TSE volta a cassar prefeitos na pandemia
06 de agosto de 2020 | 21h09
Um mês após defender que prefeitos cassados poderiam ficar em seus cargos até o fim do ano, mesmo que condenados por compra de votos, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) mudou de posição. Durante julgamento nesta quinta-feira, 6, a corte entendeu que a pandemia do novo coronavírus não é mais empecilho para a realização de eleições suplementares e decidiu que chefes do Executivo municipal podem, sim, ser afastados.
Ao cassar nesta quinta o prefeito de Lins (SP), Edgar de Souza (PSDB), e seu vice Carlos Alberto Daher, por abuso de poder político durante a campanha de 2016, os ministros da Corte determinaram a realização de eleições indiretas, pela Câmara Municipal, para um mandato-tampão na prefeitura. A justificativa é que prefeito e vice deixarão seus cargos vagos a menos de seis meses do final do mandato. A decisão foi por maioria.
No dia 1.º de julho, no entanto, ao julgar os casos do prefeito de Ribeira do Piauí (PI), Arnaldo Araújo (MDB), e de Presidente Figueiredo (AM), Romeiro Mendonça (Progressistas), o TSE entendeu que a troca de chefes do Executivo municipal poderia atrapalhar as ações de combate à covid-19, e que novas eleições em meio à pandemia ofereceriam riscos à saúde pública. Isso porque, nesses casos, se ambos fossem afastados do cargo em julho, a escolha dos novos prefeitos deveria ser direta – e o mandato ainda teria de seis meses de duração. “Ao concluir nesta quinta-feira (ontem) o julgamento do recurso apresentado pelo prefeito cassado de Lins, o Plenário entendeu, por maioria, que a situação se mostra diferente no segundo semestre de 2020, sendo possível dar plena execução às decisões do TSE sobre o afastamento de prefeitos”, afirmou o tribunal.
Em seu voto, o presidente do TSE, o ministro Luís Roberto Barroso, disse que a Câmara Municipal de Lins tem 15 vereadores e observou que uma eleição indireta se diferencia do pleito direto. “Está superado o problema da eleição direta e da aglomeração”, afirmou. “A pandemia já não justifica essa linha de entendimento (de não afastamento do cargo).”
O ministro Edson Fachin, relator do caso, também votou pela execução imediata do afastamento dos políticos dos cargos. Para ele, o quadro de agora é diferente do primeiro semestre, quando a eleição se daria de forma direta em caso de cassação.
O ministro Luis Felipe Salomão, que defendeu a manutenção do entendimento anterior da Corte, foi voto vencido. Para Salomão, a realização de eleições indiretas pela Câmara também traz riscos para a população. Segundo ele, haverá movimentação no local, além de reuniões de apoiadores em defesa de uma ou outra candidatura.
A Corte, porém, decidiu que ainda cabe aos tribunais regionais eleitorais (TREs) argumentar pela suspensão de eleições suplementares, mesmo que indiretas, se a avaliação for de que sua realização coloca em risco a população. Casos assim devem ser analisados individualmente.
O advogado e professor de direito eleitoral Alberto Rollo afirmou que a decisão do TSE marca “uma mudança de interpretação em relação à pandemia, e não à Lei.” “Esse entendimento demonstra que o TSE repensou a questão da pandemia e da inviabilidade da substituição da chapa cassada e mandou fazer eleição indireta.”
O advogado especialista em direito político e eleitoral Silvio Salata afirmou que a mudança de entendimento do tribunal num período tão curto de tempo pode causar “instabilidade na interpretação da jurisprudência”. “Em pouco tempo, houve uma alteração radical no entendimento da Corte. Isso, de certa forma, abala o princípio da segurança jurídica.”
'O pior monstro' está se espalhando. E não é o coronavírus
Apoorva Mandavilli, NYT / ESTADÃO
Começa com mal-estar e febre baixa, seguidos de falta de ar e uma tosse dolorosa. A infecção prospera nas multidões, espalhando-se para as pessoas próximas. A contenção de um surto requer rastreamento de contato, além de isolamento e tratamento dos doentes por semanas ou meses.
Esta doença insidiosa atingiu todas as partes do globo. É a tuberculose, a pior doença infecciosa do mundo, acabando com 1,5 milhão de vidas a cada ano.
Até este ano, a tuberculose e seus aliados mortais, HIV e malária, estavam acuadas. O número de vítimas de cada doença na década anterior chegou a seu ponto mais baixo em 2018, o último ano para o qual existem dados disponíveis.
