiu por nove meses quando o atual ministro da Educação deixou o cargo para concorrer ao Senado) e ex-secretária-executiva do MEC, recebeu ameaças de morte pela internet. A polícia prendeu quatro homens ligados ao episódio e a ataques com rojões em direção a militantes da candidata.
Veveu Arruda (PT), ex-prefeito de Sobral e marido de Izolda, foi agredido, junto com seu irmão Inácio de Carvalho (integrante da direção nacional do PC do B), durante um ato de campanha nos arredores do mercado central da cidade.
"Era uma passeata linda, e no final fizeram o que ameaçavam. Soltaram rojões na direção das pessoas, três professoras e uma criança foram machucadas, sofreram queimaduras. Meu marido foi ajudar uma pessoa que estava sendo agredida e acabou sendo também", contou Izolda à Folha. "Não foi a população reagindo a qualquer coisa, né? Foi uma ação muito deliberada e anunciada."
Partidários de Oscar e comerciantes no entorno do mercado associaram o episódio a ambulantes ressentidos com Veveu por terem sido expulsos da região quando ele foi prefeito (2011-2016).
A campanha de Oscar enviou à polícia um ofício relatando episódios semelhantes contra o candidato —que alega ter precisado abortar eventos no distrito de Caioca e no bairro de Vila União. Ele diz que seus aliados sofreram dois ataques com rojão.
À guerra literal se soma uma outra simbólica: na disputa mais renhida dos últimos tempos, o clã dos Ferreira Gomes, que comanda a cidade há quase 30 anos, corre o risco de ser defenestrado — a última pesquisa na cidade indicou vantagem da oposição. O atual prefeito (em segundo mandato) é Ivo Gomes, irmão de Ciro, Cid e Lia, os outros políticos da família.
Candidata do grupo, Izolda foi o pivô do rompimento da aliança estadual entre o PDT de Ciro e o PT —que rachou também a família. Em 2022, os petistas (liderados por Camilo Santana) e Cid defendiam que ela concorresse ao governo pelo PDT; Ciro e outra ala do partido escolheram Roberto Cláudio, e o PT lançou candidato próprio (Elmano de Freitas, que venceu). Cid, Lia e Ivo romperam politicamente com Ciro e trocaram o PDT pelo PSB.
Apesar do rompimento partidário com os irmãos, Ciro diz que está do lado deles em Sobral. Mas não participa da campanha. "Nunca vi nenhuma manifestação dele com relação a aqui. E respeito a situação. Houve um apartado grande naquele momento, de repente eu estava no olho do furacão", diz Izolda. "Eu, pessoalmente, não tenho nenhum trauma nem ressentimento. Não cultivo isso no meu coração."
Foi exatamente em Sobral —terra natal de Belchior e Renato Aragão— que nasceu a união recém-desfeita. Em 1996, Cid Gomes, então no PSDB, foi eleito prefeito da cidade, tendo como vice o petista Edilson Aragão. A vitória levou a família de volta ao poder —o pai deles, José Euclides, e outros antepassados já tinham administrado a cidade— e inaugurou a aliança entre eles e o PT que seria estendida com êxito ao plano estadual.
"Alternância de poder é um pressuposto da democracia. Sobral está cansada dessa acomodação e falta de diálogo", afirma Luciano Linhares, coordenador da campanha de Oscar e ex-vereador que já foi do PSB e do PSOL antes de se juntar ao candidato do União Brasil —um bolsonarista. Oscar não quis dar entrevista.
Além da violência, ambos os candidatos têm cada qual seus próprios pepinos. Do lado de Izolda, é a taxa do lixo, cobrança instituída pelo aliado Ivo Gomes e incorporada à conta de água, que fez explodirem as despesas, revoltando a população —que, se não pagasse, ficava também sem água.
A reportagem conversou com moradores cujas contas não atingiam R$ 100 e que, com a taxa, passaram de R$ 500. Após a péssima repercussão e o possível efeito eleitoral, Ivo pediu desculpas, demitiu o titular do serviço de água e esgoto, anunciou a separação das cobranças e está revendo os valores das contas mais elevadas —em muitos casos ressarcindo o consumidor.
Izolda também reclamou. "A pessoa pode ser do Bolsa Família, do Cadastro Único, e se ela tiver um consumo de água um pouco maior, a taxa sobe. Oprimiu o orçamento de muita gente. A regra terminou pegando quem não podia pegar."
