LULA E PREFEITO DE CAMPINAS BATEM BOCA POR CAUSA DE CASA DE 15M²
Por Davi Medeiros / O ESTADO DE SP
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o prefeito de Campinas, Dário Saadi (Republicanos), trocaram críticas por causa de moradias de 15 metros quadrados construídas na cidade para abrigar famílias da Ocupação Nelson Mandela. No sábado, 17, durante agenda em Belém, o petista criticou o tamanho das casas e disse que Saadi, por construí-las, “não é humano”. Em resposta, no domingo, o prefeito publicou um vídeo nas redes sociais em que acusa o presidente de mentir e fazer “politicagem”.
As críticas de Lula no sábado foram feitas durante agenda do governo para anunciar medidas de preparação da capital do Pará para receber a Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP-30). “O prefeito daquela cidade está construindo casas de 15 metros quadrados para que as pessoas pobres fiquem lá. Ou seja, significa que esse prefeito não entende de pobre. Significa que esse prefeito não é um cara humano. Significa que esse prefeito acha que pobre tem de ser tratado como se fosse uma coisa qualquer, e não como um ser humano que merece respeito”, afirmou.
Lula também confrontou as medidas de Saadi, que é do Republicanos – ou seja, do espectro político oposto –, com as de sua gestão. Disse que as habitações construídas pelo governo federal terão 40 metros quadrados quadrados, sacadas para as pessoas tomarem ar livre e bibliotecas. O presidente voltou a atacar a medida nesta segunda-feira, 19, durante sua live semanal.
Como mostrou o Estadão, Saadi tentará a reeleição em Campinas tendo o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), buscando se firmar como o candidato dos votos bolsonaristas no município. Seu principal adversário na disputa será o deputado estadual Rafael Zimbaldi (Cidadania), também de centro-direita, deixando o PT isolado na cidade.
Além das críticas feitas no sábado, o presidente voltou a tocar no assunto durante live nesta segunda-feira. “Aquele negócio de o prefeito (de Campinas) fazer uma casa de 15 metros quadrados. Se essa moda pega, daqui a pouco estaremos construindo poleiros para que o pobre possa morar. É o absurdo do absurdo”, disse.
No vídeo publicado no domingo, Saadi classificou as falas do presidente como “politicagem” e acusou o petista de não falar a verdade. “Humano seria não atender às reinvindicações das famílias? Humano é não mentir, humano é falar a verdade. Lula, deixa de politicagem, deixa de fazer discursos como você fez ofendendo a luta das famílias do Mandela”, afirmou.
Em nota enviada ao Estadão, a prefeitura de Campinas afirmou que as casas de 15 metros quadrados não são fruto de um projeto habitacional, mas, sim, de um acordo com os moradores da ocupação para evitar uma ordem de despejo. A ocupação, por sua vez, saiu em defesa do prefeito e divulgou nota afirmando que “ninguém se preocupou” com as famílias quando elas foram alvos de uma ordem de reintegração de posse.
Ainda segundo o movimento, as casas são “embriões” feitos rapidamente para cumprir a determinação da Justiça, que deu quatro meses para o despejo das famílias, e que serão ampliadas para até 60 metros quadrados no futuro.
Na manhã desta segunda-feira, a Frente Nacional de Prefeitos (FNP) manifestou solidariedade ao prefeito de Campinas, defendeu diálogo federativo “permanente” e falou em “equívoco do governo federal”. Saadi é vice-presidente de Saúde da entidade. “Manifestamos solidariedade ao prefeito de Campinas, Dário Saadi, diante do equívoco do governo federal sobre uma iniciativa de residência evolutiva na cidade. Para evitar episódios como esse, a FNP incentiva e busca a promoção do diálogo federativo permanente. Somente com iniciativas conjuntas e coordenadas, entre União, estados e municípios, será possível promover justiça social e o desenvolvimento de país”, diz a nota.
EM SEIS MESES DE GOVERNO, PROPOSTAS E AMEAÇAS DE FLÁVIO DINO NÃO SAÍRAM DO PAPEL
Por Tácio Lorran e Levy Teles / O ESTADO DE SP
BRASÍLIA - No primeiro mês como ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino (PSB-MA) anunciou quatro medidas para combater ataques contra o Estado Democrático de Direito. O conjunto de propostas ficou conhecido como pacote antigolpe, ou pacote da democracia, e seria enviado em fevereiro. Na ocasião, o ministro concedeu dezenas de entrevistas para anunciar suas ações, fez postagens e ameaças nas suas redes sociais que somam 2,2 milhões de seguidores no Twitter e Instagram. Mas, passados cinco meses, nada saiu do papel – as propostas nem sequer foram enviadas aos parlamentares.
