Gilmar mantém quebra de sigilo de empresa acusada de espalhar fake news
O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, negou o pedido da empresa Brasil Paralelo Entretenimento e Educação S.A., feito em mandado de segurança, para que fosse anulada a quebra de seus sigilos telefônico e telemático pela CPI da Covid-19. Por outro lado, Gilmar determinou que a medida deve valer apenas para o período iniciado em 20 de março de 2020, quando oficialmente foi declarado o estado de emergência devido à doença.
Além disso, o ministro também ordenou que as informações obtidas pela CPI sejam mantidas sob a guarda do presidente da comissão, senador Omar Aziz (PSD-AM), e compartilhadas com o colegiado somente "em reunião secreta e quando pertinentes ao objeto da apuração".
Segundo a decisão, a CPI fundamentou o pedido de acesso às informações telefônicas e telemáticas com base em indícios de ligação da empresa com a divulgação de notícias falsas desde a campanha presidencial de 2018. Na avaliação do ministro, o ato integra a linha investigativa da CPI na apuração de "correlação entre as ações do governo federal no enfrentamento da pandemia e a disseminação de notícias falsas por pessoas físicas e veículos de comunicação durante o período".
Gilmar Mendes ressaltou, no entanto, que o acesso aos dados deve se restringir ao período e objeto delimitados para a atuação da CPI, nos termos do parágrafo 3º do artigo 58 da Constituição Federal. Com informações da assessoria de imprensa do STF.
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MS 38.117
Revista Consultor Jurídico, 10 de agosto de 2021, 13h10
Controles tolerantes e falta de transparência estimulam impunidade no Judiciário
[resumo] Recorrência de casos de venda de sentenças, desvio de verbas, nepotismo, aparelhamento político e conflitos éticos no Judiciário que acabam impunes, prescritos ou com punições leves revelam a debilidade dos mecanismos de transparências e controle na Justiça.
O cidadão comum tem hoje mais chances de saber o que os tribunais fazem e julgam, mas nem sempre foi assim. Durante muito tempo, a imprensa não cobriu o Judiciário como instituição. A Justiça era fonte de notícias quando havia denúncias contra figuras famosas. Agora, o que um ministro do Supremo Tribunal Federal decide é debatido pela sociedade.
O jornalismo investigativo concentrou seu foco no combate à corrupção. O problema central é a impunidade, que estimula atos ilícitos, e também encontra guarida no Poder Judiciário.
O grosso da magistratura não compactua com a impunidade. A ex-corregedora Eliana Calmon, quando mencionou os “bandidos de toga”, ressaltou que não generaliza a crítica. Disse, como magistrada de carreira, que a corrupção no Judiciário é mínima.
Pode ser mínima, mas é persistente. Em 2017, em Brasília, encerrei uma palestra proferida na Reunião Preparatória do 11º Encontro Nacional do Judiciário, a convite da ministra do STF Cármen Lúcia, citando o discurso de posse de Laurita Vaz na presidência do Superior Tribunal de Justiça: “Ninguém mais aguenta tanta desfaçatez, tanto desmando, tanta impunidade”.
A VOLTA DOS MILITARES
O Judiciário contribuiu para o retorno dos militares ao poder civil. A imprensa não atentou quando, em 2018, o então presidente do STF, Dias Toffoli, introduziu um general da reserva, Fernando Azevedo e Silva, futuro ministro da Defesa de Bolsonaro, em seu gabinete. A corte não reagiu, à exceção de Celso de Mello. Toffoli depois negou o golpe militar de 1964, dizendo ter sido um “movimento”. Queria ser o interlocutor entre a toga e a farda.
Jair Bolsonaro forjou um discurso anticorrupção, ofereceu o Ministério da Justiça ao ex-juiz Sergio Moro. Depois, esvaziou o órgão e o ministro. Para comandar o Ministério Público da União, escolheu Augusto Aras, que pregava a “democracia militar” e não foi questionado. Aras militarizou o Ministério Público e desmontou a Lava Jato.
“A imprensa nunca incomodou minimamente o Poder Judiciário”, diz Ana Lúcia Amaral, procuradora regional da República aposentada. Ela diz que os jornais publicavam manchetes sobre a Lava Jato “porque era material fácil, farto e escandaloso”.
Ana Lúcia entende que “o Judiciário se mostrou disfuncional na medida em que desobedecer a lei nunca foi desestimulado por uma clara e boa decisão judicial”. “Autoridades conseguiram, por décadas, escapar das barras dos tribunais por força do foro especial por prerrogativa de função e chicanas que procrastinam o processo até a prescrição”, afirma.
