A máscara da hipocrisia - DEMÉTRIO MAGNOLI
Máscaras são proteções úteis contra a transmissão do vírus em lugares confinados ou em meio a aglomerações. O Congresso aprovou lei que obriga o uso de máscara em todos os locais públicos, inclusive os abertos, onde são inúteis. Bolsonaro vetou trechos da lei sobre lugares fechados, como lojas, templos, escolas e penitenciárias — mas não os que tratam de calçadas, parques ou praias. Os dois atos não têm relação com as necessidades postas pela emergência sanitária. São gestos políticos, no pior sentido da palavra.
A máscara tornou-se símbolo do conjunto de medidas sanitárias adotadas por sociedades que, sem vacinas, preservam a capacidade do sistema de saúde de operar na pandemia. Os vetos presidenciais, destituídos de efeito prático por contrariarem normas estaduais, formam um manifesto da negligência. Inspirado por uma extrema direita mística, Bolsonaro está dizendo que o “vírus chinês”, a “kung-flu”, nas expressões de Trump, é um elemento da conspiração internacional de comunistas e globalistas contra as nações.
Sabe-se que o vírus é transmitido à curta distância por partículas emanadas pela respiração e emissão de sons de infectados. Discute-se, entre especialistas, a hipótese provável de que nuvens microscópicas de partículas permaneçam suspensas no ar por algum tempo, o que reforçaria a utilidade das máscaras e exigiria mudanças na ventilação dos ambientes. Mas o debate mira, apenas, os locais confinados.
O consenso científico assegura que é estatisticamente desprezível a chance de contaminação em lugares abertos, com exceção de aglomerações. Nesses locais, máscaras são contraproducentes pois sofrem manipulação frequente e cobrem-se de sujeira. Mesmo assim, o Congresso resolveu obrigar pedestres, ciclistas e motociclistas a transitarem mascarados. Como o ridículo desconhece fronteiras, máscaras tornaram-se obrigatórias até em trilhas rurais desertas.
A exigência é duplamente punitiva. De um lado, impõe desconforto permanente, que atinge com mais força os trabalhadores envolvidos em longos deslocamentos. De outro, incute a ideia opressiva de que somos, todos, riscos biológicos perenes. Mas, com a lei, os parlamentares preferiram marcar distância frente a Bolsonaro, virando as costas para a vida cotidiana das pessoas comuns. Algo similar foi feito pelo governo separatista catalão, para distinguir a Catalunha da Espanha.
Os governadores alinharam-se à letra da lei votada pelos parlamentares, apressando-se a ameaçar os cidadãos com pesadas multas. No Distrito Federal, o governador bolsonarista Ibaneis Rocha, um dos pioneiros da multa infame, ficou impune quando flagrado de rosto nu em local aberto. Mas, Brasil afora, sob o silêncio cúmplice do Ministério Público, a polícia ganhou o direito de pescar aleatoriamente violadores da norma absurda.
Os países que controlaram a onda inicial da pandemia com rigorosas quarentenas e programas extensivos de testagem nunca impuseram o uso de máscaras em lugares abertos. A imposição da máscara nesses lugares destina-se a mascarar a negligência generalizada das autoridades. As pessoas devem andar mascaradas para disfarçar a ausência de coordenação sanitária nacional, a falta de programas de testagem em massa, o casuísmo na seleção de medidas de flexibilização.
A Flórida, governada por um fiel de Trump, impôs o uso do apetrecho em locais abertos após novo surto provocado por uma reabertura descontrolada. A obrigação da máscara em lugares não confinados é indicador seguro da negligência sanitária oficial. No Brasil, a “rigidez” estadual para chinês ver acompanha, como uma sombra, a displicência explícita, criminosa, do governo federal.
Atrás da máscara, há um governador esperto culpando o povo pelo fracasso do governo. A máscara na praça vazia oculta o templo lotado, que abriu antes da praia. A máscara na face do motoboy encobre os kits de testes estocados, aos milhões, pelos governos estaduais. A máscara no rosto do ciclista dissimula o abandono das favelas sem água potável, esgoto ou sabonete.