Até agora, a pasta do ministro mais popular do governo Lula apresentou apenas um projeto de lei ao Congresso com o objetivo de combater o ouro ilegal. O texto chegou à Câmara no último dia 13 de junho. O ministro não anunciou nenhuma medida nova voltada para a área de segurança pública. Em discursos amplamente repercutidos nas redes sociais, porém, cobrou explicações de plano de saúde por reajustes, ameaçou postos de combustíveis que não baixassem os preços, big techs e o Congresso.
O ministro também especulou a possibilidade de censura prévia ao músico Roger Waters por apologia ao nazismo; falou em usar o princípio da extraterritorialidade contra quem ofendeu o jogador Vini Jr e acionar a Polícia Federal para investigar o esquema de apostas em jogos de futebol. Ações que ficaram apenas no discurso. A promessa de “ação rápida” para combater grupos criminosos que fraudam eventos esportivos já dura 40 dias.
Nesse período, Dino virou um protagonista nas redes sociais. Alvo de mais de 60 convocações no Congresso, o ministro já esteve em quatro delas, o que lhe rendeu o título de “lacrador” por rebater parlamentares de oposição que desconhecem o Direito, tema que domina. A “lacração”gera números na internet. Depois das eleições, ele tinha cerca de 790 mil seguidores no Twitter. De lá para cá, chegou a 1,1 milhão. A popularidade incomodou o governo, que pediu ao ministro mais discrição, como convém ao cargo de ministro da Justiça, já ocupado por nomes como José de Alencar (1868-1870), Osvaldo Aranha ((1930-1931), Tancredo Neves (1953-1954 e 1961), e Paulo Brossard (1986-1989).
Atos golpistas
Elaborado na esteira dos ataques antidemocráticos do dia 8 de janeiro em Brasília, quando golpistas depredaram a sede dos três poderes para impedir a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o pacote antigolpe teria uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC), uma Medida Provisória (MP) e dois Projetos de Lei (PL). Mas ficou só na promessa.
A PEC criaria a Guarda Nacional, em substituição à atual Força Nacional de Segurança. A solução alardeada pelo ministro era substituir a Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF), hoje responsável pela proteção da Praça dos Três Poderes, pela Guarda Nacional. “O pacote de propostas”, anunciou o ministro nas redes sociais, “será apresentado...no início da legislatura”, disse Dino, na época. Já se passaram cinco meses da data prevista.
O ministro também anunciou que iria enviar ao Congresso uma medida provisória para criminalizar condutas antidemocráticas na internet. Dino prometeu criar obrigações jurídicas compulsórias às big techs, quando houver cometimento de crimes contra o Estado Democrático de Direito ou de terrorismo, em ambientes virtuais. Falou, ainda, em suspender e até banir redes sociais que não barrarem publicações com discurso de ódio. Até o momento, porém, nenhuma MP foi encaminhada.
Nem mesmo uma proposta alternativa para abarcar esse tema foi adiante. O Ministério da Justiça incluiu no projeto das Fake News parte de suas propostas, mas o governo Lula abandonou o tema diante da falta de votos para aprovar o texto nem mesmo sua versão fatiada.
Flavio Dino também prometeu no início do ano enviar ao Congresso dois projetos de lei – um para aumentar a pena para organizadores e financiadores de atos antidemocráticos e outro acelera a perda de bens de pessoas e empresas que participam desses ataques. Os textos não foram encaminhados.
Coisa de internet
No Congresso, deputados dizem que Dino age como o ex-presidente Jair Bolsonaro que quando cobrado por suas declarações nas redes sociais justificava assim: “Coisa de internet”.
“O ministro da Justiça de qualquer país tem que falar pouco e agir muito. O Congresso está aguardando todas as medidas anunciada no pacote. Se não chegar, o ministro perde força, capital político e coloca a credibilidade em cheque ante o Congresso Nacional”, disse o deputado José Nelto (PP-GO).
A deputada Silvia Waiãpi (PL-AP) reforça. “A situação da segurança pública no Brasil é algo sério e acompanhamos a inércia no Ministério da Justiça. Também observamos a alegria com a prisão de Anderson Torres (ex-ministro da Justiça de Bolsonaro acusado de facilitar os atos golpistas) e vimos o silêncio quando vídeos do ex- Ministro do GSI (de Lula) Gonçalves Dias o mostraram conduzindo “invasores” para facilitar fuga. Lamentável”, afirmou ela.
