Conta da pandemia chega a R$ 700 bilhões
Nas palavras do presidente Jair Bolsonaro, a doença trazida pelo coronavírus não passaria de uma “gripezinha”. Mas, como já dava para imaginar na época de sua troça, há cinco meses, o estrago causado pela pandemia no País não tem qualquer semelhança com o de um surto de gripe comum, tratada com vitamina C e cama – ou cloroquina, como prefere Bolsonaro.
Além das 100 mil vidas levadas pelo vírus e dos 3 milhões de brasileiros infectados até agora, incluindo o próprio presidente, o volume de recursos usado para combater a pandemia e aliviar seus efeitos econômicos e sociais teve um efeito devastador nas finanças públicas. Não por acaso, a medida que abriu os cofres públicos para o governo enfrentar a covid, articulada pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia, foi batizada de “orçamento de guerra”.
Segundo um levantamento realizado pelo Estadão, com base em estimativas do governo e dos bancos, a pandemia deverá custar só em 2020 cerca de R$ 700 bilhões, o equivalente a quase 10% do PIB (Produto Interno Bruto) e a R$ 3,3 mil para cada brasileiro. Daria para pagar o Bolsa Família, já considerando o aumento de beneficiários ocorrido durante a crise, por 21 anos. Do ponto de vista das contas públicas, isso representa quase seis vezes o déficit previsto para este ano antes da pandemia, de R$ 124,1 bilhões (veja o quadro abaixo).
“É um custo bem alto”, diz o secretário do Tesouro, Bruno Funchal, que assumiu o cargo no fim de julho, com a fatura do coronavírus já emitida e o desafio de administrar o problema. “Em última instância, é uma conta que será paga por todos nós e pelas gerações futuras.”
Crise global
Se as previsões se confirmarem, a dívida pública bruta deverá subir 22,4 pontos porcentuais neste ano, passando de 75,8% do PIB no fim de 2019 para 98,2% do PIB (como já anunciado pelo governo), um recorde histórico. É um salto sete vezes maior que o registrado em 2009, no auge da crise financeira global, e igual ao dos últimos seis anos somados, de 2013 a 2019, um dos períodos mais conturbados para as contas públicas e a economia nacional.
Como aconteceu na crise global, que acabou por jogar o País na pior recessão de todos os tempos, ainda que com anos de atraso, em consequência da gastança promovida para tentar aliviar seus efeitos aqui, o estrago agora deverá ir muito além de 2020 – e em escala potencializada. “A gente não pode nem pensar em ações que fragilizem a nossa situação fiscal”, afirma Funchal. “No futuro pós-pandemia, a nossa trajetória de consolidação fiscal tem de ser igual à da pré-pandemia.”
De acordo com as projeções do Tesouro, a dívida bruta do setor público deverá se manter relativamente estável nos próximos três anos e atingir seu pico, de 98,6% do PIB, em 2024. Só depois começará a cair, chegando a 92,2% do PIB em 2029. Alguns analistas traçam cenários ainda mais pessimistas, reforçando a percepção do próprio Funchal de que a situação poderá sair do controle se os gastos temporários da pandemia se transformarem em permanentes, como defendem muitos políticos e economistas por aí.
Em busca de reeleição, Bolsonaro lançará pacote social e avalia chapa eleitoral
A próxima eleição nacional ocorrerá daqui a mais de dois anos, mas o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) já começou a implementar um projeto de longo prazo para aumentar as chances de ser reeleito em 2022.
Com a imagem desgastada pela pandemia do novo coronavírus, o presidente montou um cronograma de inaugurações pelo país até o final do ano e lançará medidas de impacto social na tentativa de diminuir a rejeição ao seu nome nas classes D e E.
Em paralelo, começou a avaliar possibilidades para a sua chapa eleitoral, como o partido pelo qual se lançará à reeleição e o perfil do candidato a vice-presidente que lhe trará mais apoio.
Na última semana, quando visitou São Paulo, Bolsonaro disse a um deputado aliado que a sua meta a partir de agora é visitar até dois estados por semana. Nos próximos dias, Bolsonaro irá a Belém, no Pará, para inaugurar uma praça, e pretende ir ao Rio, a um evento militar.
Os ministérios da Infraestrutura e do Desenvolvimento Regional apresentam ao presidente uma lista de opções para que ele escolha aonde ir.
