Ainda é cedo para falar em adiamento das eleições municipais
Vivemos hoje um momento de um profundo paradoxo: no mundo todo, estamos vivendo um distanciamento social que transformou drasticamente nossa rotina, ao mesmo tempo muitas necessidades humanas estão mais latentes, de maneira pouco vista antes. A mudança de estilo de vida fez com que precisemos mais nos comunicar e nos conectar com pessoas. Um exemplo concreto são os pais que trabalhavam fora e cujos filhos estudavam presencialmente na escola. Neste momento em que estão aprendendo a auxiliar os filhos nas atividades escolares virtuais e lidando com o home office, além dos cuidados com a casa, eles acabam por criar redes de contato para dividir seus dilemas. Muitas vezes, conversa-se até com desconhecidos para encontrar soluções e compartilhar problemas em comum. Conectados, esses pequenos grupos acabam também por debater outras questões sociais conjuntamente.
Há, portanto, uma maior união entre as pessoas que vivem em condições semelhantes, mesmo com o distanciamento, um fenômeno que surgiu por conta da pandemia. Acredito que uma das grandes virtudes humanas é saber colaborar com estranhos, os seres humanos criaram a reciprocidade e carregam um grande senso de cooperação com o próximo. Nossa vida corrida nos distanciou dessa vertente, mas este momento de crise fez com que descobríssemos novamente esse aspecto. A reciprocidade para com aquele que vive uma condição semelhante e o compartilhamento de soluções é cada vez mais urgente agora. Trata-se de ser empático com o próximo, uma qualidade que envolve perceber o seu próximo também como um eu.
Richard Swift, estudioso da economia, diz que sem reciprocidade a sociedade não poderia mais existir. Em momentos adversos como os que estamos enfrentando, o egoísmo não pode mais prevalecer sobre o coletivo. Essa articulação entre as pessoas agora tem também impactado o cenário político brasileiro, já que novos grupos sociais estão florescendo, em busca de soluções ou formulando críticas à sociedade juntos.
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Falso positivo - DORA KRAMER - VEJA
Os testes a que o presidente constantemente submete a República não têm apresentado bons resultados para ele. Jair Bolsonaro vem sendo reprovado numa prova atrás da outra. Obtém notas baixíssimas em matéria de relações institucionais, respeitabilidade, credibilidade, confiabilidade, civilidade e demais quesitos que atinge com suas afrontas, resultando em danos irreparáveis definidores de seu destino.
Para usar expressão da circunstância atual, Bolsonaro testou negativo para o exercício da Presidência da República. Quis o bom senso que repetidas derrotas mostrassem o diagnóstico de falso positivo na expectativa de alguns temerosos, e outros tantos esperançosos, de que a passagem dele pelo cargo levaria o país às trevas do retrocesso.
Do fracasso da chamada pauta conservadora, no começo do governo, à recente condição de alvo de inquérito no Supremo Tribunal Federal, passando pela perda de mais de 20 pontos no porcentual de apoio do eleitorado original, só acumulou passivos sem ganhar nenhum ativo consistente. Concretamente, seus desafios aos limites têm sido limitados pela indisposição das Armadas em fazer uso da força, pelas balizas da Constituição nas mãos do STF, por um frágil respaldo no Congresso e pela carência de sustentação em maioria popular.
Não obstante a necessidade de estreita e constante vigilância, que de resto tem sido exercida, se alguém tem algo a temer é o presidente. O ambiente de veneno e turbulência que Bolsonaro cria com suas exorbitâncias é passageiro. Perdemos momentaneamente a estabilidade, mas ele, se não perder o cargo antes do prazo regulamentar, pode desde já perder as esperanças de ser reeleito.
Falava no início sobre os testes que o presidente aplica à República e de como vem sendo reprovado em todos eles. No meu tempo de colégio chamava-se segunda época. Hoje o conceito é o de “recuperação”. Vamos adotá-lo, então, para exercitar hipóteses de cenários pós-pandemia, entre os quais a possibilidade de Bolsonaro se recuperar dos reveses e conseguir chegar politicamente vivo a 2022.
Atualmente, o esforço dele não é o confronto com a esquerda. Não se afasta desse embate, dada a utilidade do PT na condição de plantonista na antessala do bicho-papão, mas por ora vê outros inimigos a ser enfrentados com urgência: os que formam nas fileiras da legalidade e da normalidade. Olhando com percepção adequada da realidade à volta vê-se a inexistência da chance de os petistas ganharem uma eleição.