O deputado federal Rodrigo Valadares (União-SE) diz que Dino “deixa a desejar” no trabalho. “Flávio Dino é especialista em perseguição e bravata. Mas em termos de trabalho, deixa muito a desejar. Prometeu novo decreto de armas, pacote antigolpe e combater criminosos, mas o que vemos é exatamente o contrário”, disse o parlamentar.
Complexos
Procurado para comentar o assunto, o Ministério da Justiça alegou que os textos enviados à Presidência da República “dizem respeito a temas complexos, que demandam estudo e discussão interna”. “Tão logo esse processo de estudo e discussão seja finalizado, o pacote será enviado ao Congresso Nacional”, acrescentou a pasta.
A afirmação contraria, no entanto, o próprio Dino. À imprensa, o ministro da Justiça afirmou em 26 de janeiro que as medidas são “pontuais” para que caminhem de maneira célere. “Nós procuramos construir um meio-termo. Não são medidas puramente simbólicas, porque isso não cumpriria nenhum papel. Por outro lado, não temos a pretensão de fazer um pacote muito longo, muito complexo, muito demorado, pois a experiência revela que a tramitação legislativa fica muito dificultada. Então são quatro ideias pontuais, são projetos bem pequenos”, disse ele.
“A ideia inicial do Ministério da Justiça é essa. É claro que há outros órgãos do governo que serão consultados, como a Advocacia-Geral da União e a própria Casa Civil, evidentemente. Podem ser acrescidos outros projetos a partir dessa consulta interna no governo, sob o comando do presidente da República”, acrescentou.
janja tem poder de veto no governo e interfere em áreas como defesa, e economia e publicidade
BRASÍLIA - Quando Luiz Inácio Lula da Silva apresentou a socióloga Rosângela Silva, a Janja, como sua namorada ao deixar a prisão na tarde de 8 de novembro de 2019, em Curitiba, antigos companheiros do PT avaliaram que o “animal político” renovava ali o ânimo do partido para a corrida ao Palácio do Planalto. Mais de três anos depois, porém, a agora primeira-dama é vista como problema para um governo com entraves na articulação política. E a crítica vem justamente de velhos amigos do presidente, ministros e líderes de partidos.
Senadores e deputados petistas dizem que Janja se colocou como um poder entre o gabinete presidencial, a base aliada e ministros. Ainda na transição, ela tentou ser nomeada para um cargo no Planalto. Assessores avisaram Lula, no entanto, que isso era “nepotismo”. Sem função formal, a primeira-dama se instalou num gabinete de 25 metros quadrados bem ao lado da sala do presidente, no terceiro andar, e dali em diante tem aumentado seu espaço no governo.
Sob o argumento de que quer “ressignificar” o papel de primeira-dama, Janja participa de reuniões do presidente com ministros, impõe medidas para as áreas econômica, social e política, dá palpite sobre o relacionamento com os militares e afasta Lula de deputados e senadores.
O Estadão apurou que a primeira-dama tem interferido em questões de governo, especialmente na publicidade, indo além de meras opiniões sobre peças de campanhas e com poder de veto. Janja determina mudanças, trocas e até vetos em campanhas importantes. Se ela não gostar, a propaganda não vai adiante.
Foi a primeira-dama, por exemplo, que barrou uma proposta do PT de remunerar blogueiros alinhados ao governo. Havia pressão do partido e do próprio ministro da Secretaria de Comunicação Social, Paulo Pimenta, mas a decisão final foi de Janja. Ela determinou que os blogueiros continuassem na militância, sem remuneração. A primeira-dama também defende uma comunicação mais voltada para as TVs abertas. O governo nega que Janja tenha interferência na área de comunicação ou publicidade institucional.
Um integrante do primeiro escalão disse ao Estadão que Janja atropelou o rito de conversas com a equipe econômica ao fazer um pedido expresso para redução dos juros do cartão de crédito.
Auxiliares da Fazenda foram destacados para tocar a medida. Todos temem, no entanto, falar abertamente sobre Janja. “Me tira dessa” ou “Imagine se eu falar alguma coisa” são as frases mais ouvidas quando o assunto se refere à primeira-dama.
Lula sanciona sem vetos lei de preço de transferência, e Fazenda espera arrecadação maior
Eduardo Cucolo / FOLHA DE SP
A nova legislação sobre preços de transferência —forma de tributação das operações internacionais realizadas por empresas que integram um mesmo grupo econômico— foi sancionada nesta quarta-feira (14) pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), sem vetos.