Com o STF sob pressão, o Judiciário se blindou no “inquérito do fim do mundo”, ela diz. Em 2019, incomodado por reportagens da revista Crusoé sobre supostas movimentações atípicas em contas vinculadas a advogadas mulheres de ministros do STF, Toffoli instaurou, via portaria, um inquérito para apurar fake news e divulgação de mensagens que atentem contra a honra dos integrantes do tribunal.
Escolheu o ministro Alexandre de Moraes para a tarefa. Numa típica medida de períodos de exceção, o juiz que se considera alvo de críticas conduz a ação policial e é o julgador final da causa.
No âmbito do inquérito, Moraes determinou a retirada do ar de reportagem e nota da revista Crusoé e do site O Antagonista que ligavam Toffoli à empreiteira Odebrecht. Depois o ministro revogou a própria decisão.
Diante dos ataques à medida e ao inquérito como um todo, a advocacia aderiu em peso a um jantar em homenagem a Toffoli. A liberdade de expressão ficou fora do cardápio.
DECLÍNIO DO CNJ
Em 1987, Márcio Thomaz Bastos, então presidente da OAB, sugeriu um controle externo ao Judiciário. O CNJ (Conselho Nacional de Justiça) e o CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público) só seriam instalados em 2005. Até 2009, o CNMP não havia feito nenhuma inspeção.
O CNJ foi desidratado por alguns ministros do STF que presidiram o órgão. Gilmar Mendes convidou especialistas para auxiliar nas pesquisas. Esse grupo foi esvaziado pelo sucessor, Cezar Peluso.
Ricardo Lewandowski abriu o CNJ ao lobby das associações de juízes. Engavetou denúncias e dividiu o colegiado. No primeiro dia como presidente do conselho, Toffoli mudou o regimento, eliminou as travas contra nomeação de parentes e o uso do CNJ como trampolim político. Favoreceu amigos e revogou a quarentena de juízes auxiliares. A imprensa não viu.
Em 2016, publiquei na Folha que, dos 33 ministros do STJ, dez têm filhos ou mulheres advogados que defendem interesses de clientes com processos em tramitação na Corte. Entre eles, os ex-corregedores Francisco Falcão, João Otávio de Noronha e Humberto Martins. O corregedor Noronha blindou juízes e engavetou, por dois anos, relatórios de inspeções em tribunais. A mídia ignorou.
SIMBIOSE E HOLOFOTES
No governo Fernando Henrique Cardoso, imperava a “simbiose entre o Ministério Público e a imprensa”, teoria do procurador da República Luiz Francisco Fernandes de Souza. A imprensa recebia informações sobre investigações preliminares; o procurador juntava as reportagens nos inquéritos para pedir a quebra de sigilos.
O ex-chefe da Casa Civil José Dirceu foi um dos principais alvos do MP na gestão de Lula. No governo FHC, o objetivo de Luiz Francisco era perseguir o então secretário-geral da Presidência, Eduardo Jorge Caldas Pereira (o EJ). Luiz Francisco incluiu o CPF de um advogado no pedido de quebra de sigilo da mulher de EJ. Pretendia investigar o aluguel da sede da campanha de FHC. Apuração feita pela Folha revelou que nada foi provado contra EJ.
Essa simbiose MP/imprensa floresceu na gestão do procurador-geral da República Geraldo Brindeiro. Seu sucessor, Cláudio Fonteles, nomeado por Lula, apagou os holofotes de Luiz Francisco. “Buscar furo é papel da mídia, não da Procuradoria”, disse.
No início da era Lula, os procuradores diminuíram o ímpeto acusatório. “O governo do PT negocia mais e a gestão dos recursos públicos melhorou”, alegou Luiz Francisco.
Dias Toffoli, quando subchefe de assuntos jurídicos da Casa Civil na gestão de José Dirceu, exercia advocacia privada e representava clientes do PT. A OAB não viu motivo para impedimento.
Há muitos outros casos de relações conflituosas. Deltan Dallagnol, coordenador da Lava Jato, pretendia montar empresa de palestras sem aparecer como sócio. Em 2007, o CNMP censurou o procurador Guilherme Schelb, que atuava com Luiz Francisco, por tentar obter recursos de empresas para um projeto pessoal.
MENSALÕES ESQUECIDOS
O escândalo do mensalão petista teve ampla repercussão social, ameaçou derrubar o governo Lula em 2005 e levou à prisão políticos e empresários. Esquemas semelhantes, contudo, receberam tratamento bem diverso. Na ocasião, a mídia não se interessou pelo mensalão tucano. Os valores eram inferiores, mas o operador era o mesmo, Marcos Valério.
A investigação sobre o mensalinho petista (que acusou de corrupção o empresário Joesley Batista e o então governador mineiro Fernando Pimentel, do PT) naufragou por erros do MP na apresentação da denúncia.
