Com votos decisivos, oposição garante sobrevida ao governo Bolsonaro
Danielle Brant / FOLHA DE SP
São quase 36 meses de Bolsonaro no Palácio do Planalto, o que significa quase 75% do mandato para o qual o presidente foi eleito. Com exceção da CPI da Covid, a oposição teve poucos momentos de protagonismo no atual governo.
Pior. Recorrentemente, partidos de esquerda ajudam a salvar o governo do precipício. Para pegar um exemplo recente, a PEC (proposta de emenda à Constituição) dos Precatórios foi aprovada no Senado com votos de cinco dos seis integrantes da bancada do PT.
O episódio levou o presidenciável Ciro Gomes (CE), do PDT, a dar declarações curiosas à coluna Painel. Ciro, que busca se vender como opção à polarização entre Lula e Bolsonaro, acusou o petista de dar força "para a candidatura moribunda do Bolsonaro se manter acesa".
Seria uma leitura política válida —sem entrar no mérito da miopia que é defender a rejeição de uma PEC que libera recursos para famílias pobres só para prejudicar o governo. Seria, não fosse o PDT de Ciro o partido que deu os votos decisivos na Câmara para que a proposta chegasse ao Senado.
Na votação do primeiro turno, o partido deu 15 votos favoráveis ao texto. A PEC foi aprovada por 312 votos, só quatro a mais que o mínimo necessário. O que permite dizer com segurança que a proposta cuja aprovação Ciro atribui agora ao PT foi, na verdade, viabilizada pelo seu PDT.
No outro tiro que deu, quando acusou o partido de Lula de ter dado o "voto decisivo para o absurdo orçamento secreto", o pedetista acertou. Afinal, o voto do senador Rogério Carvalho (SE) efetivamente desempatou a votação que regulamentou as emendas de relator, moedas de troca do governo.
De resto, é de se fazer coro ao presidenciável do PDT e se perguntar até que ponto essa "ajuda amiga" do PT não seria uma estratégia para levar Bolsonaro ao segundo turno, cenário em que uma vitória da oposição é tida como mais segura do que com o ex-juiz Sergio Moro, recém-filiado ao Podemos.
Entre duas armadilhas
04 de dezembro de 2021 | 03h00
O Brasil deve ser o único país onde duas armadilhas se engalfinham, cada uma querendo se sobrepor à outra.
O leitor está cansado de saber quais são as duas armadilhas a que me refiro; sou forçado a falar delas, embora minha preferência fosse escrever sobre alguma opereta. Falo, evidentemente, da “armadilha do baixo crescimento” e da polarização política que se configurou a partir da eleição presidencial de 2018.
Suponhamos que nossa renda anual por habitante ande pela casa dos US$ 10 mil anuais. O fato de estarmos aprisionados na “armadilha do baixo crescimento” significa que, mesmo crescendo 3% ao ano (hipótese remota), levaremos algo como 23,3 anos para duplicarmos essa renda ridícula e atingir o nível ainda ridículo de US$ 20 mil anuais. Com o sistema institucional, a máquina de Estado e a classe política que nos subjugam, é assaz duvidoso que tal milagre possa acontecer. Mas essa primeira parte da história já lhes contei uma dúzia de vezes. Passo à segunda, para evitar a monotonia.
Nosso sistema econômico permanece anêmico, incapaz de dar um passo substancial à frente. Robustez, no Brasil, existe é na miséria. Essa, sim, caminha a passos largos, só que, infelizmente, para trás. Pobre e brutalmente desigual nosso país sempre foi, mas, salvo se eu for um desmemoriado, certas coisas não me lembro de ter presenciado. Semanas atrás, em Araçatuba, grande e próspera cidade do oeste paulista, várias quadrilhas até então independentes associaram-se para assaltar a cidade, mantendo-a aterrorizada durante várias horas. Não me lembro de ter visto miseráveis comprando ossos que lhes sirvam como alimento na sopa da noite. No dia 29 de novembro, o canal UOL trouxe uma informação provavelmente mais corriqueira, mas que não posso deixar de mencionar no presente contexto: pessoas famintas desmaiando na fila enquanto esperam atendimento em postos de saúde.