A lei 14.596 é mais um passo do Brasil para adaptar seu sistema tributário às regras da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico) e também pode garantir uma arrecadação extra ao governo.
Uma medida provisória sobre o tema foi editada no último ano do governo Jair Bolsonaro (PL) e aprovada pelo Congresso em maio deste ano.
Na época da votação, o ministro Fernando Haddad (Fazenda) atuou junto a parlamentares para garantir a aprovação do texto, que pode assegurar até R$ 23 bilhões em recursos em 2024, segundo estimativas da equipe econômica.
Após a aprovação, o ministro disse que a proposta é essencial para fechar brechas na lei usadas por multinacionais para pagar menos impostos no Brasil. Também afirmou que a Receita Federal estimava perdas em cerca de R$ 70 bilhões ao ano com as regras então vigentes e esperava a recuperação gradual desses valores nos próximos anos.
Como a tributação sobre a renda é menor em outros países, algumas multinacionais declaram a venda de seus produtos para filiais no exterior a um preço próximo do custo de produção e, de lá, concluem a comercialização para o destinatário final pelo preço real. Com isso, a tributação total do grupo é reduzida.
Um dos principais pontos da nova legislação é a adoção do princípio "arm's length": as condições de uma transação entre empresas do mesmo grupo devem ser comparáveis ao que seria praticado entre partes não relacionadas.
A mudança na legislação também evita que empresas com sede nos Estados Unidos sofressem dupla incidência de tributação (aqui e no exterior), pois uma mudança recente na legislação americana só permite o desconto do tributo pago no exterior quando o outro país adota as mesmas regras sobre o tema.
As novas regras devem ser observadas obrigatoriamente a partir de 1º de janeiro de 2024, mas as empresas podem optar por aplicá-las às operações realizadas desde janeiro de 2023.
Sócias da área tributária do escritório Trench Rossi Watanabe, Simone Musa e Clarissa Machado afirmam que a maior parte das multinacionais brasileiras exportadoras de commodities não deve ser afetada pela mudança em termos de tributação. Desde 2014, essas empresas já estavam obrigadas a usar como parâmetros cotações em Bolsas de mercadorias e futuros.
Para exportadores de produtos que não estavam sujeitos a essa regra, o impacto pode ser maior e levar a alguma adequação de estrutura. Multinacionais estrangeiras que atuam no país podem ser beneficiadas por alguma redução de carga tributária.
"O foco é o equilíbrio. Talvez uns paguem mais. Outros, menos. A lei traz um equilíbrio para evitar tanto a bitributação como a não-tributação", afirma Clarissa Machado.
Simone explica a mudança citando o exemplo de um bolo de lucros que precisa ser dividido entre diversos países, mas que possuem regras diferentes para determinar essa distribuição. Com o Brasil adotando as mesmas diretrizes de importantes parceiros comerciais, há um risco menor de que a empresa pague mais ou menos imposto na soma das duas tributações.
A lei ainda precisa ser regulamentada pela Receita Federal, que deve colocar em consulta pública uma proposta de instrução normativa.
A legislação prevê ainda um mecanismo de resolução de conflitos, com discussão entre países para divisão dos valores a serem tributados, o que depende da existência de tratados entre governos.
"Além da instrução normativa, é importante ratificar o acordo com o Reino Unido e celebrar um tratado de não-tributação com os Estados Unidos", afirma Simone Musa.
Governo quer ajuste em arcabouço fiscal para evitar corte de R$ 40 bi no Orçamento de 2024
Idiana Tomazelli / FOLHA DE SP
O governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) quer fazer ajustes no ponto de partida do novo arcabouço fiscal para evitar um corte de até R$ 40 bilhões nas despesas de custeio e investimentos na proposta de Orçamento para 2024, que precisa ser enviada até 31 de agosto deste ano.
A permanência desse cenário obrigaria a gestão petista a passar a tesoura nos recursos de diversas políticas públicas. Ainda que o próprio arcabouço autorize a recomposição desses valores no ano que vem, propor gastos menores já na largada das discussões seria delicado do ponto de vista político, além de afetar a organização e gestão do Orçamento.
O secretário de Orçamento Federal do Ministério do Planejamento, Paulo Bijos, diz que uma das possibilidades é alterar, no próprio projeto de lei da regra fiscal, a inflação que corrige o limite de despesas anualmente. A desvantagem desse caminho é que o texto, hoje em tramitação no Senado, precisaria passar por nova votação na Câmara dos Deputados, atrasando ainda mais o cronograma.
