Lula precisa tomar cuidado com campanha fora de hora
Por Merval Pereira / O GLOBO
Lula tem que tomar cuidado, está pisando uma linha muito frágil. Se lembrar que Bolsonaro foi tornado inelegível porque usou o poder de presidente para reunir embaixadores e falar mal das urnas eletrônicas, ele tem que começar a tomar cuidado com o que faz do seu mandato.
Porque ele não passa um dia sem falar que só não vai ser candidato se a saúde não permitir e começa a fazer campanha. É um absurdo falar que o deputado Nikolas Ferreira ajudou o crime organizado com a história do pix. É uma ilação muito ampla e quase irresponsável.
Pode- se não gostar do deputado, mas o que ele fez foi só demagogia, politicagem, com o objetivo de ficar popular e não de ajudar o PCC. A não ser que haja uma indicação muito forte da Polícia Federal, dizer isso é uma irresponsabilidade.
Lula está em campanha forte e já sabe ou desconfia que Tarcísio de Freitas é o candidato. Os políticos tradicionais estão tentando convencer Bolsonaro de que a única chance de ser anistiado é fazer o sucessor de Lula, e Tarcísio é o que tem mais força pra isso. Vamos ver o que vai acontecer, mas Lula está em campanha mesmo.
Lula diz que Tarcísio sem Bolsonaro não é nada e que governador faz o que ex-presidente quiser
O presidente Lula (PT) afirmou nesta sexta-feira que o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), não seria nada sem Jair Bolsonaro (PL) e fará o que o ex-presidente quiser.
A declaração foi feita em entrevista à rádio Itatiaia. "Nós temos que reconhecer que o Bolsonaro tem uma força no setor de extrema direita muito forte. O Tarcísio vai fazer o que o Bolsonaro quiser. Até porque sem o Bolsonaro ele não é nada. Ele sabe disso", disse.
Questionado sobre as declarações do petista, Tarcísio respondeu que "não perde nem um minuto" pensando em críticas do tipo.
Em entrevista coletiva no Hospital Estadual Mário Covas, em Santo André, onde estava para anunciar mais recursos para a saúde e investimentos em equipamentos, o governador foi questionado se as críticas o incomodavam.
"Não perco um minuto pensando nisso", respondeu.
Após a resposta curta, Tarcísio ficou em silêncio e passou a ser questionado sobre outros assuntos. Ele disse que pretende ficar em São Paulo para acompanhar o julgamento de Bolsonaro na semana que vem e que acredita na inocência do ex-presidente.
"Eu não sei o que vai acontecer. O que eu sei é que o Bolsonaro é inocente. Eu convivi com ele de forma muito próxima esse período todo, fui ministro dele. Um presidente que está planejando algo não nomeia os comandantes de Força do governo que está sucedendo. Então, tem muita coisa aí que não faz o menor sentido, na minha opinião. Eu acredito muito, e tenho convicção absoluta na inocência e, se houver justiça, ele vai ser inocentado."
O governador de São Paulo é cotado para ser o candidato do campo do bolsonarismo nas eleições de 2026. A pressão por unidade em torno da candidatura do governador paulista à Presidência ganhou força nas últimas semanas entre integrantes do centrão e do mercado financeiro.
Na entrevista à rádio Itatiaia, Lula afirmou ter boa relação com Gilberto Kassab, que é presidente do PSD e secretário de Tarcísio. Sobre os resultados das pesquisas eleitorais, o presidente disse que é cedo para definir um cenário.
"É muito precipitado a gente querer definir o jogo fora do estádio. Vamos entrar em campo e começar a definir o jogo. Já vai chegar o momento em que as coisas vão ser definidas, quem vai estar com quem. E aí nós vamos jogar", disse Lula.
Ele também repetiu uma fala de que será candidato à reeleição se estiver "100% de saúde", como diz estar hoje.
Lula defendeu ainda a cassação do deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), que articula sanções contra o Brasil nos EUA para pressionar por uma anistia ao seu pai.
"Eu já falei com o presidente [da Câmara] Hugo Motta, já falei com vários deputados de que é extremamente necessário cassar o Eduardo Bolsonaro porque ele vai passar para a história como o maior traidor da história desse país. Aliás, um dos maiores traidores da pátria do mundo", afirmou Lula.
Lula também colocou na mira o governador mineiro, Romeu Zema (Novo), a quem chamou de "figura caricata" e "falso humilde".
"Se ele tiver a performance que ele teve no [programa] Roda Viva, vai ser um desastre para ele. Ou ele melhora, deixa de ser o falso humilde e começa a dizer a verdade ou ele vai ser desmoralizado na campanha".
