Lula diz que não manterá preço de combustível vinculado ao dólar se for eleito
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou nesta quinta-feira (3) que, em um eventual novo governo, não manterá o preço dos combustíveis vinculado ao dólar, como ocorre atualmente com a política de preços praticada pela Petrobras.
"Nós não vamos manter o preço dolarizado. Eu acho que os acionistas de Nova York, os acionistas do Brasil, têm direito de receber dividendos quando a Petrobras der lucro, mas é importante que a gente saiba que a Petrobras tem que cuidar do povo brasileiro", disse o ex-presidente em uma entrevista a RDR (Rede de Rádios do Paraná).
"Eu não posso enriquecer um acionista americano e empobrecer a dona de casa que vai comprar um quilo de feijão e paga mais caro por causa do preço da gasolina ."
A política de preços dos combustíveis da Petrobras foi alterada no governo do ex-presidente Michel Temer. Sob alegação de que o controle de preços rígido implementado no governo da ex-presidente Dilma Rousseff gerou prejuízo para a estatal e inibia investimentos, passou-se a adotar uma política que acompanha o preço do petróleo no mercado externo, combinado com a variação do dólar, com reajustes frequentes.
Lula fez ainda a avaliação que parte da inflação vem de preços controlados pelo governo e afirmou que é necessário coragem para mexer em preços controlados pelo Estado.
"Quase 40% da inflação hoje é por preços controlados pelo governo. É o governo que controla energia, que controla petróleo, gás, óleo diesel. Se o governo tiver coragem, ele pode reduzir um pouco. Mas ele não tem coragem, o que ele quer fazer é vender, porque ele não sabe criar. Então vende. Isso não é governar, é destruir o patrimônio", disse o ex-presidente.
Lula é hoje o primeiro colocado em todas as pesquisas de intenção de voto para as eleições presidenciais de outubro, com ampla vantagem sobre o presidente Jair Bolsonaro, que aparece isolado na segunda colocação.
Centrão busca apoio em cidades pequenas para manter domínio no Congresso
30 de janeiro de 2022 | 05h00
O Centrão, bloco de partidos que dá as cartas na política nacional, tem o controle quase absoluto de boa parte das pequenas cidades do País, uma base capaz de se perpetuar independentemente das eleições presidenciais deste ano. Um levantamento feito nas últimas semanas pelo Estadão revela que o grupo considerado fisiológico tem votos em quase todos os municípios e que 1.294 deles elegem prioritariamente deputados federais desse campo político. Representantes do Centrão são bem votados e costumam se reeleger utilizando uma engrenagem poderosa, que envolve a distribuição de verbas da União para prefeitos aliados.
O grupo controla da Câmara dos Deputados, presidida por Arthur Lira (Progressistas-AL), à Presidência da República, com Jair Bolsonaro, filiado ao PL, partido de Valdemar Costa Neto. No atual governo, o bloco de partidos passou a dominar até o Orçamento, com os remanejamentos de verbas avalizados por pelo ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, que é presidente licenciado do Progressistas.
Campeã
Maranhãozinho (MA), de apenas 14 mil habitantes e às margens da BR 316, está entre as cem cidades mais pobres do País, segundo o IBGE. É também a campeã de votos no Centrão. Nas eleições de 2010, 2014 e 2018, a cidade deu 74,6% dos votos para deputados federais e partidos do grupo político. Na última, o deputado mais votado foi Josimar Maranhãozinho (Progressistas), com 83,5% da preferência. Recentemente, ele foi indiciado pela Polícia Federal pelos crimes de peculato, lavagem de dinheiro e organização criminosa, sob a suspeita de desviar verbas do orçamento secreto destinadas à Saúde – o deputado nega as acusações. Em segundo lugar está Guararema (SP), base eleitoral do deputado Márcio Alvino (PL).
Mesmo com a má fama do bloco, todos os pré-candidatos ao Palácio do Planalto, em outubro, já acenaram para composições com os três principais partidos do grupo, Progressistas, PL e Republicanos, além de legendas menores como Patriota, Avante, PSC e PROS. Juntas, essas sete siglas têm, hoje, 152 deputados federais e projetam aumentar esse número. Uma das características do Centrão é estar sempre na órbita dos governos.