Outra opção, segundo ele, é inserir no PLDO (projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias) de 2024, ainda em análise pelo Congresso, uma autorização para o governo incluir os R$ 40 bilhões de forma condicionada à abertura de novos créditos no ano que vem. O desenho atual do arcabouço já contém uma brecha para permitir essa abertura de créditos no próximo exercício.
A escolha da melhor estratégia será uma decisão política. Nos últimos dias, a necessidade de aperto tem sido alvo de alerta da ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet. Segundo ela, as cifras podem ficar entre R$ 32 bilhões e R$ 40 bilhões.
Os valores também já haviam sido apontados por economistas, que viram na possibilidade de abertura dos créditos uma manobra para permitir gastos extras em 2024.
O risco de corte nas discricionárias na proposta de Orçamento decorre de uma mudança feita pela Câmara dos Deputados no texto proposto pela equipe do ministro da Fazenda, Fernando Haddad.
No desenho original, o limite de despesas seria corrigido pela inflação acumulada até junho do ano anterior e pela variação de preços estimada entre julho e dezembro do mesmo ano, mais a parcela de alta real entre 0,6% e 2,5% permitida pela regra.
Os deputados avaliaram que a parcela de projeção daria margem para o governo superestimar a inflação e, assim, obter um limite mais amplo para gastos. Por isso, o parecer do deputado Cláudio Cajado (PP-BA) alterou a correção para inflação em 12 meses até junho do ano anterior —sem nenhum componente de projeção incluído.
A mudança afetou os planos da Fazenda, uma vez que o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) em 12 meses até maio ficou em 3,94%, menor que a alta de 5,58% esperada pela SPE (Secretaria de Política Econômica) até o fim do ano.
"O projeto foi muito bem debatido, muito bem elaborado, de maneira plural. Mas nós temos agora um desafio para a elaboração do PLOA [Projeto de Lei Orçamentária Anual]", disse Bijos nesta terça-feira (13) a jornalistas.
Ele citou que o corte pode ser de R$ 40 bilhões, em "grandes números", caso o cenário atual se mantenha. "A discussão envolverá o ajuste da base", afirmou. "A despesa condicionada é uma possibilidade, mas não vou antecipar qual vai ser o caminho para equacionar a situação."
Caso a escolha seja mudar o texto no Senado, o secretário ressaltou que o processo será conduzido em diálogo com a Câmara, que teria palavra final sobre o texto.
Na próxima quinta-feira (15), Haddad deve ter uma reunião com lideranças do Senado para discutir o arcabouço e, segundo Bijos, um dos temas tratados deve ser a intenção de fazer esse ajuste no ponto de partida da nova regra.
O secretário disse que a regra aprovada pela Câmara ficou mais apertada, o que pode gerar entraves na elaboração do Orçamento.
Além de um espaço fiscal menor, o governo precisará acomodar uma série de despesas sob o novo limite, apelidadas pelo secretário de "come cotas de despesas discricionárias". A lista inclui a retomada dos pisos de saúde e educação vinculados à arrecadação, que resultarão em valores maiores do que os que vinham sendo praticados sob o teto de gastos aprovado no governo Michel Temer (MDB).
Como mostrou a Folha em maio, estimativas do mercado apontam um incremento de até R$ 35 bilhões por causa dos novos pisos em saúde e educação, dos quais R$ 29 bilhões seriam apenas na saúde. Os valores se aproximam de estimativas internas do governo.
Outros itens desafiadores são o piso para investimentos (ao redor de R$ 70 bilhões), a reserva para emendas parlamentares e os gastos com custeio da máquina, onde o governo vê pouca gordura para redução ante os atuais R$ 45 bilhões.
"Vamos tentar ajustar. Queremos achar um ponto de equilíbrio, nem afrouxar nem aportar, ter um nível adequado [de despesas]", afirmou Bijos.
ENTENDA O AJUSTE BUSCADO PELO GOVERNO
A Câmara dos Deputados mudou o arcabouço fiscal proposto pelo Ministério da Fazenda e passou a prever a correção do limite pela inflação observada em 12 meses até junho do ano anterior ao da vigência do Orçamento, mais o ganho real entre 0,6% e 2,5%.
A mudança frustrou os planos do governo, que pretendia atualizar o novo teto de despesas pela inflação observada entre janeiro e junho de 2023, mais a estimativa de variação de preços entre julho e dezembro deste ano. Como o governo espera aceleração da inflação no segundo semestre, isso resultaria em espaço extra na formulação do Orçamento.