O presidente cumpriu nesta sexta duas agendas em Minas Gerais sem a presença de Zema ou de integrantes do governo estadual. Em entrevista recente, o governador disse que receberia Lula na Cidade Administrativa, sede do governo, mas que se recusa a participar de eventos do Lula "para não ser vaiado".
Governo de Minas Gerais
O presidente da República defende a candidatura do ex-presidente do Senado Rodrigo Pacheco (PSD) para o Governo de Minas. O congressista, porém, afirma a aliados ainda não ter definido se disputará as próximas eleições.
O nome de Pacheco também é cotado para uma vaga ao STF (Supremo Tribunal Federal) em caso de uma eventual aposentadoria antecipada do ministro Luís Roberto Barroso.
"Estou apenas demonstrando um desejo meu, que eu gostaria que fosse aceito pelo Pacheco, porque pelo PT eu já sei que é aceito, mas vai depender dele. Eu gostaria que ele assumisse a responsabilidade, porque ele será governador de Minas Gerais. Eu não tenho dúvida que os adversários dele irão se desmanchar em pó na disputa para a eleição de 2026", afirmou Lula à rádio.
Mais tarde, durante ato do governo federal em Contagem, região metropolitana de Belo Horizonte, Pacheco foi citado novamente por aliados.
Durante discurso, o ministro das Cidades, Jader Filho, afirmou que o ex-presidente do Senado é "um dos mais brilhantes políticos da minha geração" e pediu pela candidatura dele em 2026.
"Minas tem feito escolhas erradas nos últimos anos, que não honram a história do estado. Você tem uma obrigação com Minas Gerais. Não pode se omitir. Você tem que ser o futuro governador de Minas", disse o ministro ao senador.
A visita de Lula foi a sexta a Minas Gerais somente em 2025. Em Contagem, a prefeita é a aliada Marília (PT), cotada para ser vice em uma eventual chapa com Pacheco para o governo mineiro em 2026.
No mesmo evento em Contagem, Pacheco também discursou e afirmou que seu futuro político "será o futuro que cada um de vocês quiser que eu tenha".
Sem citar o nome do atual governador de Minas, o senador afirmou que as pessoas que estão em situação de rua hoje "não podem ser guinchadas, não podem ser enxotadas, têm que ser cuidadas". A fala é uma crítica a recentes declarações de Romeu Zema. Em entrevista à BBC News, divulgada em 15 de agosto, Zema comparou moradores de rua a carros estacionados em local proibido, que precisam ser guinchados.
O senador também aproveitou para fazer críticas ao deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) e ao bolsonarismo. Pacheco disse que as divergências na política são naturais, mas que "não há dois lados quando se trata de defender a democracia e a soberania do nosso país".
"Brasileiro que ousa ir para o exterior para trabalhar contra o país é traidor da pátria. Esta bandeira do Brasil não é para enxugar suor de fascista. É um símbolo nacional que pertence a todos nós", disse ele. A plateia reagiu com gritos de "sem anistia".
Lula e Tarcísio pedem a bola
Por Vera Magalhães / O GLOBO
O momento do jogo político devolveu a posse de bola a Lula, mas a pergunta que nem seus ministros mais próximos arriscam responder é: ela dura até o apito de final da partida, na eleição? A recuperação, em certa medida ainda tímida, da popularidade dele se deu muito mais por circunstâncias externas que por sua capacidade de armar o jogo. Essa é uma das razões que impedem haver otimismo exagerado no governo com os números das pesquisas e os próximos lances da política.
A outra variável que explica a sensata moderação no otimismo é a economia. Na reunião ministerial de ontem, marcada por recados duros e claros de Lula, o ministro Fernando Haddad fez uma exposição, já na parte fechada à imprensa, sobre o que espera o Brasil neste fim de ano e em 2026. Deixou clara a preocupação com o efeito dos juros altos por prazo prolongado sobre a atividade econômica.
Por mais que o primeiro efeito político do tarifaço tenha sido reaproximar Lula de setores que estavam de mal com o governo e dar a parcelas do eleitorado a percepção de que ele agiu bem ao defender os interesses e a soberania nacionais, no médio e longo prazos as consequências para as exportações podem transformar a empatia em desgaste.
A oposição, que vive seu pior momento desde o início de 2024, quando começaram os dissabores de Lula com o Congresso, conta com solavancos na economia para que ele volte a perder popularidade e, consequentemente, o fôlego eleitoral.
O presidente deixou claro quem imagina ser seu adversário na urna eletrônica, ao citar nominalmente o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, na reunião do primeiro escalão. Ele é um veterano da política, treinado em antecipar a direção do vento, mas nem precisou usar tanto seu instinto, uma vez que, nas últimas semanas, Tarcísio entrou em campo e pediu a bola — metafórica e literalmente, como na partida de futebol com prefeitos que disputou ontem no Pacaembu.
