A segunda fase da reforma tributária
o estadão de sp
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse que enviará ao Legislativo a segunda fase da reforma tributária junto com o projeto do Orçamento de 2024. Em entrevista ao podcast O Assunto, Haddad defendeu a tramitação conjunta das duas propostas como uma forma de atingir a meta de zerar o déficit fiscal no ano que vem. “Para garantir as metas do marco fiscal, preciso que o Congresso aprecie essa segunda etapa com a peça orçamentária, que terá como pressuposto a aprovação dessas medidas pelo Congresso. Caso contrário, haverá restrição na peça orçamentária”, afirmou.
Diante da retumbante aprovação, pela Câmara, da primeira etapa da reforma tributária, sobre consumo, o plano de Haddad não parecia tão ousado. Afinal, a tão sonhada reforma, discutida por 35 anos sem que fosse possível chegar a um consenso, finalmente recebeu o aval dos deputados. Em pleno mês de julho, período em que o Legislativo diminuiu o ritmo dos trabalhos, o Senado definiu que a relatoria da proposta será de Eduardo Braga (MDB-AM). E a despeito da longa transição até que o novo sistema seja implementado, a mera aprovação da reforma já foi capaz de trazer uma perspectiva de resultado presente aos investidores. “Começam a olhar as coisas melhor no curto prazo”, afirmou Eduardo Fleury, consultor do Banco Mundial, ao Estadão.
Seria natural, portanto, que o governo quisesse aproveitar um Congresso menos hostil e um momento econômico mais favorável para enviar uma nova fase da reforma. Mas Haddad acabou por recuar e, agora, deve enviá-la “mais para o fim do ano”.
Fez bem o ministro. Muito do ambiente benigno que o governo encontrou na apreciação da proposta sobre consumo se deu pelo colapso de um sistema que está por trás das perdas da indústria e das dificuldades financeiras dos Estados e municípios. No caso da segunda etapa da reforma, que incidirá sobre a renda, o clima tem tudo para ser muito diferente.
A premissa que pautou as discussões da primeira etapa era que a reforma fosse neutra – ou seja, que não aumentasse os impostos de nenhum setor. Na fase da reforma sobre renda, no entanto, o governo não esconde a intenção de elevar a carga tributária. Esse aumento, segundo a equipe econômica, viria de uma redistribuição dos impostos, onerando setores que atualmente pagam menos.
Além da tributação de lucros e dividendos de acionistas de companhias, estariam na mira do governo o corte de renúncias fiscais de pessoas jurídicas, deduções em saúde e educação de pessoas físicas, profissionais liberais que atuam como empresas e fundos de investimento isentos. Para isso, será preciso enfrentar interesses difusos e grupos heterogêneos, mas certamente nenhum deles avalia que paga poucos impostos na proporção de seus rendimentos.
Ao vincular a segunda etapa da reforma ao Orçamento e à meta fiscal, o governo adotaria uma estratégia realista sob o ponto de vista de receitas, mas perigosa sob o ponto de vista político. Seria uma forma de dividir a responsabilidade pelo resultado fiscal com o Congresso, mas há que destacar que os parlamentares nem sempre entregam o que o governo quer, sobretudo quando se sentem pressionados.
É bom lembrar que a Câmara chegou a aprovar um projeto de teor semelhante em 2021, mas, quando chegou ao Senado, o texto não conseguiu vencer nem a Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), fase inicial de tramitação na Casa. Ao tentar associar a resistência dos senadores ao projeto aos obstáculos para reajustar o piso do antigo Auxílio Brasil, o então ministro da Economia, Paulo Guedes, jogou uma pá de cal sobre a proposta e colheu novos buracos no teto de gastos para bancar o benefício social em ano eleitoral.
Espera-se que o governo Lula mantenha, na segunda etapa da reforma, o mesmo pragmatismo político com que tratou a primeira. Disso depende a credibilidade do arcabouço fiscal no médio e longo prazos. Se reduzir o déficit fiscal parece algo improvável neste ano, a ideia de zerá-lo será impossível se o governo não tratar cada uma das etapas da reforma tributária com muito cuidado no Congresso.
Haddad diz que Brasil é truculento e que rico tem que pagar mais imposto que pobre
Mônica Bergamo / FOLHA DE SP
Elogiado no mercado financeiro e entre o empresariado por causa da reforma tributária e do arcabouço fiscal, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirma que a discussão sobre a segunda etapa da mesma reforma, que se propõe a mexer em renda e patrimônio, enfrentará resistência muito maior de setores que hoje o aplaudem.
"Mas nós vamos divulgar os dados", afirma ele. "Como um país com tanta desigualdade isenta de imposto de renda o 1% mais rico da população?", questiona.
Haddad diz que a primeira etapa da reforma já equivale ao "Plano Real" do terceiro governo de Lula, comparando a medida com o controle da inflação no governo de Fernando Henrique Cardoso.
Mas admite que o desafio fiscal "é grande". O próprio Tesouro Nacional vê a necessidade de arrecadação extra de R$ 162,4 bilhões para que o governo cumpra um de seus maiores compromissos: o de zerar o déficit público em 2024.
Questionado se não terá que aumentar impostos, ou cortar investimentos, ele afirma que o governo buscará "corrigir distorções absurdas do sistema tributário" para cumprir a meta. Aponta como exemplo "escândalo patrimonialista dos mais execráveis" em regras que beneficiavam empresas no julgamento de suas dívidas com a Receita Federal.
"Estamos promovendo a republicanização do estado brasileiro", afirma o ministro.