Segundo o Planejamento, a modificação pode obrigar a pasta a enviar a proposta de Orçamento com um corte de até R$ 40 bilhões nas despesas de custeio e investimentos. Há duas alternativas em discussão:
- Alterar o texto do novo arcabouço fiscal no Senado para retomar a regra de correção do limite pela inflação fechada do ano, ainda que isso signifique incorporar uma parcela de estimativa (o IPCA definitivo só é divulgado no início de janeiro do exercício seguinte). A desvantagem é que a proposta precisaria passar novamente pela Câmara, atrasando o cronograma.
- O próprio arcabouço prevê a possibilidade de o governo abrir créditos adicionais no início de 2024, caso a inflação se acelere no fim de 2023, de forma a compensar a diferença que não pôde ser incorporada já na proposta de Orçamento. A alternativa seria alterar o PLDO de 2024 para autorizar o governo a incluir despesas no montante equivalente, condicionadas à constatação de que o governo terá direito a esses créditos.
APOIADORES DOMINAM CHAT DA LIVE DE LULA E COBRAM MAIS COMUNICAÇÃO
Os apoiadores do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) dominaram os comentários na estreia do programa “Conversa com o Presidente”, uma live em que o chefe do Executivo é entrevistado pelo jornalistaMarcos Uchôa, ex-Globo, hoje na TV Brasil, nesta terça-feira, 13. Mensagens de apoio ao petista dividiram espaço com cobranças para melhorar a divulgação dos feitos do governo. A iniciativa reproduz uma prática adotada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) nas “lives de quinta-feira”, transmissões ao vivo realizadas pelo então chefe do Executivo.
Nos comentários, os internautas cobraram uma melhoria da comunicação do governo. “Vamos melhorar urgente essas informações. Não está chegando no povão, Lula! Faça podcast, entrevistas semanais”, disse um espectadora. Outros afirmaram que “comunicar com o Brasil é fundamental” e que “um ponto a ser observado é talvez abrir pergunta para o público”. Como mostrou o Estadão, a live de hoje é um reforço da ofensiva na comunicação de ações positivas do governo.
O “Conversa com o Presidente” foi veiculado no canal oficial do presidente no YouTube, com cerca de 1,3 milhão de seguidores ativos. A transmissão, marcada para 8h30, começou com pequeno atraso de sete minutos. O pico de espectadores simultâneos foi de cerca de 5,8 mil. Seis horas após a exibição, os números do canal mostram que o vídeo tem 60 mil visualizações.
Mensagens favoráveis a Lula subiam no chat enquanto o presidente compartilhava suas respostas com Uchôa. “Isso mesmo presidente”, “Lula até 2030″, “Lula, o melhor presidente de todos os tempos”, mandaram os espectadores. Comentários pontuais contra o governo também apareceram no decorrer da entrevista, mas foram reprimidas pelos apoiadores do petista: “pior governo da história”, “Lula de volta a prisão” e “perguntas combinadas! nunca vai ser igual ao Bolsonaro”. Os embates entre apoiadores e oposição nos comentários do chat lembraram o cenário que era visto durante as lives do ex-presidente, quando os petistas comentavam posicionamentos contrários a Bolsonaro.
No primeiro episódio da Conversa, Lula deu recados para o agronegócio, defendeu uma reforma agrária “pacífica” e fez cobranças para entregas dos ministros. Em um aceno à classe média, o presidente prometeu ampliar o Programa Minha Casa, Minha Vida para famílias dessa faixa de renda. Os recentes atritos com o Centrão e as pressões para mudanças na Esplanada ficaram de fora.
Cúpula do União ameaça levar 50 deputados para oposição se ministra for mantida
Por Bela Megale / O GLOBO
A cúpula do União Brasil aumentou a pressão sobre Lula em relação à troca do comando do Ministério do Turismo. O recado para membros do governo é que o partido levará 50 dos seus 59 deputados federais para a oposição se a ministra Daniela Carneiro (União-RJ) não for substituída por Celso Sabino (União-PA).
Uma prévia desse número já consta no abaixo-assinado feito por deputados federais do União Brasil nesta segunda-feira que repudiaram os ataques do marido de Daniela, o prefeito de Belford Roxo (RJ), Waguinho (Republicanos-RJ), a Celso Sabino.
Até 16h de hoje, quase 50 deputados já tinham assinado o texto que apoia a troca da pasta do Turismo. “Solicito apoio para que a bancada se manifeste repudiando a ação contra o colega e ainda externando nossa deliberação na escolha do Celso Sabino para representar o partido na Esplanada dos Ministérios do governo”, diz o documento que deve ser entregue ao governo.
