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O centro já venceu em 2022

Ciro Nogueira

Senador da República (PI), é presidente nacional do PP / FOLHA DE SP

Todos os dias sou questionado sobre a polarização na campanha presidencial e, obviamente, quem vai vencer a eleição: Lula ou Bolsonaro são os dois nomes mais fortes; penso que este confronto final é praticamente inevitável. Ouso dizer, porém, que a eleição do ano que vem já está definida, e o ganhador não será nenhum dos dois extremos —nem a extrema esquerda, nem a extrema direita. Será o centro.

Sendo assim, a grande questão de 2022 não é quem vai ganhar, mas qual candidato será capaz de ampliar mais o seu espectro de alianças, avançando mais em direção ao centro do que seu contendor. Longe das paixões políticas e dos cenários atuais, entendo que Bolsonaro continua sendo o favorito em atrair mais apoios do centro quando a hora decisiva chegar.

Como vimos nas eleições municipais de 2020, os partidos de centro foram os grandes vitoriosos, com a conquista do maior número de prefeituras em todo o país. Foi um recado em alto e bom som de que o eleitor rejeita os extremismos e prefere o caminho do meio. Um centro forte é bom para a democracia: é sinal de previsibilidade, sem solavancos e incertezas. A influência silenciosa do centro em 2022 significa a garantia de que o país já contratou um tipo de cláusula de estabilidade, pois somente aquele que se aproximar e efetivamente incorporar posturas longe dos extremos será capaz de conquistar votos para além dos seus guetos.

 

Então, a questão que logo se colocou foi: se o centro representa esse vetor tão forte, por que não oferecer um de seus representantes para comandar a nação? A rigor, o debate político atual se divide sobre qual deve ser a participação do centro na campanha presidencial: como protagonista ou como centro de gravidade (para usar aqui uma deliberada redundância)?

Na primeira hipótese, o centro lançaria um candidato próprio, capaz de arrebatar essa pulsão moderadora que o eleitorado aparenta preferir no comando do poder. O problema do “candidato de centro” é que não se fabrica candidatos. O centro não tem um candidato que se represente. E tentativas de protótipos, a essa altura, são artificiais. Líderes não são projetados em uma linha de produção. Ao contrário, são atores políticos raros, curtidos num processo misterioso chamado história e, por esse elemento abstrato, conhecido como apelo popular. Para todos os efeitos práticos, só existem dois à disposição das circunstâncias: Lula e Bolsonaro.

Nenhum deles, entretanto, é capaz de alcançar êxito com suas próprias forças. Ambos terão, então, que estender seu raio de influência na direção do centro gravitacional da política brasileira: o centro. É por isso que acredito que ele será o vencedor da eleição, pois será o fator decisivo da disputa. É por isso, também, que não acredito em simulacros de polarizações ou caricaturas que tentem apresentar Lula ou Bolsonaro como candidatos dos extremos, por mais que a retórica eleitoral assim o queira.

 

Dito tudo isso, advém a questão final: qual dos dois teria maior capacidade de atrair as forças de centro? Lula, sem dúvida, já mostrou no passado ter habilidade política de ser um grande conciliador. Ocorre que as forças de centro, hoje, estão alinhadas com um conjunto de ideias e direcionamentos —sobretudo no campo econômico— de caráter reformista: as maiorias parlamentares no Congresso têm demonstrado uma ampla sustentação a projetos e reformas constitucionais, como a redução do custo do Estado, a privatização e a disciplina fiscal.

Nesse sentido, qual espectro político se sente mais à vontade para se alinhar com essa agenda reformista do centro? É aí que vejo a possibilidade concreta de Jair Bolsonaro dialogar, como já vem dialogando, com o centro e viabilizar sua vitória, malgrado toda a ressaca que seu governo atravesse agora, no pior momento da pandemia, algo que certamente vai passar gradualmente e será sucedido por safras de boas notícias e indicadores.

A extrema esquerda e mesmo a centro-esquerda têm nesses temas econômicos algumas de suas bandeiras históricas e mais caras de enfrentamento. Já a extrema direita e a centro-direita não têm nessas questões o seu principal ponto de atenção.

