Prefeitos se reelegem em 10 capitais, mas sofrem derrotas expressivas em Teresina, Belém e Fortaleza
Fernanda Brigatti / FOLHA DE SP
Dez prefeitos de capitais brasileiras já garantiram suas reeleições no primeiro turno neste domingo (6). Em alguns casos, a decisão era esperada desde o início da campanha eleitoral, quando foram divulgadas as primeiras pesquisas de intenções de votos.
Foi o caso de Recife, onde João Campos (PSB) confirmou o favoritismo ao fechar o primeiro turno com 78,1% dos votos válidos. Era também o esperado de Bruno Reis (União Brasil), reeleito para a Prefeitura de Salvador com 78,7% dos votos válidos.
O melhor resultado entre os reeleitos no primeiro turno coube ao prefeito de Macapá, Dr. Furlan (MDB), que recebeu 85,1% dos votos neste domingo. Em 2020, ele havia derrotado Josiel Alcolumbre (União Brasil), irmão e suplente do senador Davi Alcolumbre (União Brasil).
Em Maceió, João Henrique Caldas, conhecido pelas iniciais JHC (PL), se reelegeu com 83,25% dos votos. Ele teve como principal aliado o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP).
No Rio, Eduardo Paes (PSD) ficou à frente nas pesquisas durante toda a campanha. Na reta final, porém, o bolsonarista Alexandre Ramagem (PL) ensaiou uma melhora de desempenho.
Neste domingo, porém, o candidato da família Bolsonaro não emplacou lugar no segundo turno. Paes ficou com 60,5% dos votos.
Também do PSD, foram reeleitos os prefeitos de Florianópolis, Topázio Neto, e de São Luís, Eduardo Braide. Com a vitória neste domingo, com 70,1% dos votos, o maranhense se consolida como a principal liderança de oposição ao governador do estado, Carlos Brandão (PSB).
Em Santa Catarina, o prefeito do partido do ex-prefeito de São Paulo Gilberto Kassab deixou para trás outros sete candidatos.
O resultado –Topázio teve 58,5% dos votos– é visto como uma vitória do grupo do governador Jorginho Mello (PL). Ele assumiu a Prefeitura de Florianópolis em 2022, quando Gean Loureiro (União Brasil) renunciou para concorrer ao governo estadual.
Lorenzo Pazolini (Republicanos) se reelegeu em Vitória (ES) com 56,2% dos votos em uma campanha dita neutra, durante a qual não teve apoio nem do presidente Lula (PT), nem do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), os dois maiores cabos eleitorais na disputa de 2024.
Em Rio Branco (AC), venceu o candidato bolsonarista, o prefeito Tião Bocalom (PL), com 54,8% dos votos. Em Boa Vista, a reeleição de Arthur Henrique (MDB), com 75,2% dos votos, também teve o apoio do ex-presidente.
Entre os prefeitos que não chegaram ao segundo turno, as derrotas em Belém, Teresina e Goiânia eram previstas.
A capital do Pará é a única administrada pelo PSOL de Edmilson Rodrigues, que governa o município pela terceira vez. Ele é mal avaliado e sua rejeição chegou a respingar na campanha de Guilherme Boulos (PSOL) em São Paulo, onde o novato Pablo Marçal (PRTB) usava a gestão em Belém para provocar o adversário.
Neste domingo, Edmilson ficou em terceiro lugar, com 9,8% dos votos. O segundo turno será entre Igor Normando (MDB) e o delegado Éder Mauro (PL).
Em Teresina, o atual prefeito José Pessoa Leal, o Dr. Pessoa (PRD), terminou a disputa em terceiro lugar, com apenas 2,2% dos votos válidos. Em agosto, o candidato à reeleição agrediu com uma cabeçada o candidato do PSOL, Francinaldo Leão, durante debate da Band.