Mas agora, à medida que a pandemia de coronavírus se espalha pelo mundo, consumindo os recursos de saúde globais, esses adversários eternamente negligenciados estão voltando.
“A covid-19 pode atrapalhar todos os nossos esforços e nos levar de volta para onde estávamos há vinte anos”, disse Pedro L. Alonso, diretor do programa global de malária da Organização Mundial da Saúde (OMS).
Não é só que o coronavírus tenha desviado a atenção científica da tuberculose, HIV e malária. Os lockdowns, principalmente em regiões da África, Ásia e América Latina, levantaram barreiras intransponíveis aos pacientes que precisam viajar para obter diagnósticos ou medicamentos, de acordo com entrevistas com mais de duas dúzias de autoridades de saúde pública, médicos e pacientes em todo o mundo.
O medo do coronavírus e o fechamento das clínicas afastaram muitos pacientes que lutam contra o HIV, a tuberculose e a malária, enquanto as restrições às viagens aéreas e marítimas limitaram severamente a entrega de medicamentos nas regiões mais atingidas.
Cerca de 80% dos programas de tuberculose, HIV e malária em todo o mundo relataram interrupções nos serviços, e 1 em cada 4 pessoas que vivem com HIV relatou problemas com o acesso a medicamentos, de acordo com a Unaids. Interrupções ou atrasos no tratamento podem ocasionar resistência aos medicamentos, um problema que já é temido em muitos países.
Na Índia, lar de cerca de 27% dos casos de tuberculose no mundo, os diagnósticos caíram quase 75% desde o início da pandemia. Na Rússia, as clínicas de HIV foram reconfiguradas para fazer testes de coronavírus.
A temporada de malária começou na África Ocidental, que tem 90% das mortes por malária no mundo, mas as estratégias normais de prevenção – distribuição de mosquiteiros tratados com inseticida e pulverização de pesticidas – foram reduzidas devido aos lockdowns.
Segundo uma estimativa, um lockdown de três meses em diferentes partes do mundo e um retorno gradual ao normal em dez meses podem resultar em 6,3 milhões de casos adicionais de tuberculose e 1,4 milhão de mortes por causa da doença.
Uma interrupção de seis meses da terapia antirretroviral pode provocar mais de 500 mil mortes adicionais por doenças relacionadas ao HIV, de acordo com a OMS. Outro modelo da OMS previu que, no pior cenário, as mortes por malária podem dobrar para 770 mil por ano.
Vários especialistas em saúde pública, alguns quase chorando, alertaram que, se as tendências atuais continuarem, o coronavírus provavelmente representará um atraso de anos, talvez décadas, no árduo progresso contra a tuberculose, o HIV e a malária.
O Global Fund, uma parceria público-privada para combater essas doenças, estima que a mitigação desse dano exigirá pelo menos US $ 28,5 bilhões, quantia improvável de se materializar.
Se a história servir de exemplo, o impacto do coronavírus sobre os pobres continuará sendo sentido muito tempo após o término da pandemia. A crise socioeconômica no Leste Europeu no início dos anos 90, por exemplo, provocou as taxas mais altas do mundo de um tipo de tuberculose resistente a vários medicamentos, um recorde pouco lisonjeiro que a região mantém até hoje.
O ponto de partida dessa cadeia de eventos é a falha no diagnóstico: quanto mais tempo a pessoa passa sem ser diagnosticada e mais demora o início do tratamento, maior a probabilidade de uma doença infecciosa se espalhar e matar.
“Quanto mais você deixa as pessoas sem diagnóstico e sem tratamento, mais problemas terá no ano que vem e nos anos seguintes”, disse Lucica Ditiu, chefe da Stop TB Partnership, um consórcio internacional de 1.700 grupos que combatem a doença.
A infraestrutura construída para diagnosticar o HIV e a tuberculose tem sido um benefício para muitos países que lutam contra o coronavírus. GeneXpert, a ferramenta usada para detectar o material genético da bactéria da tuberculose e do vírus HIV, também pode amplificar o RNA do coronavírus para fazer o diagnóstico.
Mas agora a maioria das clínicas está usando as máquinas apenas para identificar o coronavírus. Priorizar o coronavírus em detrimento da tuberculose é “muito estúpido do ponto de vista da saúde pública”, disse Ditiu. “Você precisa ser inteligente e fazer as duas coisas ao mesmo tempo”.
