Afastamento de Lula das eleições municipais não o poupará de eventual derrota da esquerda
Por Malu Gaspar / O GLOBO
Nesta reta final das eleições municipais, com disputas indefinidas e emboladas em capitais cruciais como São Paulo, Belo Horizonte e Fortaleza, não foram poucos os candidatos de partidos de esquerda que batalharam por um vídeo, fala de apoio ou pela presença de Lula num evento de campanha. O presidente da República, porém, frustrou quase todo mundo.
Nas últimas duas semanas, emendou uma viagem internacional atrás da outra e passou mais tempo entre Estados Unidos e México do que no Brasil. Também não deu nenhuma declaração sobre as eleições e foi obrigado a cancelar a live que faria com Guilherme Boulos (PSOL) na noite de ontem por causa da emergência com o avião que o trazia do México.
O resultado é que a única participação de Lula neste sprint final da campanha antes do primeiro turno será um ato com Boulos na Avenida Paulista, no sábado.
Enquanto isso, Jair Bolsonaro tem viajado pelo país num roteiro frenético que chega a contemplar três cidades num único dia, subindo em palanques, gravando vídeos e fazendo lives. Claro que a rotina de Lula tem muito menos espaço que a do antecessor para esse tipo de evento, uma vez que o primeiro tem de governar e o outro não tem outra missão no momento além de pedir voto.
Mas foi o próprio presidente da República quem alimentou a expectativa de que essa fosse uma eleição plebiscitária, ao colocá-la sob a perspectiva de uma batalha ideológica entre os “negacionistas” e o campo democrático comprometido com “melhorar a vida do povo”.
Em nome desse objetivo, Lula forçou o PT a abrir mão de sua conhecida predileção por candidaturas próprias em locais onde aliados de outros partidos tinham mais chances de ganhar as eleições, como São Paulo, Rio de Janeiro, Recife e Salvador.
Em junho e julho, atendeu aos pedidos de sua base e visitou oito capitais, além de várias cidades estratégicas, fazendo inaugurações, dando entrevistas a rádios locais e animando atos de governo para os quais convocou os candidatos que apoiava. Em agosto, ainda fez sessões de fotos para santinhos e gravou vídeos de apoio.
Quando a disputa começou a esquentar, porém, Lula deixou a campanha de lado e se concentrou no governo. Oficialmente, ninguém dirá que foi essa a razão do recuo, mas ele coincidiu com o momento em que a força da direita nas principais capitais foi ficando mais evidente.
Bolsonarismo na dianteira
Segundo um levantamento da Folha de S.Paulo, os candidatos de Bolsonaro estão na liderança das pesquisas em 23 das 103 cidades brasileiras com mais de 200 mil eleitores, enquanto os de Lula estão na frente em 16.
Bolsonaristas estão na frente em capitais que elegeram Lula em 2022, como Porto Alegre, Aracaju, Salvador ou Fortaleza. Em São Paulo, as pesquisas mostram que Boulos só conseguiu até agora atrair metade dos eleitores do presidente, que ganhou naquele mesmo ano na cidade com 53,5% dos votos. E isso mesmo fazendo uma campanha rica, para a qual o PT contribuiu com R$ 30 milhões.
A esta altura, já está mais ou menos evidente que a direita sairá forte das urnas — e que, apesar das brigas internas e da ameaça representada por Pablo Marçal, o bolsonarismo segue potente. Não se pode dizer o mesmo sobre o lulismo. Isso deveria funcionar como um sinal de alerta para o PT e para o presidente da República.
A História mostra que os resultados das eleições municipais nem sempre revelam o que acontecerá nas presidenciais dois anos depois. Em 2020, o PT perdeu quase cem prefeituras e não conquistou o comando de nenhuma capital pela primeira vez desde a redemocratização, mas ganhou a Presidência em 2022.
Ainda assim, é sintomático dos desafios de Lula que seus aliados com mais chance de vencer neste ano não sejam petistas e que muitos sejam mais de centro do que propriamente de esquerda.
Ainda que aos trancos e barrancos e a reboque da inelegibilidade de Bolsonaro, a direita tem experimentado o surgimento de novas lideranças, como Tarcísio de Freitas (Republicanos), Michelle Bolsonaro (PL) e até Pablo Marçal.