Na capital do Piauí, a decisão saiu já no primeiro turno, com a vitória de Silvio Mendes (União Brasil). Ele foi prefeito do município de 2005 a 2012 e neste terceiro mandato foi eleito com 52,2% dos votos.
Em Goiânia, o atual prefeito, Rogério Cruz (Solidariedade), terminou o primeiro turno apenas em sexto lugar, com 3,1% dos votos válidos. Sua derrota já era esperada diante da alta rejeição a seu mandato. Ele assumiu o posto em 2021, depois da morte de Maguito Vilela (MDB), em decorrência da Covid.
Em Belo Horizonte, Campo Grande, Manaus, Porto Alegre, João Pessoa e São Paulo, os atuais prefeitos disputarão um novo mandato no segundo turno, realizado em 27 de outubro.
Os resultados de João Pessoa e Manaus foram duas surpresas entre os resultados na capitais. Na capital do Amazonas, o capitão Alberto Neto (PL) disputará com o atual prefeito David Almeida (Avante) a preferência do eleitorado.
Em João Pessoa, o favorito era também o atual prefeito, Cícero Lucena (PP), que enfrentará Marcelo Queiroga (PL), ex-ministro da Saúde de Bolsonaro durante a pandemia.
Votação revela consolidação da direita nas eleições municipais brasileiras
Lara Mesquita / FOLHA DE SP
A disputa em São Paulo destaca um fenômeno que se repete em todo o país: o crescimento da direita e da centro-direita. É nítida a evolução do desempenho desses partidos, que, conjuntamente, elegeram mais de 3.200 prefeitos, segundo os resultados preliminares do primeiro turno, relativos a 5.555 dos 5.568 municípios do país.
A estratégia do presidente do PSD, Gilberto Kassab, de atrair para a legenda prefeitos em exercício parece ter dado resultado. O partido ultrapassou o MDB e o PP, tornando-se a legenda com o maior número de prefeitos eleitos no país.
PSD e MDB, atualmente os partidos mais adaptáveis ao governo de ocasião, registraram os melhores desempenhos nas urnas neste domingo, com 888 e 861 prefeitos eleitos no país, uma vantagem de mais de cem prefeituras conquistadas em relação ao PP (752), partido que se esperava que colhesse os frutos das emendas parlamentares ao orçamento na era Lira, figura de maior destaque da legenda atualmente.
União Brasil e PL também aparecem entre os mais bem posicionados em relação à quantidade de prefeituras conquistadas neste primeiro turno (589 e 523, respectivamente). O União Brasil, fruto da fusão entre PSL e DEM, registrou um crescimento tímido se comparado à soma das duas legendas em 2020.
O PL, de Valdemar da Costa Neto, embora seja apenas o quinto da lista e tenha sofrido uma derrota notável no Rio de Janeiro, disputará o segundo turno em 9 das 15 capitais que definirão seus novos governantes no final do mês. Se for bem-sucedido, o partido poderá se tornar a legenda que governa o maior número de grandes cidades do país.
No entanto, o grande destaque parece ser o Republicanos, partido que completa o grupo dos partidos de direita, ou do chamado centrão. A legenda mais que dobrou o número de cidades que irá administrar no próximo quadriênio, passando de 212 para 439, consolidando uma estratégia de crescimento orgânico e sustentável, já observada em 2020. Parece que o partido está se preparando para, em breve, assumir o papel de principal representante eleitoral da direita.
PSB, com 311 prefeituras, e PT (251) obtiveram os melhores desempenhos entre os partidos de esquerda, seguidos pelo PDT (151). Enquanto o Partido Socialista Brasileiro e o Partido dos Trabalhadores cresceram em comparação com 2020, os herdeiros do brizolismo encolheram, perdendo mais da metade das prefeituras conquistadas em 2020.
