Governo ignora promessa de Lula, descarta propostas e privilegia aliados com verba
Antes de começar a liberar os R$ 9,9 bilhões que herdou das emendas de relator, o governo Lula (PT) criou regras de controle, editou atos internos, fez lives com prefeituras, desenvolveu sistemas para receber propostas do Brasil todo, mas, na prática, tem distribuído o dinheiro na base de acordos políticos.
Mais de 45 mil projetos foram cadastrados por municípios em apenas dois ministérios: o da Saúde (ao menos 37 mil propostas) e o da Agricultura (8 mil).
No entanto os repasses autorizados pelo governo seguem privilegiando aliados do Palácio do Planalto e da cúpula do Congresso, especialmente do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).
Durante a campanha eleitoral e após tomar posse Lula tem repetido que não olha a filiação partidária de deputados, senadores e governadores para repasse de verba e proposição de parcerias federais.
É na Câmara dos Deputados onde o governo tem enfrentado maior resistência a projetos de interesse de Lula. As primeiras liberações também atenderam a demandas de ministros.
De R$ 250 milhões empenhados pelo Ministério da Agricultura, mais de R$ 130 milhões foram para projetos em Mato Grosso, reduto eleitoral de Carlos Fávaro (PSD).
Enquanto todos os R$ 50 milhões destravados pelo Ministério das Cidades serviram para uma obra em Belém (PA), onde a família do titular da pasta, Jader Filho, tem longa carreira política.
Procuradas, as pastas da Saúde, Agricultura e Cidades não responderam se houve participação do Palácio do Planalto ou de parlamentares para a seleção das propostas que receberam repasses.
Como mostrou a Folha, o Ministério da Saúde passou, neste mês, a autorizar repasses dessa verba para bases de parlamentares, principalmente deputados. Os pedidos foram destravados e levaram em consideração uma lista de demandas apresentada por articuladores de Lira ao Palácio do Planalto.
Após pressão do centrão, o Ministério da Saúde liberou R$ 465 milhões do recurso, sendo que mais de R$ 105 milhões foram direcionados a Alagoas, estado que tem Lira como uma das lideranças políticas, além do líder do MDB na Câmara, Isnaldo Bulhões.
No total, a Saúde tem R$ 3 bilhões dos R$ 9,9 bilhões que foram rebatizados após o fim das emendas de relator –principal moeda de troca usada no governo de Jair Bolsonaro (PL) com o Congresso.
A decisão de priorizar aliados do governo e de Lira contraria normas editadas pelo próprio governo sobre a divisão do recurso herdado das emendas de relator.
Em portaria publicada em maio, a SRI (Secretaria de Relações Institucionais), pasta responsável pela articulação política do governo, determinou que fosse aberta uma seleção de propostas, com análise técnica e divulgação do resultado da escolha.
Os ministérios que já liberaram recursos, porém, ainda não informaram como foi feita a seleção.
Antes de começar a liberar a verba, a Saúde também havia determinado regras para seleção das propostas. O grupo de parlamentares liderados Lira tornou a pasta alvo após a equipe de Nísia Trindade criar regras para ampliar o controle na liberação de emendas parlamentares.
A pressão do Congresso foi feita para que o recurso, na gestão Lula, fosse liberado como uma emenda, ou seja, conforme acordos feitos com o Planalto para aumentar a base do governo, ainda que o STF (Supremo Tribunal Federal) tenha proibido essa forma de negociação sem a devida transparência.
A pasta de Nísia abriu prazo até 30 de junho para receber propostas de estados e municípios e listou prioridades de uso da verba. O objetivo era controlar o destino dos R$ 3 bilhões e estimular investimentos como construção de unidades de atendimento, compra de equipamentos médicos e renovação da frota do Samu.
Congressistas afirmavam então que, além de divergências sobre as prioridades definidas pela Saúde, o processo de cadastro e seleção de projetos atrasa a liberação do dinheiro.
O ministério, pressionado pela ala política do governo e pelo Congresso, começou a liberar os repasses antes mesmo do fim do prazo das propostas.