Na última semana, a reportagem do Estadão esteve em três cidades do interior de Goiás que estão entre as que mais deram votos ao Centrão, proporcionalmente. Gameleira de Goiás, Marzagão e Jesúpolis estão entre os 10% dos municípios do País que mais elegem candidatos do bloco. Nas três localidades, o mesmo cenário: os votos vão para os deputados federais que têm apoio dos prefeitos – e os prefeitos apoiam quem leva recursos federais para as cidades.
Emendas
Marzagão está distante 166 quilômetros em linha reta de Gameleira de Goiás. Em 2020, os 2,2 mil habitantes do local elegeram Solimar Cardoso de Souza, do PSC, para comandar a cidade. Sob o novo prefeito, o local vem conseguindo captar recursos federais e estaduais com emendas de políticos como os deputados federais Glaustin da Fokus (PSC) e Adriano do Baldy (PP), além do estadual Amauri Ribeiro (PRP). O dinheiro permitiu recapear ruas e reformar a escola municipal, onde algumas salas agora têm ar-condicionado – comodidade rara na rede básica de ensino do País.
Na semana anterior à visita da reportagem, os deputados federais estavam na cidade para a inauguração de uma obra, segundo relataram o professor de educação física João Eduardo Martins e o motorista Lindomar Gomes da Silva. “Não é como antigamente, que dizia que ia vir a verba, mas nunca chegava”, afirmou Silva.
'Centro'
Hoje ministro e um dos principais líderes do Centrão, Ciro Nogueira afirmou que o Progressistas é um partido de centro-direita, mais do que representante do bloco. “Eu milito na política, com mandato, desde 1994. Nunca foi aprovado nada no Congresso Nacional, nenhuma tese prosperou no País, sem o apoio dos partidos de centro”, disse ele ao Estadão.
Nogueira também rejeita a ideia de que o grupo só se movimente por interesses fisiológicos. “Um exemplo bem claro, que tira essa pecha de fisiologismo, foi o que aconteceu no governo do presidente Jair Bolsonaro. Nós começamos, e não foi só o Progressistas, a apoiar o governo muito antes de qualquer técnico do nosso partido ser escolhido para ministérios ou para cargos públicos. E em momento nenhum mudou essa relação de apoio por conta desses cargos.”
Outro líder do Centrão que critica o rótulo é o deputado Marcos Pereira (SP), bispo da Igreja Universal e presidente nacional do Republicanos. “O termo 'Centrão' é uma tentativa infantil de rotular alguns partidos que atuam como centro moderador. Não é um grupo, nem uma coligação, nem uma entidade formal”, disse Pereira ao Estadão. Segundo ele, sem um “centro moderador” na política, o Brasil cairia no “radicalismo” e no “extremismo”. “Eu falo pelo Republicanos. Muitas pessoas que julgam ou rotulam o partido o fazem ou por preconceito ou por desconhecimento. Temos contribuído de forma efetiva para o desenvolvimento do Brasil em diferentes frentes."
História
Doutor em Ciência Política e pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), Danilo Medeiros afirmou que o termo "Centrão" surgiu durante a Assembleia Nacional Constituinte (1987-1988) – o grupo do “Centro Democrático” se opunha ao que seus integrantes consideravam excessos da ala progressista. A percepção do grupo era a de que Mário Covas tinha lotado a comissão de sistematização da Assembleia de representantes da esquerda – o que não era o caso, segundo pesquisador. “Esse grupo entendeu que aquilo não estava refletindo as preferências do plenário.
Desde 2010, os deputados federais do Centrão tiveram votos em 5.298 municípios brasileiros – ou seja, em 95% de todas as cidades do País, espalhadas nas 27 unidades federativas. A força do bloco é também um fenômeno consistente no tempo: desde 2010, o grupo teve 22,1% dos votos para deputado, em média, em todo o Brasil. Em 2018, os sete partidos do grupo tiveram, juntos, quase um quarto (24%) dos votos para a Câmara.
