Impunidade na veia
Por Merval Pereira ; O GLOBO
Os últimos dias foram pródigos em momentos que reviveram na nossa memória cívica fatos que destacam não apenas nossas dores recentes como nossas vitórias efêmeras contra a corrupção política que nos assola há anos, e voltou a ser tema central com a descoberta do desvio de dinheiro do INSS dos aposentados. A moribunda operação Lava-Jato, em seu talvez último lance, pegou o ex-presidente Collor de Mello, que conseguira escapar por mais de 30 anos das acusações criminais depois de ter sofrido impeachment- foi absolvido pelo STF, mas condenado politicamente.
Agora, apanhado novamente em crimes de corrupção, não escapou. O impressionante neste caso é a reincidência no erro. Collor, que fez questão de aparecer sorrindo na foto de sua audiência de custódia em Alagoas, sofreu punição política, foi destituído do governo, escapou da punição criminal e continuou fazendo as mesmas coisas até ser apanhado novamente. É exemplar de como a impunidade estimula a repetição dos crimes. Impressionante como políticos como Collor não conseguem se conter, continuam roubando sem medo de ser preso, de arriscar o que tinha recuperado. Perdeu os direitos políticos, voltou a ser eleito Senador, para repetir os mesmos crimes de corrupção.
O país teve nos anos recentes dois ex-presidentes presos, antes de Collor, por processos da Operação Lava-Jato: Lula e Michel Temer, ambos acusados de corrupção. Bolsonaro caminha para ser o quarto, barrado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de se candidatar por oito anos, está para ser julgado pelos crimes que cometeu pelo Supremo Tribunal Federal (STF), o mesmo Supremo que liberou Lula de suas condenações em duas instâncias, numa mudança de jurisprudência surpreendente para o mesmo tribunal que durante vários anos recusou-se a dar-lhe habeas corpus e apoiou todas as condenações a que foi submetido.
O Brasil, também graças ao Supremo, regrediu no combate à corrupção pela desconstrução da Operação Lava-Jato, com incoerências que vão se acumulando no cotidiano. Assim como fez agora no julgamento de Collor, inocentando-o alegando que as acusações foram baseadas apenas em delações sem comprovação, o ministro Gilmar Mendes considerou que todas as delações da Operação Lava-Jato foram feitas com base em prisões alongadas e tortura psicológica. As provas que corroboravam as denúncias foram anuladas por suspeita de manipulação, como as anotações e registros do setor de Operações Estruturadas da Odebrecht.
Ao mesmo tempo, quando surgiram as denúncias de que Moro e os procuradores trocavam informações durante os processos, elas foram aceitas sem titubear por Gilmar e outros ministros, mesmo que tenham sido obtidas ilegalmente através de um hacker, e nunca tenham sido validadas tecnicamente. Como não podiam ser usadas como provas, o resultado da invasão de privacidade dos procuradores e do juiz foram citadas à larga pelos vários ministros que se basearam nelas para mudar votos, mas juram que não. Fumaram, mas não tragaram. O então ministro Lewandowisk chegou a dizer em um pronunciamento que estava citando as mensagens roubadas porque todos sabiam que eram verdadeiras.
Todos os processos, e não apenas os de Lula, provenientes da Vara de Curitiba, foram anulados por motivos variados baseados na decisão original, em vez de terem retornado às suas instâncias de origem para serem retomados por outros juízes. Nas poucas vezes em que isso aconteceu, os processos foram arquivados por prescrição. O caso de Collor escapou porque não foi julgado em Curitiba, e a empreiteira era a UTC, não a Odebrecht, embora as delações que lhe deram origem tenham sido do mesmo naipe de outras, que foram desconsideradas.
O asilo político da ex-primeira-dama do Peru, Nadine Heredia, também condenada em seu país por acusações de corrupção das empreiteiras do mesmo esquema brasileiro, que se espalhou por vários países da América Latina, foi mais um exemplo de que o fantasma da Lava-Jato não nos abandonará tão cedo.