Em contraste, a esquerda patina, em parte acomodada pela expectativa de uma candidatura de Lula à reeleição em 2026. Num ambiente político tão polarizado como o de hoje, o afastamento do presidente da campanha eleitoral pode fazer a diferença em cidades importantes. E não será suficiente para poupá-lo do ônus de uma eventual derrota da esquerda.
O fator Marçal
Merval Pereira / O GLOBO
A eleição para a Prefeitura de São Paulo está tão estranha que uma eventual ida do candidato Pablo Marçal ao segundo turno poderá abrir “as portas do inferno” no campo da direita. Se for contra o psolista Guilherme Boulos, deverá unir a direita e colocar em situação delicada tanto o ex-presidente Jair Bolsonaro quanto o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, principal apoiador do prefeito Ricardo Nunes.
Vencendo a eleição, Marçal passará a ser o candidato da direita à Presidência da República, queira Bolsonaro ou não. A estratégia do ex-presidente — jogar até o último momento com a esperança de que possa vir a ser absolvido pela Justiça para concorrer à Presidência, como fez Lula em 2018 — irá por água abaixo. A direita já terá seu candidato, que, para chegar à Prefeitura paulistana, terá convencido a maioria dos direitistas de que hoje é ele quem pode derrotar Lula e o PT, não mais Bolsonaro.
Ainda que não vença a eleição — não há sinal definitivo de uma onda “marçalista” nestes próximos dias, só indícios incipientes —, Marçal já é uma pedra no sapato dos Bolsonaros e deverá tentar permanecer como novo líder da direita, mesmo enfrentando diretamente o ex-presidente — o que poderia prejudicar a direita nacional. Sua influência no país todo ainda é pequena, mas há sinais de apoio noutros estados, inclusive no Rio, terra onde nasceu o bolsonarismo.
A escolha de Bolsonaro por Ricardo Nunes, com base na máquina política do prefeito, levou-o a ser visto como mais um político tradicional, que se entregou às negociações envolvendo interesses diversos. Muitos dos liberais e conservadores que apoiam (ou apoiavam?) Bolsonaro hoje acham que Marçal é mais eficaz no desmantelamento da máquina política tradicional. Não que necessariamente gostem de seu jeito de ser, mas admiram seu destemor para combater os “comunistas” que mais uma vez estão no poder, agora representados por Boulos, do PSOL, na corrida à Prefeitura de São Paulo. São semelhantes aos centristas que votaram em Lula para derrotar Bolsonaro em 2022.
Mesmo que achem que ele possa ser corrupto e use truques baixos para enganar seus seguidores, consideram que vale a pena apoiá-lo pela firmeza de suas posições, pela valentia que demonstra ao enfrentar Boulos.
Nunes, em contrapartida, é desprezado por esses eleitores como representante da velha política desonesta e ineficaz. Eles querem derrotar os petistas não por meio da máquina pública, mas com a virulência das atitudes de desmonte dessa máquina por dentro. E Marçal parece ter a coragem para isso, como Bolsonaro parecia em 2018.
Na visão dos bolsonaristas, toda a arquitetura de mudanças promovida por Bolsonaro vem sendo desmontada pelo governo petista, e o trabalho de “destruição criativa” terá de ser retomado num eventual próximo governo direitista. O protagonismo de Marçal nesta campanha eleitoral desmonta a estratégia que vem sendo calculada há tempos em dois campos direitistas.
De um lado, o presidente do PSD, Gilberto Kassab, sempre defendeu que Tarcísio de Freitas se candidate à reeleição ao governo de São Paulo, para disputar a eleição presidencial só em 2030. Seus inimigos dizem que ele quer ser vice, para assumir o governo quando Tarcísio se lançar candidato. Outro lado defende que a direita concorra com um dos governadores: Tarcísio, de São Paulo; Caiado, de Goiás; Zema, de Minas; ou Ratinho Júnior, do Paraná — nessa ordem de preferência. Quem tiver mais condições ganha o apoio dos demais.