Entre outros motivos porque aos 42 milhões de brasileiros adeptos da ausência e dos votos nulos ou em branco em 2018 juntaram-se outros cerca de 20 milhões que já desembarcaram da canoa bolsonarista. A estes acrescentem-se os eleitores de Fernando Haddad por exclusão, com má vontade, e teremos um contingente enorme de gente convencida de que extremos, ainda mais quando já testados, não produzem boa coisa.
Imprescindível, portanto, para Bolsonaro é brigar com o centro. Isso ele tem feito ao apostar no sentimento de descrédito (apontando fraudes nas eleições, por exemplo) para tentar manter acesa a chama da ilusão em soluções tão drásticas e instantâneas quanto inexequíveis por equivocadas.
É difícil convencer a seguir por aí um eleitorado farto de batalhas vãs travadas no campo das falsas esperanças.
Publicado em VEJA de 13 de maio de 2020, edição nº 2686
Rogéria Bolsonaro pode ser vice de Crivella na eleição municipal do Rio
Juliana Dal Piva e Bernardo Mello / O GLOBO
RIO — Após a filiação de três membros da família Bolsonaro ao partido do prefeito do Rio, Marcelo Crivella, integrantes do Republicanos discutem a possibilidade de que Rogéria, ex-mulher do presidente Jair Bolsonaro, ocupe a vaga de vice na chapa que disputará a reeleição este ano. Rogéria, que se separou do presidente no início dos anos 2000, é mãe do senador Flávio Bolsonaro e do vereador Carlos Bolsonaro, ambos recém-filiados ao partido de Crivella, e também do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP).
Nos bastidores, aliados do prefeito contam que Rogéria Bolsonaro se filiou ao partido de Crivella com intenção de disputar uma cadeira na Câmara dos Vereadores, mas a vaga de vice será indicada pelo grupo que quer formar o partido Aliança pelo Brasil — que se filiou ao Republicanos enquanto a nova legenda não é homologada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). A possibilidade de Rogéria ocupar o posto de candidata a vice também se encaixaria nos planos da família Bolsonaro — já que Carlos, o filho 02 de Bolsonaro, deve entrar na briga pela reeleição como vereador.
— É a família quem vai decidir. Ela é um bom nome. Tem experiência na política — afirmou um integrante do Republicanos.
Rogéria, que já foi vereadora por dois mandatos e deixou a Câmara Municipal em 2001, após ter se separado de Bolsonaro, planeja retomar a carreira política. Na ocasião, ela perdeu a eleição e Carlos obteve seu primeiro mandato como vereador, aos 17 anos. O período eleitoral foi conturbado, já que Bolsonaro incentivou a candidatura do filho justamente em função de ter se separado de Rogéria no período no qual passou a viver com Ana Cristina Siqueira Valle, sua segunda mulher.
Depois de 2001, Rogéria não disputou outros cargos públicos, mas era filiada ao PSL até março deste ano. Segundo integrantes do PSL, ela começou a negociar a ida ao Republicanos após perceber que o Aliança não poderia disputar as eleições. Já Carlos Bolsonaro deixou o PSC, partido do governador Wilson Witzel, que se tornou desafeto da família Bolsonaro. Nos últimos tempos, como os filhos, Rogéria intensificou suas postagens nas redes sociais e até participou de carreata com deputados bolsonaristas criticando o isolamento social decretado pelo governo do Rio durante a pandemia de coronavírus.
A ida do clã Bolsonaro para o Republicanos foi costurada a partir do secretário municipal de Ordem Pública de Crivella, Gutemberg Fonseca. A ideia é que o Republicanos abrisse espaço para quem saiu do PSL disputar as eleições municipais em todo o país. O próprio Gutemberg, que tem boa relação com a família Bolsonaro, também se tornou um nome cogitado para ser vice de Crivella nas discussões internas do Republicanos.
— Vai ser uma escolha do pessoal que era do Aliança. A ideia é essa — explicou um aliado de Crivella.
Parte do grupo que assessora o prefeito conta que a escolha do vice deve ficar para a segunda quinzena de maio. Parlamentares ligados ao presidente Jair Bolsonaro, como o deputado federal Helio Lopes (PSL-RJ) e a deputada estadual Alana Passos (PSL), chegaram a ser cogitados para a vaga. Helio e Alana, no entanto, acabaram descartados porque não conseguiram deixar o PSL, partido abandonado por Bolsonaro no fim de 2019 para fundar o Aliança.