Ao todo, sete ministérios receberam recursos que eram das emendas de relator. No total, empenharam (etapa que antecede o pagamento) R$ 800 milhões dos R$ 9,9 bilhões que migraram para o caixa do governo após o STF declarar a emenda de relator inconstitucional.
Na Saúde, a seleção das propostas gerou dúvidas em gestores de estados e municípios. O Ministério da Saúde tentou explicar os procedimentos em ao menos cinco transmissões feitas nas redes sociais com mais de uma hora de duração cada uma delas.
A equipe de Nísia avalia que, nos últimos anos, o dinheiro das emendas foi excessivamente destinado ao custeio. Ainda que nessa modalidade seja mais fácil de gastar a verba, o governo considera que é preciso reforçar investimentos e reduzir desigualdades regionais.
Por causa das dúvidas e dificuldade técnica de cadastro de propostas, a pasta prorrogou o fim do prazo de funcionamento do sistema, que se encerrou na sexta-feira (30). A Saúde informou na quarta-feira (28) que havia recebido 37 mil propostas.
Há algum tempo, líderes do centrão militam nos bastidores pela troca de Nísia por alguém ligado ao grupo, mas Lula tem resistido até o momento. Em público, o centrão nega querer a vaga da ministra, afirmando que o que cobra é agilidade na liberação dos recursos aos entes federados.
Em nota, a Saúde afirma que mantém diálogo com o Congresso e gestores do SUS, "tendo a ministra da Saúde, Nísia Trindade, se reunido com 277 parlamentares, governadores, prefeitos e vários representantes de entidades filantrópicas desde o início da gestão".
A pasta afirma que um terço das propostas recebidas tratam de investimentos, enquanto o resto propõe medidas de "assistência emergencial para custeio de ações e serviços de saúde".
Na gestão Bolsonaro não havia uma seleção de propostas para partilha desse tipo de emenda –a verba era distribuída por indicações feitas pelo relator do Orçamento, após acordos feitos entre a cúpula do Congresso e o Planalto.
Na prática, uma parcela de parlamentares ganhava o poder de indicar valores acima das cotas de emendas individuais.
Sob Lula, a cobiça maior dos parlamentares é pelos recursos que o governo herdou das emendas de relator, pois isso permite que eles enviem mais dinheiro para suas bases eleitorais.
O governo começou a destravar a verba herdada das emendas de relator, mas descumpriu a promessa de dar transparência sobre os recursos.
Durante a campanha eleitoral, Lula chegou a chamar as emendas de relator de o "maior esquema de corrupção da atualidade", "orçamento secreto" e "bolsolão". A gestão petista, porém, driblou a decisão do Supremo e negociou a partilha desse recurso a partir de acordos feitos com o Congresso para ampliar sua base de apoio.
LULA DIZ QUE PROÍBE USO DE CELULAR EM SEU GABINETE: NINGUÉM ENTRA COM TELEFONE
Por Sofia Aguiar / O ESTADÕ DE SP
BRASÍLIA - O presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que proibiu a entrada de telefone celular em seu gabinete sob a justificativa de “humanizar as relações humanas”. Em transmissão ao vivo nas redes sociais, o petista fez críticas ao que considera uso abusivo do aparelho.
“No meu gabinete da Presidência, ninguém entra com telefone celular. O cara marca uma coisa com o presidente e, daqui a pouco, o cara está lá, o presidente sentado, e o cara no celular, conversando com alguém que ele não marcou audiência”, declarou.
Lula afirmou que não quer ficar dependente digital. “Não preciso saber de notícias às 5h, 6h. Eu me levanto, vou trabalhar às 8h, quando chegar ao meu serviço, quero saber de todas as notícias”, contou.
A mesma postura, segundo ele, ocorre ao final do expediente. “Se não tiver algo muito grave, não precisa me ligar”, disse. “Não vou perder meu sono por causa de uma matéria (me atacando)”, acrescentou. “Não vou pegar o telefone e ligar para a empresa, que publique, eu leio no dia seguinte.”
“Não preciso de notícias que não têm nada a ver comigo, é preciso ser seletivo no que você vê”, declarou. “Tenho meu tempo e o celular tem o dele.”
