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Eleitor decepcionado com Bolsonaro desconfia da oposição, diz pesquisadora

Ricardo Balthazar / FOLHA DE SP
SÃO PAULO

A má avaliação do desempenho do governo no enfrentamento da Covid-19 afastou muitos eleitores de Jair Bolsonaro, mas eles ainda veem a oposição com desconfiança e poderão se reaproximar do presidente se houver avanço na vacinação e a recuperação da economia se revelar consistente.

A opinião é da cientista social Esther Solano Gallego, professora da Universidade Federal de São Paulo que estuda o bolsonarismo desde 2017, quando começou a entrevistar grupos de eleitores em parceria com a cientista política Camila Rocha, do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento).

Para Gallego, muitos eleitores que se desiludiram com Bolsonaro e reprovam suas ações são conservadores que prezam valores tradicionais e são refratários aos argumentos dos seus opositores, o que tende a dificultar a construção de discursos que convençam essas pessoas nas eleições de 2022.

Segundo o Datafolha, o recrudescimento da pandemia fez a taxa de reprovação ao governo Bolsonaro alcançar 45% em maio, quando foi concluída a pesquisa nacional mais recente do instituto. A taxa de aprovação ao seu desempenho caiu para 24%, a pior marca desde o início do seu mandato.

O Datafolha calcula que o grupo formado pelos eleitores bolsonaristas mais fiéis correspondia a 9% da população em maio. Outros 27% disseram que votaram no presidente nas eleições de 2018, mas expressavam desconfianças e se apresentavam como mais moderados e críticos à sua atuação.

A aposta de Gallego é que a preocupação com o futuro da economia e o desemprego será o fator mais importante para a definição do voto nas próximas eleições presidenciais, se a vacinação da maioria da população for concluída até o fim deste ano, como se prevê, e não houver nova onda de contágio.

De que forma a pandemia influiu na avaliação dos eleitores de Bolsonaro sobre sua atuação no governo? Os mais fiéis acham que ele quer cuidar dos brasileiros, mas veem o Congresso, a imprensa e o Supremo Tribunal Federal como obstáculos que o impedem de trabalhar. Não acreditam no que a oposição fala na CPI e dizem que Bolsonaro só não comprou vacinas antes porque é cuidadoso.

Os mais moderados, que votaram em Bolsonaro e se tornaram críticos com a pandemia, acham que ele foi irresponsável e desumano, especialmente ao debochar dos mortos e da dor das famílias. Não chegam a defender punições para suas ações, mas consideram importante que as coisas sejam esclarecidas.

Por que os eleitores mais fiéis ao presidente rejeitam a ideia de que ele seja responsável pelos erros do governo e pelas mortes ocorridas? Essas pessoas têm uma adesão mais afetiva e emocional do que ideológica ao projeto de Bolsonaro. É uma adesão muito forte, de caráter quase existencial, porque elas sentem-se representadas pela personalidade dele, pela ideia de que os outros são inimigos, os que pensam diferente.

Os eleitores mais moderados que votaram em Bolsonaro foram movidos por frustrações, por um sentimento de abandono e desencantamento com tudo. Agora estão decepcionados, inclusive por causa da sua falta de empatia com as pessoas na pandemia. Os mais radicais não conseguem entender isso.

O avanço da vacinação e a recuperação econômica nos próximos meses podem fazer os eleitores mais críticos mudarem de ideia de novo? É provável que o país esteja diferente daqui a um ano, mas ainda não dá para prever como isso afetará o comportamento do eleitorado. Embora a pandemia tenha influído bastante até aqui, há outros fatores que levaram ao desencantamento desses eleitores e a um certo cansaço com Bolsonaro.

Essas pessoas acreditam que ele tem contribuído para uma instabilidade permanente ao agir de forma autoritária e intolerante. Há também muito descontentamento com sua aliança com o centrão no Congresso. Esses eleitores acham que ele se curvou à velha política e se decepcionaram com isso.