Em conversa recente com investidores, o ministro das Comunicações, Fábio Faria, disse que os titulares das duas pastas —Tarcísio de Freitas e Rogério Marinho, respectivamente— têm discutido com o TCU (Tribunal de Contas da União) uma brecha na lei do teto de gastos em busca de verbas para obras.
O foco das viagens será o Nordeste e o Sudeste, nas quais, como mostrou pesquisa Datafolha de junho, Bolsonaro apresentou maior índice de desaprovação após a crise sanitária. O mesmo levantamento apontou que a menor aprovação está entre os que ganham até dois salários mínimos.
As projeções internas do Palácio do Planalto mostraram que o auxílio-emergencial, pago desde abril, teve efeito positivo nas regiões e faixas sociais onde o presidente sofre mais resistência. E, por isso, ele avalia estendê-lo pelo menos até outubro.
Até lá, o governo federal deve enviar ao Congresso um projeto de lei que cria o Renda Brasil, uma reformulação do Bolsa Família que serviria como um substituto ao auxílio-emergencial sobretudo para trabalhadores informais.
O valor do benefício ainda não foi definido, mas deve ser superior ao do programa criado no governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), entre R$ 250 e R$ 300.
Além da nova iniciativa, o governo federal distribuirá até o final do ano R$ 5 milhões em cestas básicas para mulheres em situação de vulnerabilidade e pretende lançar o programa social “Cuidar + Brasil”, discutido pelo Ministério dos Direitos Humanos.
A medida deve oferecer também acesso a microcrédito e a cursos de capacitação profissional a famílias de baixa renda, uma espécie de porta de saída a beneficiários do Bolsa Família.
A ideia de porta de saída é uma tentativa diferenciar o pacote social do Bolsa Família, carimbado pelo PT, e, ao mesmo tempo, acenar ao público liberal de que esta política não é um gasto de recursos sem retorno.
Em outra frente, Bolsonaro disse a ministros palacianos que até dezembro recriará o Ministério da Segurança Pública para reforçar uma das suas principais bandeiras eleitorais que foi o combate à criminalidade.
Além de a violência ser um dos temas que mais preocupam o eleitor brasileiro, o movimento serveria como uma tentativa de vacina a uma eventual candidatura do ex-ministro Sergio Moro.
Para o comando da pasta, são avaliados os nomes do líder do governo na Câmara, Major Vitor Hugo (PSL-GO), e do ex-deputado Alberto Fraga (DEM-DF), amigo pessoal de Bolsonaro.
O presidente tem agido em outras frentes para minimizar seu desgaste. Depois da insistência de pelo menos três ministros, Bolsonaro anunciou na reunião ministerial mais recente que não vai mais parar na porta do Palácio da Alvorada para entrevistas.O mandatário, porém, teme que esse gesto o faça perder apoio em sua base eleitoral ideológica, nutrida por por uma verborragia beligerante.
O ministro Fabio Faria tem conversado com a militância bolsonarista para explicar que o novo comportamento do presidente não significa que ele tenha abandoando suas bandeiras.
A fase “paz e amor” do presidente teve início com a prisão, em junho, do policial militar aposentado Fabrício Queiroz, ex-assessor do hoje senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ). Desde então, o presidente está há mais de 50 dias sem fazer ataques diretos ao STF (Supremo Tribunal Federal).
O presidente também já começou a discutir possibilidades para a sua próxima chapa presidencial, já que a tendência é que não caminhe junto novamente com seu atual vice, o general Hamilton Mourão.
Ele já disse a deputados bolsonaristas que, caso não consiga criar a tempo o Aliança pelo Brasil, pode se filiar a uma sigla já existente. Em avaliação, estão o PTB e o Republicanos.
O primeiro é comandado pelo ex-deputado federal condenado no escândalo do mensalão, Roberto Jefferso, que repaginou o partido para dar-lhe um verniz mais conservador e já foi ao Palácio do Planalto conversar com Bolsonaro e distribuir a última versão do programa da legenda.
Já o Republicanos é o partido no qual estão filiados os dois filhos mais velhos do presidente —o senador Flávio Bolsonaro (RJ) e o vereador Carlos Bolsonaro (RJ).
“Não está em discussão [a filiação de Bolsonaro]. As vindas dos dois filhos foram pontuais. Acho que eles estão focados e assim devem continuar na criação do seu próprio partido”, disse o presidente da legenda, Marcos Pereira, à Folha.
