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ANÁLISE DA VOTAÇÃO EM CIRO GOMES NO 1º TURNO DE 2018

Por Miguel do Rosário / O CAFEZINHO

 

ciro e haddad tv globo 2018 a agencia compressed

 

Uma avaliação objetiva da força dos candidatos a presidente da república deve olhar sobretudo para seu desempenho no 1º turno, quando os eleitores puderam votar de maneira propositiva, de olho nas propostas específicas de cada um, e não tanto como cálculo para evitar a vitória do candidato que rejeita.

A força de Bolsonaro é incontestável. O candidato quase venceu no primeiro turno, quando obteve 49 milhões de votos, 46% do total.

Haddad, herdeiro do lulismo, recebeu 31,3 milhões de votos, ou 29% do total.

Entretanto, o foco deste post é analisar o tamanho e a diversidade do eleitorado de Ciro Gomes, terceiro colocado, a partir de alguns segmentos geográficos e sócio-econômicos onde ele obteve resultados relevantes.

Os dados mais importantes, naturalmente, são os números do TSE, estratificados por município e estado. Mas também vamos olhar a pesquisa eleitoral mais recente, do Ibope, para termos uma noção da segmentação por renda, escolaridade e faixa etária.

Ciro obteve 13,3 milhões de votos no primeiro turno, ou 12% do total. Numericamente, é uma votação expressiva, sobretudo num ambiente tão polarizado como foi a eleição deste ano, onde candidatos com enorme tempo de tv, quantidade gigantesca de recursos financeiros, como Geraldo Alckmin, tiveram resultados pífios (menos de 5%).  Marina Silva, que participou recentemente de outras eleições presidenciais, quando obteve números bem mais encorpados, terminou o primeiro turno com apenas 1 milhão de votos, ou 1% do total.

Guilherme Boulos, do PSOL, obteve uma votação nacional muito ruim, com apenas 617 mil votos, ou 0,58% do total; a culpa, no entanto, volto a dizer, foi menos de Boulos do que do ambiente radicalmente polarizado entre petismo x antipetismo que caracterizou o pleito.

A votação de Ciro, nessas circunstâncias, foi razoável; mesmo assim, foi menos da metade do que os 31 milhões de votos de Haddad, e muito distante dos 49 milhões de votos de Bolsonaro.

Mas o Brasil é muito grande e diverso. Uma análise política consistente só faz sentido se se debruçar pacientemente sobre os números estratificados.

Vamos começar pelo lugar onde Ciro obteve o seu melhor desempenho, Sobral, sua cidade natal, onde o candidato obteve 60% dos votos válidos no primeiro turno, ou 66 mil votos, contra 21% de Jair Bolsonaro e 16% de Haddad.

Em Fortaleza, capital do Ceará, o candidato também ganhou com tranquilidade no primeiro turno, com 40% dos votos válidos, ou 546 mil votos, contra 34% de Bolsonaro e 19% de Haddad.

Uma curiosidade. Em Fortaleza, Cabo Daciolo, com 24 mil votos, ficou à frente de Geraldo Alckmin, que teve apenas 15 mil votos; Boulos teve 7,7 mil votos na cidade.

O desempenho de Ciro também foi muito relevante no Rio de Janeiro, capital, onde obteve 19,5% dos votos, correspondentes a 646 mil votos. Nada perto de Bolsonaro, fenômeno popular incontestável no Rio, que ficou com 58% dos votos cariocas no primeiro turno, mas bem à frente de Haddad, que pontuou 12% na cidade. Boulos ficou com 0,84% dos votos cariocas.

Lembrarei sempre o voto de Boulos que é para termos uma noção do tamanho do eleitorado de esquerda nas cidades e regiões que analisamos.

No estado do Rio, Ciro também ficou em segundo lugar, com 15,2% dos votos válidos, mas praticamente empatado com Haddad, que obteve 14,7%. Bolsonaro fechou o primeiro turno com quase 60% dos votos fluminenses.