Nas classes A e B, há desilusão com a falta de margem de manobra do ministro Paulo Guedes na condução da economia. Nas classes C e D, há muita preocupação com o desemprego e um processo de empobrecimento que se aprofundou no último ano. Talvez essas pessoas fiquem mais otimistas com a recuperação da economia.

Que discurso seria capaz de seduzir esses eleitores decepcionados com Bolsonaro? Os mais moderados não confiam nas alternativas oferecidas até aqui no cenário político-eleitoral, não se sentem acolhidos por essas opções. Alguns até acham que Lula possa levar o país de volta a uma estabilidade, com seu temperamento conciliador e inclinado à negociação, mas muitos o rejeitam.

O antipetismo e a preocupação com a corrupção levaram muitos desses eleitores a votar em Bolsonaro e eles continuam sem querer ouvir falar do PT, apesar da decepção com o presidente. Nenhum dos outros presidenciáveis que se apresentaram parece despertar muita confiança no eleitorado hoje.

A grande maioria está confusa, dominada por um sentimento de orfandade política. Essa porção do eleitorado é formada majoritariamente por mulheres, jovens e pessoas que empobreceram na pandemia. Elas estão esperando um discurso que não será fácil para a esquerda entregar.

Como assim? Para as mulheres, por exemplo, a proteção das famílias e dos valores tradicionais se tornou especialmente importante agora, com a pandemia. E muita gente no campo democrático tem dificuldade em construir um discurso que acolha esses valores mais conservadores, sem a radicalidade bolsonarista.

Terão que falar sobre segurança pública também, mesmo que se afastem da brutalidade do discurso de Bolsonaro nessa área. Há muita insegurança na sociedade, nos bairros ricos e nas áreas periféricas onde a violência é cotidiana. Será preciso encontrar novas maneiras de dialogar com essas pessoas.

Em nossas entrevistas, esse assunto é objeto de muitas críticas à esquerda. Há grandes especialistas no tema no campo progressista, mas as soluções que oferecem são complexas, de longo prazo. Bolsonaro pode ser demagógico e populista, mas fala no assunto de um jeito que as pessoas entendem.

Bolsonaro ainda poderá reconquistar os eleitores que se afastaram dele? Alguns parecem ter desembarcado totalmente. Dizem que se arrependeram e não querem votar nunca mais em Bolsonaro. Estão muito rancorosos. Mas outros têm dúvidas, não chegaram ao ponto de uma ruptura completa. Podem votar nele novamente se houver mudanças nos próximos meses.

É como se continuassem unidos por um fio que ainda pode ser puxado se as circunstâncias forem diferentes. Vai depender muito de como a pandemia e a economia evoluirão, do comportamento do próprio Bolsonaro e das opções políticas que seus opositores forem capazes de oferecer.

Parte da classe média espera um discurso que ofereça um Estado pró-mercado, que crie estímulos para microempresários e empreendedores, mas também entregue serviços públicos essenciais, como saúde, educação e transporte. Pode ser difícil para a esquerda conjugar esses diferentes aspectos.

auxílio emergencial pago pelo governo ajudou Bolsonaro a sustentar sua popularidade no ano passado. As pessoas que passaram a apoiá-lo por causa disso se afastarão com a redução do programa agora? Não sei. O auxílio é muito bem avaliado, até pelos mais críticos do bolsonarismo. Há uma conexão forte com essa base mais empobrecida do eleitorado. A gestão da pandemia é o elemento fundamental agora, mas provavelmente daqui a alguns meses a questão econômica será mais preponderante.

Por que a adesão desses segmentos do eleitorado a valores tradicionais é um problema para a oposição? Esse eleitor é bastante conservador. Ele valoriza a ordem e crê num passado romântico, em que as coisas teriam sido melhores. A penetração maior de valores progressistas, com a luta feminista, dos LGBT e do movimento antirracista, provocou uma reação conservadora no mundo todo. Isso continuará.