Para o posto de vice-presidente, Bolsonaro já avalia um perfil do segmento evangélico. Os cotados são ministra dos Direitos Humanos, Damares Alves, e o do deputado federal Marco Feliciano (Republicanos-SP). A ministra é uma das mais populares do governo, segundo Datafolha.
Procurado pela Folha, Feliciano afirmou que a política é “muito dinâmica” e que a decisão sobre o perfil do candidato a vice “cabe apenas ao presidente”.
“O segmento evangélico, com raríssimas exceções, se mantém fiel. Somos uma das maiores bases de apoio do governo e representamos 30% do eleitorado. Isso explica a importância de um vice evangélico”, disse.
Fundo público partidário paga empresas de dirigentes e salário de parentes, amigos e políticos sem mandato
A análise detalhada das prestações de contas entregues à Justiça Eleitoral mostra que no ano passado vários partidos mantiveram a prática de usar verba pública não só para remunerar seus dirigentes, mas também empresas ligadas a eles, amigos, parentes e políticos que fracassaram nas urnas.
Ao todo, R$ 937 milhões foram gastos em 2019, sendo a maior parte dinheiro público —essa fatia, em torno de 90% do total, foi distribuída às legendas na proporção do desempenho que elas tiveram nas últimas eleições para deputado federal.
Responsável por uma das maiores cotas, o PSL, partido pelo qual Jair Bolsonaro se elegeu presidente da República, tem na sua lista de pagamentos funcionárias indiciadas pela Polícia Federal sob suspeita de terem sido candidatas laranja nas eleições de 2018, citados na investigação das "rachadinhas" da Assembleia do Rio de Janeiro e até um amigo de Bolsonaro, que nunca exerceu atividade política partidária.
Como a Folha mostrou em fevereiro, após o partido multiplicar o recebimento de verbas devido ao sucesso eleitoral de Bolsonaro, houve registro de gastos com carros, restaurante e mobiliário de luxo, entre outras despesas.
O PT, maior partido de oposição a Bolsonaro, é o que mais recebe dinheiro do fundo pelo fato de ter obtido o maior número de votos nas eleições para a Câmara em 2018. Um dos maiores fornecedores contratados pelo partido é a Urissanê Comunicação, que recebeu R$ 5,5 milhões em 2019.
A empresa é de Otavio Augusto Antunes da Silva, que disputou eleições pelo partido em 2000 e 2004 e foi assessor parlamentar da sigla na Assembleia Legislativa de São Paulo de 2005 a 2016.
Quando se direciona a lupa para partidos médios e menores, observa-se prática similar ou em grau até superior.
O DC, do ex-candidato à Presidência José Maria Eymael, pagou salário não só a ele (R$ 109 mil em todo o ano), como direcionou R$ 45 mil ao Centro Automotivo Caminho Certo, que tem ele e familiares como sócios.
Já o PTB de Roberto Jefferson, um dos mais entusiastas apoiadores de Bolsonaro atualmente, destinou no ano passado cerca de R$ 300 mil ao dirigente, a título de prestação de serviços técnicos e profissionais.
O PROS, que é alvo de investigação sob suspeita de desvio de recursos, também é um exemplo de mistura de público e privado. O fundador da sigla, Eurípedes Jr., parentes, amigos e até o piloto do helicóptero que a legenda comprou com verba do fundo partidário ganham salário do partido.
Há casos de duas mulheres de políticos da legenda recebendo R$ 5.000 por mês, além do caso da ex-governadora do Rio de Janeiro Rosinha Garotinho. Ela, que hoje tem uma loja de doces caseiros, figura com salário de R$ 8.500 do partido.
O Republicanos de São Paulo contratou por R$ 133 mil a empresa Iave Assessoria, pertencente a um filiado à sigla.
Patriota, PL e Podemos também têm exemplos nessa linha. O primeiro paga salários a parentes do presidente, Adilson Barroso. O ex-presidente Ovasco Resende do PRP, que se fundiu ao Patriota, chegou a acumular salário dos dois partidos no mês de junho, somando cerca de R$ 60 mil de vencimentos.
O PL pagou R$ 11 mil por mês à esposa do deputado estadual André do Prado (SP), Clarisse Johara.
No Podemos, o filho do deputado João Carlos Bacelar (PL-BA) ganha R$ 11 mil mensais da legenda. Bacelar é aliado do partido no estado. Familiares de dirigentes da sigla também estão na folha de pagamento.
