Pesquisas anteriores ao primeiro turno captaram intenção do eleitor
Por Editorial / O GLOBO
Os resultados das eleições nas principais capitais, de modo geral, mostraram sintonia com as pesquisas de intenção de voto divulgadas às vésperas do pleito. É incorreto afirmar que elas “acertaram”, uma vez que seu objetivo não é reproduzir o comportamento do eleitor diante das urnas. Mas não há dúvida de que, a despeito dos ataques sofridos nos últimos ciclos eleitorais, desta vez os institutos mais sérios captaram com precisão os movimentos esboçados pelos eleitores antes de votar.
Em São Paulo, o cenário retratado era de uma eleição extremamente acirrada entre o atual prefeito Ricardo Nunes (MDB), Guilherme Boulos (PSOL) e Pablo Marçal (PRTB). Foi o que aconteceu: Nunes obteve 26,6% dos votos totais, Boulos 26,2% e Marçal 25,4%. Na véspera, o Datafolha mostrava Boulos com 27%, Nunes e Marçal com 24%. A Quaest dava Boulos com 25%, Nunes com 24%, Marçal com 23%. É verdade que, nas duas pesquisas, a despeito do empate triplo, Boulos aparecia à frente. Mas a diferença entre os três era mínima, e o resultado ficou dentro da margem de erro.
No Rio, segundo maior colégio eleitoral, pesquisas apontavam uma reeleição tranquila para o prefeito Eduardo Paes (PSD), que obteve nas urnas 53,5% do total de votos, ante 27,3% de Alexandre Ramagem (PL). O Datafolha dava Paes com 54% e Ramagem com 22%; a Quaest mostrava Paes com 53% e Ramagem com 20%. Houve diferença na votação de Ramagem, sugerindo que eleitores tomaram a decisão de última hora ou resistiram a revelar voto nele, uma hipótese a investigar.
Em Belo Horizonte, as pesquisas captaram corretamente a desidratação na reta final da candidatura de Mauro Tramonte (Republicanos), que chegou a liderar a disputa, mas acabou fora do segundo turno. Nas urnas, Bruno Engler (PL) obteve 31%, Fuad Noman (PSD) 24% e Tramonte 14%. No Datafolha, Engler tinha 24%, Noman 23% e Tramonte 21%. A Quaest deu 25% a Engler, 23% a Noman e 19% a Tramonte. A diferença reflete o movimento de última hora favorável a Engler e contrário a Tramonte.
Nas eleições de 2022, quando houve discrepâncias significativas entre os números das pesquisas e os resultados das urnas, os institutos foram alvo de críticas, especialmente da classe política. No projeto do novo Código Eleitoral, parlamentares chegaram a inventar um descabido indicador de confiabilidade, conceito sem nenhum respaldo científico que deve ser repudiado.
Nas democracias, pesquisas de intenção de voto são um instrumento importante para subsidiar eleitores, candidatos e partidos. Não têm o objetivo de acertar resultados. São como uma fotografia do eleitorado num momento. Obviamente, esse retrato muda até a hora do voto. Não se deve confundir intenção de voto com resultado. Mas é desejável que os institutos calibrem suas amostras e metodologias, calculem melhor a influência da abstenção e captem o “voto envergonhado”. Os números do primeiro turno sugerem que as empresas têm se empenhado e conseguido melhorar.
Eleitor consagrou gestores eficientes nas prefeituras
O quadro final das eleições municipais será definido apenas daqui a três semanas. Das dez cidades mais populosas, seis só conhecerão o nome do próximo prefeito no fim do mês. Mas, encerrado o primeiro turno, já é possível tirar algumas conclusões sobre o resultado.
Partidos de direita e centro-direita saíram fortalecidos. Os que mais elegeram prefeitos foram PSD (878), MDB (847), PP (743) e União Brasil (578). O PL, do ex-presidente Jair Bolsonaro, vem em seguida, com 510. Elegeu dois prefeitos de capitais (Maceió e Rio Branco), continua no páreo em nove, entre elas Fortaleza, Belo Horizonte e Goiânia, e venceu em mais oito dos 50 maiores municípios que definiram resultado no domingo. Mas ficou muito aquém dos planos anunciados de conquistar mais de mil prefeituras.