A pandemia resultou em quedas acentuadas nos diagnósticos de tuberculose em uma série de países: um declínio de 70% na Indonésia, 50% em Moçambique e África do Sul e 20% na China, segundo a OMS.
No fim de maio, no México, à medida que as infecções por coronavírus aumentavam, os diagnósticos de tuberculose registrados pelo governo caíram para 263 casos, contra 1.097 na mesma semana do ano passado.
A pandemia também está diminuindo o fornecimento de testes de diagnóstico para essas doenças fatais, pois as empresas preferem produzir os testes para detectar o coronavírus, que são mais caros. A Cepheid, fabricante de testes de diagnóstico de tuberculose na Califórnia, passou a se dedicar à produção de testes para o coronavírus. As empresas que fazem testes de diagnóstico da malária estão fazendo o mesmo, de acordo com Catharina Boehme, diretora executiva da Foundation for Innovative New Diagnostics.
Os testes de coronavírus são muito mais lucrativos: cerca de US $ 10, em comparação aos 18 centavos de um teste rápido de malária.
Essas empresas “têm uma enorme demanda por covid no momento”, disse Madhukar Pai, diretor do McGill International TB Center em Montreal. “Não consigo imaginar que as doenças da pobreza venham a receber qualquer atenção nesse espaço”.
A pandemia afetou a disponibilidade de medicamentos para HIV, tuberculose e malária em todo o mundo, interrompendo as cadeias de suprimentos, desviando a capacidade de fabricação e impondo barreiras físicas aos pacientes que precisam viajar até clínicas distantes para buscar os medicamentos.
E essa escassez está forçando alguns pacientes a racionar seus medicamentos, colocando sua saúde em risco. Na Indonésia, a política oficial é fornecer aos pacientes com HIV remédios suficientes para um mês, mas tem sido difícil encontrar a terapia antirretroviral nos arredores de Jacarta.
As pessoas com HIV e tuberculose que pulam dias de remédios provavelmente ficarão doentes no curto prazo. A longo prazo, há uma consequência ainda mais preocupante: um aumento nas formas dessas doenças resistentes a medicamentos. A tuberculose resistente a medicamentos já é uma ameaça tão grande que os pacientes são monitorados de perto durante o tratamento – uma prática que foi quase inteiramente suspensa durante a pandemia.
De acordo com a OMS, pelo menos 121 países relataram uma queda nas visitas de pacientes com tuberculose a clínicas desde o início da pandemia, ameaçando ganhos conquistados com muito esforço.
“É realmente difícil de digerir”, disse Ditiu. “Foi necessário muito trabalho para chegar onde estamos. Não estávamos no pico da montanha, mas estávamos bem longe da base. Aí veio essa avalanche e nos empurrou de volta à estaca zero”.
Em muitos lugares, os lockdowns foram impostos tão rapidamente que os estoques de drogas logo se esgotaram.
Mesmo que os governos estejam preparados, contando com alguma ajuda de grandes agências, para comprar medicamentos com meses de antecedência, a oferta global poderá acabar em breve.
“A ruptura das cadeias de suprimentos é realmente algo que me preocupa – pelo HIV, pela tuberculose e pela malária”, disse Carlos del Rio, presidente do conselho científico do Plano de Emergência do Presidente para o Combate à Aids.
A euforia em torno da cloroquina como potencial tratamento para o coronavírus gerou um acúmulo da droga em alguns países como Mianmar, esgotando os estoques globais do medicamento.
“Dependemos muito de alguns desenvolvedores ou fabricantes importantes para todos os medicamentos em todo o mundo, e isso precisa ser diversificado”, disse Meg Doherty, que dirige os programas de HIV na OMS. “Se você tivesse estoques ou fabricantes de medicamentos mais desenvolvidos em diversos locais, os medicamentos estariam mais perto dos pontos de necessidade”.
As organizações humanitárias e os governos estão tentando mitigar alguns dos danos, estendendo suprimentos e armazenando medicamentos. Em junho, a OMS mudou sua recomendação para o tratamento da tuberculose resistente a medicamentos. Em vez de 20 meses de injeções, os pacientes agora podem tomar pílulas por um período de 9 a 11 meses. A mudança significa que os pacientes não precisam ir até as clínicas, cada vez mais fechadas pelos lockdowns.