Sua escalação definitiva ainda depende de Jair Bolsonaro, mais pela lealdade atávica de Tarcísio que pela necessidade de aval para que se viabilize. Os últimos levantamentos mostram que o golpismo continuado da família Bolsonaro vai transformando sua chancela em kryptonita, e não em aditivo para aqueles que buscam conquistar o voto do eleitor do espectro que vai da centro-direita à direta. Funciona integralmente, hoje, apenas para a extrema direita bolsonarista.
Ao cobrar, na lata, dos ministros dos partidos do Centrão que decidam em que time jogarão, Lula poderá precipitar o movimento que caciques do União Progressista já começaram a fazer: abandonar o vestiário com a partida ainda em andamento.
Antonio Rueda e Ciro Nogueira, presidentes respectivamente de União e PP, são hoje os maiores cabos eleitorais da candidatura de Tarcísio. Foram os responsáveis por costurar o tombo que o governo levou na composição da CPMI do INSS e estavam em jantar no domingo como avalistas junto a uma plateia de empresários impacientes, garantindo que o governador será candidato ao Planalto.
Passado o julgamento de Bolsonaro, essas definições eleitorais tendem a ganhar ainda mais urgência e dramaticidade. Lula parece ter compreendido que tem de aproveitar o momento levemente favorável para levar adiante projetos que podem reforçar seu slogan “Brasil para os brasileiros”, em que a isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil se encaixa perfeitamente.
O nó é que, para isso, terá de contar justamente com aqueles que, hoje, estendem o tapete vermelho para recepcionar seu principal oponente.
Lula turbina divulgação de operação contra PCC e tenta impedir saldo político positivo para Tarcísio
Victoria Azevedo / FOLHA DE SP
O governo Lula (PT) decidiu turbinar a divulgação das ações contra o crime organizado, nesta quinta-feira (28) depois de saber que o secretário de Segurança Pública da gestão Tarcísio de Freitas (Republicanos) participaria do anúncio à imprensa sobre a principal operação do dia, em São Paulo.
O episódio envolve um novo capítulo da disputa da Polícia Federal com o Ministério Público de São Paulo e também dá uma amostra de uma possível disputa eleitoral de Lula contra Tarcísio, sendo a segurança pública tema relevante na corrida para 2026.
Ao todo, três operações ocorreram ao mesmo tempo na quinta. A mais importante delas é a Carbono Oculto, uma parceria entre o Gaeco, do Ministério Público de São Paulo, e a Receita Federal, vinculada ao governo federal. As outras duas, Quasar e Tank, foram feitas pela PF.
Duas entrevistas à imprensa para tratar das operações foram marcadas para o mesmo horário: uma em São Paulo e outra em Brasília, às 11h.
Por trás das investigações, os governos Lula e Tarcísio disputam quem irá capitalizar politicamente os resultados da megaoperação.
A informação de que o secretário paulista, Guilherme Derrite (PP), participaria do anúncio na capital paulista incomodou integrantes do governo federal, que falam de uma tentativa do governo Tarcísio de se aproveitar do tema. Ele foi convidado pelo Ministério Público (sob argumento de que a Polícia Militar de São Paulo atuou na ação).
Em São Paulo, além do secretário, participaram representantes dos órgãos envolvidos, incluindo o chefe da Receita Federal, Robinson Barreirinhas, e promotores responsáveis pelo caso.
Em Brasília, estiveram os ministros Fernando Haddad (Fazenda) e Ricardo Lewandowski (Justiça e Segurança Pública), além do diretor-geral da PF, Andrei Rodrigues. O ministro da Secom (Secretaria de Comunicação Social) da Presidência, Sidônio Palmeira, acompanhou a entrevista.
Uma pessoa com conhecimento das três operações disse à reportagem que a Carbono Oculto não teria ocorrido sem o Gaeco e sem a Receita —mas que a PF e outros ministérios públicos não tiveram participação nela.
Publicações de Lula e do canal oficial do governo nas redes sociais, no entanto, empacotaram as três ações como uma só, dando créditos principalmente à PF. Nos últimos dias, o diretor-geral da PF iniciou uma batalha contra a ideia de criação de uma agência antimáfia, dizendo que a corporação já faz esse papel.
A Carbono Oculto mirou empresas do setor de combustíveis e do mercado financeiro que têm atuação nesse segmento e são usadas por criminosos do PCC (Primeiro Comando da Capital), com o objetivo de desarticular a infiltração do crime organizado em negócios da economia formal.