O PSC tem a mulher do governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, uma mãe de deputado e alguns pastores na folha de pagamento. Alvo da Polícia Federal, a primeira-dama do Rio, Helena Witzel, recebeu desde janeiro de 2019 mais de R$ 350 mil brutos do PSC, a título de salário por integrar a equipe jurídica da legenda.
Outra prática comum nos 33 partidos brasileiros é alojar em seus quadros, com remuneração mensal, políticos que fracassaram nas urnas ou deixaram de ocupar algum cargo público.
O oposicionista PSB tem na sua folha salarial os ex-governadores Márcio França (SP) e Ricardo Coutinho (PB) e o ex-deputado federal Beto Albuquerque (RS), todos com salários superiores a R$ 20 mil por mês.
O PDT contratou o escritório de advocacia de seu presidenciável, Ciro Gomes. Foram R$ 45 mil pagos em 2019.
Os dados analisados pela Folha se referem às esferas nacional, estadual e municipal das legendas e foram coletados e compilados pela ONG Transparência Partidária, com base na prestação de contas de 2019 entregue pelas legendas ao Tribunal Superior Eleitoral. Pela lei, elas têm até junho do ano seguinte para entregar a prestação anual de contas.
Depois das transferências obrigatórias para as fundações partidárias e as instâncias estaduais e municipais, o gasto com pessoal ocupou a maior fatia, com 14%.
"O levantamento [relativo a 2019] identificou uma série de situações que merecem análises mais aprofundadas quanto à regularidade e à legitimidade desses gastos, mas que ainda esbarram em algumas deficiências do ponto de vista da transparência e do controle social", afirma Marcelo Issa, diretor-executivo da Transparência Partidária.
Em relatório divulgado pela organização relativo ao uso do fundo partidário em 2017, a entidade detectou "dezenas de casos de contratação de empresas das quais dirigentes partidários das próprias legendas contratantes são sócios ou proprietários", no valor de ao menos R$ 4,5 milhões.
O relatório apontou também que doadores receberam de volta mais do que o dobro do valor que repassaram às legendas, por meio de contratos com empresas das quais eram sócios ou proprietários.
OUTRO LADO
Em nota, o PSL afirmou que Carolina Lompa é secretária-executiva do PSL Mulher e atua diariamente dentro do partido. O deputado Nereu Crispim não se manifestou.
O PT afirmou que investe recursos na comunicação "por ter acesso restrito, quando não censurado" à mídia e que não há impedimento para a contratação da empresa de um filiado. "Se o fosse, seria uma discriminação autoritária."
O Republicanos de São Paulo afirmou que a empresa contratada prestou serviços de contabilidade, consultoria e gestão de RH, em valores dentro dos padrões de mercado. "Já em relação ao fato da prestação de serviço estar relacionada com um de nossos filiados, isso apenas indica que há uma confiança mútua na relação entre as partes."
O PDT disse que Ciro Gomes é advogado com vasto conhecimento e vice-presidente do partido. "Como tal, tem feito inúmeras peças jurídicas, como a que o PDT deu entrada no Tribunal Penal Internacional, acionando a corte pela forma como Bolsonaro vem enfrentando a pandemia, entre outras".
O PTB afirmou que o valor total recebido por Roberto Jefferson em 2019 "é proveniente de suas competências como presidente nacional", conforme definido no estatuto da sigla.
André Singer: 'Esse é o começo de algo que pode, sim, ameaçar o lulismo'
SÃO PAULO — Porta-voz da Presidência no governo Lula e professor de Ciência Política da USP, André Singer avalia que a gestão de Jair Bolsonaro passa por uma mudança de rumo e acredita que o lulismo, conceito que formulou para explicar o pacto que regeu o governo do petista, corre risco pela primeira vez.
Bolsonaro tem tomado medidas de olho no eleitorado mais pobre, como a adoção do auxílio emergencial. O presidente está investindo sobre a base do lulismo?
Ainda não sabemos muito bem o que aconteceu. Olhando superficialmente ocorreu uma espécie de acidente. O governo fez uma proposta que foi inteiramente revertida pelo Congresso (governo previa auxílio emergencial de R$ 200, mas parlamentares elevaram para R$ 600) e acabou, por meio dessa proposta, atingindo um eleitorado que nunca tinha sido base do bolsonarismo. Não sabemos a extensão e a profundidade dessa possível mudança. Seja como for, é muito claro que o governo decidiu se beneficiar politicamente de tudo que ocorria e a viagem do presidente ao Nordeste na semana passada é talvez o elemento mais visível dessa operação. O governo Bolsonaro nunca foi próximo do Nordeste. Parece claro que algo está acontecendo.
