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‘O centro deverá definir as eleições’, diz cientista político

José Fucs, O Estado de S.Paulo

08 de janeiro de 2022 | 05h00

O cientista político Lucas de Aragão, sócio da Arko Advice, uma consultoria de Brasília, afirma que o centro deverá ser decisivo mais uma vez para o resultado das eleições em 2022. Mesmo que um candidato da chamada “terceira via” não decole, segundo Aragão, o centro será o fiel da balança, como já aconteceu em outros pleitos.

“O que fez o Bolsonaro ganhar a eleição em 2018 não foi o bolsonarismo. Foi o centro. O bolsonarismo deu a ele estrutura para ser competitivo. Talvez possa até tê-lo colocado no segundo turno. Mas a vitória veio com o apoio do centro”, diz. “Com o Lula foi a mesma coisa. Quando o Lula ganhou em 2002, ele já tinha uma base que o deixava competitivo eternamente, mas não lhe dava a vitória. Foi só quando ele conseguiu ganhar o centro que foi eleito.”

Lucas de Aragão
Aragão diz que eleição de 2022 será menos polarizada que a de 2018  Foto: FELIPE RAU/ESTADÃO - 6/10/2017

Nesta entrevista ao Estadão, ele fala também que é preciso reduzir a tensão na arena política buscar o consenso, “que sempre trouxe resultados positivos” De acordo com Aragão, com a “política de choque” praticada nos últimos anos, o Brasil perdeu a oportunidade de avançar em matérias essenciais para a sua modernização. “Se não houver um mínimo de consenso em 2023, o País terá imensas dificuldades”, afirma.

Em 2022, o Brasil está entrando de novo num período eleitoral com um cenário político e econômico complicado. Em sua visão, o que acontece? Por que o Brasil fica “patinando” e não consegue deslanchar?

Há uma série de motivos. A gente vem de uma situação fiscal muito complicada já há alguns anos, que talvez seja um dos grandes impeditivos para o País crescer. Hoje, a credibilidade internacional do Brasil é baixa, o que afeta o fluxo de investimentos externos, apesar de o País ainda ser um destino relevante. Além disso, passamos por uma pandemia brutal e hoje o ambiente político está muito agressivo. No Brasil, as soluções sempre vieram do consenso político, até porque não tem como ser diferente. O Brasil é politicamente muito fragmentado e tem um Congresso que ganhou força nos últimos anos, em lugar do “presidencialismo imperial” praticado anteriormente. Então, com esse quadro, formado por uma crise fiscal alongada, uma crise de credibilidade com o mercado internacional e local e por uma política agressiva, que optou em diversos momentos pelo choque e não pelo consensualismo, a gente acabou perdendo oportunidades de avançar em inúmeras matérias que deixariam o País um pouco mais organizado. Ainda assim, houve imensos avanços nos últimos anos. Eu não compro a ideia de que tivemos uma “década perdida”. Acredito que o Brasil é muito pior do que deveria ser, mas melhor do que parece.

Que avanços são esses que o sr. mencionou?

O País implementou uma série de medidas de modernização nos últimos seis ou sete anos, como a reforma da Previdência, o teto de gastos, que, apesar de ter sido “furado’, ainda é melhor do que nada, a reforma trabalhista, a nova Lei de Falências, os novos marcos regulatórios do saneamento e das ferrovias, a Lei do Gás e a PEC do Mar, que podem trazer muitos investimentos. Só que, no Brasil, as boas notícias são constantemente soterradas pelas más. A maioria das boas notícias que aconteceram no Brasil nos últimos anos tem impacto estrutural. Elas demoram para maturar e produzir grandes efeitos. Enquanto tudo isso está acontecendo, as notícias conjunturais são muito ruins. A gente tem uma conjuntura em que o Brasil está gerando cada vez mais notícias polarizantes e que causam desconfiança no mercado, mas estruturalmente, há muitos anos, o País está avançando em várias questões. No meio de todos esses avanços, porém, nós tivemos uma crise fiscal muito forte, uma pandemia que desarranjou o País e muita tensão política.

Em sua avaliação, como o País pode superar essa tensão?

É preciso buscar o consensualismo, que sempre trouxe resultados positivos para o Brasil. Até as vitórias eleitorais dependem do centro no País, mesmo quando ele não vence as eleições. O que fez o Bolsonaro ganhar a eleição em 2018 não foi o bolsonarismo. Foi o centro. O bolsonarismo deu a ele estrutura para ser competitivo. Colocou-o em pé, deu a ele viabilidade. Talvez possa até tê-lo colocado no segundo turno. Mas a vitória veio com o apoio do centro. Com o Lula foi a mesma coisa. Quando o Lula ganhou em 2002, ele já tinha uma base que o deixava competitivo eternamente, mas não lhe dava a vitória. Foi só quando ele conseguiu ganhar o centro que foi eleito. Vendo esse cenário hoje, o Lula está procurando o (Geraldo) Alckmin (ex-governador de São Paulo), porque sabe que a arbitragem de tensão pode lhe dar um favoritismo ainda maior do que já apresenta nas pesquisas.

Na eleição passada, havia duas narrativas, a do Bolsonaro e a do PT. Hoje tem três: a do Bolsonaro, a do PT e a do ‘não quero nenhum dos dois’ 

A questão é que, hoje, a gente vive uma forte polarização no País, que já vem de algum tempo. Como buscar o consenso e fazer as coisas caminharem neste sentido em meio à polarização?