De maneira geral, o pedetista obteve uma votação razoável em algumas capitais importantes. Em Belo Horizonte, por exemplo, Ciro também ultrapassou o candidato petista e terminou o primeiro turno com 17,4% dos votos, contra 14,5% de Haddad; Bolsonaro obteve 55% em BH; Boulos, 0,68%.

Em São Paulo, capital, Ciro ficou em terceiro lugar, com 15% dos votos, contra 19,7% de Haddad e 44% de Bolsonaro, mas bem à frente de candidatos muito conhecidos no município, como Alckmin, que obteve 8,8% dos votos paulistanos, e Boulos, com 1,21%.

Em Brasília, Bolsonaro venceu o primeiro turno com 58,4% dos votos, seguido de Ciro, com 17% e Haddad, com 12%.

Em Curitiba, mais uma vez Ciro passou a frente do PT, e obteve 12% dos votos no primeiro turno das eleições presidenciais deste ano, contra 9% de Haddad; Bolsonaro ficou com 62% em Curitiba; Boulos, com 0,57%. Alvaro Dias, muito conhecido na capital do Paraná, obteve apenas 4% dos votos.

Em Porto Alegre, capital que o PT já governou mais de uma vez, e onde sempre obteve votação relevante, desta vez teve que dividir o eleitorado de esquerda meio a meio com Ciro, o qual obteve 19,37% dos votos na cidade, contra 20% de Haddad; Bolsonaro abocanhou 45% do eleitorado portoalegrense; Boulos, 1,36%.

Na bela e serena Florianópolis, Ciro Gomes novamente superou o candidato petista, obtendo 16% dos votos, contra 13% de Haddad; Bolsonaro ficou com 53%. Boulos, 1,83%.

Voltemos ao nordeste.  Em Recife, Bolsonaro ganhou no primeiro turno, com 43% dos votos, seguido de Haddad, com 30%  e Ciro, com 17%; Boulos recebeu 0,82% dos votos recifenses.

Em Natal, Bolsonaro venceu o primeiro turno com 44% dos votos. Reparem que a direita entrou com força no nordeste a partir de capitais como Recife e Natal. Ciro ficou em segundo, com 23,6%, seguido de Haddad, com 22,8%; Boulos ficou com 0,7%.

A força do lulopetismo é muito concentrada no interior do nordeste, onde, em muitas cidades, Haddad pontuou mais de 70% no primeiro turno.

Mais uma curiosidade. No Maranhão, por exemplo, há uma pequena cidade chamada Nova Iorque (!), onde Haddad obteve 77% no primeiro turno.

Em Vitória, capital do Espírito Santo, Haddad e Ciro ficaram com 18% e 15% dos votos no primeiro turno, respectivamente, contra 53% de Bolsonaro e 0,58% de Boulos.

Vamos olhar algumas cidades médias.

Em Juiz de Fora, o resultado no primeiro turno para Bolsonaro, Haddad e Ciro ficou em 45%, 23% e 20%.

Em Nova Friburgo, Bolsonaro teve votação arrasadora no primeiro turno, 63%; Ciro ficou em segundo, com 16%; Haddad, 10%; Boulos, 1%.

Em Niteroi, Bolsonaro venceu com 53%, seguido de Ciro, com 21%, e Haddad, com 14%.

Agora vamos passar para uma análises sócio-econômica, com base nos números da pesquisa boca de urna do Ibope, realizada em 7 de outubro, dia da votação. O Ibope chegou bem perto dos números reais: Bolsonaro ficou com 45%, Haddad 28%, Ciro 14% dos votos válidos. Os números oficiais do TSE para esses candidatos, quando as urnas foram contabilizadas, conforme lembramos acima, ficaram em 46%, 29% e 12%.

Nas estratificações abaixo, os números não se referem a votos válidos, e sim a votos totais.

Na estratificação por faixa etária, o melhor desempenho de Ciro Gomes se deu entre jovens até 24 anos, onde ele obteve 21%, praticamente empatado com Haddad, que ficou com 23%; nessa mesma faixa, Bolsonaro pontuou 37%.