São muitos os fatores que nos mantêm aprisionados na “armadilha do baixo crescimento”, mas não há dúvida de que outra armadilha entrou em cena, ao que tudo indica fazendo questão de nos garrotear com a mesma força da primeira. Refiro-me, aqui, à estrábica polarização política que se instalou entre nós desde a eleição presidencial de 2018, contrapondo, de um lado, um populista para quem esperteza é tudo o de que se necessita para governar um país e, do outro, um estulto que vive numa condição de permanente desnorteio. Volto a pedir desculpas por trafegar sobre o óbvio: falo, naturalmente, de um país que até o momento não descortinou uma saída para um desastre de muitos anos, na hipótese de o ringue de 2022 ser novamente ocupado por Bolsonaro e pelo PT (agora personificado por seu chefe, o sr. Luiz Inácio Lula da Silva). Se Bolsonaro for derrotado no primeiro turno e o restante da classe política se unir para afastar Lula no segundo, pode ser que nos qualifiquemos para grandes investimentos a partir de 2023. Pode ser.
Bruxas talvez não existam, mas retrocessos eu lhes asseguro que são uma ocorrência frequente nos cantos do mundo. As causas variam de um país a outro, mas os resultados são sempre muito parecidos: queda quase sempre abrupta no nível de vida da população, anarquia política, conflitos se multiplicando, violência e ditaduras. Essa história será, aliás, abundantemente relatada nas próximas semanas. O cenário será a Venezuela, outrora um dos países mais ricos da América Latina. O enredo, a revolução “bolivariana” deflagrada por Hugo Chávez e ainda hoje personificada por Nicolás Maduro. Pois bem, a história que vamos ouvir é a de que a outrora pujante Venezuela fechará o ano com a renda per capita mais baixa do hemisfério, atrás até do Haiti, que todos julgávamos imbatível nesse quesito.
As causas do desastre venezuelano são bem conhecidas. A perda de rumo dos dois principais partidos abriu o caminho para a eleição (em 1998) de um militar destrambelhado. Daí em diante, presenciamos o habitual cortejo de anarquia e liquidação das instituições políticas, o suficiente para a ascensão de Nicolás Maduro e seus fidelíssimos generais.
A destruição dos partidos políticos é uma parte invariável em tais tragédias, mas em nossa história ela sempre se apresentou com traços singulares. É que, em nosso caso, cada golpe levou de roldão todo o sistema partidário existente, não um ou dois partidos, mas todos eles. Assim foi na passagem do Império para a República e da República democrática para o ciclo militar iniciado em 1964, para ficarmos só nesses dois casos. A singularidade do presente quatriênio é que agora, sob a ação combinada da polarização política com a desfaçatez da maior parte da classe política, atingimos um patamar de ridículo que não julgávamos possível. Estamos com mais de 30 partidos registrados, número que certamente continuará subindo, e o impulso para tal vem dos próprios parlamentares: daqueles que elegemos para conferir coerência às ações do Estado e para exercer por nós o direito de representação, que só a nós pertence.
*
SÓCIO-DIRETOR DA AUGURIUM CONSULTORIA, É MEMBRO DAS ACADEMIAS PAULISTA DE LETRAS E BRASILEIRA DE CIÊNCIAS
O caminho para vencer o populismo
As eleições de 2022 acontecerão em meio a uma grande polarização, tão grande quanto em 2018, e os candidatos moderados precisarão romper o extremismo que colocou a Nação em clima de guerra desde o final dos anos Dilma. Mais do que isso, o próprio legado do Plano Real — estabilização da moeda e responsabilidade fiscal — será colocado à prova. O arcabouço legal que garantiu esse avanço está sob risco, assim como o combate à corrupção e ao patrimonialismo.
A superação desses males passa pela valorização da própria democracia. Os problemas do País devem ser resolvidos com mais política, por isso candidatos outsiders terão menos força. Isso afetará principalmente o atual presidente, que se elegeu há três anos como um candidato antissistema. Agora será diferente, e ele precisou por isso assumir-se como um legítimo representante da “velha política”. Na última terça-feira, filiou-se ao PL, o partido de Valdemar Costa Neto que foi preso no escândalo do Mensalão. Jair Bolsonaro participou de uma cerimônia fechada à imprensa, ladeado pelos líderes do PP, como seu ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, e o presidente da Câmara, Arthur Lira (estrelas do Petrolão), e representantes do Republicanos, como Marcos Pereira. Foi um banho de Centrão. E um retorno ao lar. O chefe do Executivo já passou por nove partidos dessa chusma de legendas, sempre no baixo clero do Congresso.