O fator Marçal entra nessa equação como um divisor. Todos, hoje, concordam em que apenas Tarcísio tem condições de derrotar Lula. Se o presidente atual não tiver condições de concorrer, porém, a disputa seria mais fácil, pois acreditam que, sem Lula, o PT não tem chance de vencer a direita unida. Isso se a direita se unir em torno de algum candidato.
Se Bolsonaro não se tornar elegível até lá, Marçal pretende se apresentar. Pode ser, porém, que um desses governadores não aceite se submeter a ele, como Tarcísio. Ele disse que, num segundo turno entre Marçal e Boulos, o melhor seria votar nulo.
Eleições municipais paulistanas indicam desgaste das bolhas
Por William Waack / O ESTADÃO DE SP
O primeiro turno da eleição municipal paulistana traz um problema para Lula e Bolsonaro, os donos das duas grandes bolhas. Eles parecem menos influentes do que se supunha.
O cenário mais provável de um segundo turno continua sendo o da polarização “normal” da política brasileira (é considerada pequena a probabilidade de que o candidato da esquerda não chegue lá). Ainda assim permanecerá a sensação de desgaste das duas figuras.
O de Lula é mais evidente até mesmo na sua disposição física de encarar campanhas eleitorais domésticas, diante de um mundo lá fora a ser salvo por ele. A questão central para o petista, porém, é o notável enfado que causam suas ideias antigas e seu apego a um passado que existiu sobretudo na sua própria cabeça.
O desgaste de Bolsonaro é produzido não só pela perspectiva de longas batalhas jurídicas morro acima sem chances de se tornar elegível (talvez escape da cadeia). Ele deixou de ser uma “novidade” na vitrine das surpresas políticas e sua notória dificuldade de se concentrar em eixos claros de atuação política diminuíram consideravelmente sua capacidade de ungir candidatos.
É bastante óbvio que políticos disputando eleições ainda têm de se referir de uma forma ou outra aos donos das grandes bolhas. Mas é muito mais pelo “constrangimento” que tanto Lula quanto Bolsonaro ainda têm capacidade de criar.
Reza a doutrina que “toda política é local”, o que parece ter menos validade quando é imenso o número de eleitores (como São Paulo) e são muito complexos os fatores econômicos e sociais, que refletem e influenciam condições “nacionais”. Nesse sentido, as eleições municipais paulistanas são preocupantes para Lula e Bolsonaro.
Elas sugerem algum grau de dissolução da calcificação das bolhas descritas por analistas e acadêmicos, e calçadas em convincente material empírico. O mais explícito foi o racha na bolha da “direita”, onde ficou claro que Bolsonaro não foi capaz de consagrar um sucessor inconteste. Mas também na esquerda, com o candidato em São Paulo se esforçando para atingir um eleitorado além do tradicional reduto petista, Lula tem se mostrado incapaz.
Há alguns padrões “novos” incorporados na luta política que nem Lula ou Bolsonaro estão sendo capazes de “conduzir”. Em parte são valores como empreendedorismo ou religião que as estratégias políticas de esquerda têm dificuldades de entender e atingir.
Em parte são uma busca por sentido e direção, no campo de centro direita, que não se enxerga no bolsonarismo ou mesmo o repele abertamente. É muito difícil prever como esses padrões impactarão as eleições de 2026, mas o que acontece em São Paulo indica que serão diferentes do que se pensava ainda no ano passado.
Marçal prepara ofensiva digital, e campanha de Nunes acende alerta para reta final sem rádio e TV
Por Bianca Gomes e Pedro Augusto Figueiredo / O ESTADÃO DE SP
O influenciador Pablo Marçal (PRTB) está preparando uma ofensiva digital para alavancar sua candidatura na reta final da campanha à Prefeitura de São Paulo. O movimento será deflagrado a partir de sexta-feira, 4, quando a propaganda no rádio e televisão terá acabado e o impulsionamento de publicações nas redes sociais estará proibido.
A equipe de Ricardo Nunes (MDB) está em alerta com os três últimos dias da campanha sem a propaganda na TV e no rádio. Para aliados do emedebista ouvidos pelo Estadão, o prefeito conseguiu sustentar seu desempenho nas pesquisas graças à força do horário eleitoral gratuito, onde detém o maior tempo de exposição entre todos os candidatos.
