Fator 'medo' em pesquisas pode alterar resultados, especialmente entre beneficiários do Auxílio Brasil
Por Nicolas Iory, O Globo — São Paulo
O sociólogo americano Herbert Hyman (1918-1985) escreveu que todo experimento científico está sujeito a erros. E que é melhor estar ciente disso para estudar suas origens, tentar minimizá-los e estimar sua magnitude do que permanecer ignorante a respeito de possíveis distorções.
No Brasil, pesquisadores dos principais institutos que fazem sondagens de opinião pública seguem protocolos rigorosos para tentar reduzir a influência do entrevistador nas respostas obtidas. Mas ainda assim é impossível eliminar totalmente esse fator.
Para o cientista político Antonio Lavareda, o desafio de obter respostas sinceras que não tenham o medo ou outra emoção como motivação é maior entre eleitores de menor renda e nível de escolaridade. Lavareda preside o conselho científico do Ipespe, que faz estudos a partir de ligações telefônicas.
— Esse eleitor mais vulnerabilizado, em especial, pode se sentir constrangido diante de um pesquisador. Imagine o morador de uma cidadezinha pobre recebendo em sua casa um desconhecido que faz perguntas segurando um tablet na mão. O que você acha que um beneficiário do Auxílio Brasil nessa situação responderia sobre o que ele pensa do governo? Pode sim haver um componente de medo que o leve a ter receio de perder o benefício a depender do que ele disser — analisa Lavareda, autor do livro “Emoções ocultas e estratégias eleitorais” (2009), da editora Objetiva.
O percentual de beneficiários do programa, que começou nesta terça-feira a fazer os pagamentos no novo valor de R$ 600, que reprovam o governo Bolsonaro caiu de 48% para 39% em um mês, segundo mostra a pesquisa mais recente da série Genial/Quaest.
A professora Mayra Goulart, da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), diz ser possível que o fator medo tenha influenciado na melhora da avaliação do governo junto a beneficiários do Auxílio Brasil. Mas que ainda assim parte do eleitorado mais pobre associa programas sociais aos governos do PT, o que restringe o espaço para o crescimento da pré-candidatura de Bolsonaro nesse grupo.
— A expectativa é sempre melhor que a realidade. Então a melhor hora para mensurar essa melhora do governo é mesmo na véspera dos pagamentos com o novo valor. E mesmo neste momento, em que Bolsonaro estaria surfando nessa novidade, a oscilação na aprovação foi consideravelmente pequena (passou de 24% para 28%, segundo a Quaest). Essa parcela da população ainda identifica esses programas de transferência direta de renda com o Partido dos Trabalhadores — afirma a professora.
A pesquisa “A cara da democracia” — feita a partir de entrevistas presenciais — indica que três em cada quatro leitores reconhecem Bolsonaro como criador do Auxílio Brasil. O Bolsa Família, substituído pelo programa do atual governo, é ainda lembrado como uma política do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) por 55% dos eleitores.
A menos de dois meses da eleição, a indefinição ainda é grande entre os que recebem o auxílio do governo. Os dados do Datafolha mostram que passou de 75% para 69% a parcela de beneficiários do Auxílio Brasil que dizem estar totalmente decididos sobre o voto na eleição presidencial de outubro.
O Pulso já mostrou que há críticas e vantagens às diferentes metodologias para fazer sondagens como as de intenção de voto.
A Quaest faz suas pesquisas enviando entrevistadores às casas dos eleitores. O Datafolha, por sua vez, ouve os entrevistados presencialmente com pesquisadores parados em regiões onde há fluxo de pessoas.
Há na literatura acadêmica uma vasta produção analisando o impacto de entrevistadores no resultado de pesquisas. Artigo publicado em 1997 pelas americanas Kathleen Ford e Anne Norris, por exemplo, indica que mulheres tinham maior ou menor propensão a ser sinceras sobre sua vida sexual a depender da idade de quem faz a pergunta. O estudo de Ford e Norris foi feito por meio da análise de uma sondagem feita a partir da visita a 1.435 moradoras dos Estados Unidos, em 1991.
Mas engana-se quem pensa que esse tipo de comportamento ocorre apenas em sondagens feitas face a face. Estudo publicado por pesquisadores da Universidade de Michigan em 1995 mostra que cidadãos negros eram mais suscetíveis a relatar problemas com alcoolismo ou uso de drogas, por exemplo, quando pensavam estar falando com um entrevistador também negro ao telefone. Curiosidade: todos os entrevistadores da pesquisa em questão eram negros, e 73% dos entrevistados presumiram isso corretamente.