Ao todo, o arco que vai da direita ao centro — incluindo PL, Republicanos, MDB, PSD, União Brasil, PP, Podemos e Novo — elegeu 43 desses 50 prefeitos. A esquerda — PT e PSB —, apenas quatro. Juntos, os quatro principais partidos de esquerda — PT, PSB, PDT e PSOL — somaram 18,9% dos votos válidos no primeiro turno, ante 19,3% quatro anos atrás.
O PT recuperou prefeituras — em 2020, elegeu 182 prefeitos; desta vez conquistou 248 e ainda disputa 13 municípios. Mas também ficou aquém do desejado: não elegeu prefeito em nenhuma capital, apenas em duas das 103 maiores cidades. Nas quatro capitais em que foi para o segundo turno, as chances não são promissoras.
A predominância de forças políticas conservadoras nas prefeituras e câmaras de vereadores não é novidade. Partidos de direita têm vencido, eleição após eleição, a maior fatia dos cargos em disputa. Mesmo em 2012, quando o PT, embalado pelo crescimento econômico, conquistou 637 prefeituras, ficou longe do primeiro colocado, o MDB (na época PMDB), e não muito à frente de PSD e PP. Em 2016, dois anos antes da vitória de Bolsonaro, 77% dos prefeitos e vereadores eleitos eram de partidos da centro-direita à extrema direita, de acordo com análise de Fábio Vasconcellos, pesquisador da Uerj e da UFPR.
Quatro anos mais tarde, essa fatia subiu para 81%. “A dúvida neste ciclo eleitoral é se a proporção sobe um pouco ou desce um pouco, não que deixe de ser majoritária com larga folga”, diz Vasconcellos.
A principal lição das urnas, na verdade, tem pouca relação com inclinação ideológica. Por serem pulverizadas, as disputas locais têm lógica própria. Candidatos a prefeito ou vereador tendem a se distanciar de compromissos com esta ou aquela linha política. Nas cidades maiores, o que vale é o tamanho das filas nos centros de saúde e hospitais ou a qualidade do serviço público, em especial o transporte. Longe da polarização que movimenta as redes sociais, os eleitores tendem a escolher quem entrega mais melhorias.
É isso que explica a consagração de prefeitos bem avaliados. Das 103 maiores cidades, 50 elegeram prefeitos no primeiro turno. Dez dos 11 prefeitos de capitais eleitos no domingo foram reeleitos, entre eles Eduardo Paes (PSD), no Rio, João Campos (PSB), no Recife, ou Bruno Reis (União), em Salvador. Campos ganhou com 78% dos votos válidos. Reis, do campo político oposto, obteve a mesma fatia consagradora de apoio. Paes obteve mais de 60%. O recado do eleitor nas eleições municipais é nítido: a busca por eficiência na gestão.
Turbinado por Bolsonaro, PL desbanca o Republicanos com o maior número de vereadores em capitais; MDB lidera no país
Por Bernardo Melloe Bernardo Yoneshigue/— Rio de Janeiro / O GLOBO
Além de mostrar força nas eleições para as prefeituras dos maiores colégios eleitorais do país, o PL, partido do ex-presidente Jair Bolsonaro, é a sigla que mais elegeu vereadores nas capitais em 2024. De acordo com dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o partido elegeu 96 representantes nos Legislativos desse grupo de 26 cidades. Há quatro anos, esse posto ficou com o Republicanos, que elegeu 53 vereadores na última eleição.
O PL também teve os vereadores mais votados em capitais como o Rio, com Carlos Bolsonaro; Goiânia, com Major Vitor Hugo; e Cuiabá, com Samantha Iris, mulher do candidato a prefeito Abilio Brunini (PL).
Em Belo Horizonte, o ex-assessor do deputado federal Nikolas Ferreira, Pablo Almeida se tornou o vereador mais votado da história da capital mineira. Ele somou 39.960 votos. O recorde anterior tinha sido da hoje deputada federal Duda Salabert (PDT), que obteve 37.613 em 2020.