A preocupação cresce diante do desempenho tímido de Nunes no ambiente digital e da forte presença de Marçal nas redes sociais. Aliados do prefeito avaliam que a campanha demorou a investir no ambiente online e não conseguiu se estruturar para enfrentar o domínio digital de Marçal, ficando em desvantagem nos últimos dias da campanha.
A campanha de Nunes esperava que o prefeito chegasse às vésperas da eleição com uma vantagem de 10 pontos sobre os adversários, o que permitiria alguma desidratação na reta final sem comprometer a sua liderança. No entanto, esse cenário não se concretizou. Na pesquisa Quaest divulgada nesta segunda-feira, o prefeito aparece com 24% das intenções de voto, contra 23% do deputado federal Guilherme Boulos (PSOL) e 21% de Marçal. Como a margem de erro do levantamento é de dois pontos porcentuais para mais ou para menos, os três estão tecnicamente empatados.
Marçal quer criar ‘movimento’ de apoio
Nos últimos dias, Marçal tem focado na gravação de vídeos com seus candidatos à Câmara Municipal e em conteúdos exclusivos para suas redes sociais, que começarão a ser publicados a partir de sexta-feira, 4, um dia depois do fim do horário eleitoral gratuito.
“A campanha eleitoral que não gera paixão no eleitor, quando acaba o combustível de rádio, TV e impulsionamento, aí acabou o resto”, disse Marçal em uma entrevista coletiva na terça-feira, 1º, comemorando que a “pancadaria” contra ele vai cessar. “Escreve lá: Marçal está feliz que acabou o programa eleitoral gratuito. De quinta-feira para frente é comigo. Eles não têm mais o que fazer. Eles não dão conta de fazer o que eu faço”, acrescentou ele.
Um aliado afirma que Marçal adotará um tom mais propositivo e destacará a equipe que pretende levar para a administração municipal, caso seja eleito, buscando reduzir sua rejeição e se reposicionar como gestor após as polêmicas que marcaram sua campanha.
Uma preocupação é melhorar sua imagem perante ao eleitorado feminino. Depois de dizer que “mulher não vota em mulher, mulher é inteligente” em um embate com Tabata Amaral (PSB) no debate de segunda-feira, 30 , ele afirmou no dia seguinte que seu secretariado pode ter maioria feminina porque mulheres são “mais competentes e biologicamente mais inteligentes”.
Marçal convocou a coletiva de imprensa para anunciar duas integrantes de sua eventual equipe: a economista Selene Peres Nunes, ex-secretária no governo de Ronaldo Caiado (União) em Goiás, comandaria a Secretaria de Gestão e Responsabilidade Fiscal e a ex-jogadora de vôlei, Patrícia Borges (União), a Secretaria de Esportes — ela é candidata a vereadora em São José dos Campos (SP).
Outros três secretários já haviam sido anunciados na semana passada. Marcos Cintra, secretário da Receita Federal no governo Jair Bolsonaro (PL), foi escolhido para responder pela Secretaria da Fazenda e o médico Wilson Pollara para ser secretário de Saúde, posto que já ocupou na gestão João Doria, em um eventual governo Marçal.
Filipe Sabará, outro ex-secretário de Doria e coordenador da campanha de Marçal, também integraria um eventual secretariado do ex-coach, mas seu cargo não foi anunciado. “O [Ricardo] Salles seria um grande nome para ser secretário. Estou pensando em convidá-lo”, disse o candidato do PRTB, em aceno à base bolsonarista que queria o ex-ministro do Meio Ambiente como candidato a prefeito de São Paulo.
Salles organizou um jantar em sua casa na noite de terça-feira com empresários interessados em conhecer Marçal e declarou apoio ao candidato do PRTB.
Marçal não revela detalhes sobre o conteúdo das publicações, mas indica que usará suas redes para criar um movimento de apoio à sua candidatura nos últimos dias antes da votação. Na visão dele, a estratégia não teria como ser contida por Nunes e outros adversários porque eles não têm a mesma força na internet e nem poderiam gastar dinheiro para aumentar o alcance das próprias publicações.