A polarização não é ruim por si só. Os Estados Unidos, por exemplo, são polarizados desde que nasceram, com dois partidos fortes e um grupo independente. A Inglaterra tem dois ou três partidos.  No Brasil, o topo da pirâmide é polarizado, mas a base, não. Não adianta os candidatos a presidente serem polarizados e as narrativas federais serem polarizadas se quem decide não é. O Congresso Nacional não é polarizado. As assembleias e as câmaras municipais, também não. Nem os fóruns de políticas públicas. Quando o topo da cadeia não consegue conversar com a parte de baixo, a cadeia entra num impasse político. Eventualmente, quando esse impasse acontece, a parte de cima é obrigada a se despolarizar, como aconteceu com o Bolsonaro. No início do mandato, ele tinha a sua visão muito cristalizada, mas quando bateu de frente com o Congresso, que não pensava igual, não era polarizante como ele, o Bolsonaro se viu obrigado a falar com o PP, o PL, o PSD, com todos esses partidos, e com políticos como Valdemar Costa Neto (presidente do PL e ex-deputado federal), Ciro Nogueira (ministro da Casa Civil, e senador licenciado pelo PP), Arthur Lira (presidente da Câmara, também do PP), Rodrigo Pacheco (presidente do Senado, do PSD) e o (deputado) Marcos Pereira (presidente do Republicanos). Quanto mais rápido a realidade se impuser no topo da pirâmide, mais chance haverá para a agenda avançar.

Toda eleição é importante, mas muitos analistas têm dito que essa eleição é “a mais importante” das últimas décadas para o Brasil. O sr. também pensa assim?

Eu não vejo desta forma. Toda eleição é mais importante do que a anterior e menos importante do que a próxima. Talvez esta eleição seja mais interessante do que as do passado, porque será menos polarizada do que a de 2018. Na eleição passada, havia duas narrativas, a do Bolsonaro e a do PT. Hoje tem três: a do Bolsonaro, a do PT e a do “não quero nenhum dos dois”. Agora, se você perguntar para qualquer um por que esta eleição é mais importante, todo mundo vai dizer que é por causa da democracia, das instituições, do não sei o quê. Mas cada eleição tem o apelo do momento. Em 1994, houve uma eleição logo depois de um impeachment; em 1998, a questão era dar continuidade ao Plano Real ou retroceder; em 2002, a dúvida era se o Lula seria o radical das campanhas anteriores ou mais centrista; em 2006, com o mensalão, era preciso decidir se o Lula deveria continuar ou não; em 2010, existia a possibilidade de eleger a primeira presidente mulher, que é algo que mesmo democracias mais modernas, como os Estados Unidos, nunca fizeram; em 2014, em meio à Lava Jato e à crise econômica, a grande dúvida era se o PT deveria continuar ou se finalmente o PSDB deveria voltar depois de 12 anos; e em 2018, o que estava em jogo era se a gente iria eleger ou não um presidente de direita, um capitão. Em toda eleição há um fato que parece o mais importante do mundo até que venha a próxima.

Talvez, a ideia de que esta eleição seja mais importante tenha a ver com um superdimensionamento dos problemas que a gente vive hoje. O que o sr. pensa sobre isso?

Acredito que os problemas atuais são muito sérios. Não acho que haja um superdimensionamento dos problemas. O Brasil está passando por um momento muito difícil. Quase 700 mil pessoas já morreram na pandemia. Dezenas de milhões de brasileiros foram afetados pela morte de alguém, num ano muito difícil. Houve aumento da fome, do desemprego. As pessoas estão com dificuldade para pagar suas contas. Por tudo isso, é difícil falar em superdimensionamento das coisas. Parece pouco sensível ao momento que o país vive. Então, as pessoas tratam hoje esta eleição como a mais importante pelo momento difícil que o Brasil vive e por um viés de olhar o presente sempre como mais sério e mais importante, como de fato é. Talvez, também, porque seja uma eleição mais emotiva. Hoje, a gente tem um quadro em que 40% da população odeiam o outro lado, que representa 30% e pensa da mesma forma. Isso gera muita emoção, muita paixão, e tudo que gera muita emoção e muita paixão acaba sendo um pouco exagerado.

A gente não vai acordar no dia 1º de janeiro vendo um Congresso absolutamente novo

Olhando o quadro eleitoral como está posto hoje, considerando os diversos candidatos a candidatos, como o sr. vê a perspectiva de o País caminhar no sentido desse consenso no próximo governo?

Se não houver um mínimo de consenso em 2023, o País vai ter imensas dificuldades. Quando digo consenso, não precisa envolver todo o País. Não precisa estar todo mundo na mesma página. Mas uma parte relevante precisa concordar no mínimo com algumas coisas. Acredito que quem quer que seja o próximo presidente vai ter de seguir a cartilha de Brasília, de buscar o apoio do Congresso, de um presidencialismo de coalizão, de alianças com partidos que pensam diferente, porque se isso não acontecer a agenda não vai avançar. O Congresso continuará forte, mais independente e autônomo do que no passado, e com mais controle sobre o orçamento, derrubando vetos, como a gente viu neste governo. O presidente Bolsonaro bateu o recorde em vetos revertidos pelo Congresso, que tem hoje uma série de mecanismos para fazer o presidente levá-lo a sério.

A gente fala muito do pleito presidencial e muito pouco da eleição para o Congresso, que tem hoje esse poder todo que o sr. acabou de comentar. Como o sr. avalia as perspectivas para o novo Congresso? As forças políticas tradicionais devem continuar a controlá-lo?