A mídia não deu importância ao mensalão da toga, que revelei na Folha: desvio, por magistrados, de cerca de R$ 20 milhões da Fundação Habitacional do Exército (FHE). Durante dez anos, dirigentes de uma associação de juízes firmaram contratos fictícios com dados cadastrais de magistrados que desconheciam a fraude. Houve apenas censura e advertência contra eles.
A impunidade gerou a extinção de grandes operações. O juiz federal Fausto De Sanctis diz que esse processo começou em 2011, com a anulação, pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), da Castelo de Areia, “que nada mais era do que a Lava Jato antecipada”.
O juiz federal Danilo Fontenelle, do Ceará, afirma que outro grande baque “foi o STF voltar ao entendimento de que a prisão após confirmação em segunda instância seria antecipação da pena”. “Daí”, diz ele, “os advogados, que faziam colaborações premiadas pelos seus clientes, voltaram a apostar na prescrição”.
Em 2009, quando o STF decidiu pela primeira vez em sessão do plenário que um condenado em segunda instância da Justiça pode recorrer em liberdade, outros juízes de varas especializadas previram os efeitos.
“É um retrocesso. A sensação de impunidade vai aumentar”, disse Jorge Costa (juiz do mensalão em BH). “Estou me questionando se vale a pena dar impulso a ações penais em relação a crimes de colarinho branco já que, de antemão, sei que estão fadadas ao fracasso”, disse Sergio Moro, na ocasião.
Não surpreendeu a ampla cobertura à Lava Jato, às vezes de forma acrítica. Vislumbrou-se a possibilidade de a Justiça atingir suspeitos intocáveis. Moro anteviu outra simbiose ao analisar a operação italiana Mãos Limpas: “A opinião pública pode constituir um salutar substitutivo, tendo condições melhores de impor alguma espécie de punição a agentes públicos corruptos, condenando-os ao ostracismo”.
DESAFOROS E INSULTOS
O debate polarizado desde o impeachment de Dilma Rousseff contaminou o Supremo. A nomeação de Kassio Nunes para a vaga de Celso de Mello, um substituto sabidamente contra a Lava Jato, reforçou a previsão de que a Segunda Turma derreteria Moro e a força-tarefa.
As formalidades de boas maneiras e respeito foram esquecidas. No ano passado, a União foi condenada a indenizar Deltan após Gilmar chamar os procuradores da Lava Jato de “cretinos, desqualificados, covardes, gângsteres”. Em fevereiro deste ano, comparou a força-tarefa a um “esquadrão da morte”.
Atribui-se a indisposição do ministro do STF com o Ministério Público ao questionamento, pelo procurador Luiz Francisco, de 451 contratos, sem licitação, entre a AGU (Advocacia Geral da União), quando Gilmar era o titular do órgão (2000 a 2002), e o Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), do qual é sócio. Subordinados da AGU frequentaram cursos naquela empresa privada à custa do erário.
No início da Lava Jato, Celso de Mello, Gilmar e Lewandowski tentaram conter Moro, sob o argumento de que “prendia muito” e resistia a decisões superiores. Temiam “um novo De Sanctis”, juiz que desafiou Gilmar na Operação Satiagraha.
Em 2008, o doleiro Rubens Catenacci, condenado por Moro no caso Banestado, pedira a anulação da sentença, alegando parcialidade do então juiz. Gilmar criticou condutas “censuráveis” e “desastradas” de Moro, mas concluiu que “não se pode confundir excessos com parcialidade”. Depois, reviu essa avaliação. Disse que o tempo demonstrou “traços da realidade que antes não se evidenciava”.
Recentemente, no julgamento sobre a suspeição de Moro no caso do tríplex no Guarujá (SP), o caso do doleiro foi usado como precedente pela defesa de Lula. No voto-vista, Gilmar não revelou que o TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região) e o CNJ já haviam arquivado as acusações contra Moro com base nas denúncias de Catenacci.
Em março de 2016, o ex-PGR Claudio Fonteles recomendou moderação a procuradores da Lava Jato. Considerou “inadmissível (...) compelir testemunha, indiciado ou réu a prestar depoimento à margem do devido processo legal”.
Em 2019, Fonteles defendeu a “plena investigação” de mensagens divulgadas pelo site The Intercept Brasil que indicavam colaboração de Moro e Deltan na Lava Jato: “O membro do MP não pode, por qualquer meio, mancomunar-se com o julgador”.
Naquele mesmo ano, revelei na Folha que o CNJ manteve sem julgamento, por mais de dois anos, recursos de reclamações disciplinares contra Moro que poderiam tê-lo afastado dos processos da Lava Jato.