Há também o legado principal da Lava Jato, que é a rejeição aos partidos políticos como instrumentos da democracia, especialmente no campo mais conservador. A direita bolsonarista, que é autoritária, cresceu com isso. Será preciso estruturar uma direita civilizada, democrática, para deter esse processo.

A anulação das condenações de Lula na Justiça teve algum efeito nesses segmentos do eleitorado? Para os mais radicais, isso é evidentemente resultado de um complô do STF com a oposição para acabar com Bolsonaro. Acham que Lula deveria estar preso e não querem mais conversa. Entre os mais moderados, há quem aponte excessos na Lava Jato, mas a maioria acredita que Lula é corrupto.

Lula dialoga bem com valores conservadores, como a ideia da ordem e uma certa religiosidade popular. Mas ficou marcado pela associação com a corrupção. Muitos de seus eleitores votaram em Bolsonaro movidos por um sentimento profundo de traição, que não vai desaparecer de um dia para outro.

As suspeitas sobre os filhos de Bolsonaro e suas ações para protegê-los não têm o mesmo efeito? O bolsonarista desencantado carrega nas costas várias decepções, que vão se acumulando. Está decepcionado com Bolsonaro agora, mas também continua decepcionado com o PT, com os partidos em geral, com o sistema político. No final das contas, é um sentimento muito antissistema.

Não se trata de uma desilusão pontual com um partido ou um indivíduo específico, mas com o sistema como um todo. Então não vai ser fácil para os políticos convencerem esse eleitor a se encantar novamente com a política. Será necessário um trabalho mais complexo do que em outras eleições.

Há uma decepção mais profunda com a democracia e os resultados alcançados pelos governos que vieram depois da ditadura militar? Muita gente, nos extratos mais populares, expressa esse desencantamento com razões de ordem material. Por muito tempo pensaram, especialmente durante os governos petistas, que conseguiriam alcançar um patamar mais elevado de consumo e renda, e de cidadania, mas sentem que bateram num teto.

Quando perguntamos aos nossos entrevistados se acham que existe democracia plena no Brasil, todo mundo responde que não. Acham que o país está afundando na corrupção, que o sistema político é sujo e corrompido, e não se pode mais confiar nele. A questão para a oposição é como reconstruir essa confiança.

RAIO-X

Esther Solano Gallego, 38
Doutora em ciências sociais pela Universidade Complutense de Madri, na Espanha, vive no Brasil há 11 anos e é professora do curso de relações internacionais da Universidade Federal de São Paulo, em Osasco. Suas pesquisas sobre o eleitorado brasileiro são financiadas pela Fundação Friedrich Ebert e pela Fundação Tide Setubal. Organizou a coletânea de artigos "Brasil em Colapso" (Editora Unifesp, 2019)

Conspiração das urnas: debate sobre voto impresso avança no Congresso Leia mais em: https://veja.abril.com.br/politica/conspiracao-das-urnas-debate-sobre-voto-impresso-avanca-no-congresso/

Para justificar seu medo de voar, Tom Jobim dizia que o avião, além de ser mais pesado que o ar, havia sido inventado por um brasileiro. 

A piada do compositor funciona pelo seguinte motivo: por força das limitações do país e mesmo de alguns preconceitos, inovações desenvolvidas ou adotadas em larga escala por aqui com um certo pioneirismo carregam algum tipo de desconfiança. 

Esse mecanismo de negação costuma servir de combustível a teorias conspiratórias e lançar sombras de dúvida até sobre ferramentas consagradas.  É o que acontece agora com as urnas eletrônicas, colocadas injustamente na posição de alvos em esforço para questionar sua confiabilidade.

 

A “solução” apresentada pelos críticos é uma volta ao passado, com a exigência da impressão do voto dado pelo sistema atual.  Tal movimento faz vistas grossas ao fato de que as eleições digitais resolveram justamente o problema crônico de fraudes dos tempos das velhas cédulas em papel.

 

Enquanto nessa época os cambalachos eram comuns, nos 25 anos de experiência com as urnas eletrônicas nunca houve uma denúncia séria sobre qualquer falcatrua.  Com isso, por incrível que pareça, o Brasil virou um exemplo de eficácia, rapidez e transparência na apuração de eleições.