Suas pautas são outras, que, por sua vez, não empolgam o centro. Ou seja: ou a esquerda teria de se reposicionar e adotar uma série de valores que atualmente parecem improváveis —e ainda se o fizesse se tornará apenas irmã gêmea do candidato conservador—, ou se mantém coerente e não se expande para capturar o eleitor de centro.

É por tudo isso que, apesar de todas as pesquisas pouco alvissareiras da ocasião, ainda creio que a candidatura de Bolsonaro é a que tem maior capacidade orgânica de aglutinar o grande campo de batalha da eleição: o centro.

TENDÊNCIAS / DEBATES
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.​​

 

Novidade nas ruas - FOLHA DE SP

Os protestos contra o presidente Jair Bolsonaro neste sábado (29) são uma bem-vinda lufada de ar na atmosfera política brasileira.

Após quase um ano de domínio exclusivo das ruas por alguns parcos, mas barulhentos, manifestantes bolsonaristas, milhares de opositores se aventuraram no asfalto de diversas capitais.

Havia uma clara preocupação dos organizadores de diferenciação, com o estímulo ao distanciamento social possível e ao uso de máscaras —em contraste com as irresponsáveis aglomerações estimuladas pelo presidente.

Isso dito, houve cenas condenáveis do ponto de vista sanitário, além dos deploráveis confrontos envolvendo forças policiais, como o ocorrido em Recife.

Ao mesmo tempo em que se mostram como novidade no panorama, contudo, os atos não encobrem as limitações da agenda da esquerda que se rearranja após ter sido trucidada nas urnas a partir de 2016.

Animado com o reaparecimento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na liderança de pesquisas eleitorais, o campo tem desafios mais complexos à frente.

Se a rejeição ao petista aferida pelo Datafolha não é tão grande quanto a do atual presidente (36% ante 54%), é importante entender as circunstâncias da fotografia.

Bolsonaro está no seu pior momento, com a CPI da Covid recontando a tragédia criminosa de sua gestão, efeitos sociais das fragilidades econômicas em curso e até uma ameaça de crise energética.

Mas o que a esquerda, a começar pelo PT, oferece além da adversativa? Se o que Lula tem a ofertar se reflete na embolorada crítica às privatizações, como fez no caso da Eletrobras, as perspectivas de um eventual novo governo petista são decepcionantes.

A crítica nas ruas do sábado a Bolsonaro é justa e até tardia. Porém seu potencial de mobilização, até pelos sentimentos contraditórios despertados em pessoas que se preocupam com os protocolos sanitários, ainda não é claro.

Além disso, convém lembrar que o antipetismo segue sendo uma força orgânica em centros urbanos, o que delimita o escopo das bandeiras que se veem agitadas.

Furar essa bolha, para usar um clichê, é a tarefa colocada à esquerda. Apresentar propostas concretas e viáveis, que vão além do embate ideológico, é um imperativo para qualquer força política que queira fazer frente a Bolsonaro em 2022.

Seja nas ruas, seja na arena parlamentar, a oposição à esquerda ainda carece de consistência programática. Mas será erro descartar esse movimento inicial como algo sem potencial de frutificar, dada a anomia em que estamos inseridos.

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Como foi a 'motociata' de Bolsonaro no Rio

Renato Onofre / ÉPOCA

 

MOTOCIATA DE BOLSONARO NO RIO MAIO 2021

 

Três dias depois de dizer que voltou a ter sintomas da Covid-19, o presidente Jair Bolsonaro cruzou a cidade do Rio de Janeiro — da Barra da Tijuca, na Zona Oeste, ao Aterro do Flamengo, na Zona Sul — em cima de sua Honda NC 750X azul no domingo 23. Ao lado dele, milhares de motoqueiros acompanharam o trajeto de mais de 40 quilômetros dando uma dimensão real ao tamanho do bolsonarismo no país.

Sob a ótica de mais de 450 mil mortes provocadas pela pandemia do coronavírus, a cena da “motociata” presidencial provoca indignação de parte da sociedade que entende a gravidade da atual realidade e não compreende como um governante promove tais eventos. Contudo, as cenas do último domingo são também a demonstração de uma resiliência e consistência política do presidente, apesar de todos os problemas enfrentados nos últimos anos. E isso pode ser decisivo para 2022.