Pessoas próximas a Tarcísio reclamam da postura do governo federal, dizendo que há uma tentativa de se aproveitar do trabalho alheio para colher frutos políticos. Aliados do governador argumentam que Derrite participa de quase todos os anúncios de operações do MP-SP, porque a PM é a cumpridora dos mandados judiciais.
Já no governo federal, o discurso é que Derrite não teria razão para estar ali e que teria participado para obter dividendos políticos da operação.
As duas gestões também tentavam capitalizar as ações nas redes sociais. Do lado de São Paulo, deixaram a Receita Federal em segundo plano. Do lado do governo Lula, praticamente ignoraram o Gaeco.
O petista escreveu que a população viu a maior resposta do Estado brasileiro ao crime organizado na história do país e destacou a atuação coordenada da PF, da Receita e dos ministérios públicos estaduais —nesta ordem.
Em seguida, citou o trabalho integrado que foi iniciado com a criação, no Ministério da Justiça, do Núcleo de Combate ao Crime Organizado, que "permitiu acompanhar toda a cadeia e atingir o núcleo financeiro que sustenta essas práticas".
O perfil oficial do governo brasileiro no X (ex-Twitter) compartilhou publicação para comentar a megaoperação, dando crédito à gestão federal e à PF. "Uma megaoperação do Governo do Brasil e da Polícia Federal atingiu de forma inédita o cérebro financeiro do crime organizado no país", diz a legenda.
Já Tarcísio divulgou um vídeo destacando o trabalho do Gaeco. "Um grande trabalho de inteligência começou a partir daí, que envolve o Gaeco aqui de São Paulo com as polícias, e esse trabalho se espalhou para o Brasil inteiro. Envolveu o Ministério Público Federal, Receita Federal, Receita Estadual, a Polícia Federal e hoje está sendo deflagrada a maior operação do gênero no setor de combustíveis, que é a operação Carbono Oculto", disse.
Procurado, via assessoria de imprensa, Derrite afirmou que foi convidado pelo Ministério Público de São Paulo para participar da coletiva. "A operação foi coordenada pelo MP-SP e teve a colaboração da inteligência das forças de segurança do estado de São Paulo durante os últimos oito meses. A coletiva objetiva apresentar dados e números desse trabalho", diz, em nota.
A Secom da Presidência diz que a coletiva em Brasília não foi convocada em reação à participação de Derrite em São Paulo.
"A entrevista coletiva do governo federal, como de praxe, foi realizada na manhã de hoje para anunciar operações coordenadas deflagradas simultaneamente na data de hoje. O horário da coletiva foi definido a partir da disponibilidade dos ministros. Conforme esclarecido na própria coletiva, realizada em Brasília, havia alvos comuns e fluxos financeiros compartilhados entre as diferentes frentes, o que justificou a execução simultânea das operações. O foco do governo do Brasil é a cooperação federativa e a proteção do cidadão e do consumidor", diz.
Derrite é considerado um possível candidato ao Governo de SP em 2026 caso Tarcísio decida concorrer à Presidência. Se o governador tentar a reeleição, Derrite deve disputar uma vaga ao Senado no próximo ano, com apoio do bolsonarismo.
Ala do governo se anima com Tarcísio para Presidência por dar chance à esquerda em SP
Painel
Editado por Fábio Zanini, espaço traz notícias e bastidores da política. Com Danielle Brant e Carlos Petrocilo / FOLHA DE SP
Uma ala do governo Lula (PT) avalia internamente que uma eventual candidatura do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, ao Palácio do Planalto não seria um cenário de todo ruim, tanto pela leitura de que ele tem poucas chances de derrotar o petista quanto pelo impacto na eleição ao Palácio dos Bandeirantes.
Na perspectiva desses integrantes do governo, as chances de Tarcísio, do Republicanos, ser bem-sucedido na disputa com Lula são baixas. Um dos motivos que alimentam essa percepção é o fato de o governador não ter, hoje, o apoio do clã Bolsonaro, em especial diante dos ataques feitos pelo filho 03 do ex-presidente Jair Bolsonaro, Eduardo.
Nesse cenário, se Tarcísio decidir abandonar a tentativa de reeleição e se arriscar na disputa presidencial, o ambiente para a esquerda melhoraria consideravelmente em São Paulo. Segundo a mais recente pesquisa Quaest, contratada pela Genial Investimentos, Tarcísio teria 43% da intenção de voto para governador em 2026, enquanto o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) aparece com 21%.
Sem Tarcísio, a avaliação é que a direita não teria um nome tão forte —nem mesmo o atual prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), teria tanto apoio. Com isso, mesmo que Alckmin não deseje disputar o governo, outros nomes da esquerda teriam mais chance, entre eles Márcio França (PSB), Ministério do Empreendedorismo, da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte.