Contador de Lulinha é alvo de busca pelo Gaeco; suspeito e sua mulher ganharam 640 vezes na loteria
Por Marcelo Godoy / O ESTADÃO DE SP
O contador João Muniz Leite, de 60 anos, é um dos alvos da Operação Fim da Linha, deflagrada na manhã desta terça-feira, 9, pelo Grupo Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco). A 1ª Vara de Crimes Tributários, Organização Criminosa e Lavagem de Bens e Valores da Capital expediu mandado de busca e apreensão em busca de provas que corroborem os indícios de que ele seria um dos personagens centrais na montagem do esquema de lavagem de dinheiro da facção pela empresa de ônibus UPBus.
Quando começou a ser investigado em 2021 no âmbito da Operação Ataraxia, do Departamento Estadual de Investigações sobre Narcóticos (Denarc), Muniz era suspeito de ter amealhado 55 prêmios na loteria. Ao ser ouvido pelos policiais, meses depois, ele admitiu ter ganhado 250 vezes na mais diversas loterias, conforme revelou o Estadão em fevereiro.
Mas o número não para de crescer. Desta vez, dados trazidos à investigação pela Polícia Federal mostram que a sorte do contador foi muito maior. O inquérito da PF mostrou que ele e a mulher, Aleksandra Silveira Andriani ganharam juntos 640 vezes nas Lotofácil, Mega Sena e Quina. No caso de Aleksandra, foram 462 prêmios entre 18 de dezembro de 2020 e 25 de novembro de 2021, recebendo R$ 2,45 milhões, após ter apostado R$ 2,14 milhões. Já o marido, de 3 de janeiro de 2019 a 17 de abril de 2021 foi agraciado com 178 vezes, auferindo R$ 17.528.815,00, depois de apostar R$ 381.625,00.
Muniz ficou conhecido como o Contador do Lulinha por ter trabalhado para Fábio Luis Lula da Silva, o Lulinha, filho do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a quem também prestou serviços. Muniz chegou a ser ouvido como testemunha durante a Operação Lava Jato no processo do caso do triplex do Guarujá, pelo então juiz Sérgio Moro. De 11 de novembro de 2019 até 31 de julho de 2023, segundo dados da Junta Comercial de São Paulo, Lulinha manteve uma de suas empresas, a G4 Entretenimento e Tecnologia Digital Ltda, registrada no mesmo endereço do escritório de Muniz, na zona oeste da capital. A defesa de Lulinha diz que as investigações sobre Muniz nunca atingiram o filho do presidente.
Em meio à investigação sobre a captura do sistema de transportes pelo Primeiro Comando da Capital (PCC), os investigadores encontraram indícios da formação de uma grande rede de negócios para a lavagem de dinheiro do crime organizado, que inclui escritórios de contabilidade, agentes, fundos imobiliários, empresas de máquina de cartão de crédito e débito e distribuidoras de combustível.
É nesta rede de empresários, contadores, advogados e criminosos que entram as suspeitas envolvendo Muniz e seus clientes ligados à UPBus. Nos últimos sete anos, enquanto a empresa registrava prejuízos de até R$ 5 milhões por ano, só um de seus acionistas, Admar de Carvalho Martins, teria recebido R$ 15 milhões em “lucros distribuídos”.
Martins, segundo os promotores seria ligado a acusados de outros esquemas de lavagem, como o que envolveria a distribuição de combustível Noroest Distribuidora de Combustíveis e o que envolveria e empresa Zipag Correspondente e Cobrança, que, de acordo com as investigações, teve movimentações financeiras de R$ 974,3 milhões em 2022, mas declarou uma receita bruta de R$ 10,4 milhões.