A hipocrisia — é isso que a máscara protege. O GLOBO
Supremo tem deixado Bolsonaro como uma "rainha da Inglaterra", diz senador Eduardo Girão
O senador Eduardo Girão entrou na política já no mais forte cargo do Legislativo brasileiro, de senador da República. Um ano e meio depois, o parlamentar disse, em entrevista exclusiva, que o Supremo Tribunal Federal "não está deixando o presidente governar" e tem "passado dos limites". Ele quer investigação urgente no Judiciário. Mais ambientado, Girão será o coordenador da candidatura de Capitão Wagner (Pros) a prefeito de Fortaleza. Diante dos questionamentos sobre a relação com Bolsonaro, ele diz que Wagner é "independente" e faz crítica ao governador Camilo Santana e ao grupo governista cearense.
O senhor é o único senador cearense que começou a carreira política já no Senado. Como tem sido a experiência?
É muito diferente. Ainda tem muitos resquícios da velha política. Eu esperava que, quando chegasse lá, iria avançar em pautas da sociedade, pelo clamor da população que estava indo para as ruas contra corrupção, pela ética. O que vi, desde o início, foi um acirramento ainda eleitoral pela campanha pela Presidência, por problemas de um lado e de outro. A turma do 'quanto pior, melhor' trabalhando para boicotar e a Presidência da República batendo. Há um acirramento cada vez maior, pouco diálogo, e o crime reagindo. Continuo me achando um cara da sociedade, que tem o idealismo de mudar, de ser uma voz na sociedade dentro desse ambiente, não me vejo ainda como aquele político e nem quero.
O senhor tem feito uma defesa forte da pauta de costumes. A defesa do interesse do Ceará têm ficado em segundo plano e isso é dito até por alguns dos seus aliados. O senhor avalia assim?
Muito pelo contrário. A gente tem duas frentes de atuação fortes. Uma a favor do Ceará, outra a favor do Brasil, dentro dos nossos princípios e valores. Por exemplo, fiquei até de madrugada conversando com os outros dois senadores do Estado, com a secretária da Fazenda, Fernanda Pacobahyba, pra conseguir melhorar o socorro para estados e municípios de R$ 3,3 bilhões. Conversei com Mauro Filho, deputado, me empenhei no que pude pra gente tentar melhorar a receita do Estado. Conseguimos respiradores pelo Ministério da Saúde. Aliás, quero deixar isso bem claro, por mais que a gente saiba que exista hoje, especialmente do Ceará para com o Governo Federal, uma 'rivalização' política porque são ideologias diferentes, eu não percebo isso (do governo federal para o Ceará). Toda vez que eu fui ajudar o Ceará no Ministério da Saúde, percebi que o Estado do Ceará estava sendo muito ajudado. (...) A gente tem participado. Toda vez que é acionado, por mais que eu divirja da visão do mundo, da forma de fazer do governador (Camilo Santana), sou um funcionário do Estado do Ceará, procuro ajudar no que estiver ao meu alcance.
Qual sua postura em relação ao Governo Bolsonaro?
Independência total. Vejo pontos positivos, mas também pontos negativos. Acredito que está faltando mais diálogo republicano. A liderança que foi construída no Senado pelo governo, desde o início, não se comunicava com os senadores. Até pra orientar, não se tinha essa liderança firme. A questão do Centrão, que hoje está muito próximo do governo, me preocupa, porque o Centrão representa a má política, a velha política do toma lá dá cá, isso não é uma proposta que o povo brasileiro esperava desse governo, que era uma das bandeiras que ele levantava. Outra coisa também que eu acho preocupante é que a Polícia Federal tem que ter independência. Tanto é que eu fiz uma PEC para que a Polícia Federal tenha autonomia funcional. Agora digo os pontos positivos: eu vejo que a maioria dos ministérios é formada de pessoas competentes, independentes, que não são indicadas por partidos. As empresas públicas, estatais, geravam um prejuízo tremendo, já agora dão lucro.
Praias do Litoral Leste lotam no fim de semana
Já são quase 120 dias desde que o distanciamento físico virou decreto governamental no Ceará, para evitar a disseminação de um vírus extremamente transmissível e letal. A taxa ideal de 70% de isolamento, porém, nunca foi atingida - e aglomerações como as registradas ontem (12) na Prainha, em Aquiraz; em Morro Branco, Beberibe; e em Águas Belas, Cascavel; são dia a dia mais comuns. A quantidade de banhistas que lotaram as três praias não é contável, mas estes são alguns números oficiais sobre os municípios onde se localizam: 2.365 casos confirmados, 129 mortes e 1.067 infecções por Covid-19 em investigação.