CONTROLE FRÁGIL
Eis alguns outros exemplos da fragilidade dos controles, publicados na Folha e em meu blog Interesse Público:
1) Quando o CNJ foi criado, o holerite no TJ-MG era chamado de “salário-família”. Doze mulheres de desembargadores estavam na folha de pagamento, sem prestar concurso. Entre os primeiros aprovados em um concurso para novos juízes, 20 eram parentes de magistrados, incluindo duas filhas do então presidente do tribunal.
2) Acusado de vender sentença, o ministro do STJ Paulo Medina foi afastado do cargo pelo CNJ em 2010. Morreu de Covid, em abril deste ano, sem o caso ter sido julgado. Dois anos depois de seu afastamento, ele dirigiu uma mesa de debates no TJ-MG.
3) O juiz Danilo Campos foi o autor da primeira denúncia feita ao CNJ: acusou tráfico de influência na carreira da magistratura mineira. Em consequência, foi condenado pelo TJ-MG à pena de prisão, sob acusação da prática dos crimes de difamação e calúnia contra membros da comissão examinadora de um concurso público. A decisão acabou anulada pelo STJ.
4) Foi tardia a prisão do ex-juiz federal João Carlos da Rocha Mattos, acusado na Operação Anaconda, em 2003, de ser o mentor de um esquema de venda de sentenças na Justiça Federal. Trabalhava no escritório da organização criminosa que liderava o esquema um procurador que, em 1989, ajudou o juiz a enterrar o caso Cobrasma, mega fraude no mercado de ações.
5) Um ex-presidente do TJ-SP não recebia o presidente do CNJ. Eliana Calmon, corregedora-Geral da Justiça do órgão de 2010 a 2012, dizia que só conseguiria entrar no tribunal “quando o sargento Garcia prendesse o Zorro”. Investigava-se na época uma suposta folha de pagamento paralela, elaborada fora do tribunal, que favoreceria desembargadores.
6) Sucessivas chicanas retardaram as ações penais contra o juiz Nicolau dos Santos Neto, o ex-senador Luiz Estevão de Oliveira e os empresários Fábio Monteiro de Barros e José Eduardo Ferraz, denunciados por desvio de recursos na construção do Fórum Trabalhista de São Paulo.
7) Em 2006, o TRF-3, por unanimidade, reformou sentença de absolvição e condenou Ferraz a 27 anos e oito meses de prisão. Na véspera, Ferraz desconstituíra o advogado, que continuou seu patrono em outros processos. Oito anos depois, seu novo advogado, o ex-ministro Sepúlveda Pertence, sustentou no STF cerceamento de defesa (ou seja, o réu não teria tido advogado no julgamento de 2006). Ferraz foi beneficiado por um empate, e a condenação foi anulada.
8) Dois ex-presidentes do TJ-BA, afastados pelo CNJ em decisão unânime por uma série de infrações, retornaram ao tribunal por liminar proferida por Lewandowski no recesso do STF. Foram recebidos por autoridades baianas com festa e foguetório.
9) Um ex-procurador-geral de Justiça do Rio de Janeiro recebia “mensalidade” do ex-governador Sergio Cabral, que financiou sua campanha para o cargo no MP.
10) Antes de se aposentar, Orlando Adão de Carvalho, ex-presidente do TJ-MG, transferiu de seu gabinete para o do filho, o desembargador Alexandre Victor de Carvalho, uma jovem advogada. Há indícios de que ela receberia seus proventos sem trabalhar. Suspeito de “rachar” parte do salário dela, o desembargador foi absolvido pelo TJ-MG. O CNJ arquivou o caso. Ele ainda é alvo de inquérito no STJ, suspeito de corrupção passiva. Denúncia do MPF acusa o desembargador de negociar a nomeação da mulher e do filho em cargos públicos (troca de favores) e de sugerir “rachadinhas”.
Dezesseis anos depois, o CNJ volta ao começo: apura novas suspeitas de nepotismo no TJ-MG.
Lei Rouanet pode encolher 50% com reforma do IR e sufocar museus e orquestras
Uma tempestade está armada sobre a Rouanet. Depois de um decreto recente da pasta da Cultura alterar as regras da principal lei de incentivo às artes do país, com medidas que parecem feitas para agradar aos eleitores de Bolsonaro, agora o Ministério da Economia pode tomar uma atitude capaz de ceifar metade da verba do mecanismo nos próximos dois anos, o que seria provavelmente o maior baque sofrido pela Rouanet em suas três décadas de existência.