‘Sentimento antissistema’
No quadro geral de municípios, a sigla de Bolsonaro cresceu 43,3% em relação ao pleito anterior, quando ainda não tinha o ex-presidente entre seus filiados, e elegeu 4.961 vereadores, subindo de sexto para o quinto partido com mais parlamentares. Em números absolutos, o PL foi o segundo que mais ampliou o número, com 1.500 nomes a mais.
— Isso acontece principalmente pelo sentimento antissistema, que é representado pelas candidaturas do PL, pelas pautas conservadoras e pela sigla escolher bem os nomes que são os puxadores de votos, como influenciadores, os filhos de Bolsonaro. Isso é mais importante nas capitais, porque nas outras cidades a dinâmica muda muito, tem uma dimensão local que ganha mais peso — avalia o coordenador do Observatório Político e Eleitoral da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o cientista político Josué Medeiros.
Professor de Ciência Política no Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IESP/Uerj), Bruno Schaefer destaca que a sigla teve uma votação bem distribuída por todas as regiões do país: — Uma das métricas que usamos, além de prefeituras e vereadores eleitos, é a população governada. E nesse quesito, como tem muitos vereadores em capitais, o PL foi muito bem. Isso indica uma consolidação e tendência de fortalecimento para 2026.
Segundo partido com mais vereadores eleitos em capitais, o PSD emplacou as maiores bancadas nas Câmaras do Rio e de Curitiba. Em São Paulo, apesar de o PL ter emplacado o vereador mais votado, Lucas Pavanato (mais detalhes abaixo), quem elegeu a maior bancada foi a federação PT-PCdoB-PV, com nove vereadores.
O MDB, do atual prefeito e candidato à reeleição Ricardo Nunes, fez sete vereadores. O PSOL, do adversário de Nunes no segundo turno, Guilherme Boulos, terá uma bancada com seis representantes. No quadro geral, MDB manteve a liderança como o partido com o maior número de vereadores eleitos do Brasil. A legenda teve um desempenho 10,4% superior em relação ao pleito de 2020.
Na outra ponta do ranking nacional, o PSOL foi o que elegeu o menor número de vereadores em 2024. Com uma queda de 13% em relação a 2020, a sigla saiu de 92 para 80 parlamentares e substituiu o Novo na última posição. Na esquerda, o PT aumentou o número de vagas nas Câmaras, mas só 17,3%, chegando a 3.130 parlamentares e subindo de nona para a oitava legenda com mais vereadores. Entre as capitais, emplacou apenas 61 nomes, atrás de PL, PSD, PP, MDB, União Brasil e Republicanos.
— O PT e o PSB tiveram um crescimento tímido no número de vereadores, enquanto o PDT, PCdoB e o PSOL diminuíram. No geral a esquerda ficou um pouco semelhante a 2020. É um cenário complicado porque você tem a Presidência da República, então era esperado um crescimento mais significativo. Isso me parece uma tendência desde 2016 nas eleições locais que é um predomínio da direita — avalia Schaefer
O Novo teve o crescimento mais expressivo, com um salto de 806,9% no número de cadeiras, embora tenha permanecido entre as dez siglas com pior desempenho, elegendo apenas 263 nomes. Já a queda mais acentuada foi o Cidadania, que saiu de 1.584 parlamentares para 437, uma diminuição de 72,4%.
Dificuldade no interior, desempenho fraco do PSD e crescimento de partidos rivais: os obstáculos a Paes para 2026
Por Bernardo Mello e Caio Sartori— Rio de Janeiro / O GLOBO
Apesar do resultado confortável que o levou a vencer a eleição carioca com 60% dos votos válidos, o prefeito Eduardo Paes precisará enfrentar um território bem menos acessível se decidir construir a candidatura ao governo do estado em 2026. Além de o PSD ter feito apenas outros dois prefeitos nos 92 municípios, os partidos que saíram mais fortes das urnas fluminenses não integravam a aliança de Paes na capital. Os caciques dessas siglas, por outro lado, também têm projetos políticos próprios e até atritos entre si, o que embola o cenário.