Ele diz ainda que a taxação da distribuição de lucros e dividendos, que pode atingir a classe média, será discutida com "cautela". E reafirma que o Banco Central tem dificultado o crescimento do país ao manter as taxas de juros em patamares altos. "Mas ele, um dia, acorda".
Bolsa Família paga valor menor e a menos famílias em julho
Thiago Resende / FOLHA DE SP
Os pagamentos do Bolsa Família em julho apresentam um recuo no programa, que é vitrine social do presidente Lula (PT). O valor médio a ser recebido por residência caiu para R$ 684 neste mês, após o recorde de R$ 705 em junho.
A previsão do governo era que, a partir de junho, quando a reformulação do programa foi integralmente implementada, o benefício médio por família chegasse a R$ 714 por mês. No entanto, um mês após esse prazo, houve uma queda.
Em relação ao número de famílias, julho também apresenta declínio. Cerca de 20,9 milhões de residências vão receber o Bolsa Família neste mês. Isso representa quase 320 mil a menos do que em junho, quando 21,2 milhões receberam a transferência de renda recorde.
Desde que Lula assumiu o mandato, aproximadamente 1 milhão de famílias deixaram o programa. Eram 21,9 milhões de beneficiários em janeiro, quando ainda se chamava Auxílio Brasil, marca social do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
Procurado, o MDS (Ministério do Desenvolvimento Social), responsável pelo Bolsa Família, disse que a diminuição na quantidade de famílias está prevista na reformulação do programa por envolver a busca por cadastros indevidos.
Um exemplo é que, em julho, passa a haver uma integração de base de dados que permitiu identificar 341 mil famílias com renda acima do permitido para permanecer no programa. Esse grupo foi excluído do Bolsa Família, portanto.
"A quantidade de famílias atendidas depende diretamente da dinâmica de entradas e saídas do Programa, que, por sua vez, é influenciada pelo processo de qualificação cadastral do Cadastro Único, iniciado em março desse ano", informou a pasta, em nota.
Sobre a queda no valor do benefício, o ministério aponta como fator a chamada regra de proteção. Em caso de uma família conseguir um emprego, poderá continuar no programa, mas com valor reduzido no benefício. Cerca de 2,2 milhões de famílias se encontram nessa situação e vão receber R$ 378,91 neste mês.
Essa regra é aplicada por até dois anos para a família e reduz em 50% o valor da renda a ser recebida no programa. Se a família perder o emprego nesse período, já tem o retorno do benefício integral garantido.
O titular da pasta, Wellington Dias (PT), tem sido alvo de críticas no Palácio do Planalto.
Como mostrou a Folha, o próprio presidente Lula tem dito a aliados que está decepcionado com o desempenho do ministro. A pasta, que cuida do Bolsa Família, tem R$ 276 bilhões de orçamento —mais do que Saúde e Educação.
O presidente tem reclamado a aliados que Dias precisa estar mais focado e apresentar mais agendas positivas. Por ser o ministério com uma das principais vitrines do governo, Lula esperava que a pasta fosse celeiro de anúncios benéficos para a imagem do presidente, mas não vê isso acontecendo.
Em outra frente, Dias entrou na mira do centrão por não ter, até agora, liberado emendas cobiçadas pelo bloco de partidos de centro e de direita.
Apesar de o MDS ter virado alvo do centrão, Lula e o PT buscam blindar a pasta, vista como estratégica para o partido, que quer continuar à frente do Bolsa Família. Integrantes do Palácio do Planalto, porém, não acreditam que o ministro deverá permanecer no cargo na reforma ministerial negociada pelo presidente com líderes da Câmara.
A reformulação do Bolsa Família foi uma promessa de campanha de Lula e foi tratada como medida prioritária pela Casa Civil nos primeiros 100 dias de governo.
Em março, quando Lula editou a MP (medida provisória) do novo programa, o governo manteve o mínimo de R$ 600 por família –criado por Bolsonaro– e acrescentou apenas um dos benefícios prometidos: os R$ 150 adicionais por criança de 0 a 6 anos.
As demais parcelas de R$ 50 para crianças e adolescentes de 7 a 18 anos e de R$ 50 para gestantes passaram a ser pagas a partir de junho. Isso fez o benefício chegar ao patamar recorde.
GOVERNO DE SÃO PAULO ENCONTRA R$ 200 MILHÕES EM OBRAS NÃO CONCLUÌDAS MEM ´RPGRAMA DE CONSTRUÇÃO DE ESTRADAS
Por Gustavo Côrtes / O ESTADÃO DE SP
A Secretaria de Agricultura do governo de São Paulo entregou ao Tribunal de Contas do Estado (TCE-SP) um relatório em que aponta “graves irregularidades” no programa Melhor Caminho, de construção de estradas rurais, entre os anos de 2021 e 2022. Segundo o documento, foram pagos cerca de R$ 200 milhões por obras que não foram concluídas. Outros R$ 300 milhões foram gastos, conforme a análise da gestão de Tarcísio Freitas (Republicanos), sem passar pelo protocolo de processos internos que garantem a qualidade das obras. Os atos aconteceram nas gestões de João Doria e Rodrigo Garcia.
Em alguns casos, transferências foram efetuadas às empresas contratadas sem que os despachos em que os fiscais atestam a realização do serviço fossem registrados no sistema eletrônico. Ao todo, 420 obras foram paralisadas, canceladas ou nem iniciadas, o que corresponde a mais de 2,4 mil quilômetros de estradas – ou a distância entre São Paulo e Maceió.