O candidato do PRTB afirmou que, se o horário eleitoral e o impulsionamento acabassem no sábado, não haveria “pressão” para chegar ao segundo turno. No entanto, acredita que sexta e sábado são suficientes “para o ar abrir na cidade de São Paulo”.
Nunes mantém aposta em Tarcísio, voto útil e gestão
Faltando poucos dias para o primeiro turno, Nunes mantém a aposta no discurso do voto útil, argumentando que apenas ele é capaz de derrotar Guilherme Boulos em um eventual segundo turno.
A campanha do prefeito dobrou a aposta no apoio de Tarcísio nesta reta final. O governador tem aparecido no horário eleitoral do prefeito justamente reforçando o discurso do voto útil. Em uma das peças veiculadas nesta quarta-feira, ele diz que “quem vota no Marçal está ajudando o Boulos”. Paralelamente, Nunes intensificou a distribuição de materiais em diferentes bairros da cidade, detalhando as obras e entregas de sua gestão em cada região.
Nos últimos dias, o prefeito ainda endureceu o discurso contra Marçal, explorando, na TV e no rádio, a condenação do candidato por envolvimento com organização que aplicava golpes em contas bancárias, além de declarações polêmicas dele sobre mulheres, incluindo uma fala no último debate sobre mulher não votar em mulher porque é “inteligente”.
Aliados de Nunes pressionavam para que ele também subisse o tom contra Boulos, que tem explorado em debates e em inserções no rádio o boletim de ocorrência que a esposa do prefeito registrou contra o marido o acusando de violência doméstica e outros episódios envolvendo a mulher do mandatário.
Nesta quarta-feira, Boulos divulgou uma nova peça de campanha no rádio, incentivando o eleitorado a buscar no Google “Ricardo Nunes esposa PCC”. Quando questionado pela imprensa, Nunes nega ter agredido a esposa, mas tem resistido a abordar temas familiares na campanha.
Eleições 2024: o que prefeitos podem fazer de fato pela segurança pública?
Thais Carrança / FOLHA DE SP
Às vésperas das eleições municipais de 2024, a segurança pública é apontada como principal problema da cidade por moradores de sete das dez capitais mais populosas do Brasil, segundo pesquisas eleitorais realizadas pela Quaest em agosto.
Neste cenário, o tema ganhou centralidade no debate eleitoral, embora a possibilidade de atuação de prefeitos e vereadores no combate à criminalidade seja limitada pelas atribuições que cabem aos municípios, segundo a Constituição brasileira.
Mas o que de fato os prefeitos podem fazer pela segurança da população nas cidades?
E quais exemplos podem servir de inspiração para os mandatos municipais que se iniciam em 1º de janeiro de 2025?
Por que segurança está no topo das preocupações
A segurança pública e a criminalidade estão no topo das preocupações dos eleitores em um momento em que o país registra taxa de homicídios em queda desde 2017 - ano em que o indicador bateu recorde em meio à guerra de facções, com o avanço do Primeiro Comando da Capital (PCC) e Comando Vermelho (CV) para as regiões Norte e Nordeste.
Para Melina Risso, diretora de pesquisa do Instituto Igarapé, um centro de estudos de segurança pública, apesar dessa aparente contradição, é preciso considerar que a população está submetida a diferentes tipos de violência.
Um exemplo é o roubo de celular, um crime muito prevalente atualmente nas grandes cidades.
Praticamente um em cada dez brasileiros (9,2%) teve o celular roubado no período de 12 meses entre julho de 2023 e junho deste ano, segundo pesquisa do instituto Datafolha.
A incidência do crime é maior nas capitais (15%), do que no interior (6%), segundo o levantamento encomendado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
"Não é só a taxa de homicídio, mas uma experiência de diferentes tipos de violência que são muito presentes na vida das pessoas", diz Risso, que é coautora de "Segurança Pública para Virar o Jogo" (Zahar, 2018). "Esse é um elemento muito importante para formar essa percepção [em relação à violência]."
A especialista destaca ainda que crimes como roubo são mais frequentes do que mostram os dados oficiais, porque muitas vítimas não os denunciam às autoridades competentes.
Por exemplo, a pesquisa do Datafolha indica que 14,7 milhões de brasileiros tiveram seus celulares roubados durante o período pesquisado, mais de 14 vezes o registrado em boletins de ocorrência.