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Gestão paraestatal volta a crescer no governo Lula
Por Editorial / o globo
O Conselho de Administração das empresas de capital aberto é uma garantia para os acionistas. Fiscaliza as decisões dos gestores responsáveis pelo dia a dia das corporações e contribui com a visão estratégica dos conselheiros, com o objetivo de aumentar a lucratividade e perpetuar o negócio. No Brasil, contudo, tem sido frequente a distorção desses princípios nas empresas em que o Estado detém participação acionária e o direito de indicar integrantes do Conselho. Embora não sejam formalmente empresas estatais, nem controladas pelo governo, suas atividades acabam por adquirir uma natureza paraestatal, influenciada pela política. Isso quando a motivação da indicação não é exclusivamente pecuniária (conselheiros são muito bem remunerados), prejudicando ao mesmo tempo a estratégia corporativa, a geração de riqueza e, em consequência, a economia brasileira.
Há, de acordo com levantamento do GLOBO, 63 companhias privadas ou de economia mista espalhadas por 20 setores em que o governo pode indicar nomes aos Conselhos de Administração ou Fiscal. Sob o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, as escolhas têm obedecido à lógica de aumentar os ganhos de integrantes do primeiro e segundo escalões, alinhar a empresa às políticas do governo e distribuir favores. Nenhum desses critérios resulta na escolha de profissionais reconhecidos, com pensamento estratégico.
Em 2023, o coronel da Aeronáutica Geraldo Corrêa de Lyra Junior tornou-se conselheiro da companhia de energia Copel. No currículo, a informação mais saliente era ter sido piloto do avião presidencial nos governos de Lula e de Dilma Rousseff. Para a metalúrgica Tupi, o PT indicou os ministros Carlos Lupi (Previdência), Anielle Franco (Igualdade Racial) e Vinícius de Carvalho (Controladoria-Geral da União). Não é do conhecimento público a competência técnica dos três nesse segmento da economia. Nem o governo tenta esconder que a motivação é elevar os ganhos do primeiro escalão. A remuneração anual mais modesta no conselho da Tupi em 2023 foi de R$ 546 mil, segundo reportagem do GLOBO. Para os beneficiados, é um dinheiro que só depende da permanência no governo. Para a empresa, é uma oportunidade desperdiçada.
A motivação pecuniária nem é a pior. O governo também indica nomes para Conselhos com a intenção de influir na gestão das empresas. Não faz sentido acreditar que seus representantes são os mais indicados para pensar estrategicamente sobre o futuro de algumas das empresas mais relevantes do Brasil, como JBS, Vale, Bradesco, Itaú, Natura, Gerdau, Embraer, Vibra ou Renner. A cada quatro anos, os ventos que sopram de Brasília podem mudar de rumo — e as empresas e a economia arcam com as consequências.
Tudo poderia ser diferente — e já foi. No governo Michel Temer, o BNDES passou a indicar como conselheiros profissionais independentes, com reconhecido conhecimento na área de atuação da empresa, sem ligação com o governo. Não durou muito. Assim que o PT voltou ao poder, o banco voltou a indicar nomes alinhados com o partido. O mesmo comportamento se repete em fundos de pensão, suscetíveis aos desmandos do governo. Não é com o modelo de capitalismo paraestatal que o Brasil terá empresas de excelência internacional, capazes de contribuir da melhor forma para o crescimento da economia.
A roubalheira contra o andar de baixo
Por Elio Gaspari / o globo
As últimas grandes roubalheiras nacionais, o “mensalão” e o “petrolão”, gravitavam em torno do dinheiro da Viúva e, de certa forma, ocorriam no andar de cima. Já a fraude da rede varejista Americanas poupava a Viúva, mas era coisa de maganos. Desta vez, graças à Controladoria-Geral da União e à Polícia Federal, descobriu-se que quadrilhas aninhadas em 11 entidades estavam roubando os aposentados do INSS.
Todo mês, tungavam coisa de R$ 50 de milhões de aposentados, gente que recebe, na média, R$ 4 mil. As quadrilhas conseguiram do INSS os dados pessoais das vítimas e fraudaram autorizações para os descontos.
A roubalheira contra os aposentados do andar de baixo envolveu um ervanário que vai a R$ 6,3 bilhões, mas só o prosseguimento das investigações chegará ao montante exato da tunga. Uma auditoria feita pelo TCU nas contas de um só ano já estimou o desvio em R$ 1,55 bilhão.
Uma pesquisa feita pela CGU junto de 1.300 aposentados mostrou que 97% não haviam autorizado os descontos. Mais: 70% de 29 entidades investigadas haviam sido credenciadas pelo INSS sem apresentar a devida documentação.