Na estratificação por renda, Ciro Gomes venceu o segundo lugar entre eleitores com renda familiar acima de 5 salários, com 17% dos votos, contra 12% de Haddad. Bolsonaro pontuou 55% dos votos válidos nessa faixa. Isso explica um clima de “virada” que se alastrou entre eleitores de Ciro nos últimos dias antes do primeiro turno: era um movimento majoritariamente de classe média.

Na faixa de renda logo abaixo, de 2 a 5 salários, Ciro também teve um bom desempenho, ficando com 14% dos votos, quase empatando com Haddad, que pontuou 16%.  Foi nessa faixa que Bolsonaro experimentou um crescimento expressivo às vésperas da votação, terminando com 52% dos votos totais.

Bolsonaro também se descolou de Haddad e avançou muito rapidamente nos últimos dias, antes do primeiro turno, entre eleitores com renda entre 1 e 2 salários, pontuando 42%, contra 26% de Haddad e 11% de Ciro.

A força de Haddad ficou muito concentrada no eleitorado com renda familiar até 1 salário, onde ele se distanciou no primeiro turno, com 44% dos votos, contra 26% de Bolsonaro e 10% de Ciro.

Na estratificação por escolaridade, o melhor desempenho de Ciro ficou entre os mais instruídos, com ensino superior, onde ele se descolou de Haddad e fechou em segundo lugar, com 21% dos votos totais. O petista ficou com 14% nesse segmento. Isso também explicaria o clima de “virada” às vésperas da votação. Nesta faixa, Bolsonaro ficou com 47%.

MIGUEL DO ROSÁRIO

Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.

Com votos decisivos, oposição garante sobrevida ao governo Bolsonaro

Danielle Brant / FOLHA DE SP

 

São quase 36 meses de Bolsonaro no Palácio do Planalto, o que significa quase 75% do mandato para o qual o presidente foi eleito. Com exceção da CPI da Covid, a oposição teve poucos momentos de protagonismo no atual governo.

Pior. Recorrentemente, partidos de esquerda ajudam a salvar o governo do precipício. Para pegar um exemplo recente, a PEC (proposta de emenda à Constituição) dos Precatórios foi aprovada no Senado com votos de cinco dos seis integrantes da bancada do PT.

O episódio levou o presidenciável Ciro Gomes (CE), do PDT, a dar declarações curiosas à coluna Painel. Ciro, que busca se vender como opção à polarização entre Lula e Bolsonaro, acusou o petista de dar força "para a candidatura moribunda do Bolsonaro se manter acesa".

Seria uma leitura política válida —sem entrar no mérito da miopia que é defender a rejeição de uma PEC que libera recursos para famílias pobres só para prejudicar o governo. Seria, não fosse o PDT de Ciro o partido que deu os votos decisivos na Câmara para que a proposta chegasse ao Senado.

Na votação do primeiro turno, o partido deu 15 votos favoráveis ao texto. A PEC foi aprovada por 312 votos, só quatro a mais que o mínimo necessário. O que permite dizer com segurança que a proposta cuja aprovação Ciro atribui agora ao PT foi, na verdade, viabilizada pelo seu PDT.

No outro tiro que deu, quando acusou o partido de Lula de ter dado o "voto decisivo para o absurdo orçamento secreto", o pedetista acertou. Afinal, o voto do senador Rogério Carvalho (SE) efetivamente desempatou a votação que regulamentou as emendas de relator, moedas de troca do governo.

De resto, é de se fazer coro ao presidenciável do PDT e se perguntar até que ponto essa "ajuda amiga" do PT não seria uma estratégia para levar Bolsonaro ao segundo turno, cenário em que uma vitória da oposição é tida como mais segura do que com o ex-juiz Sergio Moro, recém-filiado ao Podemos.