Oscar, por sua vez, está acossado pela denúncia de ter fraudado atestados médicos para conseguir se aposentar por invalidez —alegando sofrer de Alzheimer— como professor da Universidade Estadual do Vale do Acaraú e ter recebido por anos tal benefício. Em nota, a instituição informou que instaurou procedimento administrativo para apurar a denúncia e intimou Oscar a realizar nova perícia. "No entanto, [ele] não compareceu a esta convocação, o que culminou com a suspensão do pagamento de sua aposentadoria."
"Só existem duas opções: ou o Oscar fraudou um atestado para ficar recebendo sem trabalhar ou ele tem Alzheimer mesmo e não pode ser prefeito de Sobral", disse a deputada estadual Lia Gomes (PSB), irmã de Cid, Ciro e Ivo, que protocolou uma notícia-crime ao Ministério Público sobre o episódio.
Procurado, Oscar não respondeu sobre o caso em si. Sua campanha divulgou uma nota em que afirma: "Não vamos pautar nossas ações por respostas às fake news da candidatura adversária".
Linhares, o coordenador da campanha da oposição, provoca Izolda (ex-secretária de Educação de Sobral e do Ceará) e os Gomes quanto à principal vitrine da cidade. "Se é a melhor educação do Brasil, por que tem tanto jovem em facções, sem perspectiva de futuro?"
Izolda responde: "A qualidade do currículo pode e deve melhorar, [visando] uma formação mais ampla, mais integral, cada vez mais vinculada ao trabalho e a competências socioemocionais. Precisamos encontrar maneiras de fazer circuitos mais coordenados ao final da formação deles".
É bom que eleições municipais tenham lógica própria
Eleições municipais observam uma lógica própria, e São Paulo está aí para prová-lo. Padrinhos políticos com força no plano estadual ou federal têm exercido influência limitada na maior cidade do país.
De acordo com a mais recente pesquisa do Datafolha, a disputa pela prefeitura paulistana se estabilizou com uma trinca na dianteira das intenções de voto: Ricardo Nunes (MDB), com 27%, Guilherme Boulos (PSOL), 25%, e Pablo Marçal (PRTB), 21%.
Distantes deles aparecem Tabata Amaral (PSB), com 9%, José Luiz Datena (PSDB), 6%, e Marina Helena (Novo), 2%. Assim como no grupo de cima, nesse segundo pelotão houve movimentações apenas irrisórias nas últimas semanas, sem trocas de posições ou saltos nos percentuais.
Essa monotonia, porém, não diz tudo a respeito do pleito; algumas correntes ganharam bastante corpo em águas mais profundas —e é digno de nota que, ainda assim, não tenham abalado a calmaria da superfície.
Tome-se o caso de Nunes. Em maio, 26% dos entrevistados sabiam que o atual prefeito conta com o apoio do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL); essa parcela avançou a 44%, 15 dias atrás, e agora chegou a 49%. Suas intenções de voto, contudo, não mostraram o mesmo crescimento.
E não mostraram porque paulistanos que escolheram Bolsonaro em 2022 se dividem, em blocos quase iguais, entre Nunes e Marçal —situação que não mudou após o ex-presidente reforçar sua preferência pelo prefeito.
Que Bolsonaro não ocupe nenhum cargo público no momento parece irrelevante para a transferência apenas parcial de simpatizantes. A mesma coisa ocorre entre as pessoas que votaram em Tarcísio de Freitas (Republicanos), que faz campanha mais aberta por Nunes e senta-se na cadeira de governador estadual.
Tampouco se trata de fenômeno restrito à direita, campo que oferece aos paulistanos dois candidatos competitivos na dianteira do pleito. Boulos, principal representante da esquerda na disputa, atrai apenas 49% das pessoas que votaram em Lula (PT) em 2022, enquanto Nunes fica com 19%, e Tabata, com 13%.
Os limites dos padrinhos políticos, portanto, não se dão somente em decorrência da rejeição que possam suscitar, ou então em razão de eventual desconhecimento por parte do eleitorado.
Eleições municipais observam uma lógica própria, e é bom que seja assim. Os problemas das cidades precisam ser debatidos pelo que são, e não pela posição estratégica que possam assumir no xadrez da polarização nacional.