De maneira geral, as forças de esquerda ficaram longe de alcançar os adversários de centro-direita. O PT ficou atrás até mesmo do moribundo PSDB, que alcançou 273 prefeituras, mas não elegeu nem disputará o segundo turno em nenhuma capital em 2024. Para completar, os tucanos conseguiram a façanha de, pela primeira vez desde sua fundação, não eleger um único vereador na capital paulista.
Antes de encerrar, dois comentários sobre a disputa para a Câmara Municipal da cidade de São Paulo:
Embora o PRTB de Pablo Marçal tenha ficado muito próximo de disputar o segundo turno, o partido não elegeu um único vereador. Curiosamente, obteve aproximadamente o mesmo número de votos nominais e de legenda, o que é notável.
Os dois candidatos mais votados na cidade foram influenciadores digitais filiados a partidos de direita. Lucas Pavanato, do PL, conquistou mais de 160 mil votos, muito acima dos cerca de 36 mil que obteve quando tentou uma vaga na Assembleia Legislativa em 2022. Ana Carolina Oliveira, que ganhou notoriedade após a trágica morte de sua filha Isabella Nardoni, concorreu pelo Podemos e recebeu quase 130 mil votos.
Eleição indica Marçal como ameaça a Bolsonaro e revela decepção com Lula, diz especialista
Por Bianca Gomes / O ESTADÃO DE SP
A eleição em São Paulo, que termina com uma acirrada disputa entre três candidatos por duas vagas no segundo turno, reflete cenários nacionais que indicam enfraquecimento das duas principais lideranças do País: o ex-presidente Jair Bolsonaro e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Enquanto o petista não funcionou como cabo eleitoral, Bolsonaro enfrenta uma clara ameaça com o fortalecimento de Pablo Marçal, que disputa palmo a palmo a eleição com Guilherme Boulos (PSOL) e Ricardo Nunes (MDB). As avaliações são do cientista político Renato Dorgan, CEO do instituto Travessia.
Em entrevista ao Estadão, ele diz que Marçal, mais do que Bolsonaro, representa uma direita internacional que ascendeu nos últimos anos, como Donald Trump e Javier Milei, diz que houve um anticlímax em relação a Lula após a eleição de 2022. Na conversa, ele analisa as mudanças trazidas pela disputa de 2024 na capital paulista.
Qual avaliação faz sobre a eleição municipal em São Paulo?
Foi uma eleição conturbada, marcada por poucas propostas e uma discussão limitada sobre os problemas complexos da cidade. O foco ficou muito mais nas ações da gestão Nunes do que nas novas propostas dos outros candidatos. Também foi uma eleição dominada pelo marketing de redes sociais. É importante notar que o Twitter, agora chamado de X, acabou no meio do processo eleitoral, e ele era o principal palco de brigas e discussões, enquanto que a construção e desconstrução de candidaturas se dava muito mais no Instagram e no Facebook. O fim do X fez com que a disputa entre os candidatos migrasse para os debates, que recuperaram sua importância e se firmaram como um espaço de confronto.
O que mudou em relação ao uso das redes sociais pelas campanhas?
A linguagem do marketing político se tornou muito rápida e superficial, com mensagens curtas que empobrecem a discussão política. Isso nos leva de volta ao ponto que discutimos: há poucas propostas. Na minha opinião, o marketing político, ao tentar se adequar a essa nova era, se torna mais pobre a cada eleição.
Vê alguma mudança para as próximas eleições?
Na disputa deste ano, os programas de televisão tiveram muito menos relevância do que no passado. Embora muitos analistas digam que Nunes se consolidou a partir de sua aparição na TV, isso já não parece ser suficiente para definir a eleição.
No início da eleição, havia uma expectativa de que teríamos um terceiro turno entre Lula e Bolsonaro. No entanto, isso não se concretizou. Por quê?