Abraçar o grupo fisiológico foi a maneira que o mandatário encontrou para governar, após fracassar em suas tentativas de atropelar a Constituição e passar por cima do Congresso e do Supremo. O Centrão é um dos pilares de sustentação da sua gestão, e isso será decisivo também no processo eleitoral. Bolsonaro não poderá mais contar apenas com as redes sociais. Sua campanha agora se dará dentro do embate tradicional. Precisará dos recursos desses partidos e de tempo de TV para a propaganda eleitoral. Numa coligação das três legendas citadas acima, o presidente terá 2 minutos e 20 segundos de propaganda no rádio e na TV, além das inserções de 30 segundos ao longo das programação. Tinha apenas oito segundos em 2018. Terá, em tese, acesso a R$ 376 milhões de fundo eleitoral. Precisará de todos os recursos que puder somar. Seu eleitorado é cada vez menor. Ele precisa do Centrão para conquistar currais eleitorais. E já jogou a toalha para o Nordeste, a região em que o ex-presidente Lula tem maior adesão. Sua maior aposta é em programas eleitoreiros improvisados no final do mandato, especialmente o novo Bolsa Família.
Mais que isso, Bolsonaro precisará lidar com o fato de que passou de estilingue a vidraça. Ao invés de atacar indiscriminadamente todos os políticos, como sempre fez, precisará defender as realizações do seu governo. Com a inflação de dois dígitos, desemprego elevado, economia parando e previsão de estagflação no próximo ano, o cenário é bastante negativo para o mandatário. Sua popularidade derreteu: nada menos que 63.6% dos eleitores desaprovam seu desempenho, segundo pesquisa Sensus/ISTOÉ publicada nesta edição. Outros fatores agravam sua situação no pleito. Em 2018, Bolsonaro se beneficiou da popularidade da Lava Jato, associando-se ao combate à corrupção. Agora, precisará explicar porque patrocinou o desmanche da operação, além das múltiplas investigações contra a sua família.
A crise do governo Bolsonaro facilita a vida de Lula. O petista pode explorar sua herança na área econômica e seu investimento em programas sociais. Em um momento com alta da pobreza , informalidade recorde (40,6% da população) e salários achatados (a renda média é a menor em quase dez anos), esse legado passou a ser fundamental. Mas precisará driblar o fracasso da “Nova Matriz Econômica” e a irresponsabilidade fiscal no governo Dilma. Para atenuar a pesada rejeição por conta da corrupção nos anos petistas, Lula tenta associar sua prisão por 580 dias em Curitiba ao período de sindicalista, quando também enfrentou o cárcere. Esse é o eixo central do livro Lula, recém-lançado pelo escritor Fernando Morais, que já se tornou uma peça de propaganda para tentar cravar uma imagem de injustiçado. E há dúvidas se o contorcionismo retórico funcionará na campanha. O PT martela na tecla de que o ex-presidente foi absolvido das diversas acusações pela operação Lava Jato, quando na verdade os julgamentos foram cancelados por questões processuais. Por mais que Lula tente colar em Sergio Moro a acusação de que agiu com motivação política e que a operação Lava Jato foi “uma farsa”, resta convencer o conjunto dos eleitores.
Alckmin é pressionado por aliados a desistir de ser vice de Lula e disputar Governo de SP
Integrantes do PSD, aliados e pessoas no entorno do ex-governador Geraldo Alckmin (SP), que está prestes a se desfiliar do PSDB, tentam convencê-lo de que o melhor caminho para ele é disputar o Governo de São Paulo e esquecer da ideia de ser candidato a vice numa chapa nacional encabeçada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Amigos de Alckmin têm alertado o tucano sobre os riscos da demora em definir qual o projeto irá encampar e a sigla à qual vai se filiar. Eles dizem que a lentidão para uma decisão, aliada aos gestos de que ele pode se unir ao petista, tem irritado parte do eleitorado que hoje estaria disposto a votar nele para o governo paulista.
Por isso, têm defendido que o ex-governador decida logo o rumo que vai trilhar. Um dos que defendem que ele dispute o Palácio dos Bandeirantes é o ex-deputado estadual Pedro Tobias (PSDB), amigo de longa data de Alckmin.
"Toda a história dele e a nossa foi construída em São Paulo. Se ele sai, é claro que vou apoiar. Mas quem ganhará com isso é o PT em SP. Uma faixa de eleitor do Geraldo aqui acaba perdendo na história", avalia Tobias.
O PSD, partido que quer atrair o tucano, tem insistido para que ele permaneça na briga por São Paulo.
Nesta quinta, um tipo de panfleto de autoria de um grupo em redes sociais intitulado "Alckmistas por São Paulo" circulou por números ligados ao PSD. Com uma foto de Alckmin, trazia a frase: "Precisamos manter o foco, continuar construindo a ponte entre Geraldo Alckmin e o eleitor para garantir a vitória em primeiro turno".