"O dado que vemos nas estatísticas oficiais é só uma parte do que realmente acontece da experiência das pessoas", afirma Risso.
Para Ricardo Balestreri, coordenador do Núcleo de Urbanismo Social e Segurança Pública do Insper, há um sentimento "intuitivo" em parte da população de que, sem segurança pública, não é possível ter os demais direitos do cidadão respeitados.
"Não há direito pleno de ir e vir para a maioria dos moradores de territórios populares constrangidos pelo crime, de empreender livremente, de ter acesso à educação, de garantia da longevidade para os jovens, de garantia para os pais de que vão voltar para casa e encontrar seus filhos", exemplifica Balestreri, que foi secretário Nacional de Segurança Pública (2008-2010) e de Segurança Pública e Administração Penitenciária de Goiás (2017-2018).
"A população vive tudo isso no seu dia a dia, então, a insegurança pública tem o poder de interditar o respeito aos demais direitos humanos, em momento em que, lamentavelmente, grande parte da população brasileira vive em territórios dominados ou com a presença de atividades criminais."
A pesquisa Datafolha mostrou, por exemplo, que 14% dos brasileiros dizem sofrer com a presença de facções criminosas ou milícias em suas vizinhanças. Em capitais, o percentual chega a 20%.
O que cabe aos municípios na segurança pública
A Constituição estabelece no Artigo 144 que a segurança pública é um "dever do Estado" e "direito e responsabilidade de todos".
Mas, na prática, as maiores atribuições de combate à criminalidade cabem aos Estados, responsáveis pelas polícias Civil e Militar.
Conforme o texto constitucional, as atribuições de União, Estados e municípios com relação à segurança pública são as seguintes:
- União: controla a Polícia Federal e a Polícia Rodoviária Federal, sendo responsável pelo policiamento das fronteiras, das rodovias federais e pelo combate ao tráfico internacional e interestadual de drogas;
- Estados e Distrito Federal: controlam as polícias Civil e Militar, sendo responsáveis pelo policiamento ostensivo (que inclui a manutenção da ordem pública, repressão de crimes, zelo pelo respeito dos indivíduos às leis, entre outras medidas) e pela investigação de crimes comuns;
- Municípios: podem desenvolver ações de prevenção à violência, por meio, por exemplo, da instalação de iluminação e câmeras. E criar guardas municipais —historicamente, estas guarnições tinham como atribuição a proteção de patrimônio, mas uma decisão recente do Supremo Tribunal Federal (STF) reforçou o papel das guardas na segurança dos cidadãos.
"Hoje, quando olhamos o sentido geral de segurança pública, ele está muito concentrado no momento posterior ao crime", diz Risso.
"Nas polícias, no sistema de justiça criminal, no sistema penitenciário, que atuam depois que a situação de violência ou de crime aconteceu."
A especialista observa, porém, que a questão da segurança pública é mais ampla, envolvendo também as causas da violência, o que está relacionado à vulnerabilidade social e individual, à percepção de aplicação da lei, entre outros fatores.
"É aí que o município tem um papel enorme, que vai desde o ordenamento urbano, passando por políticas que reduzem a chance das pessoas serem vítimas de violência, por políticas públicas como o investimento na primeira infância, o processo educacional", enumera Risso.
"São políticas diversas que criam fatores de proteção para que as pessoas não sejam expostas à situação de violência."
Ela cita ainda outras intervenções em áreas urbanas, como a iluminação, a circulação de pessoas determinada pelo organização da cidade, além da regulamentação da questão fundiária e imobiliária (utilizadas pelo crime organizado em áreas onde esses grupos atuam por meio do controle territorial).
"É preciso que os municípios construam políticas municipais de segurança para além das guardas municipais e que têm relação com práticas de urbanismo social", diz Balestreri, do Insper.
O urbanismo social é uma estratégia de intervenção urbana e de políticas públicas que visa o desenvolvimento local de regiões de alta vulnerabilidade social, a partir de políticas intersetoriais, construídas pelo poder público, em parceria com entidades da sociedade civil e a população local.
