FICÇÃO À VENDA
J R GUZO / O ESTADÃO
Certas coisas, como se sabe há muito tempo, não devem ser ditas em certos lugares; a recomendação clássica, aí, é não se falar de corda em casa de enforcado. Em outros casos o problema não é o lugar onde se diz isso ou aquilo – é quem diz o quê. Certas pessoas, assim, não deveriam nunca falar de certos assuntos. O ex-presidente Lula, por exemplo, nunca deveria falar em “corrupção”. Ele não – talvez um outro, qualquer outro, mas ele não. É duro, porque candidato a presidente do Brasil tem sempre de chamar o adversário de “ladrão”. Na verdade, isso é praticamente a única coisa compreensível que sabem dizer numa campanha eleitoral. Fazer o quê? Corrupção, no caso da campanha de Lula, é assunto proibido.
Como poderia ser diferente, se o seu próprio candidato a vice, o ex-governador Geraldo Alckmin, disse que ele quer ser presidente de novo para “voltar à cena do crime”? Alckmin acha que entre hoje e o momento em que falou isso Lula se transformou num santo homem. Mas falta combinar com os eleitores – quantos brasileiros estariam dispostos a acreditar nesse milagre da transformação da água em vinho? Isso será visto em outubro, mas até lá o candidato da esquerda nacional terá de resolver o seu problema com a ladroagem – e como não pode deletar os fatos que fizeram os seus oito anos de governo os mais corruptos de toda a história da República, o melhor que tem a fazer é se fingir de morto e não tocar no assunto.
Realidades são realidades. Quem decidiu que Lula é ladrão não foram os seus adversários. Foi a Justiça brasileira, que o condenou pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro, em três instâncias e por nove magistrados diferentes. Mais que tudo, há o fato, também impossível de se negar, de que os corruptores confessaram publicamente a sua culpa, assinaram acordos de delação e, principalmente, devolveram uma parte do dinheiro roubado. O que mais seria preciso, em qualquer lugar do mundo, como prova material de roubalheira? Por acaso as empreiteiras condenadas e outros piratas devolveram o dinheiro sem ter feito nada de errado – só para agradar o promotor Deltan Dallagnol e o juiz Sérgio Moro?
Lula, porém, insiste em falar em corrupção. Quer vender a ficção de que foi “inocentado” pela Justiça – quando a canetada que anulou seus processos não diz uma sílaba sobre culpa ou sobre provas. Quer, até, receber uma “indenização” do seu acusador – e está mortalmente ressentido com o fato de que ele recebeu em poucos dias mais de R$ 750 mil em doações espontâneas para pagar as despesas que o processo trouxer. Quer, enfim, o papel de “homem injustiçado”. A conferir.
Pista vazia
Os partidos políticos em busca de uma candidatura que empolgue os eleitores insatisfeitos com os dois líderes da corrida presidencial parecem longe de superar as dificuldades que têm encontrado.
Na quarta (18), os presidentes das siglas na mesa de negociações apontaram a senadora Simone Tebet (MDB-MS) como sua melhor opção e resolveram submetê-la a discussões mais amplas com dirigentes na próxima semana.
A cúpula do PSDB trabalha contra as pretensões do ex-governador João Doria, que saiu vencedor das prévias internas realizadas pela legenda no fim do ano passado, mas enfrenta a rejeição de segmentos expressivos do eleitorado.
Pouco conhecida nacionalmente, Tebet não tem o mesmo problema, mas tampouco se sobressai quando seu potencial é testado pelas pesquisas de intenção de voto. As sondagens mais recentes lhe conferem só 1% das preferências.
Não há consenso nas duas legendas nem mesmo a respeito da conveniência de lançar candidatura própria. Em ambos há facções que torcem pela reeleição de Jair Bolsonaro (PL) e grupos simpáticos a Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o líder das pesquisas.
A confusão na chamada terceira via é tão grande que há motivos até para duvidar que estejam realmente dispostos a entrar nesse jogo.
Para muitos dirigentes do MDB e do PSDB, a chave para sua sobrevivência nos próximos anos está no fortalecimento das bancadas no Congresso, essencial para que continuem se apropriando de fatias gordas dos recursos públicos que hoje enchem seus cofres.
Nesse contexto, soa mais sensato usar o dinheiro para investir nas campanhas estaduais do que apostar em candidaturas que não se mostram competitivas na disputa nacional, o que deixaria as siglas de mãos amarradas na busca de alianças locais.
Se o Datafolha indica que 31% dos eleitores não se mostram inclinados a votar como primeira opção nos dois líderes da corrida, é evidente também que nenhum dos nomes lançados até agora logrou aglutinar os anseios dos que buscam alternativa a Lula e Bolsonaro.
Em terceiro lugar nas pesquisas, Ciro Gomes (PDT) continua distante dos dois e sofre pressões para abandonar a competição em favor de Lula, que herdaria boa parte dos seus eleitores e assim teria chances de vencer no primeiro turno.