O alívio do ‘Desenrola’
Por Notas & Informações / o estadão de sp
Com os detalhes da Medida Provisória que institui o programa Desenrola Brasil finalmente divulgados, o governo promete para o mês que vem pôr em prática a renegociação dos débitos de pessoas físicas. A intenção é reduzir drasticamente o endividamento que, segundo dados da Confederação Nacional do Comércio (CNC), ultrapassa 78% das famílias brasileiras, sem sinais de arrefecimento.
Ainda que com atraso – anunciado em janeiro, a ideia era que estivesse rodando já no mês seguinte –, enxugar a lista da inadimplência formada por mais de 70 milhões de brasileiros acima de 18 anos, de acordo com dados da Serasa, será, sem sombra de dúvidas, um grande alívio para a população consumidora.
Mas a limpeza de CPFs “sujos” é apenas um primeiro passo, não um caminho aberto para a retomada do consumo, espremido pela inflação e pelos juros nas alturas. O Produto Interno Bruto (PIB) do primeiro trimestre do ano confirmou o consumo das famílias ainda em ritmo lento, quase parando.
A desaceleração ocorre desde o segundo trimestre do ano passado, quando o consumo avançou 1,9%; no período seguinte, reduziu o ritmo para 0,8%; depois, 0,4%; e, no início deste ano, 0,2%. A melhora das projeções para os principais indicadores econômicos, de acordo com acompanhamento do Banco Central, ainda é insuficiente para garantir a virada de chave e fazer a economia girar.
Apesar de cair pela terceira vez consecutiva, a previsão de inflação para 2023 é de 5,69%, enquanto o crescimento do PIB passou para 1,68% – uma melhora, como se sabe, puxada pelo trator da agropecuária. Some-se a isso a taxa de juros cristalizada no patamar de 13,75% desde agosto do ano passado e o rendimento médio do trabalho também no “modo pausa” e temos a explicação para a timidez do consumo.
O esforço do governo para reduzir o recorde de 43,43% da taxa de inadimplência será maior para a população de renda mais baixa, que ganha até dois salários mínimos e será amparada, na negociação de suas dívidas, por garantias oferecidas pelo Tesouro. É compreensível, já que o combalido erário público não tem lastro para assegurar o socorro a todos. Mas significa que a classe média, tão endividada quanto os ocupantes dos degraus mais abaixo na escada da economia, dependerá mais da boa vontade dos bancos para sanear sua contabilidade.
Recente pesquisa da CNC revelou que famílias de classe média sentem com mais intensidade a pressão dos juros altos. Não fazem parte do grupo beneficiado por programas de transferência de renda, tampouco têm capacidade financeira para amortizar as dívidas, como os de classe mais alta. Com rendimentos mensais entre três e cinco salários mínimos, foi a classe média a mais endividada e inadimplente na passagem de abril para maio, mostrou o estudo.
Resta a esta imensa legião aguardar uma ampla adesão de instituições financeiras e empresas aos leilões promovidos com descontos para a renegociação das dívidas. Aliás, espera-se que as “razões burocráticas” citadas pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, para o atraso na abertura do sistema estejam, de fato, solucionadas até o mês que vem.
Lula dificulta debate sobre meta de inflação
Por Editorial / o globo
Os reiterados ataques do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao Banco Central (BC) têm dificultado uma discussão essencial que deverá ser travada em breve no Conselho Monetário Nacional (CMN): qual é a meta de inflação ideal para o Brasil? Ao afirmar que o BC deveria tolerar uma inflação mais alta que os 3,25% adotados como meta neste ano, infelizmente Lula contribui para reduzir a confiança do mercado e para a necessidade de metas mais rigorosas.
“Se o presidente não tivesse se envolvido na polêmica, daria para manter a meta de 3,25% até 2026 e aceitar que a desinflação se desse lentamente”, diz o economista Fabio Giambiagi, pesquisador do Ibre-FGV e colunista do GLOBO. “Todo mundo entenderia que a inflação de 2024 e 2025 seria ligeiramente maior.” Mas agora, diz ele, se a meta subir, isso será interpretado como vitória de Lula sobre o presidente do BC, Roberto Campos Neto, aumentando a desconfiança no cumprimento das metas. Ao falar demais, Lula agiu contra o próprio objetivo.
Longe da trapalhada política, o debate acadêmico tem reunido argumentos favoráveis ao aumento na meta. Seus principais defensores têm sido os economistas Ricardo Barboza, Bráulio Borges (ambos do Ibre-FGV) e Mauricio Furtado, do BNDES. Em artigo no jornal Valor Econômico, eles propõem a elevação de 3% para 4% em 2024. Argumentam que, em 23 anos de políticas de metas, o CMN jamais se baseou em estudos técnicos para fixá-las e que a inflação só baixou a 3% uma única vez, em 2017.