A gente não vai acordar no dia 1º de janeiro vendo um Congresso absolutamente novo. Vão acontecer mudanças pontuais, mas no fim o Congresso vai ter o mesmo perfil. Vai continuar fragmentado e com as forças políticas de centro dominando a pauta. Se você fizer uma pesquisa no País para avaliar a credibilidade das instituições, vai verificar que a do Congresso é muito baixa. Mas isso acaba não tendo grande efeito prático, porque as decisões de cada região produzem sempre um Congresso muito parecido. A gente tem uma taxa de renovação muito alta no Congresso, uma das mais altas do mundo há muitos anos, na faixa de 40% ou um pouco mais. Na última eleição, foi até um pouco mais alta, bateu recorde, chegando a quase 50%. Mas nós vamos continuar a ver os mesmos partidos no Congresso. Não tem outra saída.

Como o sr. vê a atuação de partidos como o Novo, de movimentos como o MBL (Movimento Brasil Livre), o VPR (Vem Pra Rua) e o Livres e organizações de renovação política como o RenovaBR?

Todos esses movimentos de renovação – MBL, Vem Pra Rua, Livres e o próprio RenovaBR, do qual fui co-fundador com o Edu Mufarej – têm um papel relevante. Se eles vão crescer ou não, depende das pessoas que fazem parte desses movimentos. Agora, eles sempre desaguam num partido, que tem força para contornar eventuais problemas ideológicos que possam surgir. A não ser que a pessoa tenha uma presença midiática, social, muito forte, como a (deputada) Tabata (Amaral), que bateu de frente com o PDT. De qualquer forma, esses grupos não vão alterar o Congresso de uma legislatura para outra. Se conseguirem mudar, vai ser depois de muitas legislaturas. Além disso, eles não têm uma pauta única. Dentro do Renova, por exemplo, tem gente que pensa de um jeito e  gente que pensa de outro. Tem o (deputado) Vinicius Poit (do Novo) e a Tábata. Como a eleição do Congresso é ultrafragmentada, em realidades ultradistintas, não existe união para mudar o Congresso.

Nós falamos sobre muitos obstáculos que estão presentes na vida política e econômica do País. Que oportunidades o sr. enxerga pela frente e quais as perspectivas de elas serem efetivamente aproveitadas?

Talvez a grande boa notícia dessa intensa polarização, dessa agressividade que a gente tem visto é que, de uma forma ou de outra, os principais candidatos já entenderam, por mais que uma parte da sociedade ache isso feio, que não há caminho a não ser negociar com todas as forças políticas. Os principais candidatos, explicita ou implicitamente, estão dando sinais de que vão conversar com as diferentes forças do País. O (ex-juiz SérgioMoro (pré-candidato pelo Podemos) está em roadshow político por Brasília, São Paulo, Rio Grande do Sul e em negociações avançadas com o União Brasil. Ele está falando para todo interlocutor que encontra que não vai ser um vingador, que sente que tem de conversar com os partidos. O Lula, embora não negue nem confirme a aliança com o Alckmin, mostra também que quer ser percebido como alguém que vai conversar. O Bolsonaro entrou no PL, que ele e o filho criticaram lá atras, que o General Heleno (chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência) criticou lá atrás, e tem dentro do governo figuras do centro tradicional da política. Então, goste-se ou não, ache-se ético ou não essa questão de dividir o poder com partidos de centro, a verdade é que o Brasil é um país multipolarizado. Ninguém manda no Brasil sozinho. Muita gente manda no Brasil.

Volta ao passado

Como Jason, do filme de terror "Sexta-feira 13" que parece que morre, mas ressurge na continuação, a propaganda partidária no rádio e na TV já pode voltar.

O presidente Jair Bolsonaro (PL) sancionou esta semana, com um veto, a lei que ressuscita essa modalidade de publicidade, que não deve ser confundida com a propaganda eleitoral, que ocorre nos meses que antecedem o pleito.

A propaganda partidária é uma cota semestral a que todos os partidos que cumpram a cláusula de desempenho têm direito. As inserções variam conforme o número de deputados federais eleitos pela legenda. Nos semestres em que ocorrem votações, a propaganda partidária da lugar à eleitoral.

São muitos os equívocos e as inconveniências da nova lei. Eles começam pelo mérito da proposta. Se, em tempos pré-internet, ainda dava para discutir a necessidade de criar caminhos para que as legendas levassem suas ideias aos cidadãos, na era da rede de computadores isso se tornou um arcaísmo —que os caciques dos partidos sabem converter em poder pessoal.

Mesmo que se considere importante manter o instituto, haveria questionamentos sobre o formato escolhido. Os parlamentares descartaram os programas em blocos mais longos para favorecer as inserções de poucos segundos. É a consagração da ideia de que as mensagens políticas não se distinguem da de um comercial de sabão em pó.

Outro ponto a destacar é a oportunidade. A propaganda partidária havia sido extinta em 2017 num contexto de redução de danos.

Diante da decisão do STF de proibir doações de empresas, o Congresso se preparava para aprovar o bilionário fundo eleitoral. Os próprios parlamentares se deram conta do exagero e resolveram extinguir a propaganda partidária. Agora que os gastos públicos com candidatos estão normalizados, decidiram restaurar a benesse.

O único veto que Bolsonaro apôs ao projeto foi sobre o dispositivo que permitia às emissoras de rádio e TV abater a cessão do horário de seus impostos a pagar —um valor em torno dos R$ 400 milhões, atualizando os números de 2017.

Os otimistas podem ver aí uma saudável preocupação em poupar recursos públicos. Mas uma explicação alternativa e mais verossímil é que Bolsonaro quis dar uma estocada na Rede Globo e afiliadas, que ele vê como inimigas.

Se essa hipótese é correta, são grandes as chances de que, em fevereiro, quando o Parlamento voltar do recesso, o veto seja derrubado. Se contam às dezenas os parlamentares que têm vínculos diretos ou familiares com concessões de rádio e TV, o que significa que o brasileiro iria, mais uma vez, pagar para ver o que não quer.