Com o ingresso de Carlos, que trouxe consigo seu colega de Câmara Municipal Leandro Lyra, ex-filiado ao Novo, o Republicanos passou a ter seis vereadores que brigam por reeleição no Rio. A nominata inchada da legenda tem gerado preocupação no partido, embora um aliado de Crivella calcule que é possível eleger cerca de dez vereadores tendo Carlos como puxador de votos. O filho “02” de Bolsonaro foi o vereador mais votado do Rio em 2016, com mais de 106 mil votos.
Bolsonaro ainda lidera disputa para 2022, mas a maioria reprova sua gestão
Em meio a uma grave crise política e à pandemia do coronavírus, Jair Bolsonaro lidera a corrida presidencial para 2022 nos três cenários sondados em levantamento exclusivo feito pelo instituto Paraná Pesquisas para VEJA, mas precisa se preocupar com os índices ruins de avaliação do seu governo. Em dois cenários, o presidente lidera de forma isolada, com uma diferença sobre o segundo colocado acima da margem de erro, que é de dois pontos percentuais para mais ou para menos.
Em um deles, o mais provável hoje, ele surge com 27%, seguido pelo seu ex-ministro Sergio Moro – agora desafeto após ter saído do governo disparando acusações que renderam até um inquérito contra o presidente no Supremo Tribunal Federal -, que tem 18,1%. O ex-juiz da Lava-Jato está tecnicamente empatado, no limite da margem de erro, com o finalista do segundo turno presidencial de 2018, o ex-prefeito Fernando Haddad (PT), que tem 14,1%.
A pesquisa foi feita entre os dias 26 e 29 de abril e já captou a crise política desencadeada com a saída rumorosa de Moro do governo. Ele acusou o presidente de interferência política na Polícia Federal ao pressionar pela saída do diretor-geral do órgão, Maurício Valeixo, com o objetivo de obter acesso a investigações em andamento, inclusive envolvendo os seus filhos.
Em outro cenário, sem Moro na disputa, Bolsonaro amplia a sua liderança, com 29,1% dos votos contra 15,4% de Haddad, que passa a ser o segundo colocado. Ciro Gomes (PDT) surge em terceiro, com 11,1%, repetindo a linha de chegada do primeiro turno da eleição presidencial de 2018. Neste quadro, a surpresa é outro ex-ministro, Luiz Henrique Mandetta (DEM), que também saiu da pasta da Saúde em meio a desavenças com o presidente – ele aparece com 6,8%.
O único cenário em que Bolsonaro não lidera com folga é o que tem o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva como candidato do PT. Nesse caso, ele também aparece numericamente à frente, com 26,3% das intenções de voto, mas empatado tecnicamente com o petista, que tem 23,1%. Nesse cenário, Moro surge em terceiro, com 17,5%. Neste momento, Lula não pode ser candidato porque está inelegível, enquadrado na Lei da Ficha Limpa, por ter sido condenado em duas instâncias – em uma delas, ironicamente pelo próprio Moro – no processo relativo a um tríplex no Guarujá, que teria sido dado a ele pela construtora OAS como pagamento de propina.
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Partidos mantêm disposição de fazer eleição em 2020 sem destinar fundo a coronavírus
Apesar de ter alterado substancialmente a rotina da população, de empresas e governos, a pandemia do novo coronavírus ainda não abalou o calendário das eleições municipais deste ano nem as regras e condições para a disputa.
A maioria dos partidos e a Justiça Eleitoral defendem que, se as eleições forem adiadas (a data oficial é 4 e 25 de outubro, em primeiro e segundo turnos), que sejam por um curto período, evitando assim o prolongamento do mandato de prefeitos e vereadores eleitos em 2016.
O fundo eleitoral, de R$ 2,035 bilhões, também permanece por ora reservado para a campanha dos candidatos, como defendem os principais partidos, e não para uma nova função, o combate à pandemia, como pregam alguns isoladamente.
O principal argumento ouvido pela Folha nas últimas semanas foi o de que a atual crise mundial não pode servir de pretexto para a fragilização de um dos pontos fundamentais das democracias, as eleições.