Num primeiro lance, na quarta-feira, 700 policiais federais e 60 servidores do INSS cumpriram 211 mandados de busca e apreensão em 13 estados e Brasília, prenderam três pessoas e sequestraram mais de R$ 1 bilhão em bens e dinheiro, inclusive uma Ferrari e um Porsche. Fala-se até num Rolls Royce. Para felicidade geral, o diretor da PF, Andrei Passos Rodrigues, anunciou que a operação da semana passada é apenas “uma investigação que está no seu começo”.
A reação (tardia) do governo foi puramente marqueteira, arruinada pelo desassombro do ministro da Previdência, doutor Carlos Lupi. Naquela manhã, ele garantiu, durante uma entrevista coletiva: “A indicação do doutor Stefanutto é da minha inteira responsabilidade”. Alessandro Stefanutto, presidente do INSS, foi demitido horas depois.
Lula e Lupi são adultos e sabem o que estão fazendo. Há anos tratam do INSS com a opção preferencial pela empulhação. Lupi prometeu zerar a fila da Previdência até o final de 2023 e hoje ela já passou dos dois milhões de vítimas.
A coletiva dos ministros destinava-se a mostrar que haviam sido desbaratadas quadrilhas cevadas pelo governo anterior. Pelas cifras e pelas datas, a história parece ser outra.
Durante o governo de Jair Bolsonaro, a tunga passou de R$ 604 milhões para R$ 706,2 milhões. Com Lula 3.0 ela pulou de R$ 1,3 bilhão para R$ 2,6 bilhão. A repórter Maria Cristina Fernandes mostrou que em agosto de 2023 já haviam chegado à Câmara dos Deputados denúncias de descontos indevidos, e o deputado Gustinho Ribeiro (Republicanos-PB) alertou o Tribunal de Contas da União. Portanto, em agosto de 2023 o governo soube que os aposentados estavam sendo roubados.
Entre 2023 e abril de 2025, o INSS e o Ministério da Previdência fizeram coisa nenhuma. Suspenderam os repasses para logo depois retomá-los. A Dataprev recomendou que se usasse a biometria para registrar a autorização dos descontos. Não foi ouvida.
A informalidade mudou a visão eleitoral do brasileiro e desafia Lula
Por Bruno Soller / O ESTADÃO DE SP
A relação entre capital e trabalho é fundamental para compreender a dinâmica da sociedade em qualquer espaço de tempo. Especialmente, a partir da Revolução Industrial, diversos conceitos da Era Moderna que se arrastam até a contemporaneidade foram definidos e desenhados sob a perspectiva de como a população se confronta com as necessidades laborais, os meios pelas quais consegue produzir e a destinação de seu lucro.
Conseguir um emprego com os direitos trabalhistas que foram sendo aperfeiçoados com o passar dos anos e viver com segurança e estabilidade foi o sonho de diversas gerações do século XX. Conceitos de propriedade e o sonho da casa própria permeavam os desejos mais primários de quem iniciava sua trajetória profissional.
O pós-guerra incutiu a premissa do Estado do bem-estar social e as principais nações do mundo Ocidental percorreram esse caminho, na ideia de um Estado que pudesse arrecadar impostos e devolve-los sob forma de serviços públicos, permitindo que o cidadão não se preocupasse com as necessidades básicas e pudesse desfrutar do seu recurso extra para o lazer, seja ele da forma que for.
Com a derrubada do Muro de Berlim e a vitória do capitalismo no mundo, a sociedade da Globalização foi tomada pela Era da Conexão e do Conhecimento. O globo foi acelerando para encurtar tempo, seja de novas ideias, produtos ou mesmo necessidades. O dinheiro, em um tempo de grande especulação, vem se tornando cada vez mais meio e menos fim. As pessoas querem acesso imediato e não a construção de grandes jornadas para o futuro.
Ter o novo Iphone, o tênis mais moderno da Nike que é utilizado por um jogador de basquete famoso, beber o uísque que o influenciador brindou quando comprou sua Ferrari, viraram obsessões presentes em todas as classes sociais, porque hoje já não há mais distinção no acesso a essas informações, com o digital fazendo democraticamente todo mundo atingir os mesmos dados.