Seria fácil para o governo transformar o Bolsa Família em um outro programa, o Renda Brasil, como marca para a população?
A mecânica do auxílio emergencial fez com que as pessoas tivessem que abrir mão do Bolsa Família. É como se as pessoas tivessem saindo do programa lulista e entrando num programa bolsonarista. O governo começou a pensar numa estratégia inteligente, mas depende de ter recursos, que é fazer com que as pessoas não voltem mais para o Bolsa Família, mas entrem direto no Renda Brasil. Nesse caso, a pandemia criou uma situação inesperada que pode facilitar uma transição inesperada. Porque o Bolsa Família era muito consolidado. Não seria fácil simplesmente mudar de nome, as pessoas iriam continuar chamando de Bolsa Família.
O que restou do lulismo depois do impeachment pode estar ameaçado com essas medidas?
Este momento seria o começo de alguma coisa que, caso se desenvolva bastante, poderia, sim, ameaçar o lulismo. Mas é preciso fazer todos esse condicionamentos porque esse não é um processo dado. Dependendo de como o governo levar adiante, poderia hipoteticamente ameaçar o lulismo. O lulismo não foi só resultado do Bolsa Família, fez parte de uma estratégia maior que envolveu também aspectos de política econômica. Ao aumentar o valor do salário mínimo e a implementar o Benefício de Prestação Continuada (BPC), o governo, em regiões extensas do Nordeste, ativou a economia local. Os governos Lula tinham encontrado uma maneira de reativar a economia por baixo.
Mas o governo Bolsonaro sempre teve um discurso diferente na economia.
Se o governo Bolsonaro adotar uma política econômica, que nunca esteve presente nos seus planos, de reativação da economia por baixo, aí sim não há dúvida de que pode haver um novo realinhamento. Neste momento, é visível o esforço do governo em encontrar dinheiro pra fazer alguma coisa, o que já é uma novidade, porque esse governo nunca havia se preocupado com as camadas mais pobres. E tem mais um acontecimento importante que é o governo perdendo apoio na classe média.
Esta semana, em entrevista ao GLOBO, o senador Flávio Bolsonaro disse que o ministro da Economia, Paulo Guedes, precisa arrumar mais dinheiro...
Quando o Flávio Bolsonaro começa a falar disso, uma certa retórica que nunca existiu começa a existir. Uma outra coisa que vale a pena acompanhar é como os militares têm vocalizado isso dentro do governo. Já começando com aquela proposta de infraestrutura, um “plano Marshall”. Possivelmente os militares têm uma perspectiva de médio e longo prazo e sabem que não há como seguir adiante, do ponto de vista político, sem a maioria da população. Se eles mudarem a política, vão mudar a retórica. O problema é analisar os quadros que estão colocados para esse governo, que tem uma associação muito forte com o chamado mercado, que não vê com bons olhos os gastos necessários para esse tipo de conversão. O que está em discussão é se governo continuará sendo ultraliberal.
Os movimentos do governo parecem erráticos como foram os do governo Dilma Rousseff?
Temos que esperar a obra acabada. O ziguezague tem que acontecer. O que estamos vendo neste momento é uma espécie de “zigue”. O governo estava numa posição ultraliberal, apoiado em cerca de 30% do eleitorado, com um núcleo duro mais de classe média. Veio a pandemia, o governo começou a perder apoio na classe média e ganhar apoio embaixo porque fez um auxílio emergencial substantivo que não era o seu plano. A gente começa a observar, e é neste ponto que estamos, que o governo começa a se mexer. É um “zigue”. Agora, se vai ter um “zague”, só o tempo que vai dizer.
No seu livro “Lulismo em crise”, o senhor diz que as camadas populares não se mexeram para defender o lulismo no impeachment, resultado da despolitização e desmobilização a que foram submetidas. Essas características podem facilitar a cooptação?
Sem dúvida. Se tivesse havido um processo intenso de mobilização, teria hoje mais organização de base e essas organizações estariam resistindo a todo esse processo. Teriam resistido já em 2016, depois em 2018, e continuariam resistindo agora a um possível solapamento desse apoio. Apesar de não ter havido mobilização, o fato é que na população, sobretudo no Nordeste, há uma consciência que aparece na reportagem da revista Época (de 10 de julho) de uma forma muito emblemática que as condições de vida foram estruturalmente transformadas pelo lulismo. Esse é um tipo de consciência e formulação que só aparece quando há uma consolidação de uma certa relação.