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‘Em 2022, a cautela deve substituir a indignação’, diz Antonio Lavareda

José Fucs, O Estado de S.Paulo

03 de janeiro de 2022 | 16h50

O sociólogo e cientista político Antonio Lavareda, de 70 anos, é um dos profissionais mais tarimbados do País em campanhas eleitorais. Pioneiro, no Brasil, na utilização das ferramentas da neuropolítica, que estuda a influência das emoções e do inconsciente no comportamento dos eleitores, ele participou de quase 100 eleições, como coordenador ou consultor de campanha, nas últimas décadas.

Nesta entrevista ao Estadão, Lavareda afirma que o pleito de 2022 terá características diferentes do de 2018. Segundo ele, o eleitor está menos influenciado pelo sentimento de indignação que marcou a eleição passada e mais cauteloso e preocupado com a experiência dos candidatos, até em razão dos problemas de gestão observados durante a pandemia. “Em 2022, a cautela deve substituir a indignação”, diz.

Lavareda comenta também a preocupação de muitos analistas, que consideram a eleição de 2022 como uma das mais importantes das últimas décadas, em razão dos riscos de que haja uma ruptura institucional em caso de reeleição de Jair Bolsonaro, e fala sobre a ligeira guinada para a direita do PSDB, sob comando do governador de São Paulo, João Doria. Em sua avaliação, após as eleições, o Brasil deve seguir o exemplo recente do Chile e abrir espaço ao diálogo, para poder enfrentar os grandes desafios que tem pela frente. 

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Para Antonio Lavareda, eleitor estará mais cauteloso e preocupado com a experiência dos candidatos no pleito de 2022. Foto: Carlos Ezequiel Vannoni/Estadão

Nós estamos entrando em um ano eleitoral com um cenário político e econômico complicado, ainda marcado pela pandemia. O que a gente pode esperar das eleições em 2022?

No meu modo de ver, para a gente entender como será a eleição de 2022, é muito importante identificar o que ocorrerá de diferente agora em relação à eleição passada. A eleição de 2018 se inseriu na categoria das “eleições críticas”, que, segundo a literatura de ciência política, ocorrem quando se conjugam fatores como crise econômica, polarização ideológica, intensa participação e interesse no pleito, e têm como consequência um realinhamento expressivo do eleitorado. Em 2018, a principal consequência desse quadro foi a emergência de um outsider e a substituição do PSDB como representante do centro-direita nas eleições presidenciais pelo emergente de extrema-direita. O PSDB foi afastado do mandato que exercia desde 1994. Agora, em 2022, nós não deveremos ter outra eleição tão crítica, na qual a repulsa à corrupção, por conta da operação Lava Jato, capitaneia as aspirações da sociedade. Vai ser uma eleição normalizada, em que a temática da moralidade e do combate à corrupção deverá ser muito menos valorizada do que há quatro anos, o que diminui muito o espaço para outsiders.

Que outras diferenças devem marcar a eleição de 2022 em relação à de 2018?

Nós teremos agora, pela primeira vez na nossa história, um candidato que foi eleito como outsider e que se candidata à reeleição. Vamos ter um presidente que foi eleito como outsider, mas vai competir normalizado, submetido ao figurino da política tradicional, filiado a um grande partido, com uma grande coligação, grande tempo de rádio e televisão e grandes recursos - no caso, uma fatia expressiva do fundo eleitoral. Naturalmente, com isso, ele vai precisar conciliar um pouco da retórica antissistema que o elegeu quatro ano atrás. Não vai ser mais um candidato antissistema. Nós já tivemos presidentes que foram eleitos como outsiders duas vezes, no Brasil: a primeira em 1960, com Jânio Quadros, do PTN, que saiu de vereador de São Paulo e em nove anos chegou a presidente da República. Ele foi mais ou menos envelopado por um partido tradicional, a UDN, mas era um outsider. Sua presidência durou menos de sete meses, e o outsider foi embora. Depois, tivemos o Collor, eleito em 1989 e “impeachado” antes de completar três anos de governo. Ele era um outsider também e se elegeu como tal. Agora, pela primeira vez, vamos ter um candidato que foi eleito como outsider e se candidata a reeleição.

Antes da continuar, gostaria de esclarecer um ponto que o sr. mencionou há pouco. O sr. classificou o presidente Jair Bolsonaro como um candidato outsider em 2018, mas ele já estava há quase 30 anos na política. Será que a gente pode incluí-lo nessa categoria de outsider?

Isso é verdade. Mostra o truque exitoso do cidadão que estava há décadas no Parlamento, mas aos olhos da sociedade se colocou como um elemento antissistema. Ainda que você não queira classificá-lo como outsider, ele era um candidato antissistema, porque, na eleição, contestava até os fundamentos da Nova República, explicitando uma nostalgia em relação ao período autoritário. Ele se elegeu assim. O truque de marketing e da grande sensibilidade que ele tem foi exatamente se apresentar como outsider. Ele se apresentou como se fosse do lado de fora da política, como o intruso, alguém que, embora estivesse lá, lá não estava. A medida de seu êxito foi a montanha de votos que ele obteve no segundo turno.

Outro ponto que quero esclarecer, antes da gente continuar, é o seguinte: o sr. disse que, em 2018, nós tivemos uma “eleição crítica”, em razão da crise econômica, da Lava Jato e da rejeição à política tradicional por parte de um contingente considerável da sociedade, e que, em 2022, será diferente. Mas, neste ano, a gente também está vivendo uma crise econômica, com crescimento muito baixo da economia ou talvez até uma recessão, inflação em alta, desemprego, queda de renda, fora a questão da pandemia. Por que agora, na sua avaliação, essa “eleição crítica” não deve acontecer?