TRES PRESIDENCIAIS PARA 2022

Alckmin é pressionado por aliados a desistir de ser vice de Lula e disputar Governo de SP

Julia Chaib / folha de sp
BRASÍLIA

Integrantes do PSD, aliados e pessoas no entorno do ex-governador Geraldo Alckmin (SP), que está prestes a se desfiliar do PSDB, tentam convencê-lo de que o melhor caminho para ele é disputar o Governo de São Paulo e esquecer da ideia de ser candidato a vice numa chapa nacional encabeçada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Amigos de Alckmin têm alertado o tucano sobre os riscos da demora em definir qual o projeto irá encampar e a sigla à qual vai se filiar. Eles dizem que a lentidão para uma decisão, aliada aos gestos de que ele pode se unir ao petista, tem irritado parte do eleitorado que hoje estaria disposto a votar nele para o governo paulista.

Por isso, têm defendido que o ex-governador decida logo o rumo que vai trilhar. Um dos que defendem que ele dispute o Palácio dos Bandeirantes é o ex-deputado estadual Pedro Tobias (PSDB), amigo de longa data de Alckmin.

"Toda a história dele e a nossa foi construída em São Paulo. Se ele sai, é claro que vou apoiar. Mas quem ganhará com isso é o PT em SP. Uma faixa de eleitor do Geraldo aqui acaba perdendo na história", avalia Tobias.

O PSD, partido que quer atrair o tucano, tem insistido para que ele permaneça na briga por São Paulo.

Nesta quinta, um tipo de panfleto de autoria de um grupo em redes sociais intitulado "Alckmistas por São Paulo" circulou por números ligados ao PSD. Com uma foto de Alckmin, trazia a frase: "Precisamos manter o foco, continuar construindo a ponte entre Geraldo Alckmin e o eleitor para garantir a vitória em primeiro turno".

A ofensiva ocorre no dia seguinte a um encontro de Alckmin com o prefeito de Limeira (SP), Mario Botion (PSD), na quinta-feira (2), em que o ex-governador afirmou que é necessário ter "equilíbrio" e "convergência" dentro do contexto eleitoral para fazer o Brasil avançar nos próximos anos.

O relato é do próprio prefeito, que recebeu Alckmin para uma conversa junto com o também ex-governador Márcio França (PSB).

"Ele fez uma reflexão de que o momento que o país está passando é um momento de extremos e isso não constrói, não é positivo. Dentro desse contexto, ele colocou essa questão de que era importante ter equilíbrio e convergência neste momento", afirma.

A conversa foi relatada à cúpula do PSD e a outros aliados de Alckmin, que viram nos gestos uma inclinação de Alckmin a encampar o projeto nacional.

Segundo Botion, Alckmin disse que recebeu convite para ser vice de Lula e está avaliando. Outros políticos envolvidos na negociação ainda não confirmam ter havido esse convite.

"Eu perguntei: procede que o senhor pode ser vice do Lula? E ele disse: nós fomos convidados a isso e estamos avaliando", disse Botion. Alckmin ainda afirmou, segundo ele, que definirá seu destino nas próximas semanas.

Botion quer que ele se lance candidato ao Governo de São Paulo.

"Em nenhum momento ele afirmou que vai ser vice do Lula e em nenhum momento ele descartou a possibilidade de disputar a eleição ao Governo de São Paulo. Não fechou possibilidade de uma coisa nem outra", relatou o prefeito.

Como mostrou a Folha, o PSB mostrou a Alckmin pesquisas internas que indicam que caso ele se una a Lula nacionalmente as chances de o petista vencer em primeiro turno aumentam.

Os dados apresentados a Alckmin são parciais de levantamentos conduzidos com eleitores da Grande São Paulo. O partido está fazendo nova rodada de pesquisa, desta vez no interior, onde o ex-governador também tem entrada.

Por outro lado, o estudo do PSB mostraria que o ainda tucano perderia metade dos eleitores caso decidisse ir para a disputa junto a Lula.