É de lamentar que tais articulações passem ao largo de qualquer consideração programática. Discutem-se as conveniências de cada partido no jogo eleitoral, sem que se pronuncie palavra sobre a recuperação da economia, amparo social e outras aflições da população. A falta de opções contribuirá para empobrecer ainda mais o debate.
Terceira via deu em 2 túneis que o eleitor não vê
Simone Tebet, com seu percentual de 1% das intenções de voto, foi escolhida como suposta candidata única das cúpulas do PSDB e do MDB, com as bênçãos do Cidadania. Mas o anúncio formal do nome teve que ser adiado.
João Doria, com seus 3%, não aceita a alegação de que a taxa de rejeição faz dele um candidato inviável. Mantém a disposição de recorrer à Justiça para fazer valer as prévias que fizeram dele um presidenciável sem partido.
Na prática, João Doria e Simone Tebet, últimos remanescentes da terceira via, passaram a frequentar a sucessão presidencial de 2022 como personagens de uma anedota de Millôr Fernandes. A piada trata da tecnologia da engenharia na China.
Colocam 10 mil chineses cavando de um lado da montanha, 10 mil cavando do outro lado. Se os dois grupos se encontram no meio do caminho, fazem um túnel. Se não se encontram, como Doria e Tebet, cavam dois túneis.
A terceira via virou duas passagens subterrâneas —uma trafegando na contramão da outra. Ambas longe dos olhos do eleitorado.
Pesquisa Ipespe: Lula tem 44%, Bolsonaro, 32% e Ciro, 8%, em cenário estável
Por Matheus de Souza / O ESTADÃO
A terceira rodada da pesquisa Ipespe do mês de maio mostra que o cenário eleitoral na disputa pela Presidência da República permanece estável. Segundo o levantamento, tanto o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) quanto o presidente Jair Bolsonaro (PL) repetiram a pontuação do levantamento da semana anterior. Lula segue líder com 44% das intenções de voto na estimulada para o primeiro turno, seguido por Bolsonaro, com 32%.
Ciro Gomes (PDT) tem os mesmos 8% da última pesquisa, e João Doria (PSDB) oscilou de 3% para 4%. André Janones (Avante) e Simone Tebet (MDB) mantiveram 2% cada, e o restante não pontuou. Indecisos, brancos e nulos somaram 8%, o menor porcentual desde setembro do ano passado.
A estabilidade na pontuação de Bolsonaro, diz um trecho da pesquisa, “aparece depois de uma sequência de levantamentos em que o presidente registrava tendência de alta que se estendia desde janeiro deste ano.”
Bolsonaro tem maior rejeição
Segunda a pesquisa divulgada nesta sexta, Bolsonaro tem o maior índice de rejeição: 59% dos entrevistados disseram que não votariam nele “de jeito nenhum”.
Doria aparece na sequência, com 53%. Sua “adversária” na disputa pela candidatura do bloco PSDB/Cidadadania/MDB, Simone Tebet foi rejeitada por 37% dos entrevistados.
Lula tem 43% de rejeição, enquanto Ciro e Luciano Bivar (União Brasil) aparecem com 42% cada. Ainda segundo o levantamento, para André Janones e Luiz Felipe d’Ávila (Novo), o índice de não votariam “jeito nenhum” é de 35%.
Segundo turno
A pesquisa Ipespe mostra que Lula mantém a vantagem sobre todos os adversários nas simulações de segundo turno. Contra Jair Bolsonaro, o petista tem 53% das intenções de voto, ante 34%. Se comparado com o levantamento da semana anterior, ambos oscilaram negativamente 1 ponto porcentual, enquanto brancos, nulos e que não votariam em nenhum dos dois foram de 10% para 13%.
Contra Ciro Gomes, Lula teria 53% dos votos (1 ponto porcentual a mais do que na semana anterior), enquanto o pedetista manteria os 25%. Se a disputa fosse entre Lula e João Doria, o petista teria 54% a 20%
Se a disputa no segundo turno fosse entre Ciro e Bolsonaro, o pedetista teria uma vantagem de 4 pontos contra o atual presidente, 44% a 40%.
Bolsonaro só tem vantagem contra Doria: 40% das intenções de voto ante 38% do tucano.
A pesquisa mostra ainda um cenário de estabilidade na aprovação ao governo Bolsonaro. Os que consideram a administração boa ou ótima se mantiveram em 32%. A avaliação negativa, no entanto, oscilou um ponto para cima, indo a 52%.
Foram realizadas 1.000 entrevistas de abrangência nacional entre segunda-feira, 16, e quarta-feira,18. A pesquisa está registrada no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sob o número BR-08011/2022. A margem de erro máxima é de 3,2 pontos porcentuais, para mais ou para menos.
Aécio diz que MDB foi ‘sócio do PT’, prega candidatura do PSDB, mas ala tucana cola em Bolsonaro
Por Lauriberto Pompeu / O ESTADÃO
BRASÍLIA – Desafeto do ex-governador João Doria, o deputado Aécio Neves (PSDB-MG) disse que o PSDB não deve fechar “aliança automática” com a senadora Simone Tebet (MS) para a eleição presidencial. Aécio já reclamou mais de uma vez que o MDB foi “sócio dos equívocos do PT”. Nos bastidores, tucanos avaliam que a estratégia tem como objetivo abrir caminho para o apoio ao presidente Jair Bolsonaro (PL).