 

O dado mais espantoso dessa história é que o principal ideólogo do movimento destinado a pôr em xeque o sistema atual é um político que só se beneficiou dele.  Jair Bolsonaro venceu ao longo da carreira cinco eleições seguidas a cargos no Legislativo e chegou ao Palácio do Planalto consagrado pelas votações nas urnas eletrônicas.

 

Ignorando prioridades do país no momento (a começar pela catástrofe de quase meio milhão de mortos pela Covid-19), o capitão não perde hoje oportunidade de trazer à baila sua velha teoria  conspiratória de que lhe teriam roubado a vitória em primeiro turno em 2018.

 

Ele nunca trouxe nenhuma prova disso, tampouco explicou a óbvia incoerência da tese: se havia mesmo um plano para prejudicá-lo, como explicar sua vitória no segundo turno da mesma eleição? Os fraudadores se contentaram apenas com o primeiro turno? VEJA

Vitória da esquerda no Peru é sinal do que está por vir em 2022 no Brasil?

Christopher Garman, da Eurasia Group e GZERO Media

 

Olá, meu nome é Christopher Garman, da Eurasia Group, para falar sobre o Brasil e um pouco do mundo em 60 segundos. Vamos lá para a pergunta da semana:

A vitória da esquerda na eleição presidencial do Peru é um sinal do que está por vir em 2022 no Brasil?

A resposta é sim, e não. De um lado, a disputa no Peru certamente é emblemática do ambiente de revolta social que nós estamos vendo na América Latina como um todo. A disputa foi entre uma candidatura radical de esquerda, de Pedro Castillo, contra uma candidatura radical de direita, Keiko Fujimori, e os eleitores certamente foram às urnas com uma revolta contra a classe política como um todo, mas também em meio de uma crise sanitária que favoreceu os extremos políticos.

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Isso também deve acontecer no Brasil em 2022, onde tudo indica que devemos ter uma disputa muito polarizada entre o presidente Bolsonaro de um lado, e o ex-presidente Lula do outro. Mas seria muito precipitado concluir que a vitória de Castillo indica uma onda de vitórias de candidaturas da esquerda na região como um todo. Muito vai depender, evidentemente, do ritmo de recuperação da economia no Brasil no segundo semestre desse ano, e também no primeiro semestre do ano que vem.

A grande maioria da população brasileira vai estar vacinada quando as eleições presidenciais ocorrerem em 2022, mas, ao mesmo tempo, as cicatrizes sociais e econômicas da crise sanitária ainda vão perdurar. Logo, também devemos ter uma disputa muito apertada, em que vai ser bem difícil cravar quem é favorito.

Ficamos por aqui, e até a próxima semana. EXAME

Federações partidárias viram boia de salvação para 'nanicos' e abrem caminho para fusões

Pedro Venceslau e Camila Turtelli, O Estado de S.Paulo

14 de junho de 2021 | 05h00

SÃO PAULO E BRASÍLIA - O projeto de lei que cria o modelo de federações partidárias e tramita em regime de urgência na Câmara pode forçar a ação conjunta de partidos de oposição e abrir caminho para fusões partidárias. Segundo dirigentes e especialistas ouvidos pelo Estadão, a mudança, que é vista como uma tábua de salvação para as legendas pequenas, conta com o apoio “solidário” das siglas de esquerda, mas sofre resistência entre as médias e do Centrão.

Se for aprovado em plenário, o novo modelo também vai engessar as articulações em torno das eleições de 2022, já que os blocos que se formarem terão que apoiar o mesmo candidato presidencial e a governador em todos os Estados. O tema entrou em debate após o “endurecimento” da cláusula de desempenho ou de “barreira” – ela funciona com uma espécie de “filtro”.