A instrução incorreta teria causado, além de gastos com projetos não executados, o pagamento duplicado pela pavimentação de um mesmo trecho e o descumprimento de requisitos de qualidade previstos em contrato. A Controladoria Geral do Estado solicitou acesso aos processos, mas parte deles ainda não se encontra digitalizada.
O Estadão acionou o TCE-SP, que recebeu o relatório em maio. Segundo a assessoria, ainda não há nenhuma decisão sobre as irregularidades apontadas no documento. Procurada, a Secretaria de Agricultura afirmou que fez uma apuração a respeito do programa Melhor Caminho e disponibilizou ao tribunal os contratos firmados nos últimos anos. Os ex-governadores João Doria e Rodrigo Garcia, mas também não se manifestaram.
As informações levantadas são sobre o programa Melhor Caminho, relançado em outubro de 2021, na gestão do deputado estadual Itamar Borges (MDB) à frente da Agricultura. Na época, ele prometeu asfaltar 5 mil quilômetros de vias rurais em um ano. A meta representaria um aumento de dez vezes no ritmo de execução em comparação à versão anterior do programa, criada em 1997, que entregou 12 mil quilômetros em 24 anos.
No entanto, somente 1,6 mil quilômetros foram concluídos até maio deste ano, um terço do total previsto. Ao todo, foram contratados R$ 844 milhões para tirar as obras do papel, com a contratação de 59 empreiteiras, de uma empresa para elaborar os projetos e de outra para gerenciá-los. Apesar do atraso nos cronogramas, mais da metade deste montante já foi pago. Borges foi procurado pela reportagem, mas não quis e manifestar.
A LBR Engenharia, responsável por garantir o cumprimento dos prazos e dos parâmetros técnicos das obras, recebeu R$ 23 milhões, o equivalente a 93% do valor previsto em contrato por todo o serviço.
É justamente no gerenciamento em que a maior parte dos problemas foi detectada pela atual gestão da pasta. A Coordenação de Logística Rural emitiu ordens de serviço para o início de obras que ainda não tinham licenciamento ambiental ou liberação de terrenos pelas administrações locais.
Trocas de e-mails entre empreiteiras contratadas e funcionários do governo mostram que a falta de condições legais para o início das obras comprometeu os cronogramas. Algumas empresas chegaram a pedir a rescisão amigável dos contratos.
Segundo o planejamento inicial, o programa seria concluído em 24 meses, durante os quais seriam emitidas 90 ordens. No entanto, em julho de 2022, já haviam sido emitidas 770. Esse excesso de ordens de serviços é apontado como um reflexo da falta de controle dos processos internos e significa, na prática, aditivos, com consequente aumento do gasto público.
Quatro obras no valor de R$ 5,4 milhões foram autorizadas sem que houvesse convênio firmado entre a Secretaria e os municípios. Destas, uma está em andamento na cidade de Sales e outra em estágio inicial, em Piracaia. Uma terceira está parada em Araçatuba e outra, prevista para Ilha Solteira, sequer foi iniciada.
Documentos anexados ao relatório mostram ainda que a secretaria ignorou laudos de vistorias que constataram, em pelo menos 15 municípios, o descumprimento de requisitos de qualidade das obras, como baixa densidade do chamado “revestimento primário” e falta de escoamento adequado das águas das chuvas.
Após os alertas, a pasta cobrou apenas a atualização de cronogramas de execução, sem se atentar à baixa qualidade das estradas, e chegou a emitir novas notas de pagamentos. Em Jarinu, por exemplo, uma via pavimentada pela LF Locação de Bens continha um terço a menos de brita em relação à quantidade exigida no contrato, segundo os fiscais.
Em Itajobi, duas empresas ganharam a licitação para pavimentar exatamente os mesmos dois trechos. Em uma concorrência, a Planex Engenharia foi a escolhida para um contrato de R$ 888 mil. A Saize Engenharia ficou encarregada do mesmo trajeto, mas por um valor maior, de R$ 966 mil.
Mesmo com os problemas identificados, o governo pagou, no fim de dezembro, no apagar das luzes do governo de Rodrigo Garcia, R$ 50 milhões em aditivos de reequilíbrio econômico financeiro. A obra em Jarinu, por exemplo, recebeu R$ 41 mil. A justificativa utilizada foram os impactos econômicos da guerra na Ucrânia.
O desembolso deste valor revelou mais um problema, segundo a secretaria: a terceirização das obras por empresas contratadas para executá-las, o que era proibido pelo edital. O relatório contém a cópia de um contrato de R$ 500 mil firmado pela CCL Construtora Capital com uma terceira para a construção de um trecho em Penápolis de responsabilidade da empreiteira.
Em dezembro do ano passado, a contratada enviou um e-mail ao então coordenador de Logística Rural com um pedido para que ele interviesse em um impasse com a CCL, que teria se negado a repassar R$ 68 mil referentes a um aditamento pago pelo governo para a conclusão do trecho. Em abril, a empresa ainda tentava receber o valor da CCL.
As empresas citadas na reportagem foram procuradas, mas não se manifestaram, exceto a Saize que não foi localizada.
Reformulação do programa
Tarcísio Freitas retirou o Melhor Caminho da alçada da Agricultura e o transferiu para o Departamento de Estradas de Rodagem (DER), vinculado à Secretaria de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística, chefiada por Natália Resende.
O DER é comandado pelo coronel do Exército Sergio Codelo, ex-superintendente regional do DNIT em São Paulo durante a gestão de Tarcísio no Ministério da Infraestrutura, no governo de Jair Bolsonaro. Trata-se de um homem de confiança do governador.