Em alguns países, como a África do Sul, a maioria dos pacientes já pega medicamentos em centros comunitários, e não em hospitais, disse Salim S. Abdool Karim, especialista em saúde global na África do Sul e presidente de um comitê consultivo do governo sobre a covid-19. “Tem sido uma grande vantagem, até certo ponto”. /TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU
Alexandre Baldy negociou propina em casa e seu primo recebeu dinheiro vivo em caixas de gravata, diz Procuradoria
Pepita Ortega, Paulo Roberto Netto e Fausto Macedo / O ESTADÃO
06 de agosto de 2020 | 17h35
Preso na manhã desta quinta, 6, o ex-ministro das Cidades e atual secretário de Transportes Metropolitanos de São Paulo Alexandre Baldy (PP) negociou e recebeu, em sua sua casa em Goiânia (GO), propina de R$ 500 mil paga com dinheiro desviado dos cofres público do Rio, aponta o Ministério Público Federal. Já em seu flat em São Paulo foram entregues parcelas de um outro acerto de propina, relacionado a contrato direcionado da Fiocruz. Dos R$ 900 mil negociados em tal caso, R$ 100 mil foram ainda entregues pessoalmente ao político no Shopping Cidade Jardim, pouco antes de um almoço no local.
Documento
Os detalhes das supostas entregas de propinas são descritos pela força-tarefa da Lava Jato no Rio na representação que levou à deflagração da Operação Dardanário. Além das entregas à Baldy, os procuradores também registraram como o ex-presidente da Funasa (governo Temer) e ex-presidente do FNDE (governo Bolsonaro) Rogerio Dias, primo de Baldy, recebeu parte da propina de R$ 250 mil também relacionada ao contrato da Fiocruz: alocado em uma caixa de gravata entregue em uma charutaria. Dias também teve mandado de prisão preventiva expedido, mas não foi localizado até o momento.
No documento, encaminhado ao juiz Marcelo Bretas, da 7ª Vara Federal Criminal do Rio, os procuradores narram três supostas situações ilícitas envolvendo Baldy e Dias. Na primeira delas, a Procuradoria descreve como o atual secretario do governo de São Paulo teria recebido verba para interceder em favor da Pró-Saúde em relação a pagamentos atrasados no contrato de administração do Hospital de Urgência da Região Sudoeste Dr. Albanir Faleiros Machado (HURSO), entre 2010 e 2017.
O acerto teria sido feito pelo então secretário licenciado com os executivos Ricardo Brasil e Manoel Brasil, delatores da Lava Jato, e Edson Giorno, que trabalhava na Pró-Saúde.
Durante encontro na residência Baldy em Goiânia, em abril de 2014, os empresários teriam firmado repasse de R$ 500 mil ao secretário em troca de auxílio na regularização dos pagamentos atrasados à Pró-Saúde. Na época, Baldy tinha se licenciado do cargo de Secretário do Comércio de Goiás para disputar as eleições para deputado federal.
Segundo os delatores, o então candidato pediu que os repasses fossem direcionados de forma não contabilizada à sua campanha para deputado federal. A Lava Jato, contudo, indicou que os pagamentos não foram feitos a título de caixa dois.
“Registre-se, por oportuno, que os valores solicitados e pagos ao agente público a pretexto de ajuda de campanha eram na verdade propina: esses valores tinham como contraprestação a prática de atos em prol da organização social Pró-Saúde”, apontou a Lava Jato. “Como esclareceu o colaborador Manoel Brasil, a promessa era de que Alexandre Baldy ajudasse a Pró-Saúde com relação aos atrasos de repasses do governo de Goiás pela administração do Hospital HURSO no Estado e com relação a novos negócios para a Pró-Saúde como a gestão de novos hospitais em Goiás. Ou seja, os ilícitos narrados englobam fatos não relacionados ao delito eleitoral denominado de ‘caixa dois'”.
A Lava Jato afirmou ainda que ‘não existe qualquer elemento de prova’ apontando o uso da propina da Pró-Saúde na campanha de Baldy em 2014. Segundo os procuradores, os pagamentos de vantagens indevidas se deram em um contexto de ‘pagamento de propina em benefício próprio’.
Segundo o Ministério Público Federal, a operacionalização das entregas ficou a cargo de Edson Giorno, da Pró-Saúde, que recolhia os valores do caixa paralelo da organização e levava pessoalmente até Alexandre Baldy em Goiânia.
“Edson Giorno realizou cerca de cinco viagens para Goiânia, tendo entregue o dinheiro no Hotel Castro, no Hotel Mercure e na própria casa de Alexandre Baldy”, apontou a Lava Jato.