O projeto da reforma do Imposto de Renda, incluído na grande reforma tributária do ministro Paulo Guedes, deve gerar uma queda progressiva no montante que as empresas podem destinar à Rouanet —16,7% a menos em 2022 e 50% a menos em 2023, em relação aos valores atuais. Isso se a medida for adiante no Congresso do jeito que está, na proposta do deputado Celso Sabino, do PSDB do Pará.
Ou seja, o cerca de R$ 1,4 bilhão de dinheiro público injetado em projetos culturais em 2020 seriam cortados para R$ 700 milhões.
Isso deve gerar um rombo para grandes instituições culturais, como museus, orquestras e exposições que arrecadam dezenas de milhões de reais de incentivo fiscal, responsáveis por parte considerável de seus orçamentos. Também pode pôr em risco de extinção companhias médias com décadas de atuação em suas áreas, para as quais a verba obtida via lei representa mais da metade da planilha de custos. O resultado será o empobrecimento do setor cultural e uma leva de empregos perdidos, depois do baque da pandemia sobre a área.
“O cenário do mercado de patrocínios já é bastante competitivo. Há muitos projetos de excelente qualidade que concorrem pela atenção das empresas patrocinadoras”, diz Marcelo Lopes, diretor executivo da Fundação Osesp, responsável pela Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo. “A proposta do relator inviabiliza o sistema e torna o Pronac [o Programa Nacional de Apoio à Cultura, do qual a Rouanet faz parte] absolutamente inútil para as finalidades a que se destina. Morrerá por inanição.”
Em 2019, a Fundação Osesp teve 16% de seu orçamento vindo dessa lei de incentivo, mas a ideia é chegar a 25% ou 30% em 2022, segundo a controladoria da fundação. A verba financia a orquestra e suas turnês, uma escola de formação de músicos, o Festival de Inverno de Campos do Jordão, no interior paulista, e outras atividades.
Lopes afirma que a reforma do imposto de renda deve alterar a estrutura do mercado de incentivos, mas ele diz que não vê a possibilidade de que se consiga alguma nova alternativa no prazo estabelecido pelo texto do relator, de dois anos.
Presidente da Fundação Bienal de São Paulo, José Olympio da Veiga Pereira lembra que muitos projetos culturais só podem ser viabilizados com recursos incentivados e afirma que a redução do Imposto de Renda das empresas será devastadora para o setor artístico. “Nos parece que as consequências dessa reforma sobre a cultura e outras áreas que se beneficiam de leis de incentivo, como o esporte, não têm sido problematizadas e debatidas a fundo até o momento”, ele afirma.
Além da Rouanet, serão também afetadas pela reforma leis que destinam incentivos fiscais ao audiovisual, ao esporte, à infância e ao idoso. A proposta do corte de 50% é uma versão melhorada —o projeto original do relator Celso Sabino previa uma queda de 83% nos benefícios, o que mataria de vez a Rouanet. Procurado, o relator não respondeu aos questionamentos. O projeto atual está previsto para ser votado pela Câmara nesta quarta-feira.
Se o cenário preocupa os diretores das grandes instituições, para as menores a reforma tributária pode significar o fim. O Grupo Galpão, de Belo Horizonte, uma das companhias teatrais que mais viaja pelo interior do Brasil levando espetáculos, tem quase 100% de seu financiamento feito pela Rouanet, conta Chico Pelúcio, diretor geral do Galpão Cine Horto, centro cultural mantido pelo grupo na capital mineira.
O Grupo Galpão e o Cine Horto empregam diretamente 40 pessoas, entre contratados com carteira assinada e prestadores de serviços, além de ativarem uma série de fornecedores, como uma família que transporta os cenários das peças e também a assessoria jurídica do grupo, diz Pelúcio, para quem a reforma seria um “golpe externo” no desmonte da lei, depois de uma série de “golpes internos”, aqueles que partiram da própria Secretaria Especial da Cultura.
Pelúcio teme que a reforma provoque uma concentração das verbas da Rouanet que sobrarem nas instituições de renome e nos grandes eventos, já articulados para captarem o dinheiro junto às empresas patrocinadoras e com projetos culturais alinhados “a um capitalismo de visibilidade”, em suas palavras. Esse cenário se daria em detrimento de iniciativas menores, voltadas à pesquisa de linguagens e à formação de público, e acabaria por manter as verbas da lei concentradas nas mãos de poucos, diz ele.
A concentração de recursos nas mãos de poucos é uma crítica frequente à Rouanet, vinda de diversos setores, e com frequência do secretário especial da Cultura, Mario Frias, e do secretário de Fomento da pasta, André Porciuncula. Segundo os servidores afirmaram diversas vezes, a verba da lei está concentrada sobretudo na região Sudeste e com artistas famosos. Eles defendem a pulverização desse dinheiro pelo país todo, para que chegue às mãos de pequenos produtores culturais e de espetáculos menores.