Outros dígitos também são dignos de nota: atualmente, a taxa de transmissão (RT) do novo coronavírus em Aquiraz é de 1,17; seguida por Beberibe, com 1,16; e Cascavel, com 1,14. As três são consideradas altas, e mostram que um infectado pela Covid-19 pode transmitir a doença para mais de uma pessoa, aumentando a velocidade de disseminação.
Os dados são do Integra SUS, plataforma da Secretaria Estadual da Saúde (Sesa). Até as 17h56 de ontem, a Secretaria contabilizava 136.790 casos confirmados e 6.869 mortes pelo novo coronavírus no Ceará. Mais de 70 mil seguem em investigação, e 110.224 pacientes estão recuperados da virose.
Em Fortaleza, são 38.127 confirmações, 3.498 óbitos e 28.772 recuperações. Mais de 33 mil possíveis casos são investigados na Capital, conforme a Sesa. Na Região Metropolitana, o município de Aquiraz, onde fica uma das praias mais frequentadas do Estado, já soma 773 casos confirmados de Covid-19 - dos quais 25 evoluíram para óbito e 628, para recuperação. Outros 742 quadros suspeitos são investigados. A soma dos números poderia estimar a quantidade de banhistas, nativos ou oriundos da Capital, que circularam pela Prainha, nesse segundo domingo de julho.
Um deles, o eletrotécnico Epaminondas Rocha, estava acompanhado da família, mantendo distanciamento de outros frequentadores. "Passamos muito tempo em casa, fechados, e hoje resolvemos dar uma volta, mas prevenidos. Muita gente tá aí sem máscara. Ficamos mais afastados também, até pra apreciar melhor a vista. As barracas estão fechadas, nem dá pra ficar muito tempo, almoçar, comprar um refrigerante", observou Rocha.
O "estresse" do isolamento social também motivou o passeio do balconista Malvinher Pereira e de familiares às areias. "Nesses três meses, a gente estava doente mesmo é por não vir à praia, hoje lavou a alma. Ainda não é permitido, mas a gente forçou a barra e estamos aqui, mesmo improvisado. A gente passa álcool em gel nas mãos, faz uma limpeza legal, tira a máscara, dá um mergulho e depois bota de novo", descreve.
Durante o período em que esteve no local, a reportagem não flagrou nenhum tipo de fiscalização. Entretanto, conforme a Prefeitura de Aquiraz, ela é feita "todos os dias, e, no fim de semana, é intensificada nas praias". As patrulhas são realizadas pela Guarda Municipal, Departamento de Trânsito (Demutran) e Secretaria do Meio Ambiente. Ainda segundo a gestão, "houve registro de infração em algumas barracas de praia, e os proprietários foram notificados".
MP junto ao TCU quer investigar verba de gabinete usada para lucrar na internet
12 de julho de 2020 | 19h17
BRASÍLIA - O Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União (MP-TCU) vai pedir a abertura de uma investigação sobre o uso da cota parlamentar, abastecida com dinheiro público, para gerir canais monetizados no YouTube, com vídeos que arrecadam recursos de acordo com o número de visualizações. Deputados da base do governo e da oposição têm recorrido à prática, como mostrou o Estadão neste domingo (12).
“Além de ser dinheiro público, se ficar comprovado o uso ilegal do poder da informática, a democracia brasileira acaba”, diz o subprocurador-geral do MP-TCU, Lucas Rocha Furtado, que pretende ingressar com a representação.
LEIA TAMBÉM
Deputados usam verba de gabinete para lucrar com seus canais no YouTube
Ao menos sete parlamentares estão ganhando dinheiro dessa forma. A deputada Carla Zambelli (PSL-SP) é uma delas. Em junho ela gastou R$ 4 mil da cota parlamentar com uma firma que trabalha na edição do conteúdo que posta. O alcance dos vídeos gerou a Carla R$ 23.702, dos quais diz ter recebido já R$ 15,1 mil do YouTube.
Além dela, os deputados Joice Hasselmann (PSL-SP), Bia Kicis (PSL-DF), Otoni de Paula (PSC-RJ), Paulo Pimenta (PT-RS) e Flordelis (PSD-RJ) também contrataram empresas com dinheiro da cota parlamentar para fazer edição e montagem dos vídeos apresentados em seus canais no YouTube. Já Gleisi Hoffmann (PT-PR) recorreu a assessores pagos pela Câmara para manter seu canal. Destes, apenas Pimenta e Otoni de Paula disseram à reportagem ter desistido da monetização.