Mesmo com quase 40% do eleitorado de todo o estado concentrado na capital, nunca um prefeito do Rio conseguiu usar a cadeira como trampolim para se eleger governador. No domingo, o PSD não elegeu prefeitos na Baixada Fluminense e na Região Metropolitana, que também concentram grandes colégios eleitorais — hoje sob o comando de partidos como PL, PP, União Brasil e MDB. Nenhuma dessas siglas apoiou Paes na campanha deste ano.
O PL de Jair Bolsonaro e do governador Cláudio Castro conquistou 22 cidades e encabeça a lista no estado. Os três que vêm na sequência são justamente o PP (16), o União (12) e o MDB (9).
O PSD de Paes venceu apenas em Porciúncula e Carmo, dois dos menores colégios eleitorais do estado. Dos partidos da coligação de Paes, o Solidariedade, com nove prefeituras, foi o que teve o melhor desempenho, mas também em cidades menores. O PT, além de Maricá, vai comandar Japeri e Paracambi. Outras siglas aliadas de Paes, como Podemos, PRD e Agir, elegeram um prefeito cada.
Comandante do PP, o deputado federal Dr. Luizinho conseguiu, além de aumentar a capilaridade do partido, eleger prefeitos em colégios eleitorais importantes. Nas 11 cidades com mais de 200 mil eleitores, o PP venceu em quatro e tem chances de vitória numa quinta, Petrópolis, que terá segundo turno. Luizinho manteve o PP em seu próprio reduto e quarto maior eleitorado do estado, Nova Iguaçu.
O partido filiou ainda três prefeitos reeleitos, em Magé, Volta Redonda e Campos dos Goytacazes. No município do Norte Fluminense, a recondução de Wladimir Garotinho representou uma derrota do presidente da Assembleia Legislativa (Alerj), Rodrigo Bacellar (União). Comandante do partido no estado, Bacellar aspira à cadeira de governador e tem Campos como reduto.
PP quer conversar
Ex-secretário estadual de Saúde e também cotado como sucessor de Castro, Luizinho se diz aberto a construir um projeto comum com outras forças políticas do estado, incluindo Paes — com quem o governador acumulou atritos no processo eleitoral deste ano. — O PP quer trabalhar para ajudar a construir o futuro do estado com os outros partidos, todo mundo conversando, e isso inclui atores como o Washington (Reis, do MDB), o Altineu (Côrtes, do PL), o governador e o próprio Eduardo (Paes) — aponta.
Fora da lista de Dr. Luizinho, Bacellar teve arestas com outros caciques estaduais neste processo eleitoral, no qual a vitória mais relevante do União Brasil ocorreu em Belford Roxo, com Márcio Canella.
Em Duque de Caxias, o presidente da Alerj lançou Celso do Alba (União), ex-aliado de Washington Reis, que chegou a ser visto como um nome que poderia atrapalhar a candidatura do MDB. Reis, no entanto, conseguiu eleger o sobrinho, Netinho, em primeiro turno. Já na capital, além do desempenho pífio nas urnas, o candidato de Bacellar à prefeitura, Rodrigo Amorim (União), protagonizou na Alerj ataques a aliados de Castro. Amorim participou da campanha como linha auxiliar do bolsonarista Alexandre Ramagem (PL).
Presidente estadual do PL, o deputado Altineu Côrtes avalia que o crescimento da sigla em número de prefeituras foi uma vitória da centro-direita. Apesar de derrotas, candidatos bolsonaristas, como Ramagem e Renato Araújo (PL), em Angra dos Reis, tiveram votações expressivas. Aliados de Altineu, os prefeitos de São Gonçalo, Capitão Nelson, e de Itaboraí, Marcelo Delaroli, foram reeleitos com grandes vantagens, e o PL formou com Saquarema e Tanguá um cinturão de prefeituras isolando o principal reduto petista, Maricá — e disputará o segundo turno em Niterói, contra o PDT. Castro ainda participou de campanhas de prefeitos reeleitos em Cabo Frio, Barra Mansa e Resende, nem todos do PL.