Sempre fui cético em relação à polarização nas eleições municipais, pois, nos últimos anos, as pesquisas qualitativas mostraram que Bolsonaro e Lula não são os “superstars” que muitos acreditam. A eleição de 2022 teve quatro tipos de eleitores: os apoiadores de Lula, os de Bolsonaro, os anti-Lula e os anti-Bolsonaro. Embora tenham força eleitoral, ambos enfrentam alta rejeição, e muitos eleitores saíram traumatizados de 2022. Por um lado, houve um anticlímax em relação a Lula. O discurso de que tudo iria melhorar se desfez este ano, com a queda do poder de compra, gerando uma certa decepção.
No caso de Bolsonaro, sua ausência no pós-eleição e os desgastes causados pelas irregularidades que surgiram no primeiro semestre de 2023 provocaram frustração, especialmente entre os mais radicais. A expectativa de que eles seriam cabos eleitorais decisivos não se concretizou. A influência de Lula e Bolsonaro é determinante em eleições que chegam empatadas. No entanto, na maioria das cidades médias e pequenas do Brasil, a discussão central gira em torno do desempenho da prefeitura: se ela está indo bem ou mal.
Qual tema resume a eleição em São Paulo?
No início, parecia que o foco seria a segurança. Mas surgiu um novo elemento: Pablo Marçal. Ele foi o tema da eleição.
O que explica o fenômeno Marçal e qual sua diferença para o Bolsonaro?
Bolsonaro nada mais é do que a reedição da direita brasileira até os anos 1980. É o que sobrou da ARENA. Ele representa o conservadorismo clássico brasileiro. Não é nada de novo; é apenas uma figura desenterrada do passado. Já o Marçal está realmente conectado com o fenômeno da direita internacional. O Bolsonaro foi uma solução analógica da direita. O Marçal, não. Marçal é o Movimento 5 Estrelas, é Javier Milei, Donald Trump. Trump é um verdadeiro outsider, um milionário do entretenimento, não alguém da política tradicional, como Bolsonaro. Com Marçal, agora, sim, o que está acontecendo lá fora chegou ao Brasil.
Você vê diferenças nos públicos de Bolsonaro e Marçal?
Nas pesquisas qualitativas, percebo que a população LGBT e as pessoas negras não nutrem tanta raiva de Marçal quanto de Bolsonaro. Marçal flutua na pobreza, atrai jovens de classe D que o enxergam como alguém que veio de baixo, superou dificuldades e venceu. O Marçal encarna o sonho brasileiro como o Trump é o sonho americano.
Podemos considerar o Marçal um representante genuíno da direita?
Ele representa a direita internacional. E essa direita não é militarizada. Marçal não menciona a ideia de golpe militar, embora essa noção esteja presente ao seu redor. Ele é um anarcocapitalista, alguém que reconhece os problemas do capitalismo, mas defende o “se adapte a ele e combata os sujos”. É muito mais parecido com Jânio Quadros; é um vendedor de sonhos e ilusões.
Marçal é uma ameaça ao Bolsonaro?
É uma ameaça total ao Bolsonaro. Jovens como Nikolas Ferreira, André Fernandes (candidato à prefeitura de Fortaleza) e Abílio Brunini (candidato a prefeito em Cuiabá) não seguem o estilo de Bolsonaro, mas sim o anarcocapitalismo, como Marçal. Nikolas, por exemplo, se assemelha mais a Marçal do que a Bolsonaro, o que facilita a aglutinação dessa nova geração em torno dele.
O que esperar para o segundo turno?
O Marçal enfrenta o problema da rejeição, tornando o segundo turno uma grande dificuldade para ele. Se for contra o Nunes, é uma eleição praticamente perdida para o Marçal. Com Boulos, a discussão de 2022 será reaberta e não sabemos o que pode acontecer. Acredito que tanto Bolsonaro quanto Lula estão em queda, o que transforma essa eleição em um cenário aberto, onde qualquer um dos dois pode sair vitorioso. Um segundo turno Boulos e Marçal será uma nova eleição.