A ofensiva ocorre no dia seguinte a um encontro de Alckmin com o prefeito de Limeira (SP), Mario Botion (PSD), na quinta-feira (2), em que o ex-governador afirmou que é necessário ter "equilíbrio" e "convergência" dentro do contexto eleitoral para fazer o Brasil avançar nos próximos anos.
O relato é do próprio prefeito, que recebeu Alckmin para uma conversa junto com o também ex-governador Márcio França (PSB).
"Ele fez uma reflexão de que o momento que o país está passando é um momento de extremos e isso não constrói, não é positivo. Dentro desse contexto, ele colocou essa questão de que era importante ter equilíbrio e convergência neste momento", afirma.
A conversa foi relatada à cúpula do PSD e a outros aliados de Alckmin, que viram nos gestos uma inclinação de Alckmin a encampar o projeto nacional.
Segundo Botion, Alckmin disse que recebeu convite para ser vice de Lula e está avaliando. Outros políticos envolvidos na negociação ainda não confirmam ter havido esse convite.
"Eu perguntei: procede que o senhor pode ser vice do Lula? E ele disse: nós fomos convidados a isso e estamos avaliando", disse Botion. Alckmin ainda afirmou, segundo ele, que definirá seu destino nas próximas semanas.
Botion quer que ele se lance candidato ao Governo de São Paulo.
"Em nenhum momento ele afirmou que vai ser vice do Lula e em nenhum momento ele descartou a possibilidade de disputar a eleição ao Governo de São Paulo. Não fechou possibilidade de uma coisa nem outra", relatou o prefeito.
Como mostrou a Folha, o PSB mostrou a Alckmin pesquisas internas que indicam que caso ele se una a Lula nacionalmente as chances de o petista vencer em primeiro turno aumentam.
Os dados apresentados a Alckmin são parciais de levantamentos conduzidos com eleitores da Grande São Paulo. O partido está fazendo nova rodada de pesquisa, desta vez no interior, onde o ex-governador também tem entrada.
Por outro lado, o estudo do PSB mostraria que o ainda tucano perderia metade dos eleitores caso decidisse ir para a disputa junto a Lula.
A sigla fez o levantamento com o intuito de estimular Alckmin a entrar na disputa nacional. Isso ocorre enquanto PSB e PT debatem os termos de uma eventual aliança. Isso envolveria o PT apoiar o PSB em cinco estados, entre eles São Paulo. Para isso, os petistas teriam de abrir mão da candidatura de Fernando Haddad (PT) para Márcio França (PSB).
Segundo pesquisa Datafolha de setembro, Alckmin encabeça a corrida eleitoral para o Governo de São Paulo em 2022, com 26% das intenções de voto.
Já Fernando Haddad (PT) vem numericamente em seguida, com 17%, e lidera com 23% em um cenário sem Alckmin.
No primeiro cenário estimulado pelo instituto, após Alckmin (26%) aparecem Haddad (17%) e Márcio França (com 15%, empatado tecnicamente com o petista) e o líder de movimentos de moradia Guilherme Boulos (PSOL, com 11%).
Na quinta, Lula disse em entrevista para a Rádio Gaúcha que espera Alckmin definir seu partido para decidir sobre a possibilidade de o ex-governador de São Paulo integrar sua chapa para as eleições de 2022 como candidato a vice.
Dizendo que teve "extraordinária relação" com Alckmin quando era presidente, Lula indicou que a possibilidade de aliança é real, mas depende também de acerto partidário. De saída do PSDB, o ex-governador tem o PSD e o PSB como principais opções de filiação.
No PSDB, Doria fechou a porta para uma candidatura de Alckmin ao governo estadual ao filiar o seu vice, Rodrigo Garcia, ao partido. O tucano cumpriu o acordo com Garcia, que era do DEM, de lançá-lo à sua sucessão em 2022.
Alckmin aguardou a definição das prévias do PSDB sobre o candidato que representará o partido na disputa à Presidência em 2022. Apoiou o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, que falava em tentar segurá-lo na sigla. Com a vitória interna de Doria, porém, a saída do ex-governador paulista passou a ser considerada irreversível.
Moro é um candidato com pés de barro
Por Malu Gaspar / O GLOBO
A intensa movimentação no cenário político nas últimas semanas sugere que a entrada de Sergio Moro (Podemos) na corrida presidencial tem potencial para alterar a correlação de forças na eleição. Mas o crescente interesse pela candidatura também o colocou bem cedo diante da pergunta que o acompanhará enquanto tiver alguma chance no pleito: de que forma Moro lidará com o Congresso, caso seja eleito? Que tipo de negociação o ex-juiz da Lava-Jato pretende fazer com as lideranças de partidos que foram alvo da operação conduzida por ele?