Federações partidárias
Arthur Lira, presidente da Câmara, durante sessão; Casa aprovou, na quarta-feira, urgência na tramitação do projeto. Foto: Pablo Valadares/Agência Câmara - 09/06/2021

A cláusula entrou em vigor antes do fim das coligações partidárias proporcionais (ou seja, nas eleições parlamentares), que começaram a valer em 2020. Ela estipula um patamar mínimo de votos para que uma legenda tenha acesso ao Fundo Partidário, tempo de rádio e TV no horário eleitoral e espaços de liderança no Congresso – e cresce progressivamente a cada eleição.

Nas eleições 2018, esse número foi de 1,5% dos votos válidos para deputado federal, distribuídos em pelo menos um terço dos Estados. Em 2022, esse piso pulará para 2% (o que equivale a eleger 11 deputados). O piso aumenta de forma progressiva até chegar a 3% na eleição de 2030.

O tema é complexo, mas, em resumo, o objetivo do fim das coligações combinado com a cláusula é justamente reduzir o número de partidos no Brasil. Hoje existem 35 registrados no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), sendo que 28 elegeram representantes há quatro anos.

Na quarta-feira passada, por 429 votos a favor e 18 contra, os parlamentares no plenário concordaram em dar prioridade ao texto do Senado, de autoria de Renan Calheiros (MDB-AL), que permite a dois ou mais partidos se reunir em uma federação para que ela atue como se fosse uma única sigla nas eleições.

Se for aprovado, o projeto prevê que depois da eleição esse “casamento” tem de durar pelo menos uma legislatura de quatro anos. Ou seja: os federados serão obrigados a atuar como uma bancada no Congresso, embora possam manter seus símbolos e programas.

Antes da aprovação, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), aliado do presidente Jair Bolsonaro, havia recebido um pedido de deputados do PCdoB para pôr em pauta em regime de urgência o projeto de lei. Apesar da ideia sofrer resistência dentro do seu próprio partido e em outros do Centrão, Lira contemplou a demanda.

Judicialização

Conversas sobre a formação de federações já ocorrem nos bastidores envolvendo o PCdoB e o PSB e a Rede e o PV. “A vantagem é produzir convergência para uma fusão no futuro. É como se fosse um teste probatório de um convívio comum de correntes políticas. A fusão seria natural”, disse o deputado Orlando Silva (PCdoB-SP)

A cientista política Lara Mesquita, pesquisadora do Centro de Economia e Política do Setor Público da FGV, avalia que a federação pode beneficiar a direita, mas a esquerda já tem uma tradição de formar blocos e atuar junto. Ela ressalta que a federação é nacional e, portanto, as alianças terão que valer também nas eleições presidenciais. “Esses partidos competem juntos nos 26 Estados e Distrito Federal, em todas as Assembleias, Câmara e Senado. Por isso precisa ter organicidade e uma unidade interna para emplacar uma federação”.

Para Lara, os partidos têm que estar muito “azeitados”. “É como se fosse uma fusão temporária, com um custo muito mais baixo de se dissolver no círculo eleitoral posterior.” A pesquisadora pondera que o projeto ainda não deixou claro como funcionará nas eleições municipais.

Esse é o mesmo questionamento do cientista político Vitor Marchetti, professor da Universidade Federal do ABC. “Em tese, teria que valer para as eleições municipais, mas esse imbróglio deve ser judicializado e cair no TSE”, afirmou.

No caso do PCdoB, a aprovação do projeto é questão de sobrevivência e a permanência no partido do seu principal quadro, o governador do Maranhão, Flávio Dino, que planeja disputar o Senado em 2022. Mas o mesmo vale para outras siglas de oposição a Bolsonaro que atuam na sociedade civil, mas têm poucos deputados: a Rede de Marina Silva, o PSOL de Guilherme Boulos, o Cidadania de Roberto Freire, o Novo de João Amoêdo e o PV de Eduardo Jorge.