Há ainda a imagem pública da lei, que deve ficar arranhada mesmo que a verba caia pela metade. Segundo uma fonte do setor cultural, isso se dará porque a proposta prevê que o desconto nominal no imposto de renda das empresas —ou seja, o montante que vira incentivo para a cultura—, seja de 12%, em comparação com os 4% atuais. Há o risco de que o debate sobre a Rouanet fique mais energizado e desgastado, piorando a situação atual, na qual há uma narrativa que tenta enquadrar o mecanismo como mamata concedida aos artistas.
Procurada, a Vale, empresa que mais investiu em cultura via Rouanet em 2020 —R$ 120,5 milhões—, não quis comentar os possíveis impactos da reforma no setor. Por meio de nota enviada pela assessoria do Instituto Cultural Vale, a empresa afirma que acompanha o debate sobre a reforma tributária e reafirma o seu propósito de democratizar o acesso à cultura e à produção cultural, além de destacar “a importância dos mecanismos de incentivo fiscal voltados para o fomento das agendas sociais e da cultura”.
Camila Aloi, gerente de relações institucionais do Gife, uma associação de investidores sociais privados que estimula o empresariado a investir em cultura e a realizar ações filantrópicas, faz a questão que ronda o setor: “Se essa lei passa, se realmente essa reforma é feita, de onde virá esse dinheiro que vinha das leis de incentivo?”
Universidade deveria ser para poucos, diz ministro da Educação de Bolsonaro
O ministro da Educação, Milton Ribeiro, afirmou na noite desta segunda-feira (9) que a universidade deve ser para poucos. A declaração foi dada no programa Sem Censura, da TV Brasil, no qual o ministro também disse ter tomado um susto ao saber de algumas das atribuições do MEC (Ministério da Educação) quando assumiu o cargo no governo Jair Bolsonaro (sem partido) no ano passado.
Indagado sobre os institutos federais de educação, ciência e tecnologia, ele afirmou que serão as “vedetes do futuro”.
“Com todo o respeito que tenho aos motoristas, é uma profissão muito digna, mas tem muito engenheiro, muito advogado dirigindo Uber porque não consegue colocação devida. Mas se ele fosse um técnico em informática estaria empregado, porque há uma demanda muito grande”, disse.
“Então acho que o futuro são os institutos federais, como é na Alemanha. Na Alemanha são poucos os que fazem universidade, universidade na verdade deveria ser para poucos nesse sentido de ser útil à sociedade”, afirmou.
A declaração é semelhante à que deu em 2019, ao jornal Valor Econômico, o primeiro titular do MEC do governo Bolsonaro. Na ocasião, Ricardo Vélez disse que as universidades deveriam “ficar reservadas para uma elite intelectual”.
Na entrevista desta segunda-feira, Ribeiro disse também não ver problema em jovens “filhinhos de papai” ocuparem vagas das universidades públicas.
Após citar a Lei de Cotas, o ministro lembrou que 50% das vagas das federais são reservadas a alunos de escolas públicas e as demais, segundo ele, vão para alunos com melhores condições.
“O que também eu acho justo, considerando que os pais desses meninos tidos como filhinhos de papai são aqueles que pagam os impostos no Brasil que sustentam bem ou mal a universidade pública", afirmou.
Os institutos federais elogiados pelo ministro foram criados em 2008, no governo Lula, a partir de escolas federais de ensino técnico já existentes. Eles oferecem cursos tecnológicos profissionalizantes de nível médio e superior.
Na entrevista, Ribeiro se referiu a eles como uma boa descoberta no cargo. “Quando eu cheguei lá [no MEC], outra surpresa que eu tive é que nós temos 38 institutos que faziam um trabalho extraordinário.”
Não foi a única surpresa que Ribeiro, ex-reitor do Mackenzie, disse ter tido ao virar ministro. “Quando eu cheguei no MEC, tomei um susto. A maior parte da população brasileira não sabe que eu administro 50 hospitais universitários através da Ebserh (Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares), que eu tenho que organizar, sem poder interferir, o ensino público para mais de 40 milhões de estudantes em todo o Brasil.”
Alinhado com a agenda ideológica de Bolsonaro, Ribeiro disse também que um reitor das universidades federais “não precisa ser bolsonarista, mas não pode ser esquerdista, não pode ser lulista”.
“As universidades federais não podem se tornar um comitê político do partido A, nem de direita, mas muito menos de esquerda.”
Desde que assumiu a Presidência, Bolsonaro desconsiderou o primeiro colocado da lista tríplice das universidades em 40% dos casos ao escolher o reitor. Ribeiro disse já ter levado dez reitores para visitar o presidente.