O petista disse que orienta seus assessores a ligarem para as pessoas com quem deseja falar, em vez de mandar mensagens ou deixar recado. “Comigo não tem isso, comigo é o seguinte: ligue. Fale ‘Bom dia; Boa tarde; Boa noite, o presidente quer fazer reunião, pode comparecer’”, afirmou.
Nesta manhã, o Brasil irá assumir a presidência rotativa do Mercosul. O chefe do Executivo brasileiro disse que quer fazer uma gestão “exemplar”. Na agenda na Argentina, o presidente também irá anunciar a retomada das obras do campus da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (Unila).
Balança comercial tem superávit recorde no primeiro semestre do ano
Por Renan Monteiro — Brasília / O GLOBO
A balança comercial brasileira registrou superávit de US$ 45,5 bilhões de janeiro a junho de 2023, conforme dados divulgados nesta segunda-feira pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC). É o maior saldo positivo da séria histórica para o período, considerando dados a partir de 1999.
O aumento foi de 32,9% em relação ao acumulado nos seis primeiros meses do ano passado, quando a balança comercial registrou um saldo de US$ 34,3 bilhões.
O resultado considera as exportações menos as importações. Quando o total importado é menor, há superávit. Quando é maior, ocorrer déficit.
— O nosso índice de volume (de exportações) também vem apresentando os maiores valores da série histórica, ao passo que os preços têm caído — afirma Herlon Brandão, subsecretário de Inteligência e Estatísticas de Comércio Exterior, Herlon Brandão.
No ano de 2023, até o momento, as exportações totalizam US$ 166,153 bilhões e as importações, US$ 120,639 bilhões. A corrente de comércio (a soma das importações e exportações) é de US$ 286,792 bilhões no período.
- Bens da agropecuária, indústria extrativa, indústria de transformação são as três principais áreas do comércio exterior;
- Alguns produtos e itens que puxaram o aumento nas vendas são: soja, energia elétrica, óleos brutos de petróleo ou de minerais, carne bovina fresca, refrigerada ou congelada;
- No primeiro trimestre do ano o PIB registrou crescimento de 1,9%, sobretudo com o impulso da agropecuária, que teve alta recorde de 21,6% - o melhor desempenho em quase 30 anos.
Para o fim de 2023, MDIC ainda revisou a projeção para o superávit da balança comercial para US$ 84,7 bilhões - ante os US$ 84,1 bilhões projetados anteriormente.
Empresa que não tiver igualdade salarial entre homens e mulheres terá que enfrentar a lei, diz Lula
O presidente Lula (PT) sancionou nesta segunda-feira (3) a lei que estabelece a igualdade salarial entre homens e mulheres que desempenhem a mesma função e afirmou que os empresários precisarão respeitar a nova regra.
"Nesse governo, empresário que não cumprir vai ter que enfrentar a legislação brasileira", disse.
O chefe do Executivo afirmou que a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) de 1943 já previa paridade remuneratória, mas que a norma sempre foi descumprida e que, agora, a fiscalização aumentará com a nova lei. "Na verdade tem governo que faz cumprir a lei e governo que não faz cumprir a lei", disse.
A declaração foi dada durante a cerimônia de sanção do projeto que torna obrigatória a igualdade salarial entre homens e mulheres que exercem as mesmas funções.
O PL foi aprovado de forma simbólica, sem a contagem de votos, no Senado em junho. O texto foi apresentado pelo Executivo no Dia da Mulher, 8 de março.
O texto penaliza com multas equivalentes a dez vezes o maior valor pago pelo empregador para empresas que pagarem salários maiores para homens do que para mulheres que exercem a mesma função. O valor será 100% maior em caso de reincidência.
Atualmente, a legislação já prevê pagamento de multa para casos de remunerações desiguais, mas com algumas diferenças. Primeiro, o texto falava em "sexo e etnia". Segundo, o pagamento da multa tinha um outro cálculo: 50% do limite máximo dos benefícios do RGPS (Regime Geral de Previdência Social), além da própria diferença salarial.