A sigla fez o levantamento com o intuito de estimular Alckmin a entrar na disputa nacional. Isso ocorre enquanto PSB e PT debatem os termos de uma eventual aliança. Isso envolveria o PT apoiar o PSB em cinco estados, entre eles São Paulo. Para isso, os petistas teriam de abrir mão da candidatura de Fernando Haddad (PT) para Márcio França (PSB).

Segundo pesquisa Datafolha de setembro, Alckmin encabeça a corrida eleitoral para o Governo de São Paulo em 2022, com 26% das intenções de voto.

Já Fernando Haddad (PT) vem numericamente em seguida, com 17%, e lidera com 23% em um cenário sem Alckmin.

No primeiro cenário estimulado pelo instituto, após Alckmin (26%) aparecem Haddad (17%) e Márcio França (com 15%, empatado tecnicamente com o petista) e o líder de movimentos de moradia Guilherme Boulos (PSOL, com 11%).

Na quinta, Lula disse em entrevista para a Rádio Gaúcha que espera Alckmin definir seu partido para decidir sobre a possibilidade de o ex-governador de São Paulo integrar sua chapa para as eleições de 2022 como candidato a vice.

Dizendo que teve "extraordinária relação" com Alckmin quando era presidente, Lula indicou que a possibilidade de aliança é real, mas depende também de acerto partidário. De saída do PSDB, o ex-governador tem o PSD e o PSB como principais opções de filiação.

No PSDB, Doria fechou a porta para uma candidatura de Alckmin ao governo estadual ao filiar o seu vice, Rodrigo Garcia, ao partido. O tucano cumpriu o acordo com Garcia, que era do DEM, de lançá-lo à sua sucessão em 2022.

Alckmin aguardou a definição das prévias do PSDB sobre o candidato que representará o partido na disputa à Presidência em 2022. Apoiou o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, que falava em tentar segurá-lo na sigla. Com a vitória interna de Doria, porém, a saída do ex-governador paulista passou a ser considerada irreversível.

 

Entre duas armadilhas

Bolívar Lamounier, O Estado de S.Paulo

04 de dezembro de 2021 | 03h00

O Brasil deve ser o único país onde duas armadilhas se engalfinham, cada uma querendo se sobrepor à outra.

O leitor está cansado de saber quais são as duas armadilhas a que me refiro; sou forçado a falar delas, embora minha preferência fosse escrever sobre alguma opereta. Falo, evidentemente, da “armadilha do baixo crescimento” e da polarização política que se configurou a partir da eleição presidencial de 2018.

Suponhamos que nossa renda anual por habitante ande pela casa dos US$ 10 mil anuais. O fato de estarmos aprisionados na “armadilha do baixo crescimento” significa que, mesmo crescendo 3% ao ano (hipótese remota), levaremos algo como 23,3 anos para duplicarmos essa renda ridícula e atingir o nível ainda ridículo de US$ 20 mil anuais. Com o sistema institucional, a máquina de Estado e a classe política que nos subjugam, é assaz duvidoso que tal milagre possa acontecer. Mas essa primeira parte da história já lhes contei uma dúzia de vezes. Passo à segunda, para evitar a monotonia.

Nosso sistema econômico permanece anêmico, incapaz de dar um passo substancial à frente. Robustez, no Brasil, existe é na miséria. Essa, sim, caminha a passos largos, só que, infelizmente, para trás. Pobre e brutalmente desigual nosso país sempre foi, mas, salvo se eu for um desmemoriado, certas coisas não me lembro de ter presenciado. Semanas atrás, em Araçatuba, grande e próspera cidade do oeste paulista, várias quadrilhas até então independentes associaram-se para assaltar a cidade, mantendo-a aterrorizada durante várias horas. Não me lembro de ter visto miseráveis comprando ossos que lhes sirvam como alimento na sopa da noite. No dia 29 de novembro, o canal UOL trouxe uma informação provavelmente mais corriqueira, mas que não posso deixar de mencionar no presente contexto: pessoas famintas desmaiando na fila enquanto esperam atendimento em postos de saúde.