Apesar do placar elástico a favor do regime de urgência para a tramitação da proposta, ainda há muita resistência na Câmara. “Não vejo um clima favorável. A federação é benéfica para os pequenos partidos, mas não é tão boa para os médios. E há uma predominância de partidos médios na Câmara. Não vejo muita chance de prosperar”, disse o deputado Paulo Abi Ackel (MG), vice-líder do PSDB na Casa. 

O tucano votou favoravelmente ao regime de urgência, mas vê com reservas a ideia. “Não dá para trabalhar a federação de partidos logo depois de acabar com as coligações. Me parece contraditório votar o fim das coligações há dois anos e depois permitir algo que só serve para a manutenção desse quadro partidário”, afirmou.

O cientista político Rodrigo Prando, professor de sociologia do Mackenzie, compara a cláusula de barreira somada ao fim das coligações a uma “medicação” do sistema. “A legislação foi muito frouxa com a criação de partidos. Essa medida foi para acabar com as legendas de aluguel, mas prejudica também os partidos históricos ou com valores arraigados”, afirmou.

Siglas de esquerda podem iniciar processo de fusões

O projeto das federações partidárias conta com o apoio do PT e PSB como forma de “solidariedade” e sinalização política para as eleições de 2022, mas é visto também no campo da esquerda como o início de um processo mais amplo de fusões partidárias. “Nossa proposta é de um sistema político com um número reduzido de partidos e uma cláusula de desempenho mais alta, de 5%. Não acho a federação o melhor formato, mas ela pode ser um embrião de partidos maiores e mais programáticos”, disse o presidente do PSB, Carlos Siqueira.

Uma das fusões (ou formação de federação caso o projeto seja aprovado) discutida é justamente entre o PSB e o PCdoB. “A união com a Rede é uma possibilidade”, disse o presidente do PV, José Luiz Penna.

Para angariar apoio entre partidos fora do campo da esquerda, os deputados do PCdoB adotaram o discurso que o novo modelo pode beneficiar todos no espectro ideológico. 

“O (presidente Jair) Bolsonaro pode fazer uma federação do Patriota com o PTB do Roberto Jefferson, por exemplo. Esse é um mecanismo que não é de direita nem de esquerda”, afirmou o deputado Orlando Silva (PCdoB-SP). 

Os deputados bolsonaristas, porém, não simpatizam com a ideia. “O tema do sistema eleitoral é fisiológico e não ideológico. Fortalece os pequenos partidos de esquerda, que são os mais radicais. Querem acesso ao financiamento público, é o grande motivador”, disse o deputado Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PSL-SP).

Já o presidente do PSDGilberto Kassab, sinaliza que pode apoiar o projeto. “Se ele for engessado, é uma oportunidade para que as pequenas legendas sérias continuem num casamento consolidado de quatro anos”, afirma.

O grande confronto que vem por aí entre Bolsonaro e Lula

O Brasil se encaminha para um confronto político brutal que chegará ao auge na eleição presidencial de 2022, a mais acirrada (e mais interessante) do país. Jair Bolsonaro e Luiz Inácio Lula da Silva estão em rota de colisão.

Nos últimos anos, os brasileiros sofreram a pior recessão da história nacional, um dos maiores totais de mortos por Covid no mundo, o aumento da criminalidade violenta e uma controvérsia global sobre a destruição em larga escala da Amazônia. O presidente Bolsonaro encara um futuro incerto.

Apelidado por alguns de “Trump dos trópicos”, Bolsonaro foi eleito presidente em outubro de 2018 com mais de 55% dos votos de uma nação profundamente polarizada.

Ecoando a corrida presidencial de Donald Trump em 2016, Bolsonaro prometeu “drenar o pântano”, combatendo o crime e a corrupção, manifestou posições chocantes sobre questões sociais e expressou apoio profundo aos militares brasileiros.

Mas desde sua posse, em 2019, ele vem encarando e em alguns casos provocando uma tempestade política após outra. Quando era candidato, Bolsonaro prometeu promover um novo arranque numa economia que estava atolada numa recessão desde 2014, mas o crescimento econômico permanece baixo, e o desemprego, em alto patamar.