O clima de uma eleição é constituído pelo agregado de sentimentos mobilizados na sociedade pelos eleitores, despertados por fatores objetivos. O clima de 2018 tinha como fatores objetivos alimentadores a crise econômica, a Lava Jato, e a resultante era sobretudo a indignação. As pessoas, os eleitores comuns, viam o Brasil empobrecendo como resultado do dinheiro surrupiado pela corrupção política ao longo dos anos. Havia uma relação de causalidade entre as duas coisas. Agora, o sentimento predominante, que já se esboçou nas eleições de 2020, é o da substituição da indignação pela cautela, pela lógica. Ou seja, o eleitor está mais moderado, mais preocupado com a experiência dos candidatos. Por isso, a taxa de reeleição dos prefeitos, de 63%, foi excepcionalmente elevada em 2020. 

Houve uma decepção com muitos dos incumbentes eleitos como outsiders

Na sua visão, o que produziu essa mudança de humor da população?

De um lado, houve certa decepção com o desempenho dos incumbentes eleitos no tsunami de indignação de 2018, seja na Presidência, seja em alguns governos de Estado - e o Rio de Janeiro é um caso importante para ser levado em conta. De outro lado, o medo, o receio da pandemia, ressaltou a importância da ciência, da experiência para o enfrentamento dos problemas, rechaçando o improviso, os outsiders, como se viu em 2020. Ou seja, esse clima, na minha forma de entender, é motivado por dois componentes que se associaram, ora com maior peso um, ora com maior peso outro: de um lado, a decepção com muitos dos incumbentes eleitos como outsiders; de outro, a cautela, a precaução, substituindo a ansiedade, aquela mobilização indignada de 2018, inclusive por conta da pandemia.

Todas as eleições são importantes. É difícil dizer que uma é mais importante do que a outra. Mas muitos analistas têm considerado a eleição de 2022 como “a mais importante” das últimas décadas para o futuro do Brasil. Como o sr. analisa isso?

Isso tem a ver, provavelmente, com o caráter do governo Bolsonaro. Como eu disse inicialmente, o presidente guarda uma certa nostalgia do período autoritário. Trouxe para o governo o maior número de militares que já se viu desde o fim do período autoritário. No primeiro ano do governo, ele realizou um experimento inédito de governar como presidente antissistema. Ele era governo, mas se colocava em oposição ao Estado. Atuava como um chefe de governo que se opunha aos fundamentos constitucionais do Estado, uma coisa inédita que tinha tudo para dar errado. Então, alguns analistas estão chamando a atenção para o fato de que essa eleição vai decidir a sorte da Nova República. Há uma percepção de que, se o presidente Bolsonaro for reeleito, isso aumentaria muito a chance de uma ruptura institucional mais adiante ou de dar passos avançados para a construção de uma democracia iliberal. Hoje, como sabemos, não é mais necessário haver rupturas, com aquele coup d’etat clássico, para isso acontecer. Esses passos podem ser dados através do acúmulo de forças no Congresso ou no Judiciário ou em ambos, como ocorreu em outros países. 

Agora, o sr. falou há pouco que, em 2018, o centro-direita afastou-se do PSDB e apoiou a candidatura de Bolsonaro. Considerando a percepção de que uma eventual reeleição de Bolsonaro pode favorecer uma ruptura institucional, que posição o centro-direita deve tomar nesta eleição?

A grande interrogação, hoje, é se 2022 vai assinalar o retorno do PSDB como representação do centro-direita. Observando o quadro hoje, com o PSDB na quinta posição nas pesquisas, isso não parece o mais provável. É preciso levar em conta que o presidente deverá competir por uma coligação de partidos tradicionais que são expressivos, como o PL e o PP. Então, essa representação do centro-direita, que durante muito tempo, de 1994 a 2014, foi exercitada por um partido de centro, que era o PSDB, parece que agora será exercida por um agregado de partidos de direita, tipificados pelo PL e pelo PP, que deverão apoiar o presidente.

A sociedade brasileira caminha para a direita desde 2012

Nesse cenário, como devem ficar as candidaturas de centro-direita, como a do ex-juiz Sergio Moro, a do cientista político Luiz Felipe d’Avila, que deverá concorrer pelo partido Novo, e a do próprio governador de São Paulo, João Doria?

A academia tem uma classificação de partidos com base no posicionamento ideológico de cada um. Os que mais frequentemente são denominados partidos de centro pela ciência política brasileira são o PSDB e o MDB. O Doria, então, é considerado como centro e os demais como estando à direita do espectro. Então, a representação do centro-direita, que saiu do centro em 2018, muito provavelmente vai continuar longe do centro em 2022, até porque a sociedade brasileira caminha para a direita desde 2012. Quando a gente examina o agregado das votações, em todos os níveis, nós vemos que, a partir das eleições municipais de 2012, há um movimento regular que avoluma o agregado das votações dos partidos da direita no Brasil.

A questão é que, como a ala tradicional do PSDB não se identifica com o Doria, que apoiou o Bolsonaro em 2018, e também tem certa rejeição ao Moro, está surgindo um fato novo nesta eleição, que é a aproximação desse grupo e do PT, com a possível candidatura do ex-governador paulista Geraldo Alckmin como vice de Lula. Como o sr. coloca isso dentro desse quadro?