São muitos os fatores que nos mantêm aprisionados na “armadilha do baixo crescimento”, mas não há dúvida de que outra armadilha entrou em cena, ao que tudo indica fazendo questão de nos garrotear com a mesma força da primeira. Refiro-me, aqui, à estrábica polarização política que se instalou entre nós desde a eleição presidencial de 2018, contrapondo, de um lado, um populista para quem esperteza é tudo o de que se necessita para governar um país e, do outro, um estulto que vive numa condição de permanente desnorteio. Volto a pedir desculpas por trafegar sobre o óbvio: falo, naturalmente, de um país que até o momento não descortinou uma saída para um desastre de muitos anos, na hipótese de o ringue de 2022 ser novamente ocupado por Bolsonaro e pelo PT (agora personificado por seu chefe, o sr. Luiz Inácio Lula da Silva). Se Bolsonaro for derrotado no primeiro turno e o restante da classe política se unir para afastar Lula no segundo, pode ser que nos qualifiquemos para grandes investimentos a partir de 2023. Pode ser.

Bruxas talvez não existam, mas retrocessos eu lhes asseguro que são uma ocorrência frequente nos cantos do mundo. As causas variam de um país a outro, mas os resultados são sempre muito parecidos: queda quase sempre abrupta no nível de vida da população, anarquia política, conflitos se multiplicando, violência e ditaduras. Essa história será, aliás, abundantemente relatada nas próximas semanas. O cenário será a Venezuela, outrora um dos países mais ricos da América Latina. O enredo, a revolução “bolivariana” deflagrada por Hugo Chávez e ainda hoje personificada por Nicolás Maduro. Pois bem, a história que vamos ouvir é a de que a outrora pujante Venezuela fechará o ano com a renda per capita mais baixa do hemisfério, atrás até do Haiti, que todos julgávamos imbatível nesse quesito.

As causas do desastre venezuelano são bem conhecidas. A perda de rumo dos dois principais partidos abriu o caminho para a eleição (em 1998) de um militar destrambelhado. Daí em diante, presenciamos o habitual cortejo de anarquia e liquidação das instituições políticas, o suficiente para a ascensão de Nicolás Maduro e seus fidelíssimos generais.

A destruição dos partidos políticos é uma parte invariável em tais tragédias, mas em nossa história ela sempre se apresentou com traços singulares. É que, em nosso caso, cada golpe levou de roldão todo o sistema partidário existente, não um ou dois partidos, mas todos eles. Assim foi na passagem do Império para a República e da República democrática para o ciclo militar iniciado em 1964, para ficarmos só nesses dois casos. A singularidade do presente quatriênio é que agora, sob a ação combinada da polarização política com a desfaçatez da maior parte da classe política, atingimos um patamar de ridículo que não julgávamos possível. Estamos com mais de 30 partidos registrados, número que certamente continuará subindo, e o impulso para tal vem dos próprios parlamentares: daqueles que elegemos para conferir coerência às ações do Estado e para exercer por nós o direito de representação, que só a nós pertence.

*

SÓCIO-DIRETOR DA AUGURIUM CONSULTORIA, É MEMBRO DAS ACADEMIAS PAULISTA DE LETRAS E BRASILEIRA DE CIÊNCIAS

O caminho para vencer o populismo

As eleições de 2022 acontecerão em meio a uma grande polarização, tão grande quanto em 2018, e os candidatos moderados precisarão romper o extremismo que colocou a Nação em clima de guerra desde o final dos anos Dilma. Mais do que isso, o próprio legado do Plano Real — estabilização da moeda e responsabilidade fiscal — será colocado à prova. O arcabouço legal que garantiu esse avanço está sob risco, assim como o combate à corrupção e ao patrimonialismo.