A mudança na lei, além de propor uma multa mais amarga, diz textualmente que é obrigatória remuneração igual a homens e mulheres no mesmo cargo, com as mesmas condições.
O projeto de lei foi aprovado em 31 de maio por três comissões do Senado: CAE (Comissão de Assuntos Econômicos), CDH (Comissão de Direitos Humanos) e CAS (Comissão de Assuntos Sociais). No plenário, apenas o senador Eduardo Girão (Novo-CE) registrou voto contra.
O texto ainda estabelece que as empresas com mais de cem empregados serão obrigadas a publicar semestralmente relatórios de transparência salarial, preservando os dados pessoais dos funcionários.
O documento precisará ter dados de fácil comparação salarial e "proporção de ocupação de cargos de direção, gerência e chefia preenchidos por mulheres e homens".
Se a empresa não publicar o relatório, terá de pagar uma multa administrativa de até 3% da folha de pagamento, com limite fixado em cem salários mínimos.
No mesmo ato, Lula também sancionou o projeto que garante pagamento do Bolsa Atleta para puérperas e gestantes e outro que inclui os assédios moral e sexual e a discriminação como infrações no âmbito da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil).
"Eu acho que a questão do assédio é uma coisa muito mais séria do que a gente pensa. Quantas meninas não sofrem assédio em escritórios de advocacia? Não posso dizer um número, mas sei que é uma coisa muito séria nesse país".
Barganha opaca
Na campanha eleitoral, o esquema das chamadas emendas de relator, base do entendimento entre Jair Bolsonaro (PL) e o centrão, era um alvo fácil para a oposição. Tratava-se, afinal, de uma desmoralização flagrante para quem chegara à Presidência com a promessa bravateira de varrer os vícios da tradicional política brasileira.
Em termos simples, as tais emendas consistiam em um meio para permitir que parlamentares dispostos a apoiar o governo tivessem maior possibilidade de direcionar verbas do Orçamento para seus redutos eleitorais —com escassas transparência e avaliação do mérito dos gastos.
Tardiamente, Bolsonaro se rendeu ao fato de que, sem a barganha de recursos públicos, não conseguiria formar maiorias no Congresso para a aprovação de projetos e, sobretudo, para governar a salvo de um processo de impeachment.
A escalada de despesas sob o comando do centrão não tardou em descambar para escândalos de malversação e investigações como a que hoje mira aliados do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL). Por fim, o Supremo Tribunal Federal acabou por derrubar as emendas de relator.
Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que tripudiou sobre os desmandos orçamentários do oponente, correu a refazer as pontes com o Congresso depois de eleito. Manteve sob comando dos parlamentares R$ 9,9 bilhões em gastos antes reservados às emendas extintas.
Anunciou-se que a destinação dos recursos seria definida por deputados e senadores, mas com total transparência em relação aos beneficiados. Conforme a Folha noticiou, não é o que vem ocorrendo.
Para além das demonstrações costumeiras de hipocrisia e cinismo político, está em jogo a qualidade já precária da despesa pública brasileira. Nada há de errado em que o Congresso tenha maior poder sobre o Orçamento —desde que responda pelos motivos que justificam suas intervenções e pelos resultados depois obtidos.
É positivo que se investiguem os kits de robótica distribuídos sem critério em Alagoas, mas a polícia e o Ministério Público não darão conta de todo o mau uso em potencial de verbas nos ministérios.
Cabe ao governo e ao Legislativo divulgar com clareza o objetivo e a origem das emendas parlamentares, sejam formais ou informais. É o mínimo necessário para viabilizar o escrutínio da sociedade e desencorajar os desvios.
Governo central tem déficit primário de R$ 45 bi em maio, mostra Tesouro
O governo central registrou déficit primário de R$ 45 bilhões em maio, maior rombo mensal do ano e pior resultado para o mês desde 2020, mostraram dados divulgados pelo Tesouro Nacional nesta quinta-feira (29).
Os números refletiram principalmente um aumento das despesas, e o Tesouro apontou alguns obstáculos para o incremento das receitas no restante do ano, ainda que tenha frisado que os resultados projetados estão em linha com o planejado.