O capitalismo venceu o socialismo sobretudo pelo conceito de desejo. As pessoas são diferentes, querem coisas diferentes e a liberdade de escolher o que querem e não serem tuteladas por um Estado é algo que parece óbvio, mas que é recente para o mundo.
Esse dinamismo econômico aliado a um conceito de liberdade intangível para as relações entre empregador e empregado, as ferramentas tecnológicas advindas de novas plataformas digitais, além de uma redução drástica na participação da indústria no PIB global com a ascensão dos serviços, têm criado novas necessidades, sobretudo aos mais pobres, que se escoravam na lógica da formalidade, como uma reserva de segurança para a vida. No Brasil, 40% da população ocupada vive na informalidade, que somada aos profissionais liberais, já compõem a grande massa do setor produtivo do País. Ou seja, a imensa maioria da população brasileira não tem mais a segurança dos direitos trabalhistas ou a garantia de um salário no final do mês.
Essa inversão sistêmica trouxe à tona uma outra realidade: empreender deixou de ser um esporte para ricos e virou item de necessidade básica. Dados oficiais brasileiros, que já se mostram defasados, apontavam que já em 2022, 62% dos informais no Brasil eram pessoas negras, que ao cruzarmos com os índices de desenvolvimento, são justamente aqueles que vivem nas camadas mais baixas da pirâmide social.
Após as crises econômicas de 2015 e 2016, em que as taxas de desemprego saltaram consideravelmente no Brasil, a pandemia da covid-19 e o surgimento do PIX, a informalidade ganhou ainda mais importância na vida produtiva do brasileiro. Sem acesso ao emprego com carteira assinada, muitos partiram para as terceirizações ou buscaram se arriscar na compra e venda de produtos, utilizando das plataformas online para se conectarem com potenciais clientes.
Os empregadores com dificuldade competitiva, em função da alta carga tributária do país, também optaram por informalizar suas relações, que tiveram algum respaldo com a reforma trabalhista coordenada pelo governo Temer, muito necessária à época para buscar reorganizar a relação capital-trabalho, após a quebra econômica do governo Dilma Rousseff. As transações em PIX trouxeram instantaneidade e segurança nos negócios, além de serem propícias para sonegações, já que a rastreabilidade se tornou menos engessada como era com as TEDs ou DOCs.
Nessa nova configuração, o brasileiro tem mudado sua perspectiva sobre o Estado. Com a agilidade nas relações interpessoais, menos burocracias, impostos e necessidades de cumprimento de horas de trabalho, além da dinamização de atividades, já que uma pessoa faz por vezes mais que três funções para composição de sua renda, o cidadão tem pedido, do ponto de vista econômico, um estado cada vez mais indutor e menos provedor. O ambiente econômico, discussão antes restrita aos escritórios da Faria Lima, virou tema de bar e o trabalhador quer um governo que não o atrapalhe, mas sim que permita maior fluidez do mercado.
A pauta de aumento de salário mínimo, por exemplo, para a maioria da população deixou de ser benefício direto, para virar indireto. Querem as pessoas com mais dinheiro no bolso para que possam consumir mais. Nesse sentido, o preço dos alimentos e dos serviços básicos são vilões para os informais, que além de serem penalizados diretamente, já que são também consumidores, são duplamente atacados, com os formais não sobrando dinheiro para utilizar de seus serviços.
O presidente Lula e seu partido, o PT, que carrega o nome de representante dos trabalhadores ainda não conseguiram se atualizar para ser porta voz desse novo trabalhador. Com sua formação sindical, a matriz de pensamento dos formuladores de políticas públicas do governo está presa na relação capital-trabalho do século anterior. A mudança de quando Lula subiu a rampa do Planalto pela primeira vez para essa é gritante. É um novo mundo, com demandas muito distintas daquelas, mas com um objetivo igual, o de se ter renda para as famílias. O problema todo nessa equação e que não se chega num resultado esperado é que as técnicas pensadas não coadunam com as fórmulas exigidas para esse novo tempo.
Quando o governo anuncia empréstimo do FGTS como uma solução para o endividamento das famílias, parece não se lembrar que quem tem FGTS, hoje, é a minoria empregada formalmente e que tem uma situação financeira mais equilibrada do que os informais. Ao lançar a isenção de imposto de renda para quem ganha até 5 mil reais, parece não enxergar as manobras que esses informais já fazem para não terem que declarar o imposto, tornado a medida inócua.