Como pretende convencer os eleitores de que, se eleito, terá mais sucesso do que quando era ministro da Justiça na aprovação de seus projetos? Qual a garantia de que a relação conflituosa entre o ex-juiz e a classe política não paralisará um eventual governo seu (e o país) por mais quatro anos?
Sempre que confrontado com essas questões, Moro recorre a declarações de livro-texto. Numa reunião com investidores da corretora XP, em São Paulo, afirmou que é um “homem do diálogo” e que considera possível negociar em torno de projetos. De acordo com ele, o absoluto fracasso de Jair Bolsonaro em ter uma relação livre do fisiologismo e do toma lá dá cá com o Parlamento é fruto da falta de liderança do presidente.
Também disse que, embora não vá abandonar o combate à corrupção, tem consciência de que o papel de um presidente da República é garantir a governabilidade. Numa entrevista à Bloomberg, falou que “há pessoas boas no Centrão” e que “dentro de cada partido tem bons indivíduos que podem somar com projeto e diálogo republicano”.
Não há dúvidas de que um governo republicano e democrático pressupõe uma relação de respeito entre Legislativo, Executivo e Judiciário, nem de que não há nada de intrinsecamente errado em fazer coalizões políticas — desde que sejam limpas — para governar. Mas não deixa de ser irônico que um personagem que se fez popular combatendo o “sistema” agora tenha como uma de suas missões provar que poderá conviver harmonicamente com esse mesmo sistema em nome da governabilidade.
E ainda: A aposta de Moro é embaralhar o jogo das eleições
É verdade que o discurso antissistema perdeu o apelo e a credibilidade desde 2018. O momento histórico é outro. Bolsonaro, que se elegeu prometendo governar diretamente com o povo e dar uma banana ao “sistema”, foi fagocitado por ele e por seu orçamento secreto. Lula, por sua vez, conduziu seus governos do mensalão ao petrolão, e não consta que teria problemas em se relacionar com esse mesmo Congresso. O próprio Moro se viu acuado pelo caso Vaza-Jato, aderiu ao governo Bolsonaro e perdeu a aura de herói impoluto.
Nessa troca de pele de juiz para político, Moro diz que venderá um “sonho” ao país e se propõe a ser diferente dos principais competidores. Como ele pretende fazer isso, não se sabe. O que ele diz no livro que acaba de lançar, “Sergio Moro contra o sistema da corrupção”, não ajuda a dissipar as dúvidas.
Lava-Jato: No PT, discreta comemoração pela entrada de Moro na corrida eleitoral
Ao relatar sua experiência no governo, Moro diz que mais de uma vez acreditou que Bolsonaro cumpriria a promessa de punir Flávio e Fabrício Queiroz, se fosse preciso. Enumera situações em que o presidente deu provas de que o compromisso com o combate à corrupção era tão fake quanto algumas das notícias que espalhou na campanha eleitoral. “Se não vai ajudar, não atrapalhe”, teria dito Bolsonaro quando Moro lhe pediu para ajudar a derrubar a liminar de Dias Toffoli que suspendeu todas as investigações do Coaf, incluindo as que flagraram a rachadinha de Flávio e Queiroz.
É o ex-juiz da Lava-Jato quem escreve: “Por uma questão pessoal, o presidente pedia a mim que ignorasse aquela séria ameaça ao sistema nacional de prevenção à lavagem de dinheiro”. Ainda assim, Moro ficou no governo, aguentando mais humilhações. Engoliu o abandono de Bolsonaro ao pacote anticrime, aceitou trocar um superintendente da Polícia Federal e só saiu quando o próprio presidente tornou sua permanência inviável.
Difícil acreditar que alguém que diz ter o couro grosso e está habituado a situações difíceis, como Moro, tenha realmente sido tão ingênuo com Bolsonaro como ele diz que foi. É ele mesmo quem admite que, enquanto pôde, ficou em silêncio. Hoje, diz que errou ao aceitar o convite de Bolsonaro. Não se pode saber o que mais o ex-ministro viu no governo que não contou, nem qual sua solução para lidar com o “sistema” sem confrontá-lo, como fez na Lava-Jato, ou se calar, como fez com Bolsonaro.
Mas é certo que, enquanto persistir a contradição entre o que Moro diz que fará e o que de fato fez no governo, ele continuará sendo um candidato a presidente com pés de barro.