Isso se deve em parte à pandemia, é claro, mas o tratamento desastroso dado pelo presidente à maior crise de saúde pública dos últimos cem anos levou a situação a se agravar muito mais do que seria necessário. Bolsonaro minimizou a gravidade da Covid, negou-se a apoiar o uso de máscaras e complicou a distribuição das vacinas.

LÁ FORA

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Quando a pandemia se espalhou, Bolsonaro ofereceu à população uma assistência emergencial que ajudou temporariamente os cidadãos mais pobres, mas em 2020 55% dos brasileiros enfrentaram a insegurança alimentar. Dezenas de milhões deles ainda dormem com fome todos os dias.

Quanto às queimadas na Amazônia, o desmatamento acelerado na região foi responsável por um terço da destruição das florestas tropicais do mundo em 2019. O presidente Trump, cético em relação à mudança climática, se dispôs a ignorar as consequências ambientais dessa devastação toda, mas a administração Biden se uniu a líderes europeus para combinar ofertas de assistência financeira ao Brasil com pressão sobre Bolsonaro para inverter o rumo de sua política para a Amazônia.

Agora Lula volta a entrar em cena. O ex-presidente, incendiário de esquerda ainda popular, saiu da prisão e se prepara para enfrentar Bolsonaro na eleição presidencial do próximo ano. Quando isso acontecer, o mundo assistirá a um enfrentamento amargamente contencioso de um tipo novo.

Nos últimos anos, o mundo se acostumou a ver candidatos populistas enfrentando políticos do establishment. Mas a disputa presidencial no Brasil colocará em confronto direto dois populistas altamente talentosos, um de direita e o outro de esquerda.

Lula representa os brasileiros mais pobres, aqueles que sentem que ninguém mais no poder se importa com eles. Sua experiência formadora como líder sindical forte e sagaz e a popularidade que conquistou como presidente ao investir grandes quantias de dinheiro público para criar oportunidades para as famílias mais pobres do Brasil lhe conferiram uma estatura e uma chance de vencer que nenhum dos outros rivais de Bolsonaro consegue igualar.

O presidente Bolsonaro está mais vinculado à classe média brasileira, farta da criminalidade e corrupção do período em que o país foi governado pelo PT, primeiro por Lula e depois por sua sucessora escolhida a dedo, Dilma Rousseff.

Embora Lula se apresente como vítima de perseguição política, seu governo acabou envolvido na maior investigação de corrupção criminosa da história do país. Como parte do escândalo da Lava Jato, uma investigação começou com acusações de propinas envolvendo licitações na Petrobrás, mas se expandiu em múltiplas direções e atravessou fronteiras.

De acordo com a força-tarefa que investigou os crimes relacionados à Lava Jato, a investigação levou à devolução de mais de US$ 800 milhões ao Tesouro brasileiro e à condenação de 278 pessoas. Ex-presidentes do Peru, Panamá e El Salvador foram para a prisão. O mesmo aconteceu com Lula.

Mas Lula jamais admitiu responsabilidade pelos crimes cometidos, apesar de dever sua libertação da prisão a uma questão técnica legal. Ele insiste que é vítima de perseguição política. Isso constitui um excelente indício da espécie de campanha amarga e cáustica que o Brasil pode prever nos próximos 16 meses.

Apesar de todos os revezes e fracassos sofridos pelos dois pesos pesados políticos brasileiros, as pesquisas de opinião indicam que cada um deles conseguiu conservar o apoio de seus seguidores ferrenhos. E não há eleitores prováveis suficientes no país para que qualquer outro candidato possa emergir das duas dúzias de partidos políticos brasileiros para contestar um ou outro deles.

Enquanto isso, a Covid continua a devastar o país, a economia está mal das pernas, e ataques propagados nas redes sociais já estão inflamando as tensões políticas. Será um ano quente no Brasil.

Ian Bremmer

Fundador e presidente do Eurasia Group, consultoria de risco político dos EUA, e colunista da revista Time.

Tradução de Clara Allain / folha de sp

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