No início do governo, aliados pediram a Tarcísio que mantivesse o programa sob o guarda chuva da Agricultura. Ele, no entanto, avaliou que não havia sentido em um programa de construção de estradas ser conduzido pela pasta e o repassou para Codelo.
Populismo de mesa de bar
Por Notas & Informações / o estadão de sp
Mal o governo aprovou na Câmara dos Deputados a reforma tributária possível e se prepara para duras negociações com vista à votação no Senado, o presidente Lula da Silva resolve dar, mais uma vez, mostras de devaneio populista. Do jeito que gosta, entre sorrisos, como se estivesse desenhando uma ideia na qual acabara de pensar, anunciou a intenção de criar um programa de incentivo à compra de eletrodomésticos. O comunicado foi feito durante cerimônia do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia, no Planalto.
“Falei para o Alckmin: ‘Que tal a gente fazer uma aberturazinha para a linha branca?’ Facilitar a compra de geladeira, de televisão, de máquina de lavar roupa”, disse o presidente, como se fizesse um improviso despretensioso, no qual incluiu erroneamente aparelhos de TV, da linha marrom, no segmento industrial de eletrodomésticos da linha branca. Caprichando nos gestos e sorrisos, comentou que geladeira velha não gela bem a cerveja e vaticinou, como um demiurgo: “Se está caro, vamos baratear”.
Obviamente não foi improviso. Foi caso pensado. E, para deixar claro que se trata de mais do que uma intenção, além de citar o vice-presidente e ministro da Indústria, Geraldo Alckmin, Lula incluiu no pacote a ministra do Planejamento, Simone Tebet, e o presidente do BNDES, Aloizio Mercadante, com o pedido descontraído para que “abram a mão um pouquinho” para “facilitar a vida do povo”. Os ministros, claro, desconversaram sobre a exequibilidade do “projeto”.
Levando em conta a bronca pública dada por Lula em todo o primeiro escalão durante reunião ministerial há quatro meses, quando disse que “qualquer genialidade que alguém possa ter” terá obrigatoriamente de ser discutida com a Casa Civil antes do anúncio, é de questionar se a proposta que defende passou por alguém além de Lula. Se passou, é provável que a Casa Civil não esteja cumprindo seu papel de discutir as medidas com os demais Ministérios. Seria, no mínimo, contraditório apresentar mais uma proposta de subsídio em meio às discussões da reforma tributária.
Mas o presidente ficou animado com o incentivo do governo para a venda de carro zero. “Fizemos uma coisinha pequena e vendemos mais carros do que a capacidade de produzir no período”, disse Lula, eufórico. Não é verdade. O programa apenas reduziu em parte os estoques de carros já produzidos, não resolveu o problema do setor automotivo, privou o Tesouro de algum reforço financeiro e não movimentou um milímetro a economia.
Mas por um par de meses deixou felizes algumas centenas de consumidores e uma parcela mínima da indústria. Parece o suficiente para o presidente considerar uma vitória. Para revestir o programa de algum sentido além do presente aleatório a um grupo restrito, foram incluídos caminhões e ônibus na última hora. Não funcionou. De acordo com dados da Fenabrave, as vendas de caminhões sofreram retração de 28,86%, em junho, na comparação com o mesmo período de 2022.
O governo conseguiu importantes vitórias recentes na economia, mesmo que ainda incompletas. O encaminhamento do arcabouço fiscal, a votação da reforma tributária na Câmara, o início da reversão do processo inflacionário (uma conquista da política monetária do Banco Central que Lula não cansa de atacar). Sinais positivos importantes que devem ser potencializados, e não anulados com pirotecnia populista.
Antes de pensar na demanda, há que pensar na redução do endividamento que, em patamares recorde, atinge cerca de 79% das famílias brasileiras. A ordem natural é o crescimento da renda vir antes da alta do consumo. Com isso, a demanda aumenta naturalmente. Não adianta criar miragens.
O fato de Lula da Silva se recusar a descer do palanque de campanha é ruim para o País e péssimo para o próprio governo. Lula quer ser lembrado como o presidente da picanha, da cerveja, do carro e da geladeira. Mas, no afã de marcar gols e correr para o abraço, Lula está se perdendo na área e mirando na trave errada.
Governo quer taxar todos os usuários de internet para bancar agência de R$ 600 mi
O GSI (Gabinete de Segurança Institucional) elaborou uma proposta de Política Nacional de Segurança Cibernética, que prevê a criação de uma agência para melhorar a governança da atividade. Para financiar o projeto, com custo anual de quase R$ 600 milhões quando plenamente implementado, o órgão, tradicionalmente comandado por militares e ligado à Presidência, quer cobrar dos usuários uma taxa pelo uso da internet.
"Esta política já vem sendo estudada há algum tempo. Estamos, logicamente, refinando. Esperamos que, neste ano, ainda seja apresentado ao Congresso", disse à Folha o ministro do GSI, general Marco Antonio Amaro dos Santos.
"Quando se apresenta um projeto de lei que gera despesa, tem de apresentar uma fonte para cobertura dessa despesa. Razão pela qual também estão sendo indicadas algumas possibilidades que o Congresso terá de estudar, avaliar se é conveniente, se existem outras fontes para serem utilizadas para sustentar a criação dessa agência", acrescentou.
O texto já foi apresentado aos ministérios da Justiça, da Fazenda, do Planejamento, de Ciência e Tecnologia e de Gestão. Agora, passará pelo crivo jurídico da Casa Civil e, depois, do presidente Lula (PT).
Por se tratar da criação de uma política nacional, terá de ser aprovada pelo Congresso, por meio de um projeto de lei. Há ainda o prazo de um ano para ser instalada a agência, após a nova regra entrar em vigor.