De acordo com o Gaeco, Martins ocultou e dissimulou a natureza, origem, a localização, a disposição e a movimentação de valores provenientes dos crimes de tráfico de drogas e organização criminosa para aquisição, em nome próprio, de 58 cotas do capital social da UPBus, avaliadas em R$ 7.168.800,00, entre os anos de 2015 e 2021.
lém de relações com o grupo de Martins, Muniz teria relação ainda com os principais líderes do PCC envolvidos com a empresa. Seriam, segundo o Gaeco, Sílvio Luiz Correia, o Cebola. Foragido por ter sido condenado por tráfico de drogas – ele foi solto no plantão judicial pelo desembargador Otávio Henrique de Sousa Lima, do Tribunal de Justiça de São Paulo, posteriormente aposentado compulsoriamente, após soltar outro traficante: Welinton Xavier dos Santos, o Capuava – Cebola é relacionado a outro personagem conhecido de Muniz: o advogado Ahmed Hassan Saleh, o Mude.
Uma das provas da relação do contador com os acusados seria o fato de ele ter transmitido as declarações de renda de Cebola, Mude, de Décio Gouveia, o Décios Protuguês e dos traficantes de droga Claudio Marcos de Almeida, o Django, e Anselmo Becheli Santa Fausta, o Magrelo ou Cara Preta, do mesmo MAC Adress. Além disso, ele recebeu com Magrelo um prêmio na Mega sena de mais de R$ 40 milhões, após ter sido responsável pela abertura de uma empresa com uma identidade falsa usada pelo traficante.
A reportagem procurou o contador, mas não conseguiu localizá-lo. De acordo com os investigadores, mais da metade do valor recebido em loteria por Magrelo foi transferido, por meio de operação controlada por João Muniz, a empresas aparentemente de “prateleira”, em nome de uma mulher, que recebia, em 2020, R$ 5 mil mensais em seu emprego.
Por fim, a Receita Federal concluiu que os lucros obtidos pelo contador não são compatíveis com a receita bruta de suas empresas, mesmo que considerados os valores recebidos com a premiação das loterias. Em 2022, ele declarou receber R$ 1,8 milhão da JML Consultoria e Assessoria Empresarial LTDA – a sua empresa –, que teve receita bruta declarada de apenas R$ 162.666,67.
No fim de 2022, Muniz foi ouvido pelo Denarc e admitiu que, por cinco anos, teve Magrelo entre seus clientes, ainda que o conhecesse apenas pelo nome falso de Eduardo Camargo de Oliveira. Também admitiu que ganhara na loteria, mas negou qualquer participação na lavagem de dinheiro do crime organizado.
Magrelo ou Cara Preta foi assassinado em 27 de dezembro de 2021, no Tatuapé, na zona leste, ao lado de seu motorista, Antonio Corona Neto, o Sem Sangue. Em junho de 2022, a 1.ª Vara de Crimes Tributários, Organização Criminosa e Lavagem de Dinheiro da Justiça Estadual de São Paulo determinou o bloqueio de R$ 45 milhões em imóveis e ônibus de integrantes do PCC e do contador.
De acordo com o Gaeco, Magrelo era um dos maiores traficantes de drogas do País. Responsável por receber cocaína do Peru e da Bolívia e reenviá-lo para a Europa, ele atuava na conexão que uniu o PCC à Máfia dos Bálcãs e à ‘Ndrangheta, a máfia da Calábria, no sul da Itália. Em 2021, ele foi investigado sob a suspeita de ter financiado o roubo de 770 quilos de ouro no Aeroporto de Guarulhos, acumulando uma fortuna estimada em R$ 500 milhões. Segundo os promotores, só entre abril e setembro daquele ano, ele movimentou R$ 105.987.085,00.
Gleisi rebate comentário de Ciro Gomes sobre senadora petista: 'Ataque covarde'
Por O Globo — Rio de Janeiro
A presidente nacional do PT, Gleisi Hoffmann, rebateu comentários do ex-presidenciável Ciro Gomes (PDT) contra a senadora Janaína Farias (PT-CE) no último fim de semana. O pedetista se referiu à adversária política como "assessora de assuntos de cama", comentário classificado como machista e misógino.