"É preciso criar equipamentos públicos e oportunidades de inclusão social para todas as pessoas, para cortar na raiz o problema da insegurança pública", diz o ex-secretário.
Segundo Balestreri, o problema da insegurança no Brasil é tão grave porque há décadas o país prioriza a repressão sem dar devida atenção à inclusão, fundamental em país tão desigual, onde há um "exército" de pessoas sem oportunidades.
"É um Estado que se ausentou da vida dos mais pobres, em um país que herdou uma ideologia de casa grande e senzala. Nos livramos da escravatura, mas não do escravismo, que está internalizado na cultura da gestão pública, com raras e honrosas exceções. Temos um país que administra para a casa grande e que contém a senzala. Essa é a lógica."
Urbanismo e segurança
Quando questionados sobre exemplos bem-sucedidos de ação de municípios brasileiros na segurança pública, os dois especialistas citam os Centros Comunitários da Paz (Compaz) do Recife.
Com a primeira unidade inaugurada em 2016, são hoje cinco complexos em operação na capital pernambucana, que oferecem serviços diversos à comunidade, como cursos de capacitação, orientação jurídica, assistência social, além de aulas de artes e esportes.
A inspiração veio da estratégia de segurança pública baseada em urbanismo social de Medellín, na Colômbia, cidade conhecida por ter passado do domínio do narcotráfico a exemplo de revitalização urbana.
Na segunda maior metrópole colombiana, a taxa de homicídios, que beirava 200 mortes por 100 mil habitantes em meados dos anos 1990, caiu para menos de 15 em 2023.
"Aplicamos o Projeto Urbano Integrado (PUI) de Medellín, buscando implantar os eixos voltados para a primeira infância, empreendedorismo, esporte e lazer, convivência cidadã, policiamento comunitário, justiça, direitos, cultura, educação e saúde preventiva", disse Murilo Cavalcanti, ex-secretário de Segurança Cidadã do Recife e formulador dos Compaz, em palestra recente.
Nesta mesma direção, de criação de locais de convivência, lazer e concentração de serviços, Balestreri cita ainda as Usinas de Paz do Pará (uma política estadual, com unidades na Região Metropolitana de Belém, e no sudeste do Estado); e, em São Paulo, a transformação dos Centros Educacionais Unificados (CEUs) em locais onde são prestados serviços comunitários mais amplos.
Na atuação da guarda metropolitana, sob a ótica da prevenção, Risso dá como o exemplo do Centro Integrado de Operações de Belo Horizonte (COP-BH).
"O centro de operações faz um trabalho muito interessante para orientar a ação da guarda, olhando para questões de convivência na cidade, que não são necessariamente o foco da polícia, como, por exemplo, a questão de furto de cabos, que tem um impacto imenso na vida das cidades, ao afetar semáforos e a iluminação", exemplifica Risso.
A especialista lembra ainda que guardas municipais de diferentes cidades têm feito um trabalho importante de proteção às mulheres vítimas de violência, por meio das chamadas Patrulhas Maria da Penha —ações coordenadas de equipes que fazem visitas de rotina às mulheres que estão sob medidas protetivas contra agressores.
Risso cita ainda o exemplo do Pacto Pelotas pela Paz, programa de prevenção à violência que levou a uma queda de 9% nos homicídios e de 7% nos roubos no município gaúcho, entre agosto de 2017 e dezembro de 2021, segundo estudo publicado na revista The Lancet Regional Health Americas.
Levantamento recente da própria Prefeitura de Pelotas, feito com outra metodologia, identificou resultados ainda mais expressivos, com quedas nos crimes violentos letais intencionais (-60%), nos roubos a transporte público (-75%), roubos de veículos (-91%), furtos de veículos (-79%), roubos a pedestre (-82%) e roubos a estabelecimentos comerciais (-78%), entre 2017 e 2024.
O projeto mistura iniciativas de urbanismo, policiamento e educação, com uma atuação também forte na ressocialização de detentos.
"Ao trabalhar com segurança pública, não há 'bala de prata'. É preciso trabalhar com um conjunto de medidas, com muita clareza de onde o município pode atuar", diz Risso.
"O que temos visto nessas eleições são muitos candidatos propondo ações que não são da competência do município."