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Justiça disfuncional

Por Notas & Informações / O ESTADÃO DE SP

 

 

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) publicou uma resolução no dia 22 passado que regulamenta os julgamentos pelo plenário virtual. Sucintamente, o STJ ampliou o rol de casos que podem ser julgados por meio eletrônico, estabeleceu mecanismos de transparência para os atos processuais virtuais e fixou regras para a sustentação oral dos advogados, de acordo com as mudanças introduzidas pela Emenda Regimental 45/2024. Segundo a Corte, o objetivo é reduzir a fila de processos, “a exemplo do modelo seguido pelo Supremo Tribunal Federal (STF)” desde 2007.

 

De antemão, cabe ressaltar que a questão dos julgamentos virtuais é de suma importância para o debate público por ter relação direta com a higidez do Estado de Direito no País. Em que pese a boa intenção do STJ e do STF de acelerar a prestação jurisdicional, está-se diante de uma evidente limitação do exercício do direito de defesa, razão pela qual a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e muitos advogados, individualmente, já manifestaram sérias preocupações com esse modelo de julgamento. Há ainda uma questão de fundo, que é a sobrecarga das Cortes Superiores, envolvidas que são em processos que jamais deveriam chegar até elas fosse a legislação processual brasileira um tanto menos permissiva.

 

A bem da Constituição, em particular da plenitude do direito de defesa, o correto seria o movimento contrário, vale dizer, o STF retroceder nos julgamentos pelo plenário virtual, e não outras Cortes ampliarem a adoção do modelo eletrônico. A atuação do Poder Judiciário deve ser pública (art. 93, IX). Por mais que o STJ e o STF garantam acesso aos atos processuais online em seus regimentos, à exceção dos casos sob sigilo, problemas de toda ordem podem comprometer o acompanhamento das sessões que eventualmente sejam realizadas em tempo real, sendo os de natureza técnica os mais óbvios. Em uma democracia, a Justiça deve primar pelo excesso de transparência.

 

Ademais, em virtude de muitos julgamentos pelo plenário virtual serem assíncronos, isto é, não ocorrerem em tempo real, a prática advocatícia fica muito prejudicada, o que afronta um dos mais preciosos direitos humanos, o direito à plena defesa. Pelas regras do plenário virtual, os advogados têm de enviar suas sustentações orais por meio eletrônico, gravadas, apenas torcendo para que seus argumentos sejam ouvidos pelos julgadores. Um advogado até pode solicitar que determinado processo seja transferido para o plenário físico, mas a palavra final cabe ao ministro relator.

 

E não raro esses pedidos têm sido indeferidos, como alertou a OAB. Questões de ordem ou ponderações pontuais dos advogados no momento em que os interesses de seus clientes estão sob escrutínio dos magistrados também são suprimidas.

 

O julgamento pelo plenário virtual ainda impede o debate, tanto entre as partes contrárias como entre os próprios magistrados. Em grande medida, o cerceamento do livre confronto entre teses em disputa durante um julgamento, em tempo real, enfraquece não apenas a própria natureza de um tribunal colegiado, como, sobretudo, o amplo contraditório.

 

O STJ e o STF têm razão quando se dizem sobrecarregados. Sobre essa anomalia, ambas as Cortes têm pouca ou nenhuma responsabilidade, haja vista que praticamente todos os processos que chegam a Brasília encontram amparo na atual legislação processual. Sob qualquer ponto de vista, não tem o menor cabimento, por exemplo, uma ação penal contra um homem acusado de furtar dois pares de chinelos em Minas Gerais chegar até o gabinete do ministro do STF Alexandre de Moraes, como aconteceu há poucos dias. O réu foi perdoado à luz do princípio da insignificância, mas o fato de tê-lo sido por um ministro da Corte Suprema revela quão disfuncional é a Justiça brasileira.

 

Os tribunais superiores pouco têm a fazer enquanto o Congresso não se debruçar seriamente sobre a revisão de uma legislação processual extremamente permissiva. Tal como está, o emaranhado recursal que se presta a assegurar o direito à ampla defesa acaba, na prática, por cerceá-lo.

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