Toque de recolher reduz a propagação do coronavírus?
02 de fevereiro de 2021 | 05h00
Com o aumento dos casos de coronavírus e com uma nova cepa contagiosa ameaçando acelerar a pandemia, a França adotou um rigoroso toque de recolher das 6 da tarde às 6 da manhã. Os franceses são mantidos dentro de casa e o comércio deve ficar fechado.
Em Quebec, as autoridades canadenses impuseram uma restrição semelhante no início deste mês, das 8 da tarde às 5 da manhã. Os nervos estão em frangalhos. Uma mulher que caminhava com o namorado às 9 da noite afirmou que isto era permitido durante o toque de recolher, seguramente um dos momentos mais inesperados da pandemia.
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A pergunta para os cientistas é: acaso o toque de recolher funciona para conter a transmissão do vírus? Se sim, em que circunstâncias? E em quanto? O toque de recolher exige que as pessoas permaneçam em casa ou em ambientes fechados, durante um determinado numero de horas. Frequentemente é usado para reprimir os distúrbios sociais - muitas cidades o impuseram durante os protestos contra o assassinato de George Floyd, em meados do ano passado - e depois de desastres naturais ou em emergências de saúde pública.
Mas a medida também foi usada como instrumentos de repressão política e racismo sistêmico. Há dezenas de anos, nas chamadas cidades do pôr do sol dos Estados Unidos, à população negra não era permitido circular pelas ruas após o escurecer, e muitas vezes as pessoas eram obrigadas a sair.
Como o avanço da pandemia, a Austrália e muitos países europeus impuseram o toque de recolher baseados na teoria de que manter as pessoas em casa após uma determinada hora reduziria a transmissão viral. Em geral, a medida era implementada juntamente com outras, como o fechamento das lojas e das escolas, o que dificultava a avaliação da sua eficácia.
A evidência científica do toque de recolher está longe de ser ideal. Há um século, não ocorria uma pandemia desta magnitude. Embora a medida tenha sentido em termos intuitivos, é muito difícil perceber os seus efeitos precisos sobre a transmissão viral. E muito menos sobre a transmissão deste coronavírus.
Ira Longini, bioestatístico da Universidade da Flórida, acredita que o toque de recolher é, em geral, um método eficiente para diminuir a velocidade da infecção. Mas ele admitiu que a sua visão se baseia na intuição.
“A intuição científica nos diz alguma coisa.”, afirmou. “É que não conseguimos quantificá-la muito bem”.
Maria Polyakova, economista da Universidade Stanford, estudou os efeitos da pandemia para a economia americana.
“Em geral”, afirmou, “esperamos que permanecer em casa reduza mecanicamente a pandemia, por reduzir o número de interações entre as pessoas”.
“Ocorre, por outro lado, que a redução da atividade econômica principalmente afeta muitos trabalhadores e suas famílias no amplo setor de serviços da economia”, acrescentou.
Então, o toque de recolher valerá a pena?
Ela não consegue compreender a lógica.
“Pressupondo que as boates e estabelecimentos semelhantes já estejam fechados de qualquer maneira, por exemplo, proibindo as pessoas de sair para dar uma volta no quarteirão com a família à noite, é improvável que isto reduza as interações,” disse Polyakova.
Além disso, o vírus prolifera em ambientes fechados e as contaminações em grupo são comuns nas famílias e nas casas. Portanto, uma indagação preocupante é se a presença de pessoas estranhas nestes ambientes por períodos prolongados desaceleraria a transmissão - ou a aceleraria.
“Podemos pensar a coisa do seguinte modo”, disse William Hanage, pesquisador de saúde pública da Harvard T.H. Chan School of Public Health, “que proporção de eventos de transmissão ocorre durante o período em questão? E como o toque de recolher poderia detê-los?”
Um estudo, publicado recentemente na revista Science, analisou dados da província chinesa de Hunan no início da pandemia. O toque de recolher e os fechamentos, concluíram os pesquisadores, tiveram um efeito paradoxal: Estas restrições reduziram a disseminação na comunidade, mas aumentaram o risco de infecção nas casas, concluiu Kaiyuan Sun, um pesquisador em pós-doutorado dos Institutos Nacionais de Saúde e colegas.
Longini e seus colaboradores incorporaram os fechamentos e o toque de recolher em modelos da pandemia nos Estados Unidos, e concluíram que podem constituir uma maneira eficiente de reduzir a transmissão.
Mas, advertiu, os modelos levam em conta uma quantidade de pressupostos a respeito da população e de como o vírus de propaga.
“O fato de você acreditar que esta é uma justificativa científica, depende de você acreditar no modelo”, afirmou. / TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA / o estadão
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Sob pressão com decisão do DEM, Maia diz a aliados ter parecer e que avalia impeachment
Irritado com a decisão do DEM de deixar o bloco de apoio a Baleia Rossi (MDB-SP), o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), voltou a dizer neste domingo (31) que pode acatar um dos pedidos de impeachment de Jair Bolsonaro (sem partido).
Segundo três pessoas próximas ao deputado, Maia afirmou que tem em mãos um parecer jurídico favorável ao processo e que pode ser usado pelo parlamentar para embasar uma eventual decisão nesse sentido.
O presidente da Câmara já havia indicado a ao menos três políticos que poderia dar a largada no impeachment, como revelou a Folha na última quinta-feira. Naquele mesmo dia, Maia negou a intenção.