O presidente chegou ao Parque Olímpico da Barra da Tijuca por volta das 9h30, acompanhado pelo ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello. Lá, sem máscara, cumprimentou apoiadores que o aguardavam, apesar de decretos em vigor na capital fluminense determinarem o uso obrigatório da proteção em qualquer ambiente público, assim como distanciamento mínimo de 1,5 metro e a proibição da realização de eventos em áreas públicas — mais duas violações também cometidas no passeio. De máscara, o governador do estado e aliado fiel, Cláudio Castro, esteve presente e cumprimentou o presidente.

O passeio de moto teve início por volta das 10 horas. O comboio percorreu dezenas de ruas e avenidas da cidade escoltado por dezenas de veículos deslocados de 20 unidades da Polícia Militar. Cerca de 1.000 agentes foram destacados “a fim de garantir a ordem e a segurança da população durante o ato”. Não houve contagem oficial dos presentes, mas a dimensão pode ser medida pela observação. Em alguns trechos do percurso, como na Avenida Atlântica, em Copacabana, se a moto do presidente — uma das primeiras da fila — passasse por alguém parado na orla, demoraria mais de 30 minutos para que o último veículo do comboio cruzasse o mesmo local.

O ato ocorreu em um dos momentos mais delicados para Bolsonaro. A gestão federal durante a pandemia está sendo escrutinada em tempo real no Senado — e nas redes sociais — pela CPI da Covid, montada para investigar o governo. O atual ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, e seu último antecessor, o general Eduardo Pazuello, foram confrontados por parlamentares da oposição durante seus depoimentos. Outros aliados do presidente, como o ex-secretário de Comunicação Fabio Wajngarten, quase saíram presos da sessão.

O desgaste é comprovado em números. De acordo com a última pesquisa do instituto Datafolha, o mandatário tem a aprovação de 24% dos brasileiros, a pior marca de seu mandato até aqui. O percentual dos que consideram a gestão ótima ou boa era de 30% em março, quando foi feito o levantamento anterior.

Os que rejeitam o governo, considerando-o ruim ou péssimo, são 45% dos entrevistados em 146 municípios de todo o Brasil. A série histórica da pesquisa mostra que, de dezembro para cá, a popularidade de Bolsonaro derreteu. No último mês de 2020 atingia o recorde de 37% e foi caindo paulatinamente até chegar ao atual patamar.

A nova rodada do levantamento mostrou ainda que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), seu principal adversário, lidera a corrida para a Presidência. E que outros possíveis adversários, como o ex-ministro Ciro Gomes (PDT) e o apresentador Luciano Huck o venceriam em um eventual segundo turno.

Apesar de todo esse cenário negativo, a demonstração deixa claras a resiliência e a consistência política do presidente. Como Lula fez dentro do campo da esquerda, Bolsonaro conseguiu consolidar uma base orgânica de apoiadores que deverá fazer dele um forte concorrente em 2022. A fé desse grupo, que percorreu com ele as ruas do Rio — e Brasília no mês anterior — parece inabalável.

Os apoiadores do presidente ignoram até mesmo as evidentes fragilidades da política do governo, que teve de entregar fatias consideráveis do Orçamento ao centrão, base política fisiológica do Congresso, e a lenta retomada da atividade econômica depois de o país ter, em 2020, o maior recuo do PIB em 30 anos, com queda de 4,1%.

A resiliência bolsonarista é a consolidação de uma unidade conservadora aos moldes do que ocorreu entre progressistas com o lulismo. O ex-presidente petista mesmo no auge do escândalo da Lava Jato mantinha um percentual de aprovação acima dos 20% — hoje beira aos 50%.

Tanto Bolsonaro quanto Lula partem de patamares robustos de, ao menos, 20% do eleitorado. A construção de uma terceira via tenta crescer afunilada entre esses dos monolitos.

E, até o momento, não há nenhum nome posto que dê sinais de conseguir romper esses dois blocos maciços.

O 29M foi grande e importante: e agora, o que esperar?