'Padão'
Ao contrário do que sugere o senso comum, o voto no Centrão não está concentrado na Região Nordeste. Desde 2010, os 1.793 municípios da região deram, em média, 21,6% dos votos para deputados federais do bloco – número próximo da média nacional. O que os dados mostram é que a concentração de votos do grupo se dá em cidades pequenas: nos municípios onde o bloco tem mais votos, o número médio de eleitores é de 15,5 mil. Já nas cidades em que o grupo vai pior, o colégio eleitoral médio é de 20,9 mil. Nas cidades que estão entre os 10% que mais votaram nos candidatos do Centrão, o número médio de eleitores é ainda menor, 10,3 mil.
"As prioridades dos eleitores em cidades menores são diferentes daquelas dos grandes centros", disse o professor Felipe Nunes, da Universidade Federal de Minas Gerais. Fundador da empresa de pesquisa e consultoria Quaest, Nunes observou que isso ajuda a explicar a concentração de votos do Centrão nas pequenas cidades. “Nos dados (levantados pela reportagem) tem uma pista muito importante. Se você pegar as cidades com mais de 50% dos votos para o Centrão, vai ver que o colégio eleitoral médio é de 27 mil. São cidades abaixo de 30 mil eleitores que concentram o voto.”
Já nas cidades que têm até 20% de votos para o Centrão, portanto, no outro extremo, o colégio eleitoral cresce para 60 mil, em média. “O Centrão é alimentado por um padrão de votação de cidades pequenas, onde você tem ainda um modo de organização social e política mais tradicional”, afirmou o professor.
Moro e a imagem do Judiciário
30 de janeiro de 2022 | 03h00
Sérgio Moro tem todo o direito de promover sua pré-candidatura à Presidência da República, defendendo suas ideias e propostas políticas. De fato, desde o fim do ano passado, quando se filiou ao Podemos, o ex-juiz da 13.ª Vara Federal de Curitiba tem percorrido o País para expor suas pretensões políticas e intensificado sua participação nas redes sociais.
Goste-se ou não daquele que foi o grande protagonista da Lava Jato, é assim que se faz uma democracia: partidos e pessoas apresentam à população suas propostas, na expectativa de convencer e entusiasmar os eleitores. Dessa forma, a princípio, não há nada de condenável na atual atuação política de Sérgio Moro. É, antes, motivo de elogio, assim como o é o trabalho de todas as outras pré-candidaturas. O regime democrático apoia-se no exercício dos direitos políticos, com cidadãos promovendo livremente suas ideias e pretensões políticas.
Há, no entanto, uma ressalva. Desde que lançou sua pré-candidatura, Sérgio Moro tem colocado suas pretensões políticas como uma continuação do trabalho que realizou como magistrado, em especial durante a Operação Lava Jato. E, ao dar esse específico enquadramento à sua atividade jurisdicional, o ex-juiz coloca em risco não apenas a reputação de seu trabalho na 13.ª Vara Federal de Curitiba, mas a imagem da própria Justiça.
Aparentemente pequenos, os detalhes são importantes. Uma coisa é alguém prometer que exercerá uma eventual função política futura com o mesmo espírito de serviço ao País com que teria desempenhado suas funções na magistratura. Outra coisa bem diferente é afirmar que, da mesma forma como combatia a corrupção e os corruptos como magistrado, continuará combatendo essas práticas e essas pessoas por meio da política. O problema do segundo caso não é a promessa futura, e sim a declaração sobre o trabalho como juiz.
Não é papel da Justiça “combater” a corrupção ou qualquer outro crime. Cabe ao juiz aplicar a lei no caso concreto, o que conduz a uma perspectiva muito diferente. Se o magistrado, após todo o percurso processual, entender que existem elementos suficientes para demonstrar a materialidade e a autoria de um crime, deve punir os autores do crime, com o rigor da lei. Mas isso não significa que o juiz combata o crime, da mesma forma que, se absolver um réu por falta de provas, ele não está sendo conivente com a criminalidade.