O senhor diz que o lulismo não tem bandeira partidária e, apesar de se ancorar no carisma de Lula, não se formou uma base de culto à personalidade. Na sua visão, o bolsonarismo explora o culto à personalidade?
Eu não chamaria de culto à personalidade. Os elementos propriamente carismáticos dessas lideranças, no caso do lulismo, aparecem sobretudo no Nordeste. No conceito de Max Weber, carismático é a crença na posse de dons extraordinários. No Nordeste, é notável. No Sudeste e no Sul, é bem menor.
E com relação ao Bolsonaro?
O presidente tem um componente carismático. Não é à toa que ele é chamado de mito. Até aqui esse componente carismático é comparativamente menor porque atinge, no máximo, 15% do eleitorado. Claro que, se o governo fizer essa conversão, que estamos tratando como hipótese, certamente os elementos carismáticos vão ser explorados.
O bolsonarismo tem um caráter mobilizador que o senhor não vê no lulismo?
Esse é um elemento importante para caracterizar o bolsonarismo, porque faz com que o bolsonarismo tenha uma relação com o fascismo. Não estou dizendo que seja absolutamente fascista. A depender de como você qualifica o fascismo, não daria para dizer que o bolsonarismo é um tipo de fascismo. Mas o componente mobilizador o aproxima de algum tipo de fascismo.
Posto da PRE em Potengi está abandonado há mais de um ano
EM 27 de dezembro de 2014, o então governador Cid Gomes, durante a inauguração da duplicação da CE-085, no entroncamento entre o município de Caucaia e Lagoa do Cauípe assinava a ordem de serviços para a instalação de novos postos da Polícia Rodoviária Estadual (PRE) em nove municípios do interior do Estado: Canindé, Cariré, Caririaçu, Jaguaribe, Jardim, Potengi, Quixeré, São Benedito e Tamboril. Após mais cinco anos e meio, apenas cinco estão em pleno funcionamento.
As instalações aconteceram em Canindé, Tamboril, São Benedito, Cariré e Jaguaribe, enquanto os outros municípios vivem realidades distintas. Em Potengi, a unidade, segundo os moradores, o prédio em si foi erguido, há quase três anos, enquanto o estacionamento já está pronto há mais um.
A equipe do Sistema Verdes Mares esteve no local, na última quinta-feira (6), e evidenciou uma situação de abandono. A vegetação já toma conta do próprio estacionamento e, principalmente, de uma faixa feita em piso intertravado para o retorno de veículos. Dentro há um caixa com um equipamento que não foi possível ser identificado, ainda embalado, sem qualquer vigilância.
O empresário Genival Gonçalves acredita que a abertura do posto é fundamental para a fiscalização naquela região, pois é comum acontecer acidentes na CE-292. “A cidade é pequena e muita gente ainda insiste em andar de moto sem usar capacete. É uma estrada importante, que liga ao Piauí e a região do Inhamuns”, enfatiza.
Em nota, o Departamento Estadual de Trânsito do Estado do Ceará (Detran-CE) informou que o posto localizado no município de Potengi passou por adequações no projeto, adiando o cronograma da obra, mas não especificou quais as mudanças. Até agora, foram investidos aproximadamente R$ 680 mil na construção da unidade.
O Detran informou ainda que, em conjunto com o Batalhão de Polícia de Trânsito Urbano e Rodoviário Estadual (BPRE), será definido o cronograma de abertura do posto “tão logo sejam reduzidos os efeitos da pandemia no Ceará, efetuando os serviços de capinagem e limpeza no local, bem como a instalação dos equipamentos, tornando o local apto ao funcionamento”, completou. DIARIONORDESTE
Salário de servidor consome 3,5 vezes o gasto com saúde
Adriana Fernandes, O Estado de S.Paulo
BRASÍLIA - O Brasil gastou com a folha de pagamentos dos servidores públicos 3,5 vezes mais do que com a saúde e o dobro com educação, aponta diagnóstico do Instituto Millenium que lança nesta segunda-feira a campanha “Destrava” para pressionar pela aprovação da reforma administrativa, que prevê uma reestruturação do RH do Estado, pelo Congresso até o fim do ano.