O déficit de maio foi maior do que o saldo negativo de R$ 39,318 bilhões registrado no mesmo mês do ano passado, mas ficou abaixo do projetado por analistas em pesquisa da Reuters, de R$ 47,9 bilhões.
No mês, as receitas líquidas, já descontados os repasses a estados e municípios, tiveram um aumento real de 14,3% sobre maio do ano passado, para R$ 144,9 bilhões. Já as despesas totais aumentaram 13,3%, para R$ 190 bilhões, sob o impacto principalmente do aumento dos gastos com Bolsa Família, que sofreu reajustes, e do pagamento de precatórios, com mudança no calendário de desembolsos.
No ano, as contas do Tesouro Nacional, Banco Central e Previdência Social estão agora superavitárias em R$ 2,153 bilhões. Em 12 meses até maio, o saldo é positivo em R$ 16,6 bilhões. Em dados corrigidos pela inflação, o superávit corresponde a 0,18% do PIB.
O secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, destacou em entrevista à imprensa que fatores como a apreciação do real e a não aprovação da medida provisória do Carf no Congresso tendem a afetar negativamente a arrecadação, mas ele disse ainda acreditar que o déficit deste ano ficará abaixo de 1% do PIB.
O Orçamento de 2023 estima um déficit fiscal de R$ 238 bilhões no ano, mas o governo tem dito que o objetivo é diminuir o rombo para menos de R$ 100 bilhões, ou 1% do PIB.
"O que for possível descer além disso vai ser buscado, sem dúvida, mas está dentro do que nós planejamos e é muito satisfatório", afirmou Ceron a jornalistas, ao comentar os dados.
Segundo o secretário, a apreciação do real é positiva para a economia e bem-vinda, mas afeta a arrecadação sobre itens como royalties de petróleo e importações.
A MP do Carf dava mais força ao governo para desempatar decisões sobre questionamentos tributários feitos por empresas junto ao conselho responsável por deliberar sobre recursos na área, mas a medida perdeu a validade sem a votação no Congresso em tempo hábil.
"Esse projeto de indefinição prejudica o processo de recuperação dos créditos no contencioso tributário que estão aguardando julgamento", disse Ceron. "Isso tem algum efeito para 2023, então vai ser difícil ficar muito abaixo de 1%, mas ainda ficando aí em torno de 1%, um pouco abaixo disso."
Tamanho família
Em sua nova versão recém-regulamentada, o Bolsa Família começou a pagar neste junho um benefício médio de R$ 705,40 mensais, o maior da história bem-sucedida, ainda que acidentada, do programa federal de transferência direta de renda —que agora se consolida em um patamar inaudito.
O Bolsa Família foi concebido como uma iniciativa relativamente barata, mas de elevada eficiência no combate à miséria. Os desembolsos médios, há quase duas décadas, rondavam R$ 220, em valores corrigidos, e até 2019 os gastos totais ficavam abaixo de 0,5% do Produto Interno Bruto.
Agora, o programa dispõe de R$ 175 bilhões no Orçamento deste ano, o equivalente a 1,6% do PIB. Mesmo que a verba não venha a ser integralmente utilizada, trata-se de montante que muda de patamar a política social brasileira —e traz novas exigências de gestão para que a oportunidade não seja desperdiçada.
A expansão vertiginosa das transferências de renda, cumpre lembrar, não foi resultado de planejamento. Ela teve origem na pandemia de Covid-19, quando a parada súbita da economia levou o Congresso a aprovar às pressas o auxílio emergencial de R$ 600 mensais, cuja concessão não se limitou aos extremamente pobres.
Também sem maiores estudos, embora tenha havido tempo para tal, Jair Bolsonaro (PL) reeditou em 2022 o benefício, sob o nome de Auxílio Brasil, em manobra tresloucada para alavancar sua campanha à reeleição, por fim frustrada.
Luiz Inácio Lula da Silva (PT) faz o certo, social e politicamente, em manter o Bolsa Família nas novas dimensões, embora tenha errado ao expandir em demasia despesas em outras áreas. Algumas das distorções herdadas do ano passado, ademais, têm sido corrigidas.