"Não posso me calar diante das ofensas a uma companheira, a senadora Janaína Farias (PT-CE). Ataque covarde, que merece nossa repulsa. Solidariedade à Janaína e a todas as mulheres que enfrentam o machismo e a misoginia na política e na vida", afirma Gleisi, em uma publicação no X (antigo Twitter).
A declaração de Ciro contra a parlamentar petista foi dada em entrevista à rede "A Notícia do Ceará" na última quinta-feira. Na ocasião, o pedetista questionou a qualificação da petista para assumir uma cadeira no Senado, e se referiu a ela como "assessora para assuntos de cama" do ex-governador e hoje ministro da Educação Camilo Santana.
— Quem está assumindo o Senado Federal hoje? Sabe qual é o serviço prestado para ir ao lugar de Virgílio Távora, de Tasso Jereissati, de Mauro Benevides, de Patrícia Saboya, que tinha uma longa história de políticas sociais, pioneira da política de creche? Aí vai agora a assessora para assuntos de cama do Camilo Santana para o Senado da República? Onde é que nós estamos? — disse o ex-governador.
O comentário de Ciro foi criticado por integrantes do PT neste fim de semana, que classificaram a fala como sinal da "dificuldade do senhor Ciro em aceitar mulheres no poder e a sua falta de compromisso com uma sociedade que demanda cada vez mais representação".
'Poderes excepcionais do STF' foram importantes para democracia, mas Musk tem razão em queixas, diz Pablo Ortellado
Por Guilherme Caetano— São Paulo / O GLOBO
Professor do curso de gestão de políticas públicas da USP Pablo Ortellado vê razão nas queixas da extrema direita e do bilionário Elon Musk contra o Judiciário brasileiro, em meio ao episódio que levou o governo Lula a subir o tom contra o americano. Mas também diz que o descumprimento de decisões judiciais — ameaça feita pelo X, antigo Twitter — exacerba o conflito. E que ela pode levar ao "pagamento de multa, prisão do presidente da empresa no Brasil e fechamento do serviço". O colunista do GLOBO defende a regulação urgente das plataformas digitais, com a aprovação do PL das Redes Sociais.
Para Ortellado, os "poderes excepcionais conferidos ao Supremo Tribunal Federal" no governo Bolsonaro foram justificados para enfrentar as ameaças à democracia. Mas, diz, já é hora de a sociedade voltar a ser vigilante em relação a eventuais abusos, incluindo a falta de transparência no bloqueio de contas nas redes sociais e casos que ele classifica como censura prévia.
Como vê o episódio que opõe Elon Musk a Alexandre de Moraes?
É um episódio difícil de avaliar de maneira distanciada. Esse tema está politicamente carregado. Por um lado, a direita acusa o STF de implantar uma ditadura no Brasil e desrespeitar a liberdade de expressão. Do outro temos um discurso da urgência do combate à extrema direita, que é uma ameaça à democracia. Estamos com dificuldade de fazer uma avaliação balanceada da situação, o que exige considerar determinados aspectos sem ser capturado por nenhum dos dois discursos.
Elon Musk e os críticos do ministro Alexandre de Moraes têm razão nas críticas?
Eles têm alguma razão. A queixa de fundo precisa ser avaliada. Antigamente, entendíamos que, se a Justiça suspendesse a publicação de algo já postado por entender que aquilo infringia algum direito, isso não constituía censura, pois se tratava de uma avaliação a posteriori. O que constitui censura é fazer isso antes da publicação. Mas, no decorrer da crise de 2022 e 2023, o STF e o TSE bloquearam contas — o que pode ser caracterizado como censura prévia. Não é que a pessoa estava publicando algo considerado ilícito, mas o TSE ou o STF suspenderam a conta entendendo que aquele comportamento reincidente poderia levar essa pessoa a seguir violando a lei no futuro. Naquele contexto de urgência, onde havia uma campanha organizada de ataque à credibilidade do sistema eleitoral brasileiro, pode ser que o comportamento justificasse a suspensão das contas.