Tem dois personagens que você citou que ajudaram a construção do clima que resultou na eleição de 2018. Um é o Moro que, durante cinco anos, desde o fim de 2013, ajudou a construção do clima que permitiu a emergência desse líder mítico que viria a ser o Bolsonaro, em 2018. O outro é o João Doria. João Doria se elegeu como prefeito de São Paulo em 2016, assim como o Alexandre Kalil em Belo Horizonte, com um outsider da política. Tanto o Doria como o Kalil se elegeram proclamando as virtudes do gestor em oposição aos defeitos dos políticos. Então, pode até ser verdade, como as pessoas dizem, que o Bolsonaro foi decisivo para a eleição do Doria, no segundo turno, em 2018. Mas também é verdade que a eleição do Doria foi muito importante para consolidar na maior cidade do País a tese da antipolítica, da predileção do gestor sobre os políticos, e sobretudo para abrir o espaço para a ascensão de um outsider em 2018.

Embora o sr. tenha dito que, na academia, o PSDB sempre foi enquadrado como partido de centro, o certo, hoje, não seria enquadrar o partido mais como de centro-direita, com a ascensão do Doria e esse racha interno com a ala tradicional do partido que está levando o grupo a se aproximar do PT?

Na verdade, o centro, centro mesmo, é uma posição da mais elevada abstração. O centro é um ponto que não existe. É composto de posições um pouquinho à esquerda e um pouquinho à direita, e o Doria faz parte do centro-direita do PSDB, que se tornou dominante. Com isso, de fato, o partido caminhou alguns pontos, alguns centímetros ou metros, para a direita.

No multipartidarismo fragmentado como o nosso, ou o presidencialismo é de coalizão ou não é democrático

No Brasil, a gente fala muito da eleição presidencial e pouco sobre a disputa para o Congresso, que vem adquirindo um poder crescente nos últimos anos. Embora muitas candidaturas não estejam definidas, o que o sr. pode dizer sobre as perspectivas para o novo Congresso? As forças políticas tradicionais vão continuar a dominar?

Muita mudança ainda vai ocorrer nos próximos meses, sobretudo quando da “janela partidária”, que se abre em 3 de março durante trinta dias. Além disso, não há como imaginarmos que as eleições para o Congresso não sejam de alguma forma afetadas pela corrida presidencial, e é difícil prever como a campanha vai se desenrolar nos próximos meses. Ainda assim, já dá para identificar algumas tendências. Aparentemente, a proibição de coligações em eleições proporcionais, já com vigência nas eleições municipais de 2020, vai ter consequências positivas, sim, na redução da fragmentação partidária na Câmara dos Deputados. Provavelmente, pelo que se pode projetar hoje, as federações partidárias devem reduzir ainda mais essa fragmentação, porque vão se constituir, para todos os fins, como partidos, com alas internas, porque ficarão amarradas durante toda a legislatura. As federações estarão sujeitas à mesma legislação de fidelidade partidária que hoje existe para os partidos. Essa concentração deve-se se dar mais no campo da esquerda do que no da direita. Isso significa que, se o ex-presidente Lula for eleito, terá mais facilidade para construir sua base de apoio no Congresso. 

Apesar do poder adquirido pelo Congresso, o chamado “presidencialismo de coalização” tem uma conotação muito negativa para uma parcela considerável da sociedade e é visto como expressão do velho tomá lá, dá cá da política brasileira. Como o sr. vê essa questão?

Acredito que a categoria “presidencialismo de coalização”, que foi o (cientista político e sociólogo) Sérgio Abranches que nos trouxe, não fez muito bem neste sentido, porque ajudou a demonizar o exercício natural das absolutamente indispensáveis coligações partidárias. Quando você fala em “presidencialismo de coalizão”, é como se a virtude estivesse num eventual presidencialismo sem coligações. Mas como isso pode ser possível se nenhum partido tem mais do que 15% do Parlamento? Seríamos condenados à paralisia decisória permanente? No multipartidarismo fragmentado como nosso, ou o presidencialismo é de coalizão ou não é democrático. O único presidencialismo possível num sistema multipartidário fragmentado como o nosso é o de coalizão. Não devia ser nem uma categoria específica. Se é uma coisa que houve em todos os governos desde a redemocratização, é óbvio que essa categorização não distingue uns de outros. É por isso que eu digo que, do ponto de vista do funcionamento da democracia nas circunstâncias do nosso presidencialismo, isso deveria ser considerado um truísmo, mas não é. Toda democracia multipartidária com alguma fragmentação - não precisa nem cair no extremo da nossa, que pelo ranking internacional fica em primeiro lugar - exige coligação. Por que ninguém demoniza o parlamentarismo de coligação na Alemanha? Você não vai ver na literatura de ciência política de lá ninguém dizer “esse parlamentarismo de coligação vai fazer muito mal para a Alemanha”. É uma jabuticaba nossa.

Será que essa visão negativa em relação ao “presidencialismo de coalizão” não tem a ver com o esquema de troca de favores que o sustenta?

Isso tem a ver com a gramática das alianças. Quando a gente fala em alianças, está metaforicamente remetendo a uma prática social que todos nós conhecemos, que são os casamentos. A gramática dos casamentos, se você pega no conjunto e no mundo todo, é variada. Há casamentos por interesse pecuniário, por imposição familiar, por ditames religiosos e por amor, que são considerados os mais valiosos contemporaneamente. É a mesma coisa nas alianças, ou seja, nos casamentos e noivados partidários. Agora, há questões a serem enfrentadas. Uma delas, fundamental, é a discussão sobre a legitimidade das emendas orçamentárias. Embora isso seja algo praticado em todo o mundo, é importante que, no Brasil, hoje, mais da metade dos investimentos com recursos orçamentários, que não são determinações constitucionais, despesas obrigatórias, está nas mãos do Congresso. Só que, como não temos no País o semipresidencialismo, os parlamentares acabam tendo esse acesso a recursos do orçamento sem vínculo com as políticas públicas.