Os valores pagos voltaram a considerar o número de filhos por família —sem isso, havia incentivo para que cada adulto se apresentasse como uma família. A estimativa de dispêndio neste ano caiu de R$ 175 bilhões para R$ 168 bilhões.
É fundamental que seja continuamente aprimorado o cadastro dos beneficiários, de modo a garantir que o programa chegue a quem de fato mais precisa. Os recursos são suficientes para socorrer os extremamente pobres, mas nem sempre é simples encontrá-los; do mesmo modo, é preciso detectar os que não precisam do dinheiro.
A pobreza e a miséria caíram no ano passado, graças à combinação de ampliação da assistência social e queda do desemprego. A continuidade dessa melhora dependerá de avanços no desenho do Bolsa Família, de reformas na tributação e no gasto público e boa política econômica capaz de permitir crescimento duradouro.
Um BNDES a serviço da Petrobras
O ESTADÃO DE SP
Aloizio Mercadante quer mudar a estrutura do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Pretende apartar do banco a sua empresa de participações acionárias, a BNDESPar, que passaria a atuar como uma pessoa jurídica independente. Com isso, o banco ficaria livre para investir mais pesadamente na Petrobras, como explicou Mercadante em entrevista concedida em conjunto com o presidente da petroleira, Jean Paul Prates.
A tradução mais direta da empreitada proposta pelo presidente do BNDES é de que o banco está em busca de uma forma de driblar os critérios fixados pelo Banco Central (BC) e elevar sua exposição ao risco empresarial. Pelas normas do BC, um mesmo conglomerado não pode receber recursos que correspondam a mais de 25% do patrimônio de referência do banco, aí somados financiamentos e participações de capital.
Mercadante quer passar por cima de uma norma básica de prudência bancária que serve para resguardar a instituição de fomento que passou a presidir. Para isso parece ter dado a largada em uma campanha pela mudança da legislação, já que sem isso será impossível fugir da regra do BC. Uma separação entre BNDES e BNDESPar teria de ser aprovada em lei.
Político experiente, ex-ministro e ex-senador petista, Mercadante deve estar atento a esse detalhe. Mas não deve considerar tarefa tão difícil uma negociação com o Congresso. Cita exemplos de bancos que têm balanços separados das áreas dedicadas a participações societárias, como Itaú, Bradesco e Banco do Brasil, para reforçar sua proposta. “Precisamos tirar a BNDESPar do balanço do BNDES. Assim vamos ter muito espaço para financiar a Petrobras”, diz.
Se o seu interesse fosse apenas garantir o reforço financeiro para os investimentos da Petrobras, haveria um outro jeito. Detentor de 7,94% do capital total da petroleira (6,9% pela BNDESPar e 1,04% diretamente pelo BNDES), o banco poderia se desfazer, parcial ou integralmente, do ativo. Mercadante foi questionado sobre isso e a resposta foi seca. “Não há hipótese”, disse, ao anunciar a criação do que foi chamado de “Comissão Mista BNDES-Petrobras”.
Em relação ao total dos investimentos em ações, a Petrobras sozinha representa mais de 41% da carteira de renda variável da BNDESPar. A exposição total do banco à petroleira está muito próxima do máximo tolerado pelo Banco Central. Além disso, a companhia não pode ser tratada de forma excepcional. A exposição do banco a outras empresas seria também revista. A JBS, por exemplo, segunda no ranking das participações da BNDESPar, representa 14% das aplicações do banco em ações. A separação do banco e de seu braço de participações abriria espaço para mais financiamentos ou maior participação direta.
É temerário que um banco de fomento estatal, dedicado ao desenvolvimento econômico do País, paute suas ações com base no planejamento de uma única empresa, seja ela qual for. Sem contar que a Petrobras, bem classificada pelas agências de risco, não encontra maiores dificuldades na captação de recursos no mercado.