De acordo com a proposta, a taxa de cibersegurança –chamada de TCiber no projeto em estudo– corresponderá a 1,5% do valor pago pelos internautas para ter acesso à rede, em conceito similar à taxa de iluminação pública, cobrada diretamente na fatura da conta de luz.
Segundo os cálculos do órgão, no caso de um usuário que gasta R$ 70 por mês com internet, por exemplo, a taxa sairia ao custo de R$ 1,05.
O GSI argumenta que o percentual corresponde à soma do que é arrecadado com o Fust (Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações) –1%– e com o Funttel (Fundo para o Desenvolvimento Tecnológico das Telecomunicações) –0,5%. Nesse novo desenho, contudo, não está prevista a criação de um fundo.
A cobrança da tarifa renderia R$ 581,9 milhões por ano aos cofres públicos, segundo estimativa do órgão. Para chegar a esse montante, o GSI considera que o Brasil conta hoje com 157,7 milhões de usuários da internet, que gastam em média R$ 25 por mês com o serviço.
Além de taxar o acesso à internet, a proposta também inclui uma cobrança de 10% sobre o registro de domínios, ou seja, o nome que será registrado para que um site possa ser encontrado na internet. O pagamento seria feito no momento de renovação desses registros, que têm custo médio anual de R$ 35.
Nessa modalidade, o governo prevê arrecadar aproximadamente R$ 12,6 milhões, que também seriam destinados para bancar o funcionamento da agência.
Em ambos os casos, não haverá distinção entre pessoas físicas e jurídicas. "Nós teríamos alguma dificuldade para calcular isso. O Congresso talvez tenha mecanismos e interesse em debater coisas diferentes", diz o assessor especial do GSI, Marcelo Malagutti.
Há também, segundo ele, o temor de perder já neste momento o apoio de entidades como, por exemplo, a Fiesp (Federação das Indústrias do Estados de São Paulo).
"Infelizmente, tudo que o governo faz, o cidadão tem que pagar. Nesse caso, a nossa percepção é de que nós estamos cobrando relativamente pouco por um serviço relevante para os usuários da internet", diz Malagutti.
Segundo os membros do GSI, apesar da impopularidade da medida, a recepção ao projeto tem sido positiva entre os parlamentares. Já foi realizada uma audiência no Senado Federal, assim como uma outra audiência pública para tratar do tema.
"Ninguém em sã consciência pode ser contra a cibersegurança, contra uma iniciativa que visa a dar segurança no ambiente digital para todo o cidadão e para toda empresa", diz o secretário de Segurança da Informação e Cibernética do GSI, brigadeiro Luiz Fernando Moraes da Silva.
"O que cria resistência é criar uma estrutura com cargos e não ter arrecadação. O Congresso não vai dar carta branca para ninguém sem que tenhamos uma fórmula, sem que mostremos de onde que os recursos vão sair", acrescenta.
De acordo com o relato dos integrantes do governo, os ministros Fernando Haddad (Fazenda) e Simone Tebet (Planejamento e Orçamento) também não mostraram resistência ao tema. A equipe econômica apenas ponderou a necessidade de apontar uma fonte de receita para a sustentação do projeto.
A verba cobrada de cidadãos e empresas será usada para financiar o custo estimado em R$ 594,1 milhões da agência quando ela estiver plenamente instalada (em seu quinto ano de existência). O orçamento será destinado para gastos com pessoal e custeio.
AGÊNCIA SERIA UMA AUTARQUIA COMO O BC
Inspirada em um modelo de uma agência reguladora, a ANCiber (Agência Nacional de Cibersegurança) foi desenhada para contar com 800 servidores, ao final de cinco anos. Para cada ano de implantação, uma parcela do efetivo será incorporada ao quadro funcional da instituição, sendo 81 funcionários no primeiro ano de atuação.
A primeira leva integraria a agência por requisição, que é quando o órgão de origem não pode negar ceder o funcionário à Presidência, e por contratação de temporários. De acordo com estimativas do Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, o tempo médio para realização de um concurso e chamamento de aprovados é de, no mínimo, dois anos.
Apesar de estar sob o guarda-chuva do GSI, a agência seria uma autarquia de regime especial, assim como do Banco Central. Ou seja, uma vez que os nomes dos diretores e do presidente tenham sido aprovados pelo Senado e depois nomeados, eles têm mandatos a serem cumpridos e estariam blindados de eventuais alterações políticas.
A agência é uma peça dentro de um plano mais abrangente. O principal objetivo da política é dar um norte preventivo no caso de ciberataques e criar instrumentos práticos para isso. Hoje, de acordo com integrantes do GSI, tanto órgãos do Estado quanto privados têm seus departamentos e suas regras para segurança, mas não há um protocolo comum a todos.
De acordo com o secretário de cibernética do GSI, a agência não atuaria de forma hierarquizada, mas como um ponto focal para padronizar e compartilhar as melhores práticas.
"Não basta haver atividade institucionalizada, é preciso que seja coordenada, porque as ameaças são parecidas e aparecem de todo lado. Um ente detecta alguma coisa e o quanto mais rápido ele passar isso através de uma rede colaborativa, vai prevenir que aquilo se alastre. A palavra-chave para a agência é governança", disse Silva.
O que motivou a apresentação do projeto de lei neste ano –e com pedido de urgência, segundo o GSI– é o aumento vertiginoso de ciberataques no Brasil, com prejuízos financeiros que podem chegar a US$ 100 bilhões no país em 2023, segundo a consultoria especializada Accenture. Essa cifra tem sido usada como um dos principais argumentos para o estabelecimento da agência.