Nesta quarta-feira, 18, os presidentes do PSDB, Bruno Araújo; do MDB, Baleia Rossi, e do Cidadania, Roberto Freire, decidiram indicar Simone como candidata da terceira via à sucessão de Bolsonaro. A escolha ainda terá de passar pelo crivo das Executivas nacionais dos três partidos, na próxima terça-feira, 24.
Ex-presidente do PSDB, Aécio diz, porém, que os tucanos devem apresentar candidatura própria à Presidência para ser alternativa a Lula e Bolsonaro, desde que não seja a de Doria. Um importante integrante do diretório nacional do PSDB, que preferiu não ser identificado, avalia que a tentativa do mineiro de barrar uma aliança com o MDB é “uma evidente ajuda a Bolsonaro” e que, ao impedir a união dos dois partidos, “algum tipo de serviço está sendo prestado” à reeleição do atual presidente.
Ao mesmo tempo, a bancada de deputados tucanos e alguns pré-candidatos a governos estaduais têm procurado se aproximar de Bolsonaro. No Mato Grosso do Sul, por exemplo, o pré-candidato a governador Eduardo Riedel já declarou apoio ao presidente. Na Paraíba, o deputado Pedro Cunha Lima, que também quer ser governador, chegou a participar de ato com Bolsonaro no Estado. Justificou depois sua presença em uma inauguração de obra, ao lado do presidente, como “algo institucional”.
O PSDB é rival do MDB nos dois Estados. Riedel deve ter André Puccinelli (MDB) como adversário e Cunha Lima vai enfrentar na eleição o senador Veneziano Vital do Rêgo (MDB), apoiador declarado do ex-presidente Luiz Inácio do Lula da Silva (PT).
Os dois partidos também são adversários em outros Estados, como em Pernambuco, onde o MDB quer apoiar o pré-candidato de Lula ao governo, o deputado Danilo Cabral (PSB), enquanto o PSDB quer lançar Raquel Lyra.
Documentos enviados pelos próprios parlamentares ao Supremo Tribunal Federal (STF) mostram que 19 tucanos de uma bancada de 22 deputados indicaram recursos do orçamento secreto. A prática, revelada pelo Estadão, é usada pelo governo de Bolsonaro para ganhar apoio político no Congresso.
Na Câmara, o PSDB costuma votar alinhado com o governo. Segundo os ofícios enviados pelo Congresso, pelo menos R$ 483 milhões foram apadrinhados por tucanos em 2020 e 2021. O único integrante da bancada que disse não ter indicado as emendas foi o deputado Alexandre Frota (SP). Joice Hasselmann (SP) e Aécio não responderam ao STF.
No início de abril, durante a janela partidária, período em que deputados federais podem trocar de partido sem o risco de perder o mandato, dez deputados se desfiliaram do PSDB. Alguns deles viraram declaradamente bolsonaristas, como Domingos Sávio, que já foi aliado de Aécio e deixou de ser tucano para entrar no PL, partido do presidente.
O exemplo mais explícito de um atual filiado tucano que apoia Bolsonaro acontece no Mato Grosso do Sul, onde Eduardo Riedel, que tenta suceder o também tucano Reinaldo Azambuja no governo, já disse que “está fechado com Bolsonaro”. O exemplo de Riedel foi levado para a reunião da Executiva do PSDB ontem, 17, com reclamações de que a pré-candidatura de Doria atrapalha ele. A deputada Tereza Cristina (Progressistas-MS), ex-ministra da Agricultura de Bolsonaro, deve ser a candidata a senadora na chapa do tucano.
Ao falar do MDB, Aécio não economiza nas críticas à parceria que o partido já teve com o PT. “Na nova matriz econômica, que levou o Brasil a três anos consecutivos de recessão, na ocupação desenfreada do Estado por um grupo político, na equivocada política externa que fez o Brasil ser conduzido por um arcaico bolivarianismo, representado por Hugo Chávez e Maduro, em todos esses equívocos, o MDB esteve lá”, declarou.
Apesar disso, o PT atraiu uma parcela da velha guarda tucana. O ex-senador Aloysio Nunes, que foi vice de Aécio na eleição presidencial de 2014, já declarou voto em Lula. O próprio ex-presidente Fernando Henrique Cardoso também já disse que votaria em Lula caso aconteça um segundo turno entre o petista e Bolsonaro.
Para evitar uma aliança com o MDB, o principal argumento citado pelo mineiro é que a senadora Simone Tebet (MDB-MS), pré-candidata presidencial, pode ser rifada pela própria legenda na convenção partidária. Aécio tem reclamado, em conversas reservadas, que não quer ficar a reboque do que vão decidir caciques do outro partido, como o senador Renan Calheiros e o ex-presidente José Sarney, que apoiam o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).