Emendas para ministros irritam Congresso, e Planalto pede que repasses sejam desfeitos
O centrão se irritou ao saber que o governo usou a verba que herdou das extintas emendas de relator para destinar dinheiro para as bases eleitorais de ministros. Alertado sobre o risco de uma nova crise na articulação política, o Palácio do Planalto cobrou explicações e determinou que parte dos repasses seja desfeita.
A Folha mostrou na terça-feira (20) que o presidente Lula (PT) destravou os recursos que recebeu com o fim das emendas de relator, mas a primeira distribuição privilegiou estados de ministros do governo —principalmente Mato Grosso, de Carlos Fávaro (Agricultura), e Pará, de Jader Filho (Cidades).
No caso de Jader Filho, o governo argumenta que há uma justificativa para o repasse, pois o contrato é para preparar Belém, no Pará, para sediar a reunião global do clima (COP30) em novembro de 2025.
Fávaro tem sido o principal alvo da pressão.
Integrantes do Palácio do Planalto afirmam que a ordem é para que ele cancele o envio dos recursos para Mato Grosso ou que a origem do dinheiro seja outra. Ou seja, sem gastar parte dos R$ 9,9 bilhões herdados por Lula e que o governo tem prometido usar como se fosse emenda parlamentar.
Após a reportagem da Folha, líderes do centrão questionaram a autorização dos repasses a redutos eleitorais de ministros com dinheiro que, por acordo firmado com o Planalto, seria usado para negociação política com o Congresso.
A insatisfação levou o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), a ligar para o ministro Alexandre Padilha (Relações Institucionais), responsável pela articulação com o Legislativo.
Segundo relatos, Lira reclamou que a verba para atender a deputados está travada, enquanto ministros usam o remanescente das emendas de relator para destinar milhões de reais a suas bases.
Até o início da semana, haviam sido autorizados cerca de R$ 200 milhões, que atendem principalmente Mato Grosso e Pará.
De cerca de R$ 140 milhões empenhados (etapa que antecede o pagamento) pela Agricultura, foram destinados R$ 130 milhões para sete municípios de Mato Grosso. Essa verba será utilizada para recuperação de estradas em área rural e na compra de equipamentos.
O Palácio do Planalto questiona Fávaro sobre qual critério foi usado, pois o ministro autorizou para Mato Grosso mais de 30% da verba que a pasta tem da cota das extintas emendas de relator para o ano todo.
Em nota, a pasta disse que cadastrou mais de 8.000 propostas de convênios e que pretende, nas próximas semanas, empenhar todo o valor disponível no orçamento para esse tipo de ação.
O ministério disse que prioriza a recuperação de estradas para melhora do fluxo de escoamento da produção, a aquisição de máquinas e implementos agrícolas, além do apoio a eventos agropecuários com essa verba.
No caso do Ministério das Cidades, todos os R$ 50 milhões encaminhados até agora serviram para o governo federal assinar acordo com a Prefeitura de Belém para a construção de um parque urbano, anunciado durante visita de Lula à capital paraense.
A pasta informou que o contrato firmado com a Prefeitura de Belém no Parque do Igarapé São Joaquim faz parte de um conjunto de investimentos, ainda em definição, e que irá compor o apoio do governo federal para a COP30.
Padilha chegou a se reunir com Fávaro na quarta (21) para tratar do tema.
Deputados do centrão questionam que o Palácio do Planalto afirma ao Congresso que é necessário cumprir um rito de análise dos pedidos, com critérios que estão sendo formulados pelos ministérios que têm em caixa o dinheiro das extintas emendas usadas amplamente na gestão de Jair Bolsonaro (PL).
As emendas de relator eram a principal moeda de troca no governo Bolsonaro e foram declaradas inconstitucionais pelo STF (Supremo Tribunal Federal).
Durante a campanha eleitoral, Lula chegou a chamar as emendas de relator de "maior esquema de corrupção da atualidade", "orçamento secreto" e "bolsolão". A gestão petista, porém, driblou a decisão do Supremo e negociou a partilha desse recurso a partir de acordos feitos com o Congresso Nacional para ampliar sua base de apoio.