A Justiça Criminal não é um sistema com juiz e promotoria de um lado e bandidos de outro. Se fosse assim, não seria preciso sequer sistema de justiça, podendo ser aplicada imediatamente a pena. No início do processo, não se sabe se os réus são culpados ou mesmo se existiu o alegado crime. Existe um processo criminal com a presença de um juiz isento e equidistante em relação às partes precisamente para que se possa avaliar objetivamente se houve crime e se os réus são culpados.
A Justiça deve ser e parecer imparcial. A imagem de isenção do Judiciário é fundamental para que suas decisões sejam acolhidas e respeitadas pela população. Só assim as sentenças serão capazes de pacificar os conflitos sociais, em vez de agravá-los. Por isso, magistrados e ex-magistrados não devem suscitar suspeitas sobre sua imparcialidade. Isso não é nenhum rigorismo, e sim cuidado com o Estado Democrático de Direito.
No caso, há ainda uma agravante. Sérgio Moro tem dado a entender que, em sua atividade jurisdicional, não apenas enfrentava a corrupção, mas combatia a defesa dos acusados. Chama-os de “advogados pela impunidade”. Ao revelar essa dimensão de conflito – própria da política – na relação entre juiz e parte, vislumbra-se um enviesamento ainda mais forte da compreensão de Moro sobre a função judicante.
Como qualquer cidadão, um político pode defender livremente suas ideias. Uma coisa é certa, no entanto: um magistrado que decide ir para a política muda necessariamente de função. Ao dizer que continuará fazendo o que fazia na Justiça, deprecia a Justiça e seu trabalho como juiz. A Operação Lava Jato merece mais cuidado.
Presidenciáveis abrem guerra pelo voto nordestino
Marcos Strecker e Eudes Lima / ISTOÉ
Ganhar a eleição significa conquistar o Nordeste. Segundo maior colégio eleitoral do País, com mais de 40 milhões de eleitores, a região desempenha um papel-chave no pleito. Isso favorece o atual líder das sondagens, Lula, que sempre soube capitalizar politicamente sua alcunha de “filho de Garanhuns”. O petista bateu os 60% de votos na região em 2002 (nunca um político tinha alcançado essa marca em nenhuma região) e surfa nos votos nordestinos desde que criou o Bolsa Família nos anos 2000, abafando o escândalo do Mensalão (lá, o programa social ainda é responsável pela maior parte do Orçamento de várias cidades). Depois, ele ainda lançou as obras de transposição do rio São Francisco, o que ajudou a sedimentar sua figura no imaginário popular. Além de garantir um apoio sólido nos 13 anos petistas, o Nordeste também foi importante para garantir a candidatura Fernando Haddad nas eleições de 2018 (foi a única região em que o PT derrotou Bolsonaro no segundo turno, com 69,7% dos votos válidos). Mesmo na sua pior fase, o PT tem quatro governadores locais (Bahia, Ceará, Piauí e Rio Grande do Norte), além de dois aliados próximos do PSB em Pernambuco e no Maranhão.
Bolsonaro sabe que depende do Nordeste para ganhar um segundo mandato, mas continua agindo de modo errático. Precisa superar o prejuízo de imagem com o desdém que mostrou nas enchentes históricas na Bahia, em dezembro. Na oportunidade, preferiu continuar se divertindo em Santa Catarina. Agora, ele planeja mergulhar na região e escolheu exatamente uma das bandeira de Lula, as obras de transposição das águas do Rio São Francisco, no Rio Grande do Norte, como primeiro evento, no próximo dia 9. É apenas a primeira de uma série de inaugurações na região. Mas a principal aposta é exatamente outro símbolo da era petista, o Bolsa Família, agora rebatizado de Auxílio Brasil. Essa tentativa eleitoreira de cooptar o programa social acendeu o alarme no PT no início, mas hoje parece um risco controlado.