Como você avalia o desempenho de Boulos nesta eleição? E por que ele não conseguiu conquistar a hegemonia na periferia mesmo com apoio do Lula?
Boulos construiu sua estratégia em torno do enfrentamento com Nunes, mas não contava com a entrada de Marçal. Antes de Marçal surgir, Boulos pretendia se posicionar como o candidato capaz de resolver os problemas da cidade. Mas a chegada de Marçal empurrou Boulos para a bolha da esquerda, deixando a campanha dele sem um rumo claro. Sobre a adesão na periferia, a Marta Suplicy tem a sua forçfs regiões. Se a eleição fosse em 2023, Boulos poderia teria um resultado melhor, porque o custo de vida havia caído naquele momento. Mas como o Brasil caiu economicamente, e as pessoas, na ponta, não estão sentindo uma melhora nas suas vidas, o Lula não funcionou tão bem como cabo eleitoral.
Nunes, com a máquina na mão e a maior coligação, não deveria chegar melhor na eleição?
Em primeiro lugar, Nunes não foi eleito diretamente; quem ganhou foi Covas. Isso fez com que Nunes precisasse se tornar conhecido. Depois, teve que convencer os eleitores de que estava realizando um bom trabalho. Além disso, há um problema de imagem: o carisma de Nunes não se alinha com o que as pessoas buscam atualmente. Seu carisma é mais voltado para o perfil de articulador, típico da política de 20 anos atrás, muito semelhante ao Kassab. Ele tem um problema de imagem. Dificilmente ele vai conseguir emocionar as pessoas. Ele é o candidato do pragmatismo, uma opção para o eleitor que busca segurança.
Disputa em SP espelha multiplicação da direita e dá chance de redenção à esquerda
Bruno Boghossian / FOLHA DE SP
As eleições municipais nos grandes centros deram à direita uma demonstração de vigor num momento em que esse campo parecia ameaçado por uma fratura. A divisão ocorreu, mas havia eleitores suficientes dispostos a comprar mais de um produto do mesmo grupo.
A disputa em São Paulo, em alguma medida, foi a amostra mais vistosa de um fenômeno que marcou corridas em outras capitais e grandes municípios. Em determinadas praças, o bolsonarismo oficial foi às urnas com personagens radicais e foi desafiado por candidatos de direita com embalagens moderadas. Em outros casos, o contrário ocorreu.
A capital paulista deu espaço para só uma dessas opções no segundo turno, não sem deixar claro que personagens com o embrulho da direita poderiam ser a escolha de quase 60% dos eleitores.
O quadro da disputa exibiu uma consolidação da direita como preferência majoritária ou prioritária do eleitorado em importantes centros urbanos, que concentram populações expressivas e, em muitos casos, servem de motores regionais para grupos políticos.
Em cidades com DNA claramente conservador, o desenho apareceu de forma ainda mais nítida. Goiânia e Curitiba, por exemplo, terão segundos turnos formados exclusivamente por candidatos de direita. Bolsonaro estará com os mais radicais.
A experiência da divisão interna oferece à direita algumas vantagens e um punhado de dilemas. A diversificação de candidaturas deu ao grupo, por exemplo, a oportunidade de renovar algumas lideranças –como no caso de Fortaleza, onde o bolsonarista de primeira geração Capitão Wagner (União Brasil) foi substituído por André Fernandes (PL).As fraturas ficaram expostas, e o comportamento dos líderes políticos ainda vai determinar como se dará a calcificação desse esqueleto.
O susto provocado por Pablo Marçal (PRTB) e o sucesso de candidatos mais estridentes tendem a dar um incentivo adicional a Bolsonaro e outros personagens para replicar dessas técnicas. A fabricação de personagens moderados e a aliança com produtos do centrão, como Ricardo Nunes (MDB), se tornam mais arriscadas.
