Na hora de eleger mulheres e negros, a esquerda lembra a direita
Michael França
Ciclista, doutor em teoria econômica pela Universidade de São Paulo; foi pesquisador visitante na Universidade Columbia e é pesquisador do Inspe / FOLHA DE SP
Na mais recente eleição para Câmara, o percentual de candidatos negros que conseguiram se eleger pelos partidos de direita foi de 9,3%. Na esquerda, esse número foi de apenas 3,7%. Nesse contexto, parte da explicação para a taxa de sucesso da direita em eleger negros ser mais que o dobro do que aquela observada pela esquerda vem da diferença do número de candidatos lançados por um e outro lado.
A esquerda lançou mais candidatos negros do que a direita nas últimas duas mais recentes eleições gerais. Em 2018, ela teve 1.088 postulantes a deputado federal e elegeu somente 40. Já a direita elegeu 69 dos 747 candidatos negros.
Nas eleições de 2014, o número de candidatos lançados por ambos os campos político foi menor, mas a taxa de sucesso de cada um não foi muito diferente da observada em 2018.
Esses e outros resultados fazem parte de um amplo estudo que conduzi conjuntamente com os pesquisadores Sergio Firpo, Alysson Portella e Rafael Tavares, associados ao Núcleo de Estudos Raciais do Insper. O relatório "Desigualdade Racial nas Eleições Brasileiras" foi veiculado por esta Folha e outros veículos, e traz interessantes contribuições para o debate em torno da falta de representatividade na política.
Existe considerável avanço da esquerda no que se refere à oferta de candidatos negros. O percentual de postulantes à Câmara dos Deputados em cada região do país está próximo de refletir a população local.
Isso faz com que o desequilíbrio racial das candidaturas da esquerda seja menor do que a da direita. Entretanto, na hora de oferecer reais chances para negros e mulheres, a esquerda não é muito diferente da direita.
Quando olhamos para o desequilíbrio racial e de gênero dos deputados eleitos em 2018, percebemos que o desempenho da esquerda foi equivalente ao da direita.
Nesse mesmo ano, o desequilíbrio racial dos deputados eleitos pelo PT foi próximo ao do PSDB. O grande destaque positivo foi o PSOL, partido que alcançou equilíbrio racial em seu quadro de deputados estaduais. Do lado negativo, chama a atenção a dominância branca do NOVO. O partido foi o único da direita que não elegeu nenhum deputado negro.
Com isso, os resultados do estudo reforçam a ideia de que, independentemente da posição ideológica, os partidos políticos brasileiros tendem a ser apenas um reflexo da desigualdade social, racial e de gênero presente na sociedade. Olhar para a distribuição dos recursos da campanha ajuda a ilustrar um pouco o mecanismo desigual dos bastidores do jogo político.
Cerca de 80% dos candidatos a deputado receberam menos que 20% do total de recursos. Na prática, isso significa que um grupo muito pequeno terá condições financeiras para montar uma campanha que gere visibilidade e, consequentemente, ter possibilidades concretas de se eleger.
Com o recorte de raça e gênero, percebemos qual grupo representa a grande aposta dos partidos políticos. Em 2018, enquanto as mulheres negras receberam, em média, R$ 83 mil, os homens brancos receberam R$ 265 mil.
A desigualdade brasileira e as regras do jogo contribuem para isso. Homens brancos de alta renda tendem a ocupar espaços que geram visibilidade e contatos. Quando entram na política, eles costumam ser vistos como mais competitivos. Dado que um dos objetivos dos partidos é eleger o maior número de candidatos, eles tendem a apostar no grupo dominante.
Deste modo, apesar de mulheres, negros e indivíduos com origens desfavorecidas estarem se lançando mais na política, muitos deles são desconhecidos para os eleitores e não têm as condições necessárias para ter maior visibilidade. Assim, no final, temos uma curiosa democracia no Brasil, em que uma pequena parte da sociedade acaba sempre tendo muito mais voz do que deveria.
O texto é uma homenagem à música "Política voz", de Roberto Frejat e Jorge Dias Salomão, interpretada por Barão Vermelho.