O que mudou desde então?
A crise que culminou no 8 de Janeiro passou, as pessoas começaram a ser julgadas, investigadas, algumas foram condenadas. Só que essas determinações seguem em curso, contas que foram suspensas jamais foram retornadas. E isso é um problema. Qual é a fundamentação para se suspender alguém de uma conta de rede social? Não sabemos quantas contas o TSE suspendeu. Dos 15 inquéritos contra os atos antidemocráticos, só três são públicos. Não sabemos se são centenas ou milhares de contas bloqueadas. Precisamos investigar qual é a fundamentação, e se foi dado direito de resposta. Há uma série de questões envolvendo esses inquéritos, não sabe quando vão ser suspensos esses poderes excepcionais, por exemplo. A suspensão das contas fazia sentido em um contexto excepcional. Parece injustificada a falta de transparência. Trata-se de um direito fundamental dos cidadãos brasileiros. Não pode ser suspensa numa decisão liminar, sem direito a recurso, mal fundamentado. Mas, obviamente, essa questão não se resolve com descumprimento de ordem judicial, como fez o Elon Musk. Não colabora para se resolver o problema, só exacerba o conflito. Se o Twitter resolver liberar as contas que foram bloqueadas o STF será forcado a endurecer. A resposta será essa que o ministro Alexandre indicou. Vai multar, prender o presidente da empresa no Brasil e fechar o serviço.
E como define essa postura do Musk?
Não acho que seja muito tática. Musk acredita, como a extrema direita, numa ideia integralista da liberdade de expressão, que se trata de um direito acima de todos. Mas ele também está fazendo um uso muito seletivo (dessa ideia) afim de beneficiar o campo político com o qual está alinhado. E está fazendo da pior maneira possível. Se ele quisesse defender essa causa, tinha maneiras muito mais inteligentes de provocar isso. A maneira como ele fez, jogando uma bomba, ameaçando descumprir ordem judicial, sair do Brasil, não vai colaborar com a discussão.
E a decisão de incluir Musk no inquérito, é razoável?
É simbólica, mas não vai dar em nada. O simbolismo, apenas, é muito inócuo.
O episódio nos ajuda a enxergar melhor a responsabilidade das big tech na corrosão democrática mundo afora?
Infelizmente esse episódio não vai ajudar em nada em relação às medidas necessárias. São dois problemas entrelaçados. Primeiro, precisamos construir um olhar crítico sobre o legado que esses poderes excepcionais foram dados ao Judiciário no meio da crise e por que eles permanecem. Segundo, regular as mídias sociais. Uma das justificativas para o Judiciário ter assumido esse papel é porque o setor não tinha uma regulação bem estabelecida em curso. Se tivéssemos aprovado o PL das Redes Sociais, teríamos um instrumento mais universal, mais bem desenhado, que permitiria menos ação discricionária. Eu acho que não teria sido suficiente, mas ao menos um pedaço desses problemas poderia ter sido contemplado. A saída para o problema que estamos vivendo é rever os poderes excepcionais do Judiciário e aprovar uma lei de regulamentação das mídias sociais no estilo europeu.
Quais os efeitos de um bloqueio do X no Brasil?
Seria terrível. Vai deixar um vácuo na esfera pública brasileira. O X é muito importante. Embora seja uma rede razoavelmente pequena, tem nela muitos jornalistas, políticos e ativistas. Um grande pedaço do debate público se dá ali. Isso vai gerar uma situação internacional muito complicada.
De que forma?
A direita internacional vai acusar o Brasil de não ser democrático. E reguladores mundo afora vão lançar grande suspeição sobre o X. A empresa passará a ter grandes problemas, sobretudo na Europa, com sua regulação mais forte, pois Musk consolidará fama de alguém que descumpre decisões judiciais, regulações nacionais. O melhor jeito de sairmos dessa crise é baixar um pouco a temperatura, fazer o debate de uma maneira equilibrada, respeitando e interagindo com o Judiciário, pressionando-o a ser mais transparente e a explicar as decisões que tomou.