"Não se faz uma eleição sem despesa. E é melhor fazer com uma despesa clara do que fazer como era antes", afirma o presidente do PSB, Carlos Siqueira, em referência ao financiamento empresarial das campanhas, fonte de vários escândalos de corrupção e que está proibido desde 2015.
Para o presidente do Solidariedade, Paulo Pereira da Silva, eleição sem o fundo eleitoral seria um caos e abriria margem para "caixa dois para todo lado".
Assim como o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), ele diz que o governo até poderia usar nesse momento o dinheiro do fundo nas medidas de combate à doença, mas com recomposição da rubrica lá na frente, no período de campanha.
A extinção do fundo ou o seu uso para outros fins é bandeira empunhada especialmente pelo partido Novo e por congressistas do PSL ainda aliados a Jair Bolsonaro. Em linhas gerais, eles defendem ser um escândalo o uso de dinheiro público para financiar candidatos em um país tão carente como o Brasil.
Alguns, como o presidente do MDB, Baleia Rossi, adotam discurso maleável, como o de que, "se a emergência exigir", o partido não se oporá ao uso do fundo no combate à pandemia.
Nos bastidores, porém, a opinião majoritária no Congresso é a de que não serão os R$ 2 bilhões do fundo que farão diferença em uma situação que exige valores muito mais altos. Segundo esses parlamentares, os que pregam a destinação ao coronavírus surfam na onda anti-política e querem jogar para a plateia, uma movimentação que tende a perder força com o passar dos meses.
O Novo tem entre suas fileiras e entre seus apoiadores vários empresários, o que, apontam críticos, lhe dá uma enorme vantagem em relação a candidatos de outros partidos que não contam com dinheiro próprio para se autofinanciar.
Apesar de criticar publicamente o uso de dinheiro público nas campanhas, Bolsonaro se beneficiou dessa verba na corrida presidencial de 2018, como mostraram reportagens da Folha, além de ter recorrido a essa fonte, abertamente, antes de se tornar candidato a presidente da República.
Em 2014, por exemplo, 97% do dinheiro de sua campanha a deputado federal vieram dos cofres públicos. Para tentar afastar de si a imagem de ter sido financiado pela JBS —envolta anos depois em um grande escândalo de financiamento ilegal de políticos—, o hoje presidente fez questão de ressaltar publicamente que exigiu que seu partido à época, o PP, colocasse em sua campanha R$ 200 mil vindos do fundo partidário, e não do dinheiro repassado à sigla pela gigante de carnes.
Até há alguns anos as campanhas eram financiadas majoritariamente pelas grandes empresas, como empreiteiras e bancos. Em 2015 o Supremo Tribunal Federal proibiu a prática, sob o argumento principal de que o poderio econômico feria o princípio de equilíbrio de armas na disputa.
Com isso, o Congresso criou o fundo eleitoral em 2017, que se juntou ao fundo partidário, com verba de R$ 960 milhões nesse ano, totalizando R$ 3 bilhões de dinheiro público em 2020 —além da renúncia fiscal de TVs e rádios para veiculação do programa eleitoral.
Além disso, candidatos podem receber doações de pessoas físicas ou se autofinanciar, respeitados alguns limites.
Assim como na defesa do fundo eleitoral, há uma posição majoritária favorável à realização das eleições para prefeito e vereadores ainda neste ano.
"Menosprezar os atos democráticos, falando como se fosse uma coisa que não é essencial, com algo que se der, faz, se não der, deixa pra lá, o que é isso?", afirma o presidente do Cidadania, Roberto Freire.
A oposição a um adiamento para além de 2020, que resultaria necessariamente em prorrogação automática dos mandatos de prefeitos e vereadores, também é atacada, entre outros, por Rodrigo Maia e pelo futuro presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Luiz Roberto Barroso.
Na sessão virtual em que se confirmou sua eleição para o cargo, na semana passada, o ministro lembrou que qualquer alteração nas datas dependerá de aprovação pelo Congresso e que defende o adiamento, se ocorrer, "pelo prazo mínimo e indispensável para que elas possam ser realizadas com segurança".
O TSE criou um grupo de trabalho para avaliar os impactos da pandemia no calendário eleitoral e, até o momento, não há indicativo de necessidade de adiamento.
A próxima movimentação eleitoral significativa ocorre com as convenções partidárias, que definirão oficialmente os candidatos, marcadas para o período de 20 de julho a 5 de agosto.
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