No entanto, como mostrou a Procuradoria, não foi a primeira vez que Baldy recebeu propina em casa. Em outro caso sob investigação do MPF do Rio, foram identificadas entregas no flat do político em São Paulo.
Tais entregas tem relação com suposto pagamento de propina de R$ 900 mil a Baldy e ainda R$ 250 mil a seu primo Rodrigo Dias por causa do direcionamento de uma contratação de R$ 4,5 milhões realizada pela Fiocruz.
Segundo a Procuradoria, sempre que havia o pagamento do contrato em questão, Baldy recebia parcela do valor ajustado, sempre em espécie. A operacionalização também ficou a cargo de Edson Giorno, que levava os valores até o flat do político em São Paulo e até fazia entregas em Brasília.
Os procuradores revelam ainda que uma das parcelas da propina de R$ 900 mil foi entregue pessoalmente ao então ministro do governo Temer, em agosto de 2018, no Shopping Cidade Jardim, no Cidade Jardim Corporate, mais precisamente no escritório da Línea. Na ocasião, Edson entregou R$ 100 mil a Baldy, diz o MPF. Logo depois almoçou com o ministro no restaurante Parigi, mostram fotos e recibos entregues aos investigadores pelo delator.
Ministério da Justiça se recusa a enviar informações de inteligência ao STF
Breno Pires e Rafael Moraes Moura / O ESTADÃO
06 de agosto de 2020 | 15h44
O Ministério da Justiça e Segurança Pública informou nesta quinta-feira (6) ao Supremo Tribunal Federal (STF) não investigar opositores do governo, mas disse que não pode compartilhar informações de inteligência produzidas pela sua Secretaria de Operações Integradas (Seopi). Ao recusar enviar essas informações ao STF, a pasta alegou “não seria menos catastrófico” abrir o acesso desses dados ao Poder Judiciário.
A manifestação, aprovada pelo ministro da Justiça, André Mendonça, foi endereçada à ministra Cármen Lúcia, do STF, que cobrou esclarecimentos sobre o monitoramento de 579 servidores públicos identificados do “movimento antifascismo”, revelado pelo site UOL. O prazo de 48 horas fixado pela ministra se esgotou hoje.
“A atividade de inteligência dedica-se a produzir conhecimentos para assessorar o processo decisório das autoridades públicas. Assim, é dever dizer que não há qualquer procedimento investigativo instaurado contra qualquer pessoa específica no âmbito da Seopi, muito menos com caráter penal ou policial. Noutras palavras, não compete à Seopi produzir ‘dossiê’ contra nenhum cidadão e nem mesmo instaurar procedimentos de cunho inquisitorial”, informou o Ministério da Justiça.
O ministério disse que a produção de relatórios em secretarias da pasta é “atividade essencial para a segurança do Estado e dos cidadãos”. A pasta afirmou que a Seopi “não se coloca à serviço de grupos, ideologias e objetivos mutáveis e sujeito às conjunturas político-partidárias”.
“Não se pode deixar de consignar que o vazamento de informações de inteligência é fato grave e que coloca em risco tanto atividades essenciais do Estado Brasileiro como pessoas eventualmente citadas nos relatórios, ainda que por simples pertinência temática com o assunto a ser abordado”, observou a pasta.
Ao considerar “catastrófico” abrir o acesso de relatórios internos ao Poder Judiciário, o Ministério da Justiça sustenta que os sistemas de inteligência sofreriam com “crescentes instabilidade e insegurança” se as informações fossem divulgadas.
Entre os riscos apontados pelo governo estão o aumento do risco de exposição dos métodos e procedimentos dos órgãos, a inibição da atuação de agentes e intimidação de eventuais fontes de informações e o “colapso do sistema”. “Relegaria a segunda plano o órgão legalmente vocacionado para promover o controle externo – Congresso Nacional – e, em última análise, permitiria, ainda que de forma transversa e em tese, que milhares de magistrados pudessem acessar relatórios de inteligência”, diz a manifestação enviada pelo Ministério da Justiça.
Em um trecho da manifestação, o ministério pede “parcimônia e sensibilidade do Supremo Tribunal Federal”, para que deixe a Comissão de Controle Externo da Atividade de Inteligência do Congresso Nacional fazer a análise sobre o tema, evitando “invadir esfera de competência do Poder Legislativo”.
O ministério defende o arquivamento da ação apresentada pela Rede Sustentabilidade, sob argumento que o partido político não conseguiu demonstrar a existência dos atos que descreveu.