— Junto com nossos aliados, como PP, MDB e até o próprio União, essa base do governador elegeu a grande maioria dos prefeitos. Vamos ter o momento da autocrítica para ver o que é possível melhorar antes de 2026, mas a centro-direita saiu forte — diz Altineu.
No MDB, enquanto Washington Reis se alinhou ao bolsonarismo, o primeiro da fila a tentar a sucessão de Castro é o vice-governador Thiago Pampolha. Rompido com Castro, ele foi cortejado por Paes na campanha, mas a aliança do prefeito com o presidente Lula (PT) dificulta a aproximação eleitoral com o MDB. Reis é o presidente estadual. Interlocutores dizem que, além do MDB, o PP é outra sigla que Paes pode tentar atrair na montagem do secretariado da nova gestão, já de olho em alianças para 2026 — embora ele negue querer disputar o estado.
Cofres cheios: cidades recordistas em emendas 'Pix' registraram 94% de reeleição do prefeito ou vitória de sucessor
Por Dimitrius Dantas e Camila Turtelli— Brasília / O GLOBO
A abertura das urnas no domingo mostrou que cidades mais contempladas pelas chamadas “emendas Pix” — recursos enviados por parlamentares diretamente para o caixa das prefeituras — tiveram índice de reeleição de seus governantes maior do que o registrado no restante do país. Levantamento do GLOBO nos 178 municípios indicados pela Controladoria-Geral da União (CGU) como principais destinos destas verbas aponta que em cem deles o prefeito foi reeleito, enquanto em outros 45 conseguiu fazer um sucessor do mesmo grupo político.
Considerando apenas as cidades onde os atuais prefeitos concorreram a um novo mandato — 112 das 178 — a taxa de sucesso foi de 94,6%. Além dos cem reeleitos, seis conseguiram ir ao segundo turno e apenas outros seis já saíram derrotados.
O índice bate a taxa de recondução nas eleições deste ano, de 81,4%, a maior da história, superando os 63,7% de 2008, até então o mais alto. Segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), dos 3.004 prefeitos que tentaram ser reconduzidos no domingo, 2.444 terão um novo mandato a partir de janeiro. Esse número ainda pode aumentar para 81,9%, pois 16 ainda disputarão o segundo turno.
Pagamento suspenso
Criada em 2019, as “emendas Pix” entraram na mira do Supremo Tribunal Federal (STF) em agosto. O ministro Flávio Dino determinou que o Congresso e o governo deem mais transparência ao mecanismo para que seja possível saber como os recursos são gastos. No modelo atual, basta ao parlamentar indicar para qual cidade o dinheiro deve ir, sem necessidade de apresentar um projeto ou obra específica. Assim, prefeitos podem gastar a verba federal livremente, sem depender do aval do governo.
Além de suspender novos repasses, Dino mandou a CGU realizar uma auditoria nos desembolsos já feitos desde 2020 até hoje, o que soma R$ 16 bilhões. O órgão de fiscalização concentrou a análise nas 178 prefeituras e 22 governos estaduais que registraram o maior volume de recursos recebidos no período.
No topo do ranking dos municípios mais contemplados está Carapicuíba, cidade de 387 mil habitantes na Região Metropolitana de São Paulo, que recebeu R$ 150 milhões em emendas Pix na gestão do atual prefeito, Marcos Neves (PSDB). Em seu segundo mandato e sem poder disputar a reeleição, Neves conseguiu emplacar o aliado José Roberto (PSD) como sucessor. Ele teve 80,3% dos votos no domingo. Procurados, eles não retornaram o contato.
A segunda da lista é Macapá, capital do Amapá, onde Doutor Furlan (MDB) foi reeleito com 85,08% dos votos, o maior porcentual entre os prefeitos eleitos nas capitais. Durante seu mandato, a prefeitura recebeu R$ 128 milhões em emendas Pix, a maior parte enviada por parlamentares que fizeram parte de sua coligação neste ano. O principal padrinho dos recursos foi senador Lucas Barreto (PSD), que indicou R$ 45 milhões no período.
