Em recado ao Centrão, Lula diz que ministro que não defender governo pode pedir para sair e que Tarcísio deve ser adversário em 2026
Por Lauriberto Pompeu Ivan Martínez-Vargas e Thaís Barcellos — Brasília / O GLOBO
Em recado aos representantes do Centrão no governo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse a seus ministros na reunião desta terça-feira que quem não se sentisse à vontade para defender a gestão publicamente poderia pedir para sair, de acordo com aliados ouvidos pelo GLOBO. Pela primeira vez, Lula também afirmou publicamente que espera ter como principal adversário na disputa pelo Palácio do Planalto no ano que vem o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), e não um integrante da família Bolsonaro.
A avaliação na reunião ministerial ocorre um dia após o evento de aniversário do partido de Tarcísio. Na ocasião, o presidente da sigla, o deputado Marcos Pereira (SP), fez um aceno público à possibilidade de o governador paulista disputar o Planalto. Tarcísio, por sua vez, evitou citar a eleição, mas falou sobre "derrotar o improvável".
Além disso, Lula citou o presidente do PP, Ciro Nogueira, oposicionista e apoiador de Jair Bolsonaro. Lula reclamou do que chamou de movimentação do dirigente partidário para ser candidato a vice de Tarcísio. Ao falar sobre o tema, o presidente também se queixou do presidente do União Brasil, Antonio Rueda, e disse aos ministros que não gosta dele.
Nesta terça, Lula disse que todos os ministros devem estar a par das entregas do governo como um todo, não apenas de suas áreas. O petista se queixou de que as legendas do Centrão fazem eventos em que as críticas ao governo são constantes e que os ministros desses partidos não fazem nenhuma fala pública de contraponto.
Essa situação ocorreu, por exemplo, na semana passada, quando União Brasil e PP fizeram um evento para marcar o lançamento da federação entre as duas legendas.
No início da reunião ministerial desta terça, todos os ministros receberam o boné nacionalista azul com os dizeres "O Brasil é dos Brasileiros", que tem sido usado por governistas desde fevereiro, em contraposição ao boné vermelho Make America Great Again (faça a América grande de novo, em tradução livre) usado por apoiadores de Trump nos Estados Unidos e no Brasil por bolsonaristas, a exemplo de Tarcísio de Freitas. Também receberam um livreto com cifras de programas do governo e um QR code para um website de uma campanha das ações e entregas da gestão de Lula.
A fala do presidente ocorreu no final do encontro. De acordo com presentes, Lula falou diretamente sobre a escalada que União Brasil e PP têm dado em direção a uma tentativa de desembarque dos cargos do governo. Lula disse na reunião que os ministros dessas siglas não eram escolha dos partidos, e sim do próprio presidente, mas quem quisesse sair do cargo, precisava falar.
Os ministros do Esporte, André Fufuca (PP), e do Turismo, Celso Sabino (União Brasil), estavam no encontro da semana passada, e o ministro de Portos e Aeroportos, Silvio Costa Filho (Republicanos), participou nesta segunda-feira do evento da sigla em que Marcos Pereira acenou a Tarcísio. Nas duas ocasiões, o governador de São Paulo esteve presente.
Publicamente, no entanto, Tarcísio tem evitado mencionar a possibilidade de disputar o Planalto e diz que seus planos são concorrer à reeleição em São Paulo.
Ministros ligados ao Centrão reconhecem que hoje a situação é delicada e parte do grupo diz que vai evitar, a partir de agora, participar dos eventos organizados por suas siglas que tenham um claro teor de oposição ao governo. A ala do Centrão que tem cargos no governo, no entanto, descarta pedir desfiliação e ressalta que vai apoiar Lula de qualquer maneira em 2026. O discurso é de que os partidos são grandes, diversos, e já estão acostumados a ter membros com diferentes posições políticas.
Tarcísio acelera
Por Merval Pereira / O GLOBO
Ao mesmo tempo que reafirma sua lealdade quase suicida ao ex-presidente Jair Bolsonaro, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, pisa no acelerador no discurso de candidato à Presidência da República, reproduzindo até o famoso slogan de um dos mais populares presidentes brasileiros, Juscelino Kubitschek. Fazer 40 anos em quatro é uma promessa de palanque de Tarcísio, que nunca antes havia ultrapassado a linha imaginária que separa o sonho da realidade.
À medida que se aproxima a data do julgamento de Bolsonaro, o panorama vai clareando diante do fato consumado. Recentes pesquisas de opinião mostram que o eleitor já se posiciona diante dos desafios que terá de enfrentar nas urnas dentro de pouco mais de um ano. A Quaest aponta que 55% consideram justa a prisão domiciliar de Bolsonaro e 39% injusta; e que 49% não estão de acordo com as sanções do governo americano impostas ao ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, enquanto 39% estão de acordo.
Outra pesquisa, da Atlas/Intel, diz que 49% aprovam a posição do ministro e 51% desaprovam. Moraes representa, assim, a polarização política que vigora no país hoje. É mau sinal, porque o STF passa a ser parte da questão, e é muito ruim — deveria estar acima das disputas políticas. Na verdade, historicamente sempre teve envolvimento político, mas, nos últimos anos, a partir dos julgamentos do mensalão e do petrolão, passou a ser um player político, cujas decisões interferem na disputa eleitoral. Foi assim com Lula, é assim com Bolsonaro.
Não é bom sinal da democracia, mas é um fenômeno que se espraia pelo mundo. Nos Estados Unidos, Donald Trump faz o que quer, e a Suprema Corte atua como apoio, na maioria das vezes presumido, por sua maioria conservadora, enviando mensagens aos poderes regionais. É um reflexo da nossa política atual, de confrontação e do uso do Judiciário para fortalecer o poder político.
Muitos governos controlam a Suprema Corte com manobras e decisões autoritárias, que garantem aparência de democracia, mas no fundo são controladas pelos governos autoritários. É assim que a coisa anda por este nosso mundo conturbado. Após as revelações dos áudios dos diálogos entre Bolsonaros, pai e filho, e das provas de ações antipatrióticas e ilegais no país e no exterior, no momento nenhum político brasileiro pode confrontar o presidente Lula, como mostra outra pesquisa Quaest.
O tarifaço de Trump acabou com a família Bolsonaro. Ficou claro que tudo é um arranjo para salvá-los pessoalmente, sem ajuda nenhuma para os “pobres velhinhos e velhinhas” que participaram do 8 de Janeiro “sem querer, sem intenção de golpe”, embora essa fosse a principal reivindicação dos acampados à beira dos quartéis. Os mais recentes áudios vazados — que a pesquisa não contempla ainda — terminaram por enterrar a relação familiar horrorosa — filho xingando pai com os piores palavrões, Bolsonaro transferindo milhões de reais para contas da esposa, Michelle, e do filho fujão.
É uma família que usa dinheiro público e privado — obtido de seus seguidores — para interesse próprio. A narrativa de que são patriotas não existe. Perderam o maior símbolo que tinham, o verde e amarelo. Haviam tirado da esquerda a bandeira do Brasil e a camisa da seleção, que viraram símbolo do patriotismo. Hoje estão com a bandeira dos Estados Unidos. Continuar apoiando Bolsonaro a troco do antipetismo? Não tem cabimento, o antipetismo tem um limite, que são seus opositores.
Em 2018, não se sabia direito quem era e como era Bolsonaro, ou não se queria acreditar nos relatos de suas atuações no Congresso. Em 2022, ele perdeu usando a máquina do Estado, e agora, com todos esses fatos, acho difícil que o bolsonarismo continue representando a centro-direita.
Ruína de Bolsonaro é chance para a direita
Por Notas & Informações / O ESTADÃO DE SP
O indiciamento de Jair e Eduardo Bolsonaro pelos crimes de coação no curso do processo e abolição violenta do Estado Democrático de Direito escancarou, de uma vez por todas, aquilo que já estava implícito no comportamento do clã: sua única preocupação é garantir, a qualquer custo, que o ex-presidente jamais seja responsabilizado pela pletora de crimes que o fizeram réu perante o Supremo Tribunal Federal (STF) na Ação Penal 2.668, que trata da tentativa de golpe de Estado. Qualquer outro objetivo, seja de interesse nacional, partidário ou voltado a um movimento político mais amplo, não tem a menor importância para Bolsonaro e sua grei.
O relatório da Polícia Federal (PF), divulgado com autorização do ministro Alexandre de Moraes, indica que Bolsonaro, Eduardo e o pastor Silas Malafaia tramaram desavergonhadamente meios concretos de interferir no bom andamento da Ação Penal 2.668. Do ponto de vista jurídico-penal, a tipificação dessas condutas ainda tem de passar pelo crivo da Procuradoria-Geral da República. Entretanto, do ponto de vista político, o material obtido pela PF não poderia ser mais devastador para os Bolsonaros.
As conversas trazidas a público confirmam a supremacia dos interesses mesquinhos da família sobre o interesse nacional e até mesmo sobre os de seu grupo político, o que atesta a absoluta falta de compromisso do bolsonarismo com o Brasil. A imposição de uma sobretaxa de 40% sobre as exportações brasileiras pelo presidente dos EUA, Donald Trump, somada às sanções impostas ao ministro Moraes pelo governo americano no âmbito da Lei Magnitsky, evidenciam o preço da cruzada delinquente de Jair e Eduardo Bolsonaro, este homiziado nos EUA desde março: incalculável prejuízo para o País em nome da impunidade de um só homem.
Em mensagens ao pai, Eduardo foi explícito ao dizer que a tal “anistia ampla, geral e irrestrita” jamais passou de um artifício retórico. O que importa, disse ele, é tão somente livrar Bolsonaro da cadeia. Caso contrário, segundo Eduardo, Trump poderia sustar suas ações para subjugar o STF em favor do pai. Esse reconhecimento expresso de que uma solução intermediária – o que o vulgo “zero três” chamou de “anistia light”, ou seja, um perdão que aliviasse apenas a situação dos bagrinhos do 8 de Janeiro – não satisfaria ao clã só reforça a convicção de que toda a energia negativa da família sempre esteve direcionada a um único fim: livrar Jair Bolsonaro, e apenas ele, da cadeia.
Nesse projeto personalista, atropelar aliados é fato da vida. O governador Tarcísio de Freitas, por exemplo, tido como candidato a herdeiro do espólio eleitoral de Jair Bolsonaro, tornou-se alvo da fúria de Eduardo apenas por tentar abrir canais de diálogo com autoridades americanas a fim de reduzir os impactos do tarifaço, particularmente duros para São Paulo. Em termos chulos, o filho do ex-presidente não só insultou o pai, como ameaçou desferir mais agressões contra Tarcísio caso Bolsonaro continuasse a defendê-lo em público. Em respeito ao leitor, decidimos não reproduzir a vulgaridade das conversas.
A cada revelação, fica mais evidente que a causa bolsonarista jamais foi a defesa da democracia, da soberania, da liberdade de expressão ou dos idiotas úteis que tomaram Brasília de assalto naquele dia infame. Trata-se de um projeto de autopreservação familiar que explora seguidores e sacrifica o Brasil. É nesse contexto que os verdadeiros conservadores, aqueles que repudiam a ruptura e prezam as instituições democráticas, devem avaliar a conveniência de permanecer ao lado de um golpista desqualificado como Jair Bolsonaro. Com tudo o que se sabe, só o fanatismo explica a fidelidade canina de alguns ao “mito”. Lideranças com pretensões eleitorais que se consideram decentes não podem continuar a se associar a um clã que já demonstrou ser capaz de trair os interesses mais vitais do País em troca da liberdade do líder da facção.
É de justiça reconhecer que, no campo da direita, já há quem se movimente pela construção de uma alternativa política democrática ao governo Lula da Silva, considerando que Bolsonaro é um zumbi político. Que assim seja, pois o Brasil não pode seguir refém de uma família que intoxica o destino nacional com sua desgraça particular.
Centrão e direita correm para consolid
O indiciamento e a divulgação de troca de mensagens entre Jair Bolsonaro e seu filho Eduardo foram vistos por integrantes do centrão e partidos de direita como uma janela para ampliar a pressão por unidade em torno de uma candidatura presidencial de Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP), o que inclui a definição do vice na chapa.
Os maiores partidos de centro e de direita no país defendem, há tempos, a consolidação do governador de São Paulo como nome para enfrentar Lula (PT) em 2026, mas enfrentam a indefinição de Bolsonaro —que está inelegível e às portas de uma condenação, dada como certa, no caso da trama golpista.
Mais do que o indiciamento por suposta tentativa de obstruir esse processo, a troca de mensagens entre Eduardo e o pai indica divergências em relação à atuação política da família e uma forte desconfiança por parte do deputado em relação a Tarcísio, o que provocou reações entre expoentes do mundo político do centro à direita nesta quinta-feira (21).
Ainda que as conversas cristalizem um cenário de campo minado para Tarcísio no seio da família Bolsonaro, políticos avaliam que as brigas, tornadas públicas, causam desgaste principalmente para Eduardo, apontado como nome radical do clã.
Na visão de dirigentes partidários, o episódio enfraquece ainda mais o filho do ex-presidente e cria uma janela para que o governador obtenha certa autonomia em relação à família Bolsonaro, sem perder o apoio do ex-presidente, crucial para qualquer nome desse campo que almeje ser competitivo no ano que vem.
As mensagens mostram Eduardo manifestando, por várias vezes, contrariedade e desconfiança em relação a Tarcísio. Uma delas alerta que o governador de São Paulo nunca ajudou o pai no STF (Supremo Tribunal Federal).
"Sempre esteve de braço cruzado vendo você se foder e se aquecendo para 2026."
Uma ala do centrão vê ganhos para Tarcísio principalmente com a reiteração do que seria uma bagunça generalizada na família do ex-presidente, que exigiria mais do que nunca um presidenciável que faça parte do bolsonarismo, mas que não carregue nas costas todo o desgaste do sobrenome.
Tarcísio foi ministro da Infraestrutura durante o governo Bolsonaro (2019-2022) e eleito governador de São Paulo graças à indicação e apoio do ex-presidente. Em sua gestão, é alvo frequente de bolsonaristas que dizem não ver alinhamento total e defesa enfática de Bolsonaro, apesar de o governador comparecer inclusive aos protestos liderados pelo ex-presidente na avenida Paulista.
Do grupo de governadores mais à direita que almejam disputar a presidência em 2026, Tarcísio é o preferido da maior parte dos partidos que hoje controlam o Congresso, incluindo o quinteto que integra a Esplanada dos Ministérios de Lula —União Brasil, PP, PSD, MDB e Republicanos.
Políticos desses partidos temem principalmente que Bolsonaro resolva, como chegou a sinalizar a alguns aliados, optar por um nome da família para 2026, como a mulher, Michelle, ou o filho Flávio Bolsonaro.
O indiciamento e as mensagem fragilizam essa hipótese, na visão de aliados, por reforçar a vulnerabilidade política da família. Ainda assim, políticos de centro e direita sempre fazem a ressalva de que Bolsonaro é imprevisível e de que muito pode mudar nos 12 meses que faltam para a oficialização das candidaturas.
Em fevereiro, por exemplo, Lula atingia sua pior avaliação popular. Agora, seis meses depois, demonstra recuperação.
Com a avaliação de que cresceram as chances de um candidato bolsonarista sem o sobrenome Bolsonaro, há quem defenda inclusive um vice de fora da família. Por ora, o nome do ex-ministro da Casa Civil e senador Ciro Nogueira (PP-PI) é um dos mais fortes.
Ciro preside o PP e comanda, ao lado de Antonio Rueda, presidente do União Brasil, a montagem de uma federação que, apesar de ter quatro ministros sob Lula, vem se posicionando como ponta de lança da oposição para 2026.
Juntos, os dois partidos têm 109 deputados federais, mais de 20% do tamanho da Câmara.
No ato da federação na última quarta, em Brasília, a principal estrela foi Tarcísio.
Aliados de Bolsonaro e do governador de São Paulo dizem ainda ver alinhamento entre o ex-presidente e o governador, mesmo diante dos ataques de Eduardo nas mensagens encontradas pela Polícia Federal no celular do ex-presidente.
O deputado já havia falado publicamente contra Tarcísio, sendo o principal expoente de uma ala crítica ao governador, que tenta apontá-lo como "candidato do sistema".
"Agora ele [Tarcísio] quer posar de salvador da pátria. Se o sistema enxergar no Tarcísio uma possibilidade de solução, eles não vão fazer o que estão pressionados a fazer. E pode ter certeza, uma 'solução Tarcísio' passa longe de resolver o problema, vai apenas resolver a vida do pessoal da Faria Lima", disse Eduardo, em uma das mensagens.
O deputado também pleiteia a sucessão eleitoral do pai à Presidência da República. Mas, diante do avanço dos inquéritos no STF, não deve retornar ao Brasil.
Nesta quinta, Tarcísio defendeu Bolsonaro e criticou a divulgação das mensagens. "Minha relação com Bolsonaro vai ser como sempre foi, uma relação de lealdade, relação de amizade, relação de gratidão com uma pessoa que, eu entendo, fez muito pelo Brasil e fez muito por mim".
Líder da bancada do PL na Câmara e próximo a Malafaia, o deputado Sóstenes Cavalcante (RJ) afirmou que, em sua visão, nada muda com o indiciamento e com as mensagens.
"Isso aí é mais do mesmo com relação ao Tarcísio e o Eduardo, esse assunto já foi superado lá atrás. O dois se falaram depois disso. E a franqueza e a firmeza são práticas normais na nossa convivência do dia a dia", afirmou.