O governo colocou um carimbo específico para esses recursos, para formalizar e organizar os pagamentos. Esse dinheiro foi dividido entre sete ministérios em um acordo político envolveu as cúpulas da Câmara e do Senado e foi chancelado por Lula. Dessa forma, o Congresso manteve a influência sobre uma parcela bilionária do Orçamento.
O poder de indicar o destino desses recursos é cobiçado por parlamentares, que, em troca de apoio a projetos de Lula no Congresso, querem enviar mais dinheiro para financiar obras e projetos em seus redutos eleitorais.
Conselho de Itaipu, que receberá tesoureira do PT nomeada por Lula, vira espaço para acomodação de aliados
Por Jan Niklas — Rio de Janeiro / O GLOBO
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva nomeou a tesoureira do PT, Gleide Andrade de Oliveira, para o cargo de conselheira da Itaipu Binacional, com mandato até 16 de maio de 2024. Segundo publicou o colunista do GLOBO Lauro Jardim, sua remuneração mensal será de R$ 37 mil. Esta não é a primeira vez que um tesoureiro do partido ocupa a função: João Vaccari Neto deixou o órgão após ser citado nas investigações da Operação Lava-Jato. A indicação de aliados para o Conselho de Itaipu é uma prática comum dos últimos governos.
Secretária nacional de Finanças e Planejamento do PT, Gleide é formada em Filosofia e ocupou postos na prefeitura de Belo Horizonte nas gestões dos petistas Patrus Ananias e Fernando Pimentel. Em 2022, ela concorreu ao cargo de deputada federal por Minas Gerais, mas não se elegeu.
A Itaipu Binacional — responsável por controlar a Hidrelétrica de Itaipu, em Foz do Iguaçu, no Paraná — tem um Conselho de Administração composto por 12 membros, sendo seis brasileiros e seis paraguaios. Além disso, completam o colegiado dois representantes dos Ministérios das Relações Exteriores, um de cada país. Esse órgão reúne-se a cada dois meses ou em convocação extraordinária.
Atualmente, a cota do Brasil no órgão é formada majoritariamente por ministros do governo Lula: Esther Dweck (Gestão e Inovação), Fernando Haddad (Fazenda), Alexandre Silveira (Minas e Energia) e Rui Costa (Casa Civil). Já o ministro Mauro Vieira ocupa a vaga reservada ao Itamaraty.
Completa a lista de conselheiros o ex-deputado estadual do PSDB Michele Caputo, nomeado por Lula em abril. Aliado do ex-governador do Paraná Beto Richa, ele foi uma indicação do ex-prefeito de Curitiba Luciano Ducci (PSB). A nomeação contou ainda com o apoio de Gleisi Hoffmann, que exerce forte influência em Itaipu.
Gleisi já foi diretora financeira do órgão, que é visto na política paranaense como um trunfo para projetos políticos locais. Segundo interlocutores, a abertura de uma das vagas para Caputo seria ainda um movimento de aproximação do PT com os tucanos no Paraná, tendo em vista as eleições de 2024 e até de 2026.
Agraciados
Outras nomeações de aliados políticos para o Conselho de Itaipu chamaram atenção nos últimos anos. Em 2021, o ex-presidente Jair Bolsonaro nomeou para o órgão a ex-governadora do Paraná Cida Borghetti, mulher do então líder do seu governo na Câmara, o deputado federal Ricardo Barros (PP-PR).
Ela entrou no lugar de Carlos Marun, que por sua vez, havia sido nomeado em dezembro de 2018 pelo então presidente Michel Temer (MDB), no apagar das luzes do seu governo. Marun foi ministro da Secretaria de Governo do emedebista, era tido como o seu braço-direito e um de seus maiores aliados no Congresso. Além disso, integrou a tropa de choque do ex-presidente da Câmara, Eduardo Cunha.
Temer também nomeou a advogada Samantha Ribeiro Meyer, ex-mulher do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes, para ser conselheira da Itaipu Binacional. Na época, Gilmar afirmou que não tinha “contato com sua ex-mulher”.
O GLOBO questionou o Palácio do Planalto e a presidente do PT, Gleisi Hoffmann sobre a nomeação de Gleide Andrade, mas não obteve resposta. (Colaborou Julia Noia)