O problema é que a oposição também não apresenta soluções para esse novo mundo, deixando a discussão sobre o Brasil sempre em um plano inferior, tendo nas diferenças pessoais dos postulantes o grande ponto comparativo. A construção de um ambiente econômico propício para investimentos e fluidez econômica está longe de ter coloração ideológica. No México, país com características muito semelhantes às do Brasil, Claudia Sheinbaum, presidente eleita pelo MORENA, de esquerda, tem aprovação recorde da população, mesmo com o crescimento lento do PIB nacional. No entanto, a constância desse crescimento desde o governo Lopez Obrador e a mistura entre políticas sociais efetivas como o Prospera, uma espécie de Bolsa Família de lá, e um ambiente de atração de novos polos de desenvolvimento, com investimentos infraestruturais, que mudam realidades locais e trazem progresso para os moradores, fazem com que o resultado do PIB seja apenas numérico, mas a condição de vida das pessoas seja impactada.
Olhar para essa realidade atual é mais do que obrigatório para que o governo Lula consiga enxergar alguma luz no final do túnel, em um momento de alta rejeição popular e com o brasileiro sem perspectiva sobre seu futuro, agonizando num presente pouco alvissareiro. O ensinamento de Karl Marx, teórico do socialismo-científico, que disse: “o que distingue uma época econômica de outra, é menos o que se produziu do que a forma de o produzir”, deveria sair dos livros que ajudaram na formação do petismo e serem adotados na prática, para que compreendam que ao estarem à frente das tomadas de decisão sobre os rumos do País, precisam estar minimamente conectados com o que é imperativo dessa nova época econômica.
Governo e Centrão adotam o ‘modo faz de conta’, enquanto liderança de Lula definha
Por Roseann Kennedy e Iander Porcella / O ESTADÃO DE SP
O caso inédito de um deputado que recusou o convite para assumir um ministério, mesmo após ser anunciado de forma pública para o cargo, expôs a falta de liderança do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e um “faz de conta” na relação entre o governo e o Centrão. Na avaliação de consultores, isso ocorre pela perda de força do Executivo, por conta do maior poder que os parlamentares têm hoje sobre o Orçamento.
Apesar da simbologia dos jantares de Lula com os principais líderes partidários do Congresso, muitos deputados e senadores apenas fingem apoiar o governo petista, que, por sua vez, finge acreditar porque depende do Parlamento para ter um mínimo de governabilidade.
Ainda que resistam a ocupar ministérios, contudo, os políticos também não querem perder influência sobre as pastas do Executivo. A nova dinâmica foi escancarada pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP): para resolver o impasse, ele indicou para as Comunicações um nome técnico, mas sob influência partidária.
Na visão do consultor político e diretor executivo da Action RelGov, João Henrique Hummel, o governo poderia aproveitar a ideia de Alcolumbre para pedir que outros partidos também indiquem nomes técnicos e, dessa forma, concretizar a reforma ministerial.
“Uma vez que, do ponto de vista político, já não é mais tão interessante ocupar espaço em ministérios, talvez o perfil mais técnico venha a ganhar espaço, e isso não deixa de ser forma positivo”, afirmou à Coluna, na mesma linha, o presidente da Associação Brasileira de Relações Institucionais e Governamentais (Abrig), Jean Castro.
A decisão do líder do União Brasil, Pedro Lucas Fernandes (MA), de permanecer na Câmara reforça a avaliação de que é mais vantajoso para um deputado ter o controle de sua bancada do que ir para um ministério. “Hoje em dia, a depender de para qual pasta ministerial você está indo e abrindo mão da liderança, você perde mais espaço político do que ganha”, explicou Castro.
Nos governos anteriores de Lula, o Executivo tinha mais poder sobre a alocação do Orçamento. Hoje, os lobistas preferem bater à porta de gabinetes de parlamentares a negociar recursos do que nos ministérios. O crescimento das emendas impositivas (indicadas pelo Congresso e de pagamento obrigatório pelo governo) deixou o Congresso mais independente.
Para Hummel, a manutenção do ministério com União, mesmo após o caso ter sido considerado um vexame para o governo, demonstra a dependência que o Executivo tem do Legislativo para garantir governabilidade.