O bolsonarismo era vidro e se quebrou e direita está em guerra nas redes sociais
Por Sergio Denicoli / O ESTADÃO DE SP
A ciranda política em que a direita brasileira se meteu não tem caminho de volta. A inelegibilidade de Jair Bolsonaro transformou o ex-presidente em uma espécie de “rainha da Inglaterra”. Todos pedem sua bênção e batem continência, mas sabem que, em 2026, quem dará as cartas serão os nomes que se apresentarão como candidatos, com a aprovação de partidos sobre os quais Bolsonaro não tem controle. Alguns, convenientemente, até tentam manter a narrativa de que ele poderá voltar a ser liberado a se candidatar, mas poucos acreditam realmente nessa possibilidade.
Nesse cenário, é inevitável a ascensão de novas lideranças, que trocam cotoveladas para ocupar o vácuo deixado pelo ex-presidente. No tabuleiro político, destacam-se os governadores Tarcísio de Freitas, Ronaldo Caiado, Romeu Zema e Ratinho Júnior. Também surgem novas figuras, como Pablo Marçal, que atrai um percentual significativo dos conservadores, especialmente os mais radicais, que se encantaram com o discurso antissistema que deu impulso à campanha de Bolsonaro, em 2018.
O fato é que não há amor na política. Há conveniência, oportunismo e um jogo de expectativas em torno do poder. “O amor que tu me tinhas, era pouco e se acabou”, poderia dizer um Bolsonaro confuso, hesitante e fragilizado diante daqueles que agora piscam os olhos para outros nomes.
Nas redes, as militâncias da direita não fazem ensaio diplomático e já partem para as críticas pesadas. O X, após a suspensão no Brasil, virou um ambiente habitado sobretudo pela direita que não hesita em usar VPN – um subterfúgio tecnológico - para acessar a plataforma, e exemplifica bem as disputas internas desse grupo ideológico. O antigo Twitter tem sido palco de agressões entre pessoas que antes caminhavam unidas.
Não faltam ali xingamentos de direitistas a Bolsonaro, o chamando de covarde, frouxo, refém do sistema, entre outros adjetivos. A defesa do ex-presidente aparece, mas de forma tímida e pouco convincente, baseada apenas em termos como “confie no capitão”.
Também sobram ataques para o nome que representa a maior vitória eleitoral do governo Bolsonaro: o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas. Sua atitude cordial e sua sagacidade política incomodam, e as vozes dissidentes já tentam classificá-lo como mais alinhado ao centrão do que à direita-raiz.
Na última semana, o tabuleiro das eleições de 2026 movimentou peças importantes. Nikolas Ferreira, uma liderança incontestável nos meios online e com grande influência sobre os conservadores, iniciou uma guerra declarada contra o PSD, partido ao qual o deputado atribui o impasse em torno do processo que busca o impeachment do ministro Alexandre de Moraes. Tarcísio, que tem uma forte ligação com o presidente do PSD, Gilberto Kassab, entrou na mira. Somente no Instagram, o vídeo de Nikolas alcançou quase 11 milhões de visualizações.
Enquanto isso, Bolsonaro permanece praticamente calado, vendo seu império de popularidade se quebrar em cacos reluzentes e raivosos. Até chegou a fazer uma crítica velada ao governador de Goiás, que, apesar de se posicionar à direita, está em um palanque oposto ao do ex-presidente, nas eleições municipais de Goiânia, e atua nos bastidores para se tornar o presidenciável dos conservadores.
No entanto, continua, por exemplo, a engolir as críticas dos apoiadores de Marçal, que enxergam no candidato a prefeito de São Paulo um radicalismo inconsequente há muito abandonado pelo ex-presidente.
O cenário das redes mostra que o bolsonarismo, embora ainda ressoe nas bases conservadoras, parece ter perdido sua força unificadora, abrindo espaço para novas dinâmicas na direita brasileira. O cenário político caminha para uma reconfiguração, onde antigas lealdades se desintegram e novas alianças começam a se formar.
O futuro do movimento conservador brasileiro dependerá não só de quem irá liderá-lo, mas também de como será capaz de se reinventar em meio às mudanças inevitáveis do jogo político, que está em constante transformação. Enquanto isso, a esquerda, sob a tutela de Lula, se mantém unida e agradece.