O presidente não consegue fortalecer laços políticos, apesar de ter se aliado a caciques locais do Centrão. E já enfrenta defecções. O presidente do PP em Pernambuco, deputado Eduardo Fonte, não esconde que apoiará Lula, mesmo que isso contrarie os líderes do seu partido: o ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, e o presidente da Câmara, Arthur Lira. Ambos estão à frente da campanha de reeleição de Bolsonaro. Apoiar o chefe do Executivo é um mau negócio pela baixa popularidade dele entre os nordestinos. Segundo pesquisa SENSUS/ISTOÉ realizada em novembro, a pior avaliação do governo Bolsonaro é justamente no Nordeste (17,6%), contra uma média nacional de 23,5%. No voto estimulado, o presidente também tem lá a sua pior performance (17,4%), com uma média nacional de 24,2%. É o contrário do que acontece com Lula. O petista tem seu maior índice de intenção de votos na região (57,3%), para uma média nacional de 42,6%.
Ciro, Doria e Moro
O cientista político Adriano Oliveira considera que os bons números de Lula refletem a percepção ainda presente de que o petista levou o Estado para uma população que via o governo ausente. As principais demandas do nordestino são “renda, consumo e emprego”, avalia. Ele pensa que hoje Ciro Gomes seria o candidato natural da região, não fosse a volta de Lula à corrida eleitoral. Mas o pedetista, cuja família tem forte base eleitoral no Ceará, tem perdido espaço nas articulações com outros partidos. O acordo dele com o PSB era visto como favas contadas especialmente em Pernambuco, estado em que as famílias Campos e Arraes têm tradição na política. Mas o partido avançou em suas negociações com Lula, deixando o apoio a Ciro pelo caminho.
A busca estratégica pelo voto nordestino também mobiliza os outros pré-candidatos. Filho de pai baiano, João Doria, diz que iniciará sua campanha pelo estado, provavelmente no início de abril. O tucano tem dito que há um componente emocional, mas também precisa cair nas graças dos eleitores locais. Durante as prévias do PSDB, Doria visitou vários estados e falou sobre a obra da Transnordestina, uma ferrovia que ligará os portos de Pécem (Ceará) e Suape (Pernambuco). “A obra mais cara que existe no governo é obra parada, não realizada”, disse o presidenciável, prometendo solução. Doria ainda afirmou que “o Nordeste não precisa de piedade. Precisa é de oportunidade, respeito e desenvolvimento”.
Com menos vivência na política, o ex-juiz Sergio Moro escalou o deputado Julian Lemos (PSL) para ciceronear sua visita à Paraíba, no início de janeiro. Lemos foi o coordenador da campanha de Bolsonaro no Nordeste, em 2018, mas hoje é seu desafeto. Em fevereiro, Moro irá ao Ceará, Sergipe e Piauí. Habituado à privacidade dos gabinetes, Moro já tomou um banho de povo e vestiu um tradicional chapéu de coro em visita à região. Só falta repetir o gesto do ex-presidente Fernando Henrique nos anos 1990, que teve um batismo de fogo ao comer uma tradicional buchada de bode (na época, o tucano se associou aos políticos da região para poder governar).
Os eleitores nordestinos têm ainda uma influência que reflete em outras regiões. Os migrantes espalhados por todo o País mantêm uma ligação sentimental muito forte com sua origem e familiares que ficaram. Realizações que impactam na região mobilizam os votos dos parentes que, por vezes, sonham em voltar a morar na terra natal. Por enquanto, Lula está ganhando a luta pelos corações e mentes dos conterrâneos. O petista se dá bem porque conhece os códigos seculares da região, sabe negociar com os coronéis (de todos os quadrantes, como se viu) e tem facilidade de comunicação com as camadas populares (habilidade que Bolsonaro também tem, mas não consegue exercer lá). O PT soube atrair as elites locais por meio de coalizões e distribuição de verbas. Essa vantagem competitiva precisará ser superada por qualquer um que queira se instalar no Planalto no próximo ano.