A transparência é algo imperioso no uso de recursos públicos

Muita gente está chamando essa participação significativa do Congresso nas verbas destinadas a investimentos de “captura do orçamento”, no sentido mais negativo possível. Mas eu lembro que o ministro Paulo Guedes disse, numa entrevista que concedeu ao Estadão, a primeira logo depois da posse, que os políticos é que deveriam decidir para onde vai o dinheiro público, como acontece nas principais democracias do mundo. Afinal, isso é ruim ou isso é bom? Houve realmente uma “captura” do orçamento pelos parlamentares?

Primeiro, a gente tem de ter cuidado com a semântica. Quando você fala em “captura”, já fala como se fosse algo ilegítimo. Não acredito que seja o caso. Agora, há um aspecto, do qual não se deve abrir mão: a transparência, que é algo imperioso no uso de recursos públicos. É, inclusive, uma determinação constitucional. O poder não pode ser exercido sem a devida transparência em todas as esferas - e na esfera orçamentária isso é fundamentalíssimo. É importante, sim, que os parlamentares tenham condições de alocar uma parte das verbas orçamentárias, porque eles detêm o conhecimento das demandas específicas das suas regiões, mas tudo é uma questão de proporção. Nos Estados Unidos, por exemplo, o (presidente Joe) Biden patrocinou um pacote de US$ 1,9 trilhão assim que assumiu o cargo e depois implementou um plano de investimentos em infraestrutura cujo valor é até maior do que isso. É preciso ter espaço no orçamento para que o Executivo, o governo federal possa lançar um plano com essa ambição. Não estou discutindo se o valor absoluto é muito ou pouco. Estou chamando a atenção para a questão relativa. É preciso deixar espaço para que as políticas públicas concebidas pelo governo federal tenham fôlego, recursos suficientes para ser desenvolvidas. Então, como muitos dos problemas na vida, é um problema de proporção. Esse é um problema que qualquer governante que for eleito neste ano vai precisar enfrentar e repactuar com o Congresso, no processo de diálogo com o Legislativo. O Congresso não pode achar que isso se transformou numa “cláusula pétrea”.

Num exercício puro de futurologia, olhando para 2023, há uma luz no fim do túnel ou o País vai continuar nessa polarização que vivemos hoje? Como o sr. imagina o Brasil pós-eleitoral, em 2023?

Quanto mais difíceis e mais poderosos forem os obstáculos que as nações atravessam, mais é requerido das forças políticas um exercício de convergência. O processo eleitoral naturalmente causa divisão. Em 2022, nós vamos ter os segmentos políticos mobilizados, se enfrentando com contundência, com virulência. Não acredito que as eleições de 2022 vão se dar num clima ameno ou muito civilizado. Acredito que vamos ter disputas muito ásperas, muito duras. Mas nós temos que nutrir a esperança de que, passadas as eleições, as principais forças políticas redefinidas pelo eleitorado, aquelas que serão governo e as que serão oposição, tenham condições de desenvolver um patamar mínimo de diálogo para enfrentar os problemas dramáticos que se colocam para o País. A minha esperança é de que o bom senso e a razão levem a uma redução do conflito político-ideológico em 2023, apesar de todas as dificuldades e da temperatura elevada que deve predominar na campanha. Nós vimos no Chile, por exemplo, um candidato radical do ponto de vista político-ideológico, que perdeu eleição e felicitou o opositor vitorioso, dizer que estava pronto para contribuir para o que fosse melhor para o país. É óbvio que isso é retórica. Mas em política todo enunciado tem significado e deixa consequências. Nós não podemos saber ainda quem vai ganhar a eleição no ano que vem, se Bolsonaro, Lula, Sergio Moro ou qualquer dos outros. Mas o que se espera é que, independentemente de quem seja o vitorioso, os demais tenham uma postura, digamos, construtiva, se não para o governo próximo com certeza para o País.

TSE repete medidas sem eficácia para combater fake news em 2022

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) vai repetir neste ano medidas de combate às fake news que não tiveram êxito nas eleições presidenciais passadas e tentar outras ações para evitar a enxurrada de notícias falsas. As novas iniciativas, porém, são vistas com desconfiança por especialistas ouvidos pelo Estadão/Broadcast.

Durante todo o ano de 2021, o TSE concentrou esforços no enfrentamento à campanha de inverdades capitaneada pelo presidente Jair Bolsonaro e por parlamentares bolsonaristas contra a urna eletrônica. Mesmo fora do período eleitoral, o grupo político do chefe do Executivo recorreu a ideias distorcidas para defender algumas de suas propostas ou atacar adversários.

Ações idealizadas para combater notícias falsas na disputa de 2022, como a Comissão de Fiscalização e Transparência das Eleições, acabaram sendo aplicadas ainda no ano passado para frear a agenda governista, que pôs sob suspeita o sistema eletrônico de votação, sem apresentar provas.

A comissão foi criada pelo presidente do TSE, Luís Roberto Barroso, com o objetivo de aprimorar a fiscalização e auditoria do processo eleitoral, em especial das urnas eletrônicas, e ampliar o acesso público às etapas de preparação das eleições. Até o momento, porém, o grupo não conseguiu alterar de forma substancial a dinâmica de notícias falsas nas redes sociais nem mesmo em relação ao sistema eletrônico de votação. Além disso, ao criar o colegiado, o tribunal repete a principal estratégia fracassada em 2018: a aposta em comissões temáticas para lidar com as redes de difusão de mentiras.

m 2017, sob a presidência do ministro Gilmar Mendes, o TSE montou o Conselho Consultivo sobre Internet e Eleições para discutir formas de coibir a proliferação de notícias falsas nas redes sociais. Nas eleições do ano seguinte, quando Rosa Weber atuou como presidente, este foi o principal instrumento do tribunal contra a desinformação, mas o grupo fracassou em apresentar respostas eficazes às fake news que dominaram a disputa. Houve disparos em massa de mensagens em benefício do então candidato Jair Bolsonaro, como atestou o TSE durante o julgamento de cassação da chapa Bolsonaro-Mourão.