Gravidade. A decisão de Cármen foi tomada em ação da Rede Sustentabilidade, que pediu ao STF a abertura de inquérito na Polícia Federal sobre o caso. “A gravidade do quadro descrito – a se comprovar verdadeiro – escancara comportamento incompatível com os mais basilares princípios democráticos do estado de direito e põe em risco a rigorosa e intransponível observância dos preceitos fundamentais da Constituição da República”, escreveu Cármen, ao cobrar explicações do governo.
Mendonça anunciou nesta semana a demissão do diretor de Inteligência da Seopi, coronel reformado Gilson Libório. O coronel – e praticamente toda a cúpula da Seopi – foi nomeada pelo próprio Mendonça, que assumiu a pasta no lugar de Sérgio Moro, em abril.
A Seopi foi criada por Moro para agrupar operações policiais contra o crime organizado, mas, sob Mendonça, mudou de diretores, nomeando pessoas próximas e ele, e de foco. Levantamento do Estadão mostrou que o atual ministro da Justiça trocou nove de um total de 14 pessoas indicadas pelo antecessor para compor a chefia da Seopi. O trabalho da secretaria virou alvo do Ministério Público após a revelação do UOL de que o órgão produziu relatório contra opositores do governo Jair Bolsonaro. Domingo, Mendonça anunciou uma sindicância interna.
Cartório não pode recusar fornecimento de certidões gratuitas à União, diz STF
Negar à União o fornecimento gratuito de certidões de seu interesse viola sua competência para legislar sobre registros públicos. Foi o que decidiu o Supremo Tribunal Federal ao julgar procedente ação contra atos de titulares de cartórios que recusaram fornecer certidões gratuitas. O julgamento em Plenário Virtual encerrou nesta terça-feira (4/8).
Para a maioria dos ministros, o ato do poder público que nega à União o fornecimento gratuito viola o artigo 236, § 2º, da Constituição Federal.
O voto condutor foi do ministro Alexandre de Moraes, que considerou que, ao instituir isenção para a União, o Decreto-Lei 1.537/1977 apenas disciplinou um tema da própria função pública exercida pelos notários e registradores.
"O fato de exercer de forma privada a atividade notarial/registral não descaracteriza a função pública do serviço delegado pelo Estado", explicou. Seu voto foi acompanhado pelos ministros Gilmar Mendes, Luís Roberto Barroso, Dias Toffoli e Celso de Mello.
Numa linha mais restrita, o ministro Luiz Edson Fachin apontou que a previsão da isenção para a União não contraria as outras normas vigentes. "Ao emitir comando passível de aplicabilidade federativamente uniforme, consoante a normas gerais, o Decreto-Lei 1.537/1977 foi recepcionado pela Constituição da República de 1988." Seguiram o voto os ministros Rosa Weber, Cármen Lúcia e Luiz Fux.
Fora da Constituição
Ficou vencido o relator, ministro Marco Aurélio, que acolheu o argumento da não recepção do Decreto-Lei pela Constituição Federal. O vice-decano considerou que, embora os titulares de cartórios extrajudiciais estejam sujeitos ao regime jurídico de direito público, "a taxa é tributo cuja exigência se faz orientada pelo princípio da retributividade".
Desta forma, concluiu que a Constituição não abrange em momento algum a dispensa da União do pagamento pela prestação de serviços públicos feitos por entidades privadas, "seja mediante a delegação decorrente de concessão, permissão, autorização ou concurso público, como acontece, na última hipótese, com os titulares dos cartórios extrajudiciais".
Ele foi acompanhado pelo ministro Ricardo Lewandowski.
Recepção ou não
O caso chegou ao STF em 2009, ajuizado pelo então presidente Lula contra atos de titulares de cartórios e também contra os magistrados que determinaram o pagamento prévio pelos serviços notariais.
A principal alegação da peça, elaborada pela AGU, é a de que os cartórios desconsideraram o Decreto-Lei 1.537/77, que isenta a União do pagamento de custas e emolumentos aos ofícios e cartórios de registro de imóveis e aos ofícios e cartórios de registros de títulos e documentos. Para os cartórios, a norma não foi recepcionada pela Constituição Federal de 1988.
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ADPF 194
Fernanda Valente é correspondente da revista Consultor Jurídico em Brasília.
Revista Consultor Jurídico, 6 de agosto de 2020, 9h51
PEC e dez projetos começam a tramitar na AL nesta quinta-feira
Abertura da SessãoFoto: Junior Pio