É hora de recobrar um clima de normalidade
EDITORIAL DE O GLOBO
Elon Musk foi irresponsável ao se recusar a cumprir ordens da Justiça brasileira para remover posts e contas da rede social X (ex-Twitter), sob a alegação de preservar a liberdade de expressão. Em reação, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), o incluiu na investigação sobre milícias digitais e impôs multa a cada ordem descumprida.
É evidente que, como qualquer empresa que atua no Brasil, o X tem de seguir as leis e determinações da Justiça brasileira. E, no que diz respeito à liberdade de expressão, elas são mais restritivas que as americanas. Em particular, há salvaguardas para preservar as instituições. A Constituição protege todo tipo de discurso, mesmo o antidemocrático, mas há limites. A legislação eleitoral e resoluções do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) coibiram teorias conspiratórias sobre as urnas eletrônicas ou fantasias sobre o resultado da eleição de 2022. Conclamar e tramar golpes de Estado representa afronta à Lei do Estado Democrático de Direito. O Marco Civil da Internet também impõe outras restrições necessárias.
Foi com base nesse arcabouço jurídico que o Supremo bloqueou contas e suspendeu postagens na campanha eleitoral e nas investigações sobre o 8 de Janeiro, a maior ameaça recente à democracia brasileira. “Algum endurecimento da Justiça foi necessário para conter as ações antidemocráticas”, diz Pablo Ortellado, professor da USP e colunista do GLOBO. Mas isso não significa que todas as decisões do STF tenham sido ou sejam razoáveis. “O 8 de Janeiro aconteceu há mais de um ano e as suspensões de conta permanecem, sem boa justificativa.”
Felizmente, graças em grande parte ao Supremo, a democracia não está mais sob ameaça iminente. Por isso não se justifica que investigações continuem a tramitar em segredo de Justiça. Não se sabe sequer quantas contas o STF mandou suspender no X, a quem pertencem, nem por quê. A falta de transparência torna impossível avaliar se as exigências da lei foram respeitadas e empresta certa credibilidade às acusações de arbítrio contra o Supremo, especialmente da extrema direita.
Tirar um post do ar pode ser justificável quando houver conteúdo que atente contra a lei. Suspender uma conta, porém, deveria exigir crivo mais rigoroso, pois equivale a cercear a priori o direito à expressão, algo que só se justifica se a investigação comprovar uso para crimes graves (terrorismo, pedofilia, conspiração para tomar o poder etc.). O pior, diz o jurista Gustavo Binenbojm, seria o STF confundir meras declarações antidemocráticas — por mais repugnantes — com atos antidemocráticos que ameaçam instituições.
Nada justifica a teimosia de Musk em descumprir ordens judiciais. Mas Moraes deveria evitar medidas extremas, como suspender o X no Brasil, ameaça usada contra o Telegram antes das eleições. Isso puniria milhões que usam a plataforma dentro da lei, acirraria o conflito e prejudicaria o debate sobre uma regulação eficaz, capaz de proteger a livre expressão e, ao mesmo tempo, pôr fim à terra sem lei das redes.
O foro adequado para tal debate é o Congresso, onde tramita o PL de Regulação das Redes Sociais, que, se aprovado, traria clareza jurídica a situações como a enfrentada pelo STF diante do X. Quanto à Justiça, deve agir com mais transparência e entender que não é hora de acirrar as tensões, mas de recobrar o clima de normalidade institucional essencial a toda democracia.
Pacheco cobra Câmara por regulação de redes sociais em meio a embate entre Musk e Moraes
O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), afirmou nesta segunda-feira (8) que a regulação das redes sociais é "inevitável" e cobrou da Câmara dos Deputados a votação do projeto aprovado pelos senadores em 2020.