ATO CONTRA O GOVERNO NA PAULISTA DIA 29 DE MAIO 21

Muitas dúvidas, de diversas naturezas, cercaram a organização dos atos deste 29 de maio, convocados por múltiplas organizações, diversos partidos e diferentes correntes políticas, pelo impeachment de Jair Bolsonaro e exigindo responsabilização do presidente e de seu governo pela decisão de não comprar vacinas contra o novo coronavírus, o que agravou a pandemia de covid-19 no Brasil.

Já na segunda-feira passada escrevi a esse respeito, apresentando os dilemas colocados para os cientistas, para os políticos que até então vinham apontando o negacionismo de Bolsonaro e as aglomerações por ele incentivadas, e para a imprensa. Mas a oposição acabou levando adiante a organização dos atos, fazendo questão de marcar importantes distinções com os eventos bolsonaristas, principalmente no incentivo ao uso de máscaras de alta proteção, como as PFF2, e a distribuição gratuita das mesmas em todas as cidades onde as manifestações ocorreram.

Leia também: Dilema na oposição: como reagir a atos de Bolsonaro sem agravar a pandemia?

Os debates acerca da oportunidade de realização de grandes atos, mesmo com esses cuidados, quando se avizinha uma terceira onda, vão continuar ao longo dos próximos dias. Jornalisticamente, há muitos enfoques a adotar nessa cobertura, que precisa ser feita.

Mas não é possível ignorar que as manifestações ocorreram e, ao menos na praça mais emblemática de atos políticos nas últimas décadas, a avenida Paulista, no coração de São Paulo, ela foi robusta, não ficou restrita aos partidos de esquerda e mostrou a existência de uma oposição vigorosa, disposta a desafiar até as recomendações sanitárias que continuam em vigor, para expressar sua indignação e o sentimento de que uma boa parcela da sociedade não aceitará mais que o presidente siga tentando ocupar sozinho o espaço público, quase sempre zombando da pandemia, negando sua gravidade, ignorando o sofrimento das famílias enlutadas, promovendo desinformação a respeito da propagação da covid-19 e fazendo ameaças golpistas contra adversários e aqueles que não são seus seguidores.

As ruas mostraram, pela primeira vez desde que a pandemia começou, o que as pesquisas de opinião já mostravam sem fotos: que aqueles que rechaçam Bolsonaro e sua política negacionista são em maior número que aqueles que o apoiam. A pé, os oposicionistas foram às ruas em maior número que os motorizados e barulhentos motociclistas de Bolsonaro, um fim de semana antes.

E agora, o que esperar?

A forma acabrunhada com que os bolsonaristas reagiram, nas redes sociais, aos atos do 29M mostra que sentiram o golpe. Resta saber se vão dobrar a aposta, promovendo outras manifestações para tentar medir forças com os oposicionistas nas próximas semanas.

Isso nos leva ao dilema que havia antes dos atos deste sábado: por mais que se tomem cuidados como o uso de boas máscaras, manifestações desse tipo promovem aglomerações difíceis de controlar (dicas como "fique com os que moram com você" soam entre ingênuas e inócuas, se não forem apenas para inglês ver, mesmo).

A terceira onda de contágio da pandemia é uma realidade: como se portarão cientistas que até aqui têm defendido que a vida é mais importante que a política (e é, mesmo)? E os políticos que têm apontado negacionismo de Bolsonaro, mas neste fim de semana entoaram clichês negacionistas como "o governo mata mais que o vírus"? Vale o mesmo para nós, jornalistas, para artistas e todos os que até aqui se posicionaram do lado da Ciência. Esse compromisso não pode mudar em nome de um duelo infantil que, no fim, vai resultar no aumento de casos e, consequentemente, de mortes. Dos dois lados.

A resposta mais robusta precisa vir das instituições. O fato de as ruas antibolsonaristas terem falado em voz alta, desafiando a pandemia, serve de alerta para os mercados, que vinham numa euforia histérica, e para o Centrão, que fecha os olhos a tudo em nome de polpudas verbas de emendas, abertas ou secretas: não será possível esquecer só à base de 4% do PIB a escalada de morte, fome, miséria, retrocesso educacional e de liberdades e chegar a 2022 com o discurso irresponsável de que a economia terá voltado a crescer.