Lula esquece, o País lembra
30 de janeiro de 2022 | 03h00
A história do PT produziu muitos fatos que jogam contra o partido e seus candidatos. Em toda eleição, há muita coisa a esconder e a tergiversar. Mas seria empequenecer a trajetória petista pensar que, na categoria de temas a serem evitados, estariam “apenas” os escândalos de corrupção do mensalão e do petrolão. Há também aparelhamento do Estado, apoio entusiasmado a ditaduras e governos que violam direitos humanos, tolerância a corporativismos e privilégios, confusão entre o público e o privado, sabotagem de políticas públicas responsáveis (apenas porque outros as propuseram), negligência com malfeitos internos do partido, campanhas de difamação contra adversários políticos, abundante difusão de desinformação e várias outras práticas que contrariam o discurso original da legenda, em defesa da ética e da renovação da política.
Trata-se de um longo passivo, que não surgiu agora e não está apenas relacionado à Lava Jato. Mas há um item, em toda essa longa lista, que se sobressai. É um assunto que Luiz Inácio Lula da Silva tem especial dificuldade de lidar. O líder petista pode até falar do apartamento triplex no Guarujá ou do sítio de Atibaia – temas naturalmente desconfortáveis, que escancararam ao País o modo como o ex-sindicalista, que sempre bradou contra os patrões, lida de fato com os empreiteiros camaradas –, mas não faz ideia de como abordar este assunto: Dilma Rousseff e seu trevoso governo.
É um tema difícil, tanto pela evidência do desastre que foi o período de Dilma Rousseff no Palácio do Planalto como pela responsabilidade direta de Lula no caso. O líder petista decidiu que Dilma Rousseff seria a candidata do PT à Presidência da República em 2010. Afinal, esta é a divisão de tarefas na legenda que se diz democrática: Lula decide, os outros obedecem. Segundo palavras do próprio Lula, a relação entre os dois é de criador e criatura.
O líder petista pode não ter nenhum interesse em lembrar, mas ainda estão frescos na memória do País os resultados produzidos pela criatura lulista: recessão econômica, crise social, inflação, desemprego, desorganização da economia, manipulação de preços e irresponsabilidade fiscal, que incluiu, entre outras manobras, as famosas “pedaladas”. Tudo isso não se deu ao acaso. Foi obra do voluntarismo de Dilma Rousseff, mas foi muito mais do que simples equívoco individual. Sem nenhum exagero, o governo de Dilma foi a gestão dos sonhos dos petistas, com a aplicação – sem freios, sem limites e sem diálogo – de todas as teorias, ultrapassadas e equivocadas, que o PT sempre defendeu e, pasmem, ainda defende.
O resultado ficou evidente para o País. Tão presente nas eleições de 2018, o sentimento antipetista não foi mera consequência de decisões da Justiça Federal de Curitiba. O problema foi muito mais profundo. Com Dilma Rousseff, a população experimentou o que é um governo com o PT pondo em prática suas teses e ideias. Pouquíssima gente quer isso de volta e, por saber bem a dimensão dessa rejeição, Lula deseja de todas as formas esconder Dilma Rousseff e seu governo.
A quem queira diminuir ou relativizar a ojeriza do eleitorado com a gestão de Dilma no Palácio do Planalto, basta lembrar o resultado das eleições de 2018 para o Senado em Minas Gerais. Mesmo com toda a militância do PT dizendo que Dilma Rousseff tinha sofrido um golpe – assim os petistas qualificam atos constitucionais do Congresso, quando não lhes agradam – e com a legenda investindo muitos recursos financeiros na campanha, a ex-presidente obteve dos mineiros um humilhante quarto lugar. Portanto, Dilma é um óbvio fardo eleitoral, mesmo para um veterano prestidigitador como Lula.
Questionado nessa semana sobre o papel de Dilma em um eventual novo governo do PT, Lula não teve dó de sua criatura, atribuindo-lhe a mais cabal irrelevância. “O tempo passou. Tem muita gente nova no pedaço”, disse, em entrevista à Rádio CBN Vale. Se o tempo passou para Dilma, passou também para Lula. O País precisa de gente com outra estatura moral, que não tenha de esconder seu passado nem suas criaturas.