O Ministério da Educação terminou 2020 com o menor gasto em educação básica na década.
Bolsonaro vetou lei que obrigava o governo federal a financiar a conectividade nas escolas. Ribeiro justificou na entrevista que a prioridade é investir em escolas sem condições básica de infraestrutura, como saneamento.
E, na linha contrária à de estudos que mostram que a reprovação aumenta as taxas de abandono escolar e não melhora o rendimento futuro dos alunos, Ribeiro defendeu a retenção de estudantes em função da aprendizagem.
“Temos que voltar a essa questão de repetir de ano sim, não é vergonha, é uma ajuda para a criança e o país.”
Inflação pelo IPCA sobe 0,96% em julho; INPC acelera para 1,02%
A inflação medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que mede o reajuste nos preços para as famílias com renda entre um e 40 salários mínimos, subiu 0,96% em julho, o maior resultado para o mês desde 2002, quando a alta foi de 1,19%. Os dados foram divulgados hoje (10), no Rio de Janeiro, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
No ano, o indicador acumula alta de 4,76% e, em 12 meses, 8,99%, ficando acima do registrado nos 12 meses imediatamente anteriores (8,35%). É a maior taxa desde maio de 2016, quando o IPCA ficou em 9,32% em 12 meses. Em julho do ano passado, a taxa mensal foi de 0,36% e, em junho de 2021, de 0,53%.
Segundo o IBGE, oito dos nove grupos pesquisados apresentaram alta no mês, com o maior impacto vindo do aumento de 3,10% na habitação, grupo pressionado pela alta de 7,88% na energia elétrica.
Por região, o reajuste tarifário da energia elétrica foi de 11,38% em São Paulo, 8,97% em Curitiba e 9,08% em uma das concessionárias de Porto Alegre. Em 12 meses, a energia elétrica acumula reajuste de 20,09%.
Segundo o analista da pesquisa, André Almeida, esse custo muitas vezes é repassado pelo comércio ao consumidor final, com o peso grande da energia elétrica.
“Além dos reajustes nos preços das tarifas em algumas áreas de abrangência do índice, a gente teve o aumento de 52% no valor adicional da bandeira tarifária vermelha patamar 2 em todo o país. Antes, o acréscimo nessa bandeira era de, aproximadamente, R$ 6,24 a cada 100kWh consumidos e, a partir de julho, esse acréscimo passou a ser de R$ 9,49”, explicou.
Destacou, a seguir, o aumento no grupo dos transportes, que subiram 1,52%, puxados pelas passagens aéreas, que aumentaram 35,22% depois da queda de 5,57% em junho. O transporte por aplicativo passou de -0,95% para 9,31% de um mês para o outro e o aluguel de veículo foi de 3,99% em junho para 9,34% em julho.
Os combustíveis aceleraram 1,24% em julho, depois de subirem 0,87% em junho. A gasolina teve alta de 1,55% no mês e acumula reajuste de 39,65% em 12 meses. O etanol caiu 0,75% no mês, mas teve aumento de 57,27% em 12 meses. O óleo diesel subiu 0,96% no mês e 36,35% em 12 meses.
Alimentos e bebidas
O grupo alimentos e bebidas subiu 0,60%, acima da taxa de junho (0,43%). O item alimentação no domicílio passou de 0,33% em junho para 0,78% em julho, puxado pela alta do tomate (18,65%), do frango em pedaços (4,28%), do leite longa vida (3,71%) e das carnes (0,77%). As quedas no mês foram verificadas no preço da cebola (-13,51%), batata-inglesa (-12,03%) e do arroz (-2,35%).
O acumulado em 12 meses ficou em 42,96% para o tomate, 34,28% nas carnes, 21,88% no frango em pedaços e 11,29% para o leite longa vida. A cebola teve queda de 40,38% em 12 meses e a batata-inglesa diminuiu 19,71%. O arroz, apesar da queda no mês, tem alta de 39,69% em 12 meses. Segundo Almeida, vários fatores contribuíram para a alta da inflação.
“Ao longo dos últimos 12 meses tivemos uma alta nos combustíveis e na energia elétrica, itens que pesam bastante no orçamento das famílias. A gasolina é o item com maior peso no IPCA. As carnes também, todos esses fatores contribuíram para esse aumento”, explicou o analista.
O único grupo que teve queda nos preços em julho foi o de saúde e cuidados pessoais. Ficou 0,65% mais barato com a redução dos preços dos planos de saúde (-1,36%), após a autorização da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) do reajuste negativo de -8,19%, justificada pela diminuição da utilização de serviços de saúde suplementar durante a pandemia.