Milícias Digitais

Para este ano, além da comissão temática, a Corte traçou ações administrativas e jurídicas, na tentativa de fazer frente às milícias digitais. Especialistas ouvidos pelo Estadão, porém, disseram não existir garantias de que as iniciativas surtirão o efeito desejado. Um exemplo é o processo de tratativa com as redes sociais para conter as notícias falsas.

Sob o comando do então corregedor-geral da Justiça Eleitoral, Luis Felipe Salomão, o TSE se aproximou das empresas de tecnologia responsáveis pelo funcionamento das plataformas digitais YouTube, Twitch.TV, Twitter, Instagram e Facebook no País. Mas, embora tenham sido adotadas medidas de ataque ao poder econômico dos propagadores de notícias falsas, como a desmonetização de canais e páginas que propagam fake news, as negociações deixaram de fora dois dos principais redutos bolsonaristas nas redes sociais: os aplicativos de mensagem WhatsApp e Telegram.

Além disso, não foram formalizados compromissos das empresas em reformular suas políticas para conter o ambiente hostil nas redes sociais. Como mostrou o Estadão, plataformas como o Telegram e o Gettr – aplicativo semelhante ao Twitter que atraiu a extrema-direita pela falta de moderação de conteúdo – se tornaram abrigo de bolsonaristas foragidos da Justiça, como o blogueiro Allan dos Santos, e têm se notabilizado como espaços de livre circulação de notícias falsas.

Na avaliação de Carlos Affonso Souza, professor de Direito e Tecnologia na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), a rede social representa um dos problemas anunciados para as eleições deste ano e deve ser contestada a tempo de evitar problemas como os observados em disputas anteriores. “É importante levar a sério o papel do Telegram. Ele não respondeu às solicitações de informações da CPI da Covid, não tem se mostrado responsivo às demandas de diversos órgãos no Brasil. Esse é um ponto de atenção”, afirmou Souza.

No fim do ano passado, o TSE apresentou uma nova iniciativa para garantir soluções mais eficazes do que as de 2018 no enfrentamento às redes de desinformação na internet. O tribunal aprovou, por unanimidade, resoluções sobre o funcionamento das propagandas eleitorais.

Procurados pela reportagem, o Facebook e o Instagram confirmaram a adoção dos “rótulos de propaganda eleitoral” para garantir a checagem de informações na rede social durante a campanha de 2022. O WhatsApp informou que retomou reuniões de trabalho com o TSE no segundo semestre de 2021.

O TSE não respondeu aos questionamentos enviados até o momento da publicação desta reportagem. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo. COM ISTOÉ

Cena do crime

J. R. Guzzo, O Estado de S.Paulo

26 de dezembro de 2021 | 03h00

O ex-governador Geraldo Alckmin disse em passado recente, sem ninguém ter-lhe perguntado nada, que o ex-presidente Lula, em sua campanha para a Presidência da República, quer “voltar à cena do crime”. Nunca retirou o que disse; de lá para cá Lula foi condenado pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro por nove juízes diferentes, em terceira e última instância, e ficou um ano e meio na cadeia. Agora, de uma hora para outra, os dois aparecem como melhores amigos para disputarem – com Alckmin na vice, é óbvio – a eleição presidencial de 2022. Quer dizer, então, que o ex-governador resolveu tornar-se cúmplice de um criminoso e voltar junto com ele ao lugar onde o crime foi cometido? Se não for isso, não se sabe o que poderia ser.

Alckmin talvez tenha alguma explicação para o seu cavalo de pau – mas, se tem, ainda não contou nada para ninguém. O que mudou, desde então, para ele ter hoje sobre Lula uma opinião oposta à que tinha outro dia? Por acaso descobriu-se que a roubalheira do seu governo não existiu? Que não houve dezenas de confissões de culpa e devolução de milhões em dinheiro roubado? Que Lula foi absolvido de alguma coisa? Seus processos penais foram anulados num embuste legal no Supremo, onde não se considera, hoje em dia, que corrupção seja um crime – mas sentença de absolvição na justiça brasileira, até agora, não houve nenhuma.

Lula e Alckmin
Lula e Alckmin se encontram em jantar em São Paulo em 19 de dezembro de 2021. Foto: Antônio Carlos de Almeida Castro

Se nada mudou, e se Lula não mudou nada, temos um problema aqui. Ou Alckmin é favor ou é contra Lula. Ser contra é patentemente absurdo – ninguém se candidata a vice para, depois de eleito, fazer oposição ao presidente. Então tem de ser a favor; é mentira que haja meio termo, ou que ele vá “segurar” Lula no futuro governo. Não vai segurar nada; vai só assinar embaixo. Isso quer dizer que Alckmin terá de aceitar, entre mil outras coisas, a volta do MST e das invasões de terra garantidas pelo governo, o comando dos empreiteiros de obras e a devolução da Petrobras aos ladrões. Vai ter de assistir quieto ao roubo permanente na Caixa e Banco do Brasil. Vai achar que está tudo certo com a Venezuela e que o único problema, ali, é haver “democracia demais”, como diz Lula.

Não existe chapa “moderada” com Lula e com o PT. Jamais aceitaram o “equilíbrio” com que sonham os analistas políticos: podem dar uns empreguinhos e outras esmolas para Alckmin e seus amigos, mas jamais vão deixar de fazer absolutamente nada daquilo que querem, nem se preocupar com o que o ex-governador acha ou não acha. O que ambos estão querendo vender para o eleitor é uma impostura – apenas isso.

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