"Considero isso [regulação] fundamental. Não é censura, não é limitação à liberdade de expressão. São regras para o uso dessas plataformas digitais, para que não haja captura de mentes, de forma indiscriminada, que possa manipular desinformação, disseminar ódio, violência, ataques a instituições", disse o senador.
A declaração do presidente do Senado ocorre em meio aos ataques do bilionário Elon Musk, dono da rede social X (antigo Twitter), ao ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes e a decisões da Justiça brasileira.
Musk ameaçou descumprir decisões de Moraes e reativar perfis bloqueados pela Justiça. Após os ataques, o blogueiro bolsonarista Allan dos Santos fez uma transmissão ao vivo em seu perfil no X —que estava bloqueado desde 2021— neste domingo (7).
O ministro Alexandre Padilha (Relações Institucionais) afirmou considerar as ações de Musk "um ataque inadmissível à Suprema Corte e à própria soberania brasileira" e disse que a melhor resposta a ser dada pelo Brasil é a "político-institucional".
"De um lado, todo o apoio ao trabalho que é feito pelo Judiciário, pelos instrumentos de apuração de quem utiliza as redes sociais para atos criminosos. [...] A resposta institucional dá todo apoio e garantia que os procedimentos de apuração continuem acontecendo dentro do devido processo legal", disse.
"E, ao mesmo tempo, o debate político que o Congresso Nacional vem fazendo. Acho que um passo além é esse projeto de regulação da inteligência artificial, de autoria do presidente Pacheco, relator líder da oposição e que o governo vem apoiando o relatório que o líder da oposição vem construindo", acrescentou.
Questionado sobre as declarações de Musk, Pacheco também saiu em defesa da criação do marco legal da inteligência artificial. O projeto em discussão no Senado foi construído por um grupo de especialistas em 2022 e apresentado por ele no ano passado.
Padilha afirmou que há ambiente para votar "o mais rápido possível" o marco legal e anunciou que o governo federal vai apoiar o relatório do senador oposicionista Eduardo Gomes (PL-RO). A expectativa é votar o texto na comissão especial até o fim do mês.
"Nós queremos, cada vez mais, investidores privados, parcerias privadas e públicas, atrair investimento internacional para essa área da inteligência artificial no país, mas garantir direitos aos vários setores que podem ser atingidos por isso", disse Padilha.
Gustavo Franco: Fazer ajuste com alta de imposto agrada ao lado petista do governo, mas não funciona
Por Cicero Cotrim (Broadcast) / O ESTADÃO DE SP
PORTO ALEGRE - Divergências entre o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e o núcleo petista mais duro do governo têm mantido a índole da política fiscal indefinida, o que aumenta a incerteza no cenário do Banco Central. E isso pode afetar o debate sobre a taxa neutra de juros (que não deprime nem estimula a atividade econômica) no segundo semestre, quando a autoridade monetária deve definir o nível da Selic no fim do ciclo de cortes. A avaliação é de Gustavo Franco, ex-presidente do BC, sócio-fundador da Rio Bravo Investimentos e colunista do Estadão.
“Não é garantido que o que vai prevalecer como política fiscal seja estritamente o que o ministro Haddad definiu no arcabouço. Sabemos que a política fiscal é o resultado de influências que são contraditórias, uma para contrair, e outra para expandir. O resultado final só vamos ver no final do exercício, e o Banco Central tem de trabalhar com essa dúvida.” Franco conversou com o Estadão/Broadcast na semana passada, durante o Fórum da Liberdade, em Porto Alegre (RS). Leia abaixo os principais trechos da entrevista:
Analistas do mercado têm expressado dúvidas sobre se o Banco Central vai poder cortar a taxa Selic tanto quanto se esperava, depois da mudança da comunicação do Copom. Qual é a sua avaliação?