Malagutti lembra ainda do ciberataque ao sistema do STJ (Superior Tribunal de Justiça) em 2020, que é considerado por especialistas o pior já ocorrido em um sistema público do país. Na ocasião, o diretor do departamento de tecnologia da informação do tribunal acionou o comando de defesa cibernética, ligado ao Ministério da Defesa, e o departamento da Polícia Federal (PF) para crimes desta ordem.
"Preventivamente, não tem ninguém atuando. Essa é uma das situações que levou a aumentar a percepção de urgência na sociedade para criação dessa agência", disse.
Se a agência já existisse à época, haveria primeiro um nível mínimo de exigência de segurança para sistemas como o do STJ, além de um protocolo e uma cadeia de comando para serem seguidos em casos como esse. A política nacional prevê ainda criação de um gabinete de crise para atuar nessas situações.
Além disso, também há a previsão de um comitê, comandado pelo presidente da agência. Inicialmente, a previsão era de 27 membros. Mas, após audiência pública, outros órgãos manifestaram interesse em ter assento próprio, como a diretoria de combate a crimes cibernéticos da PF, e a previsão passou para 55.
A proposta de criação de uma Política Nacional de Segurança Cibernética existe desde 2014, quando o Senado instaurou CPI para acompanhar espionagem eletrônica, após revelações do caso Snowden –que revelou detalhes de espionagem dos Estados Unidos sobre o Brasil.
MEC decide encerrar escolas cívico-militares e ordena desmobilização das Forças Armadas; Paraná diz que manterá unidades próprias
Por O Globo /
O Ministério da Educação (MEC) decidiu pôr fim às escolas cívico-militares, implementadas durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro. A decisão foi informada através de um ofício enviado a secretários estaduais de todo o país esta semana, datado da última segunda-feira (10). No fim do mês passado, O GLOBO mostrou que estados vinham investindo no modelo, mesmo contra orientação da atual gestão do MEC.
O documento, endereçado aos secretários estaduais, informa que foi "deliberado o progressivo encerramento" do Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares após a realização de processo de avaliação liderado pela equipe da Secretaria de Educação Básica, do Ministério da Defesa e do próprio MEC.
O ofício acrescenta que "partir desta definição, iniciar-se-á um processo de desmobilização do pessoal das Forças Armadas envolvidos em sua implementação e lotado nas unidades educacionais vinculadas ao Programa, bem como a adoção gradual de medidas que possibilitem o encerramento do ano letivo dentro da normalidade necessária aos trabalhos e atividades educativas".
De acordo com o MEC, as definições de estratégias específicas de reintegração das unidades educacionais à rede regular de ensino será objeto de definição e planejamento de cada sistema. E por último informa que a regulamentação específica sobre o tema está em tramitação. A carta informa que esclarecimentos mais detalhados serão feitos pela Coordenação-Geral de Ensino Fundamental, que tem à frente Fátima Elisabete Pereira Thimoteo.
A reportagem ainda aguarda um posicionamento oficial do MEC. No fim de junho, o Ministério da Educação já tinha informado que não investiria em novas escolas cívico-militares, mas ainda não havia anunciado que acabaria com o programa. Na ocasião, o órgão disse que discutiria com governadores e prefeitos que já implementaram as unidades, “de forma democrática e respeitosa”, o que será feito com as escolas. “A instalação de escolas cívico-militares não será prioridade e nem estratégia”, reforçou a pasta, em comunicado. “Neste governo não serão criadas escolas cívico-militares por meio do MEC”.
Em janeiro, o MEC acabou com a diretoria criada por Bolsonaro responsável pelas escolas cívico-militares. Questionado na Câmara em abril, o ministro da Educação, Camilo Santana, afirmou que a decisão não revogava o programa, mas tirava o modelo das prioridades e estratégias da pasta.
— Eu não revoguei, o programa continua. Só não será prioridade e estratégia do MEC nesse governo criar novas escolas militares. Vamos discutir com governadores e prefeitos que já implementaram o que vamos fazer com essas escolas — disse Camilo.
Por meio de nota, o Paraná já se pronunciou sobre a decisão, informando que a rede de ensino do estado tem 12 escolas do Pecim (Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares). Os demais 194 colégios cívico-militares existentes são do programa estadual. A Seed-PR irá trabalhar para migrar os 12 colégios do modelo federal para o estadual.
O estado de Santa Catarina também informou que está estudando a continuidade das escolas cívico-militares com recursos próprios, inclusive com mudança de nomenclatura do programa. Já o Amazonas ainda decide o que fazer.
No fim de junho, reportagem publicada pelo GLOBO mostrou que as escolas cívico-militares, incentivadas por Bolsonaro, continuavam em expansão por iniciativa de estados e municípios, apesar de o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ter deixado claro que estas unidades de ensino tinham deixado de ser prioridade do governo. Levantamento do jornal revelou que 433 unidades da rede pública no país atualmente adotam o modelo em sistema de gestão compartilhada, das quais 208 foram implantadas em parceria com o Ministério da Educação e outras 225 pelos próprios estados.
A reportagem mostrava, por exemplo, que o Paraná concentra quase metade das unidades em atividade, com 206 — 194 colégios do modelo estadual e 12 do programa federal. Nesse formato, policiais militares ou das Forças Armadas passam a participar das atividades educacionais.