A superação desses males passa pela valorização da própria democracia. Os problemas do País devem ser resolvidos com mais política, por isso candidatos outsiders terão menos força. Isso afetará principalmente o atual presidente, que se elegeu há três anos como um candidato antissistema. Agora será diferente, e ele precisou por isso assumir-se como um legítimo representante da “velha política”. Na última terça-feira, filiou-se ao PL, o partido de Valdemar Costa Neto que foi preso no escândalo do Mensalão. Jair Bolsonaro participou de uma cerimônia fechada à imprensa, ladeado pelos líderes do PP, como seu ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, e o presidente da Câmara, Arthur Lira (estrelas do Petrolão), e representantes do Republicanos, como Marcos Pereira. Foi um banho de Centrão. E um retorno ao lar. O chefe do Executivo já passou por nove partidos dessa chusma de legendas, sempre no baixo clero do Congresso.

EXTREMISMO Bolsonaro com apoiadores em Brasília, em maio: democracia em risco (Crédito:Alan Santos/PR)

Abraçar o grupo fisiológico foi a maneira que o mandatário encontrou para governar, após fracassar em suas tentativas de atropelar a Constituição e passar por cima do Congresso e do Supremo. O Centrão é um dos pilares de sustentação da sua gestão, e isso será decisivo também no processo eleitoral. Bolsonaro não poderá mais contar apenas com as redes sociais. Sua campanha agora se dará dentro do embate tradicional. Precisará dos recursos desses partidos e de tempo de TV para a propaganda eleitoral. Numa coligação das três legendas citadas acima, o presidente terá 2 minutos e 20 segundos de propaganda no rádio e na TV, além das inserções de 30 segundos ao longo das programação. Tinha apenas oito segundos em 2018. Terá, em tese, acesso a R$ 376 milhões de fundo eleitoral. Precisará de todos os recursos que puder somar. Seu eleitorado é cada vez menor. Ele precisa do Centrão para conquistar currais eleitorais. E já jogou a toalha para o Nordeste, a região em que o ex-presidente Lula tem maior adesão. Sua maior aposta é em programas eleitoreiros improvisados no final do mandato, especialmente o novo Bolsa Família.

Mais que isso, Bolsonaro precisará lidar com o fato de que passou de estilingue a vidraça. Ao invés de atacar indiscriminadamente todos os políticos, como sempre fez, precisará defender as realizações do seu governo. Com a inflação de dois dígitos, desemprego elevado, economia parando e previsão de estagflação no próximo ano, o cenário é bastante negativo para o mandatário. Sua popularidade derreteu: nada menos que 63.6% dos eleitores desaprovam seu desempenho, segundo pesquisa Sensus/ISTOÉ publicada nesta edição. Outros fatores agravam sua situação no pleito. Em 2018, Bolsonaro se beneficiou da popularidade da Lava Jato, associando-se ao combate à corrupção. Agora, precisará explicar porque patrocinou o desmanche da operação, além das múltiplas investigações contra a sua família.

A crise do governo Bolsonaro facilita a vida de Lula. O petista pode explorar sua herança na área econômica e seu investimento em programas sociais. Em um momento com alta da pobreza , informalidade recorde (40,6% da população) e salários achatados (a renda média é a menor em quase dez anos), esse legado passou a ser fundamental. Mas precisará driblar o fracasso da “Nova Matriz Econômica” e a irresponsabilidade fiscal no governo Dilma. Para atenuar a pesada rejeição por conta da corrupção nos anos petistas, Lula tenta associar sua prisão por 580 dias em Curitiba ao período de sindicalista, quando também enfrentou o cárcere. Esse é o eixo central do livro Lula, recém-lançado pelo escritor Fernando Morais, que já se tornou uma peça de propaganda para tentar cravar uma imagem de injustiçado. E há dúvidas se o contorcionismo retórico funcionará na campanha. O PT martela na tecla de que o ex-presidente foi absolvido das diversas acusações pela operação Lava Jato, quando na verdade os julgamentos foram cancelados por questões processuais. Por mais que Lula tente colar em Sergio Moro a acusação de que agiu com motivação política e que a operação Lava Jato foi “uma farsa”, resta convencer o conjunto dos eleitores.

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