O contrapeso pode ser apresentado pelo governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), que bancou a candidatura de Nunes e tem uma chance de acompanhá-lo até a vitória.
A multiplicação da direita reduziu ainda mais os espaços de uma esquerda que entrou na eleição desacreditada e saiu enfraquecida.As vitórias de João Campos (PSB) e de outros não petistas mostram que há caminhos alternativos. A ida de Guilherme Boulos (PSOL) ao segundo turno evitou um fracasso completo e manteve uma porta aberta, ainda que pareça estreita a esta altura, para uma redenção.
A vitória de Lula (PT) em 2022, com um impulso importante de cidades como São Paulo e Porto Alegre, acabou se tornando um ponto de contraste para o mau desempenho de candidatos de esquerda mesmo em capitais do Nordeste e para uma derrota amarga em Teresina, onde a vitória era dada como certa.
A relativa dificuldade de penetração desses partidos nas grandes cidades, especialmente nas periferias, reforça a fragilidade de suas marcas, as dificuldades de renovação e uma desconexão com um eleitorado que parece cada vez mais confortável em sair às ruas com um figurino conservador.
Fenômeno sísmico da eleição em São Paulo é a preferência dos trabalhadores pela direita
Por J.R. Guzzo / o ESTADÃO DE SP
O fato mais revelador das eleições municipais na maior cidade do Brasil parece não estar sendo percebido, e muito menos entendido, por nossos cientistas políticos. Ao contrário da geologia, que oferece sismógrafos e outros artefatos para detectar o movimento das grandes massas de matéria debaixo da superfície da Terra, os analistas só têm à sua disposição o bom senso. Se têm pouco, ou nenhum, não conseguem acompanhar a deslocação das placas subterrâneas que determina para onde está indo a política na vida real.
O fenômeno sísmico dessas eleições para a Prefeitura de São Paulo é a aparente preferência das classes trabalhadoras por nomes da direita para governar a sua cidade. São Paulo é, sem dúvida, a capital proletária do Brasil. Eleição, aqui, não é decidida por chefetes políticos que distribuem cartões do Bolsa Família, nem por manifestos de intelectuais ou por bilionários com “pegada social”. É o mundo do trabalho e da produção que vai às urnas — e esse mundo está dizendo que a direita tem dois dos três candidatos preferidos pelos 9,3 milhões de eleitores paulistanos.
Há um negacionismo exacerbado em relação a essa realidade. Não poderia ser assim dos pontos de vista sociológico, filosófico e metafísico, segundo as instruções que recebemos das classes “que pensam”. Está previsto em seus tratados que só a burguesia, os fanáticos e os débeis mentais podem votar na direita. Os trabalhadores, obrigatoriamente, têm de votar na esquerda — seu partido não se chama, justamente, Partido dos Trabalhadores? Mas a realidade está contando uma história diferente.
São Paulo é a cidade que mais tem trabalhadores no Brasil — e eles vêm de todo o país, o que torna São Paulo a cidade mais brasileira do Brasil. O problema, para a ciência política, é que os trabalhadores de São Paulo não querem votar no Partido dos Trabalhadores. A reação tem sido negar a realidade. Não é a esquerda que está doente. É a direita que está dividida. Tem dois dos três candidatos mais fortes, e isso mostra a sua fraqueza: deveria ter um só no bloco da frente, mas se deu mal e ficou com dois.
A qualidade média do raciocínio é daí para pior. Não se admite que o trabalhador paulistano está pensando em melhorar a sua própria vida, e não em dar apoio aos moradores de rua ou em “desarmar a polícia”. Pior: seus anseios de prosperidade são tratados como uma tara direitista, religiosa e reacionária. Pior ainda: ameaçam a “democracia”. Mas a massa eleitoral é a classe operária, e ela não está no arquipélago onde se pensa assim, esse que vai de Perdizes ao Brooklin, do Alto de Pinheiros à Vila Mariana. As placas mudaram de lugar.