— O prefeito Furlan tem uma capacidade muito grande de trabalho de domingo a domingo. Coloquei ainda mais emendas lá, onde está a maioria da população do estado. Macapá é uma UTI social — disse Barreto.
Em nota, a prefeitura de Furlan atribuiu a votação expressiva no domingo à capacidade da atual gestão em transformar os recursos em melhorias na cidade. "Temos capacidade administrativa de receber recursos e aplicá-los em tempo hábil na entrega de obras que a cidade necessitava, desta forma a população validou a nossa capacidade de trabalho e entregas", diz.
Mas a aplicação dos recursos federais não contribui apenas para a eleição de prefeitos em grandes cidades. Entre os dez municípios que mais receberam emendas Pix nos últimos anos, Coração de Maria (BA), cidade de 22 mil habitantes a 111 quilômetros de Salvador, reelegeu o prefeito Kley Lima (Avante) com 67% dos votos. Entre os parlamentares que enviaram o recurso está o senador Angelo Coronel (PSD-BA), apoiador da reeleição de Lima. O prefeito e o parlamentar foram procurados, mas não se manifestaram.
Em algumas localidades,o parentesco do prefeito com o parlamentar ajudou a irrigar o cofre municipal. Foi o que aconteceu em Campo Formoso (BA), cidade de 71 mil habitantes a 477 quilômetros de Salvador, onde Elmo Nascimento (União) foi reeleito com 63,51%. Ele é irmão do deputado Elmar Nascimento (União-BA), que destinou R$ 19 milhões em emendas Pix para o município nos últimos dois anos.
— Temos um deputado que é um filho da terra e conhece as dificuldades e a pobreza do município. Mas a reeleição não foi fruto só de emenda, mas de uma dedicação de quatro anos. Não adianta receber e gastar mal — afirmou Elmo. Também procurado, Elmar não comentou.
Já em Nova Russas (CE), com população de 32,4 mil pessoas, a 338 quilômetros de Fortaleza, Giordanna Mano (PRD) foi reeleita com 83,53%. A prefeitura recebeu nos últimos quatro anos R$ 18 milhões da verba parlamentar, com R$ 14 milhões enviados diretamente do marido dela, o deputado Junior Mano (PL-CE). — Queria ter mais (emendas) para indicar — disse o parlamentar.
Boa gestão
A cientista política Graziella Testa, professora da Fundação Getulio Vargas (FGV), avalia que a reeleição dos gestores passa por um bom uso dos recursos recebidos. No entendimento dela, o problema das emendas vai além de uma eventual aplicação eleitoreira e inclui os critérios usados para escolher quais cidades vão receber.
— De repente a vida dessa pessoa melhorou mesmo por conta do recurso que veio da emenda parlamentar. A questão é como está a vida das outras pessoas que não receberam e como é feito essa divisão do que é prioridade do ponto de vista nacional— disse Testa.
Um exemplo de cidade contemplada com valores altos em emendas Pix, mas que o prefeito não conseguiu se reeleger é Belém, capital do Pará. O município recebeu R$ 23 milhões durante o mandato de Edmilson Rodrigues (PSOL), que não conseguiu a chegar ao segundo turno. Sua atual gestão ficou marcada por problemas no serviço de coleta de lixo, que derrubou sua aprovação.
A diretora de programas da Transparência Brasil, Marina Atoji, atribui o alto índice de reeleição dos prefeitos que mais receberam emendas Pix à forma como a verba é empregada. Segundo ele, como não há necessidade de o recurso ser vinculado a projeto, costumam ser empregadas em ações de baixa complexidade, como asfaltamento de ruas, compra de veículos ou ambulâncias, por exemplo.
— São ações que têm um impacto positivo na percepção do público sobre a gestão que está no poder. Por causa desse efeito, as emendas Pix acabam se convertendo em um financiamento eleitoral indireto, acentuando uma desigualdade na disputa que já existe normalmente no cenário de reeleição — afirmou a diretora do Transparência Brasil. (Colaboraram Karolini Bandeira e Lauriberto Pompeu)