Lula critica Campos Neto por manutenção da taxa de juros: 'É teimoso, tinhoso, não tem mais explicação'
Por Renan Monteiro — Brasília / O GLOBO
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva voltou a criticar nesta terça-feira o Banco Central pela manutenção da taxa básica de juros (Selic) em 13,75% - neste patamar desde agosto de 2022. Lula alega "teimosia" do chefe da autarquia, Roberto Campos Neto.
— As pessoas estão ficando mais otimistas, a inflação está caindo e logo logo vai começar a baixar a taxa de juros, porque o presidente do Banco Central é teimoso, tinhoso, não tem mais explicação (para a Selic em 13,75%) — disse o presidente, na live semanal realizada pelo Planalto desde de junho.
O governo cobra redução da taxa básica de juros desde o começo do ano e a ala política endossa críticas personalizadas a Campos Neto. Porém, a decisão sobre juros não depende só do presidente do BC.
A Selic é definida a cada 45 dias pelo Comitê de Política Monetária (Copom) - com votos individuais de mais oito diretores e o chefe da autarquia. Na última reunião, em junho, o colegiado indicou que agosto poderia haver a primeira redução na taxa básica, com a melhora de indicadores econômicos.
Outra crítica feita pelo presidente da República, à atuação do BC, foi em relação à projeção de inflação. Uma das diferentes variáveis para o Copom definir a taxa de juros é a expectativa de agentes do mercado financeiro sobre o índice de preços. Lula cobra um “olhar” para as projeções da economia real:
— Tem um jogo que você tem que jogar, você tem que esperar a expectativa do povo trabalhador, tem que ver expectativa do mercado, a expectativa do varejista, expectativa do empresário, mas sobretudo a gente tem que estar com o olho naquelas pessoas mais necessitadas, aquelas que efetivamente precisam do Estado — declarou
Lula diz que governo vai pagar nove parcelas do piso da enfermagem neste ano
O presidente Lula (PT) disse, nesta quarta-feira (5), que o governo federal vai pagar nove parcelas do piso da enfermagem, incluindo o 13º, ainda neste ano.
"A companheira Nísia [Trindade] tomou a decisão, ela vai pagar o piso e o atrasado desde maio, mais o 13º para que a gente aprenda a valorizar o ser humano nesse país", afirmou o petista.
A declaração foi dada durante discurso na cerimônia de encerramento da 17ª Conferência Nacional de Saúde, que ocorre em Brasília.
Mais cedo, a ministra já havia antecipado a determinação do governo.
O STF (Supremo Tribunal Federal) definiu que o piso da enfermagem deve ser pago ao setor público pelos estados e municípios, com repasse federal.
A corte também determinou o pagamento aos trabalhadores do setor privado, nos casos em que não houver um acordo coletivo entre as partes, conforme a proclamação do resultado de julgamento feita pelo relator de uma ação sobre o assunto, Luís Roberto Barroso, na noite de segunda-feira (3).
Em diversos momentos, Nísia foi ovacionada pelos representantes da saúde que estavam no local.
Durante seu discurso, ressaltou que a agenda da pasta é pela inclusão e pelo desenvolvimento do país.
"[O objetivo é] fortalecer atenção primária, especializada, levar médico para onde precisa e levar equipes multiprofissionais", disse.
Lula também aproveitou a cerimônia para fazer um ato de desagravo à sua ministra, que vem enfrentando pressão do centrão pelo seu cargo. O petista disse que ela fica até quando ele quiser.
Em setembro do ano passado, o piso havia sido suspenso inicialmente por Barroso em ação movida pela CNS, que havia questionado a lei que instituiu o piso nacional. Na ocasião, ele havia entendido que a entrada em vigor imediata do piso poderia ter impacto na prestação dos serviços de saúde.
O governo do presidente Lula, por fim, publicou em maio projeto de lei que libera R$ 7,3 bilhões para o custeio do piso nacional da enfermagem.
Em 18 de abril, o chefe do Executivo havia assinado o PLN (Projeto de Lei do Congresso Nacional) em cerimônia no Palácio do Planalto, mas o texto só foi agora publicado —e, portanto, oficializado.
A medida abre crédito especial no valor de R$ 7,3 bilhões em favor do Ministério da Saúde para garantir o pagamento aos profissionais do setor.
Em dezembro do ano passado, o Congresso promulgou a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) que estabelecia o valor do piso de R$ 4.750 para enfermeiros, R$ 3.325 para técnicos de enfermagem e R$ 2.375 para auxiliares de enfermagem e parteiras.
Governo ignora promessa de Lula, descarta propostas e privilegia aliados com verba
Antes de começar a liberar os R$ 9,9 bilhões que herdou das emendas de relator, o governo Lula (PT) criou regras de controle, editou atos internos, fez lives com prefeituras, desenvolveu sistemas para receber propostas do Brasil todo, mas, na prática, tem distribuído o dinheiro na base de acordos políticos.
Mais de 45 mil projetos foram cadastrados por municípios em apenas dois ministérios: o da Saúde (ao menos 37 mil propostas) e o da Agricultura (8 mil).
No entanto os repasses autorizados pelo governo seguem privilegiando aliados do Palácio do Planalto e da cúpula do Congresso, especialmente do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).
Durante a campanha eleitoral e após tomar posse Lula tem repetido que não olha a filiação partidária de deputados, senadores e governadores para repasse de verba e proposição de parcerias federais.
É na Câmara dos Deputados onde o governo tem enfrentado maior resistência a projetos de interesse de Lula. As primeiras liberações também atenderam a demandas de ministros.
De R$ 250 milhões empenhados pelo Ministério da Agricultura, mais de R$ 130 milhões foram para projetos em Mato Grosso, reduto eleitoral de Carlos Fávaro (PSD).
Enquanto todos os R$ 50 milhões destravados pelo Ministério das Cidades serviram para uma obra em Belém (PA), onde a família do titular da pasta, Jader Filho, tem longa carreira política.
Procuradas, as pastas da Saúde, Agricultura e Cidades não responderam se houve participação do Palácio do Planalto ou de parlamentares para a seleção das propostas que receberam repasses.
Como mostrou a Folha, o Ministério da Saúde passou, neste mês, a autorizar repasses dessa verba para bases de parlamentares, principalmente deputados. Os pedidos foram destravados e levaram em consideração uma lista de demandas apresentada por articuladores de Lira ao Palácio do Planalto.
Após pressão do centrão, o Ministério da Saúde liberou R$ 465 milhões do recurso, sendo que mais de R$ 105 milhões foram direcionados a Alagoas, estado que tem Lira como uma das lideranças políticas, além do líder do MDB na Câmara, Isnaldo Bulhões.
No total, a Saúde tem R$ 3 bilhões dos R$ 9,9 bilhões que foram rebatizados após o fim das emendas de relator –principal moeda de troca usada no governo de Jair Bolsonaro (PL) com o Congresso.
A decisão de priorizar aliados do governo e de Lira contraria normas editadas pelo próprio governo sobre a divisão do recurso herdado das emendas de relator.
Em portaria publicada em maio, a SRI (Secretaria de Relações Institucionais), pasta responsável pela articulação política do governo, determinou que fosse aberta uma seleção de propostas, com análise técnica e divulgação do resultado da escolha.
Os ministérios que já liberaram recursos, porém, ainda não informaram como foi feita a seleção.
Antes de começar a liberar a verba, a Saúde também havia determinado regras para seleção das propostas. O grupo de parlamentares liderados Lira tornou a pasta alvo após a equipe de Nísia Trindade criar regras para ampliar o controle na liberação de emendas parlamentares.
A pressão do Congresso foi feita para que o recurso, na gestão Lula, fosse liberado como uma emenda, ou seja, conforme acordos feitos com o Planalto para aumentar a base do governo, ainda que o STF (Supremo Tribunal Federal) tenha proibido essa forma de negociação sem a devida transparência.
A pasta de Nísia abriu prazo até 30 de junho para receber propostas de estados e municípios e listou prioridades de uso da verba. O objetivo era controlar o destino dos R$ 3 bilhões e estimular investimentos como construção de unidades de atendimento, compra de equipamentos médicos e renovação da frota do Samu.
Congressistas afirmavam então que, além de divergências sobre as prioridades definidas pela Saúde, o processo de cadastro e seleção de projetos atrasa a liberação do dinheiro.
O ministério, pressionado pela ala política do governo e pelo Congresso, começou a liberar os repasses antes mesmo do fim do prazo das propostas.
Ao todo, sete ministérios receberam recursos que eram das emendas de relator. No total, empenharam (etapa que antecede o pagamento) R$ 800 milhões dos R$ 9,9 bilhões que migraram para o caixa do governo após o STF declarar a emenda de relator inconstitucional.
Na Saúde, a seleção das propostas gerou dúvidas em gestores de estados e municípios. O Ministério da Saúde tentou explicar os procedimentos em ao menos cinco transmissões feitas nas redes sociais com mais de uma hora de duração cada uma delas.
A equipe de Nísia avalia que, nos últimos anos, o dinheiro das emendas foi excessivamente destinado ao custeio. Ainda que nessa modalidade seja mais fácil de gastar a verba, o governo considera que é preciso reforçar investimentos e reduzir desigualdades regionais.
Por causa das dúvidas e dificuldade técnica de cadastro de propostas, a pasta prorrogou o fim do prazo de funcionamento do sistema, que se encerrou na sexta-feira (30). A Saúde informou na quarta-feira (28) que havia recebido 37 mil propostas.
Há algum tempo, líderes do centrão militam nos bastidores pela troca de Nísia por alguém ligado ao grupo, mas Lula tem resistido até o momento. Em público, o centrão nega querer a vaga da ministra, afirmando que o que cobra é agilidade na liberação dos recursos aos entes federados.
Em nota, a Saúde afirma que mantém diálogo com o Congresso e gestores do SUS, "tendo a ministra da Saúde, Nísia Trindade, se reunido com 277 parlamentares, governadores, prefeitos e vários representantes de entidades filantrópicas desde o início da gestão".
A pasta afirma que um terço das propostas recebidas tratam de investimentos, enquanto o resto propõe medidas de "assistência emergencial para custeio de ações e serviços de saúde".
Na gestão Bolsonaro não havia uma seleção de propostas para partilha desse tipo de emenda –a verba era distribuída por indicações feitas pelo relator do Orçamento, após acordos feitos entre a cúpula do Congresso e o Planalto.
Na prática, uma parcela de parlamentares ganhava o poder de indicar valores acima das cotas de emendas individuais.
Sob Lula, a cobiça maior dos parlamentares é pelos recursos que o governo herdou das emendas de relator, pois isso permite que eles enviem mais dinheiro para suas bases eleitorais.
O governo começou a destravar a verba herdada das emendas de relator, mas descumpriu a promessa de dar transparência sobre os recursos.
Durante a campanha eleitoral, Lula chegou a chamar as emendas de relator de o "maior esquema de corrupção da atualidade", "orçamento secreto" e "bolsolão". A gestão petista, porém, driblou a decisão do Supremo e negociou a partilha desse recurso a partir de acordos feitos com o Congresso para ampliar sua base de apoio.