“Num contexto de mercado de trabalho pouco flexível, de grande rigidez para baixo de preços e salários nominais, de elevada fragilidade fiscal e diante de uma realidade em que diversas despesas fiscais não podem ser reduzidas nominalmente — dentre as quais salários e aposentadorias/pensões do funcionalismo —, uma meta de inflação algo mais elevada poderia trazer mais benefícios do que custos”, escreveram Barboza e Borges. Como a inflação média nos últimos anos foi de 6,4%, eles afirmam que a meta de 4% seria mais realista. Traria mais credibilidade ao BC, sem que ele tivesse de afrouxar o combate à alta de preços.
A meta atual de 3,25%, apenas 1 ponto percentual acima da fixada pela Zona do Euro, é muito difícil de atingir, afirma o economista Luiz Roberto Cunha, da PUC-RJ. Mas o ambiente, diz ele, é de incerteza para qualquer mudança. Em vez de aumentar a meta, ele sugere que seria possível ampliar a tolerância de 1,5 para 2 pontos percentuais, de modo a tornar o esforço do BC mais compatível com a realidade. Outra ideia é deixar de adotar como critério para cumprimento da meta o ano calendário, de janeiro a dezembro. Para Cunha, o BC deveria ter entre um ano e meio a três para baixar a inflação, como outros bancos centrais. De 36 países analisados num estudo dos economistas Klaus Schmidt-Hebbel e Martín Carrasco, da Universidade Católica do Chile, 29 adotam prazos maiores que um ano para alcançar a meta.
Todas essas sugestões precisam ser debatidas com serenidade, com base em argumentos técnicos. Tristemente, é uma discussão impossível quando Lula eleva os decibéis em sua campanha contra Campos Neto, para esconder sua incapacidade de conduzir uma política econômica fiscalmente responsável. Tal verborragia recomenda que, por ora, se adie qualquer alteração na meta perseguida pelo BC.
Alívio na inflação
A inflação ao consumidor medida pelo IPCA ficou em 0,23% em maio, abaixo das expectativas de analistas. Confirmam-se os sinais positivos recentes que devem levar o Banco Central a iniciar um ciclo de cortes de juros em breve.
A variação do índice em 12 meses caiu a 3,94%, menor patamar desde outubro de 2020. Trata-se de melhora expressiva ante os 11,73% acumulados em período correspondente de um ano atrás.
O resultado decorre de uma combinação de queda de cotações de matérias-primas no atacado, barateamento de combustíveis e reversão de altas em bens industriais. A valorização do real ante o dólar contribuiu para esse processo.
A deflação de 7,55% no atacado em 12 meses, segundo o IPA-M da FGV, não deve tardar a ser transmitida mais amplamente para os consumidores. Com o mercado de trabalho estável, a pressão menor sobre preços de artigos essenciais propiciará um bom alívio para a renda das famílias neste ano.
Mesmo a reversão de parcela dos cortes de impostos sobre os combustíveis —promovidos com objetivo eleitoreiro nos últimos meses do governo Jair Bolsonaro (PL)— não deve alterar essa dinâmica.
Mais importante para a definição da política monetária é a evolução dos preços de serviços, que sempre mostram maior inércia e são mais correlacionados com a gestão econômica doméstica.
Nessa frente, ainda há razões para preocupação —as várias medidas do chamado núcleo da inflação se mantêm entre 5% e 6% anuais. Entretanto a leitura de maio do IPCA dá pistas de que também nesse setor se pode esperar uma melhora nos próximos meses.
Para tanto contribuiu a definição e a perspectiva de aprovação de uma nova regra fiscal. Embora o modelo proposto não seja suficiente para conter o avanço da dívida pública, ao menos foi reduzido o risco de descontrole de gastos, o que ajudou a valorizar o real e derrubar os juros futuros.
Com a safra de notícias mais favoráveis, que o BC deve reconhecer, o mercado já antevê juros de um dígito até meados do próximo ano.
É um progresso e tanto, cuja continuação depende de paciência, consistência e perseverança nas ações do governo. Será importante, nesse contexto, evitar o caminho equivocado de revisar para cima as metas de inflação, como chegou a sugerir o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Melhor que seja mantido o objetivo de 3% para o horizonte 2024-26, o que poderá reduzir expectativas de inflação e facilitar o trabalho da autoridade monetária.