Como regra, eu não gosto de comentar decisões do Copom. A observação geral que eu teria a fazer é que o comitê está chegando a um momento em que, segundo o que está escrito, vai reduzir o ritmo de queda - não a partir da próxima reunião, mas da seguinte. E que o momento de parar de cair vai chegar. A pergunta é até que nível o Copom vai cortar os juros, uma pergunta que leva ao debate sobre qual é a taxa neutra. Esse debate está aberto e vai ocorrer provavelmente até o segundo semestre, de uma forma mais operacional. E o problema é que vai ocorrer mais ou menos na mesma hora em que estará em debate a sucessão de Roberto Campos Neto (presidente do BC), e um debate vai contaminar o outro.
Existe hoje uma preocupação sobre o nome que vai substituir Campos Neto?
Ainda não. Mas eu tenho a impressão de que, daqui a pouco, essa preocupação vai aparecer muito claramente.
A postura fiscal do governo, com um arcabouço que permite o crescimento real dos gastos, diminui o espaço para a Selic cair até o nível neutro? Ou estamos falando de um aumento do nível neutro?
O Banco Central deve ter e de fato tem um olhar sobre a política fiscal que considera os compromissos do ministro (da Fazenda, Fernando) Haddad, inclusive formalizados no arcabouço fiscal. Mas considera também o ponto de vista do partido do governo, o Partido dos Trabalhadores, e do próprio presidente, que é bastante mais flexível nesse assunto. Portanto, não é garantido que o que vai prevalecer como política fiscal seja estritamente o que o ministro Haddad definiu no arcabouço. Sabemos que a política fiscal é o resultado de influências que são contraditórias, uma para contrair, e outra para expandir. O resultado final só vamos ver no final do exercício, e o Banco Central tem de trabalhar com essa dúvida.
O ajuste proposto pelo governo, apenas pelo lado da receita, tem dado resultado?
Eu acho que não. É cedo para dizer, até porque não teve nada muito contundente pelo lado da receita. E até pelo lado da receita a índole da política fiscal permanece muito indefinida, até pela diferença de opinião que existe sobre esse assunto dentro do governo. A ideia de fazer o ajuste pelo lado de aumento de impostos é boa no discurso, porque tem um sotaque progressista. Mas, na prática, é ruim. O mundo empresarial não gosta, já se paga muito imposto. E a ideia de que não tem nada para fazer na redução de despesas é errada. O governo abraçou essa ideia, e isso satisfaz um lado do governo, que é o lado petista, mas não funciona.
Parte do mercado tem mencionado a ideia de que as reformas dos últimos anos aumentaram o PIB potencial do Brasil. Esse é o diagnóstico correto?
Acho que sim, as reformas que vêm sendo feitas de forma incremental ao longo dos anos têm um impacto sobre a nossa capacidade de crescer. Não é nada muito avassalador, nada muito espetacular, mas existe. Quisera tivéssemos feito reformas que fizessem o produto potencial crescer de verdade. Há anos que se tenta fazer esse tipo de reforma. É extraordinário e bom que o governo agora reconheça que as reformas elevam o PIB potencial. Então, por que não faz mais?
Nas últimas semanas, as preocupações com uma interferência do governo em empresas como Petrobras e Vale cresceram. Esse é um problema?
Claro que sim, é horrível. É claro que o governo é acionista dessas empresas, e tem políticas para seus representantes nessas empresas. Mas, para começar, não é o único interessado no bom funcionamento dessas empresas. Em muitos casos, é contraditória a ação do governo. E é contraditória a existência de uma empresa que precisa atender a um objetivo que tem a ver com o interesse público, mas também tem um objetivo que é ter o melhor resultado para o sócio minoritário, privado. É o caso da Petrobras. Aí, fica uma permanente tensão política sobre se a Petrobras vai trabalhar para o seu acionista privado ou para o governo, se vai subsidiar a gasolina ou não, em benefício de quem, e com que dinheiro. Esses problemas têm uma solução que começa com a letra ‘p’, e chama-se privatização.