Na visão do consultor, com esse nível de fraqueza, o governo Lula só conseguirá aprovar daqui para frente projetos que tenham amplo consenso. “Se o governo não mudar a postura e olhar a pauta que a maioria do Congresso deseja, ele não vai fazer nada, porque ele não tem voto”, alerta.
Collor na cadeia
Por Notas & Informações / O ESTADÃO DE SP
Fernando Collor de Mello, primeiro presidente eleito pelo voto direto no Brasil depois da ditadura militar, agora é um presidiário, condenado por corrupção. Seu nome já estava na História como o primeiro presidente a sofrer um processo de impeachment, também sob acusação de corrupção. Sua trajetória, portanto, é uma espécie de livro-texto para os que quiserem estudar as mazelas políticas brasileiras desde o renascimento da democracia. E serve também – porque nem tudo é tragédia, afinal – para simbolizar a capacidade institucional brasileira de punir quem conspurca a República. Não é pouca coisa.
Primeiro, às mazelas. Collor foi condenado em maio de 2023 a oito anos e dez meses de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro no âmbito da Operação Lava Jato. Na ocasião, o Supremo Tribunal Federal (STF) considerou que, entre 2010 e 2014, Collor usou sua influência sobre a presidência e a diretoria da BR Distribuidora, então subsidiária da Petrobras, para direcionar contratos de construção de bases de distribuição de combustíveis para a UTC Engenharia em troca de propina. O caso, portanto, ilustra com perfeição como as numerosas estatais do País são vulneráveis aos mercadores da política, que cavoucam cargos, oportunidades e contratos para se locupletarem.
Collor era apenas um dos tantos usufrutuários do monstruoso escândalo do petrolão, que foi a dilapidação da Petrobras pelos governos petistas de Lula da Silva e Dilma Rousseff. Com isso, acabou se associando à corrupção do PT, o partido que ele mesmo combateu com denodo ao se tornar presidente, em 1989, derrotando Lula da Silva no segundo turno.
Não é a única ironia da trajetória de Collor, que foi afastado da Presidência em meio a um escândalo de corrupção depois de ter chegado ao poder prometendo moralizar a vida pública e caçar os “marajás” do Estado. Como este jornal sublinhou à época, Collor traiu os brasileiros que acreditaram em suas promessas de prosperidade e honestidade no trato da coisa pública, e “renunciou não em aras da Pátria, mas pensando no seu futuro político pessoal”, desejando que, “em breve ou a médio prazo, seus malfeitos sejam esquecidos e ele possa voltar ao cenário político”.
O vaticínio do Estadão foi certeiro: o alívio viria dois anos depois, quando o STF o inocentou da acusação de corrupção passiva, e logo o ex-presidente voltaria à ribalta política. Não se encerraram ali, entretanto, os problemas de Collor com a Justiça. Durante as três décadas seguintes, ele continuamente enfrentou processos criminais – e saiu-se livre de todos eles, elegendo-se senador em 2006. Foi nessa condição, e fazendo parte da base de “aliados” de Lula e Dilma, que Collor manteve seus tentáculos políticos destinados à obtenção de dividendos, vamos chamar assim, singulares. Segundo a denúncia que o levou à condenação, o ex-presidente recebeu R$ 20 milhões em propina, dinheiro que supostamente “apareceu” do nada em sua conta, enquanto ele dizia não fazer “a menor ideia” de sua origem, de acordo com entrevistas que concedeu durante o processo.
Mas nem tudo nessa história são mazelas. Collor, afinal, está preso, depois de um processo em que teve amplo direito de defesa. Isso significa que as barreiras republicanas erguidas pela Constituição de 1988 estão em vigor e, bem ou mal, funcionam. No caso de Collor, aliás, isso já havia ficado claro logo no primeiro teste da Constituição recém-promulgada, com seu processo de impeachment. O Congresso, estimulado pelas manifestações de cidadãos indignados nas ruas, abreviou o mandato de quem estava transformando a Presidência em balcão de negócios escusos. Tudo dentro da lei.
Ademais, as reinações lulopetistas (e colloridas) levaram o Congresso a aprovar, em 2016, uma lei para pôr cobro à exploração política (e pecuniária) das empresas estatais. Trata-se de um avanço gigantesco, que se mantém mesmo diante de manobras espertas dos petistas para enfraquecê-la.
Collor estará preso até decisão definitiva do plenário do STF. Seja qual for seu destino, no entanto, o Brasil sairá melhor.