Na avaliação da professora de Direito Penal da FGV São Paulo Raquel Scalcon, o problema parece não ser a aplicação da verba em si, mas o lucro gerado com as postagens. “Há um conflito de interesse se houver monetarização e o lucro for usado para fins privados, isso parece claro. Logo, ou não se monetariza, ou o valor deve ser revertido para o âmbito público”, afirma.
A reportagem tentou contato por telefone e mensagem de texto com a assessoria do presidente do Congresso Nacional, senador Davi Alcolumbre (DEM-AP), mas não teve retorno. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), só deve se manifestar após análise do assunto pela diretoria-geral da Casa.
Integrantes do Ministério Público Federal (MPF) ouvidos reservadamente pelo Estadão apontam que a prática dos parlamentares pode configurar peculato ou improbidade administrativa. Procurada pela reportagem, a Procuradoria-Geral da República (PGR) não se manifestou até a publicação deste texto.
Ministério da Segurança é arma de Bolsonaro para agradar polícias
12 de julho de 2020 | 22h17
BRASÍLIA - O presidente Jair Bolsonaro prepara a recriação do Ministério da Segurança Pública com o objetivo de aproximar ainda mais os policiais militares do seu governo. Parte da categoria reclama por não ter um representante na Esplanada para defender seus interesses, como acontece com evangélicos e militares das Forças Armadas, grupos que também ajudaram a eleger Bolsonaro. O apoio de PMs e bombeiros, que somam 470 mil pessoas na ativa, se mostra importante num momento em que o governo enfrenta manifestações e queda de aprovação.
“Quem fez a campanha (para eleger Bolsonaro) foram os PMs e bombeiros. Na hora de virar chefe, viraram (ministros) os comandantes das Forças Armadas”, afirmou o líder do PSL no Senado, Major Olimpio (SP), defensor de pautas policiais no Legislativo, entusiasta da recriação da pasta e ex-aliado de Bolsonaro.
Representantes da categoria avaliam que a volta da pasta da Segurança, e a eventual indicação de um nome ligado à área, pode ajudar a intensificar o apoio de PMs ao presidente. Alegam que o setor é mais numeroso que as Forças Armadas, que têm 360 mil homens e três oficiais no primeiro escalão: Walter Braga Netto (Casa Civil), Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional) e Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo).
O BRASIL VAI DEIXAR AS PESSOAS MORREREM?
DENIS RUSSO BURGIERMAN / ÉPOCA
A saúde no Brasil não é uma maravilha, nem nunca foi. Mas andou fazendo progressos. Trinta e poucos anos atrás, os deputados constituintes reunidos em Brasília resolveram cometer a ousadia de garantir a todos os brasileiros o acesso à saúde. Muita gente nem sabe disso, mas, antes de 1988, só havia dois jeitos de obter tratamento médico: pagando caro por ele ou recebendo caridade, talvez de uma instituição da Igreja, como a Santa Casa.
A nova Constituição de 1988 foi direta e clara: saúde passou a ser não só direito de todos, mas também dever do Estado. Haveria no país um sistema público, gratuito e universal de saúde, como em quase todos os países desenvolvidos do mundo (os EUA são a exceção notável), garantindo que dinheiro não seria necessário para evitar que alguém seja abandonado para morrer sem atendimento. Nascia do nada, com uma promessa no papel, o SUS, Sistema Único de Saúde.
E se eu sair dizendo que o SUS é uma das grandes maravilhas da humanidade, sei que não vou convencê-lo. Não é uma maravilha: o SUS tem carência de equipamentos, filas monstruosas, que em algumas especialidades se estendem por anos, leitos de menos, tabelas tão defasadas a ponto de que um médico não ganha muito mais para fazer um procedimento para a rede do que ganharia dirigindo um Uber.
Mas, com todos os seus defeitos, é inegável que o SUS diminuiu a barbárie deste país. Isso é evidente nos números. Da criação do SUS até hoje, a mortalidade infantil caiu incríveis 70%, graças principalmente a um programa barato chamado Saúde da Família: equipes de saúde espalhadas por todo o território nacional, perto da população toda. Essas equipes mal dispõem de equipamento ou medicamento, mas a mera presença de médicos e enfermeiros salvou a vida de milhares de bebês recém-nascidos, que ganharam o direito de crescer e de escapar da miséria.