Por região, entre as 16 capitais pesquisadas, o maior índice foi anotado em Curitiba (1,60%) e o menor resultado foi o de Aracaju (0,53%).
INPC acelera 1,02%
O Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), que mede a inflação para as famílias com rendimentos de um a cinco salários mínimos, acelerou para 1,02% em julho, após a alta de 0,60% em junho. A alta acumulada em 12 meses é de 9,85%, acima dos 9,22% dos 12 meses imediatamente anteriores. Em julho do ano passado, o indicador ficou em 0,44%.
O acumulado de 12 anos no INPC vem numa curva crescente desde julho de 2020, quando a taxa acumulada estava em 2,69%.
Edição: Kleber Sampaio / AGÊNCIA BRASIL
Mudanças climáticas, o maior desafio global
10 de agosto de 2021 | 03h00
Não há precedentes em milhares de anos para as atuais mudanças no clima da Terra. Apenas as ações diretas do homem foram responsáveis pelo aumento recente de 1,07°C na temperatura do planeta, fato “inequívoco e irreversível” – e pela primeira vez mensurado. Hoje, todos os pontos do globo são afetados por algum “evento climático extremo”, como enchentes, secas e ondas de calor. Estes são causados, em grande medida, por alterações provocadas no meio ambiente. Só uma substancial redução das emissões de CO2 e outros gases causadores do efeito estufa na atmosfera será capaz de interromper a progressão das mudanças climáticas. Porém, ainda que todas as medidas necessárias sejam adotadas pelos principais países emissores, entre os quais o Brasil, poderá levar 30 anos para que a temperatura da Terra atinja um patamar de estabilidade relativamente seguro.
Estas são algumas das principais conclusões contidas na primeira de três partes do inquietante relatório Climate Change 2021: The Physical Science Basis, elaborado por mais de 200 cientistas de 66 países, inclusive o Brasil, que foram reunidos pelo Painel Intergovernamental sobre o Clima (IPCC) da ONU.
O estudo revela que a temperatura da Terra aumentará 1,5°C em relação à era pré-industrial até 2030, uma década antes do previsto inicialmente. Isto significa que os chamados “eventos climáticos extremos” serão cada vez mais frequentes nos próximos anos. O quão devastadores eles serão dependerá das ações coordenadas de governos e sociedades no mundo inteiro a partir de já.
A janela de oportunidade para manter o aquecimento global limitado a 2°C até 2100, meta definida pelos signatários do Acordo de Paris, é cada vez mais estreita.
A primeira ação a ser tomada – a mais sensata e responsável de todas – é dar ao documento do IPCC/ONU o devido crédito. Não por acaso, a palavra “irrefutáveis”, em referência às evidências científicas das mudanças climáticas, aparece nas primeiras páginas do longo relatório. À medida que o tempo passa, mais caro ficará o negacionismo de líderes irresponsáveis, que tomam um dado científico como “arma” de uma suposta “guerra cultural”. É o caso do presidente Jair Bolsonaro e de figuras como o ex-chanceler Ernesto Araújo e o ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles.
Especialistas alertam que o Brasil poderá sofrer severamente com o desequilíbrio dos ecossistemas, sobretudo na Região Amazônica. No pior cenário, ou seja, caso nenhuma medida para conter as emissões de gases seja tomada pelo governo federal, o País poderá sofrer com crises humanitárias, inclusive a decorrente da queda na produção agrícola. A atividade industrial brasileira não é a maior vilã das emissões de gases do País, mas sim o desmatamento ilegal. Sob Bolsonaro, registra-se recorde atrás de recorde de desmatamentos ilegais. Nesta hora grave, o Brasil está entregue a um presidente que não dá a devida importância às mudanças climáticas, o que é terrível para o País, para os brasileiros e para o mundo. Embora o Brasil seja o 6.º maior emissor de CO2 do planeta, aqui estão grandes biomas e a maior biodiversidade do planeta. Portanto, o País é ator fundamental em qualquer discussão de políticas globais de contenção dos danos causados pelas mudanças climáticas.
Em última análise, o negacionismo científico, não apenas aqui, resultará em cada vez mais vidas perdidas, seja em decorrência direta de tragédias climáticas – como a devastação de áreas costeiras pelo aumento do nível dos oceanos, incêndios florestais ou enchentes causadas por chuvas muito acima dos níveis médios –, seja por causas associadas, como a fome decorrente da queda da produção de alimentos ou a proliferação de doenças em desordenadas migrações em massa.
Conter o avanço das mudanças no clima é o maior desafio global em muitas gerações. O que é feito em conjunto hoje, desde a esfera privada individual até políticas públicas concertadas entre nações, determinará como será a vida na Terra, não num futuro distante, mas nos próximos anos.