Além de tudo porque nada indica que esse crescimento será vertiginoso como cantam as patativas do mercado. Basta ver a crise de fornecimento de energia elétrica que começamos a observar, isso com a economia girando bem devagar.

Quanto tempo o Centrão ficará com o governo, agora que está evidente que ele é repudiado por grandes parcelas da sociedade, gente de toda cor partidária, gente que votou em Bolsonaro em 2018, gente que perdeu parentes e não aceita a falta de respeito e de providências diante da tragédia?

Saber se vai começar o desembarque dos políticos é o passo mais decisivo para concluir se o 29M terá consequências. E se existe alguma chance de impeachment, hipótese hoje bastante remota, para não dizer praticamente impossível. 

É preciso inteligência e responsabilidade da parte dos opositores do presidente. O silêncio de Lula diante dos atos de sábado não é à toa: ele ao mesmo tempo evitou a armadilha de ajudar a carimbar as manifestações como exclusivamente petistas, como se preservou para não ser acusado de negacionista.

A mesma discrição foi vista por opositores que também são governantes, e sabem que amanhã podem ter de adotar novas medidas restritivas de atividades econômicas, e não querem correr o risco de serem acusados de hipócritas ou incoerentes.

Não é simples guiar esse barco num mar que inclui icebergs e nevoeiro para todos os lados. Mas Bolsonaro está cada vez mais acuado pela CPI e, agora, pelas ruas.

Nesse sentido, o recado do 29M foi bem dado. E histórico. VERA MAGALHÃES DA FOLHA DE SP

O Brasil na encruzilhada: 2022, por Eduardo Giannetti

Quanta ruína comporta uma nação? O século XX foi pródigo em experimentos atrozes: a Alemanha se autodestruiu duas vezes; o Japão amargou duas bombas atômicas; a Revolução Cultural chinesa deixou um rastro de 2 milhões de mortos. Mas não menos espantosa que a ruína foi a capacidade de recuperação. Das cinzas e dos escombros desses infortúnios renasceram a força, a esperança e a conquista de dias melhores. Assim como a natureza aviltada, as sociedades humanas são portadoras de energias regenerativas das quais mal desconfiamos.

O Brasil desceu aos infernos. Nada que se compare, é certo, aos piores desastres do século passado, mas o suficiente para ensombrecer os horizontes e abalar a confiança em nosso futuro comum. O rol de reveses e frustrações vai longe: a tragédia da Covid-19 agravada pelo negacionismo ignorante e cruel do governo federal; o desemprego e a fome arruinando a vida de milhões de famílias; a democracia fustigada e fragilizada pela ameaça de confronto entre os Poderes; os recordes sucessivos do desmatamento no bioma amazônico. Diante disso, como não restar soturno, apreensivo e revoltado com o rumo que as coisas tomaram no país?

“Abandonai toda a esperança vós que entrais”, inscreveu Dante na porta do Inferno. Motivos para a consternação não faltam. O risco, porém, é permitir que as angústias do momento e suas ferozes ameaças se traduzam em desistência e dispersão. Pois ceder agora ao desânimo e abraçar a crença de que somos um fracasso total — uma desgraça a perder de vista — produziria um só resultado: piorar as coisas. Não é difícil imaginar a que ruinosa incapacidade de reação nos conduziria tal estado de ânimo. Adversidades fazem parte da vida das nações — a diferença está na resposta que elas suscitam. Perder a esperança é condenar-se ao Inferno.

­ Foto: Brasília Retrofuturista / Divulgação
­ Foto: Brasília Retrofuturista / Divulgação

O que fazer? Como recuperar a fé em nosso futuro e enfrentar as ameaças e os desafios do presente? A resposta depende do horizonte de tempo contemplado. Para além das premências imediatas — o combate à pandemia, à fome e ao desemprego — e para aquém dos projetos de mais amplo alcance e longo prazo — a construção simbólica e prática de um ideal compartilhado de nação ou sonho brasileiro —, acredito que a principal tarefa política da atualidade reside na reconstrução, em novas bases, da ampla e robusta união de forças oposicionistas forjada no combate ao regime militar de 1964 e que teve como desfecho a vitoriosa redemocratização do Brasil.

Leia mais:O Brasil na encruzilhada: 2022, por Eduardo Giannetti

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