Baleia disputa nesta segunda-feira a eleição para a presidência da Câmara contra Arthur Lira (PP-AL), apoiado por Bolsonaro. Portanto é o último dia de Maia no comando.
Neste domingo, segundo parlamentares que participaram de reunião na casa de Maia, o deputado foi mais incisivo e chegou a dizer inclusive que instalaria nesta segunda (1º) a comissão que avaliaria se dá prosseguimento ou não ao processo de afastamento de Bolsonaro com base em um dos pedidos protocolados até agora (há ao menos 56).
Pela legislação, cabe ao presidente da Câmara decidir, de forma monocrática, se há elementos jurídicos para dar sequência à tramitação do pedido. O impeachment só é autorizado a ser aberto com aval de pelo menos dois terços dos deputados (342 de 513) depois de uma votação em uma comissão especial.
Após a eventual abertura pelo Senado, o presidente é afastado do cargo.
Apesar das ameaças de Maia, parlamentares dizem que o assunto ainda precisa ser discutido nesta segunda-feira. A posição foi dada após o DEM ficar isento na disputa para o comando da Câmara.
A saída do partido do bloco de apoio a Baleia fez integrantes de siglas de oposição aumentarem a pressão para Maia acatar um dos pedidos de impeachment.
Na tarde deste domingo, líderes dos partidos que apoiam Rossi reuniram-se com o presidente do DEM, ACM Neto, e cobraram dele ações para manter a sigla no bloco do emedebista.
Segundo relatos à Folha, parlamentares adotaram tom duro, insinuaram que ACM Neto não controlava a legenda e afirmaram que, se o DEM fosse para o bloco de Arthur Lira (PP-AL), adversário do emedebista, ele teria quebrado um acordo com as siglas de esquerda.
Na ocasião, deputados também afirmaram que a escolha pelo nome de Baleia para ser o candidato do grupo foi sugestão do próprio Neto. No encontro, o presidente do DEM indicou que não tinha como garantir que a sigla apoiasse o emedebista.
Neste momento, de acordo com presentes, Maia levantou-se, afirmou que entraria na Justiça caso a sigla fosse para o grupo de Lira e afirmou que Neto deveria se lembrar que ele ainda tinha um dia inteiro de poder.
Ainda na reunião, líderes de partidos como PT e PDT ameaçaram sair do bloco que apoia Rodrigo Pacheco (DEM-MG) como candidato à presidência do Senado.
A decisão do DEM pela neutralidade foi tomada por unanimidade após reunião na noite deste domingo, na sede do partido, em Brasília (DF), evidenciando a perda de capital político do deputado que comandou a Casa por quatro anos e meio.
A proposta de ficar isento na disputa partiu de ACM Neto e teve a anuência de nomes importantes na legenda, como o governador de Goiás, Ronaldo Caiado, o ex-governador de Pernambuco Mendonça Filho e o ex-senador José Agripino.
Alguns deputados dizem que há dúvidas sobre se Maia poderia aceitar os pedidos de impeachment nesta segunda-feira.
Isso porque existe uma discussão sobre se a sessão de votação é preparatória ou se é ordinária. Se o entendimento do Supremo Tribunal Federal for de que a sessão de votação é preparatória, Maia não poderia dar continuidade a um processo de impeachment.
Há também um registro oficial de Maia ameaçando deflagrar o impeachment contra Bolsonaro.
As notas taquigráficas da reunião da Mesa Diretora da Câmara, no dia 18 de janeiro, trazem as seguintes declarações do deputado, que havia se irritado com a fala de uma aliada de Lira, que o acusou de adotar uma atitude ditatorial na Casa.
Ele respondeu lembrando a defesa que Bolsonaro faz da ditadura e disse: "E, se o presidente continuar apoiando vocês nesse clima pesado, ele vai levar um impeachment pela frente, hoje ou amanhã".
A LEGISLAÇÃO APLICÁVEL A POSSÍVEIS CRIMES DE RESPONSABILIDADE PRATICADOS POR BOLSONARO
Constituição
Art. 85. São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra:
- I - a existência da União;
- (...)
- III - o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais;
- IV - a segurança interna do País;
- V - a probidade na administração;
- (...)
- VII - o cumprimento das leis e das decisões judiciais.
Lei 1.079/50 (Lei dos Crimes de Responsabilidade)
Capítulo III
Dos crimes contra o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais
- Art. 7º São crimes de responsabilidade contra o livre exercício dos direitos políticos, individuais e sociais:
- (...)
9 - violar patentemente qualquer direito ou garantia individual constante do art. 141 e bem assim os direitos sociais assegurados no artigo 157 da Constituição [esses dispositivos são da Constituição de 1946, vigente à época, e devem ser adaptados à Constituição de 1988]
Capítulo V
Dos crimes contra a probidade na administração
Art. 9º São crimes de responsabilidade contra a probidade na administração:
- (...)
- 3 - não tornar efetiva a responsabilidade dos seus subordinados, quando manifesta em delitos funcionais ou na prática de atos contrários à Constituição;
- 4 - expedir ordens ou fazer requisição de forma contrária às disposições expressas da Constituição;
- (...)
- 7 - proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo.
LEGISLAÇÃO APLICÁVEL A POSSÍVEIS CRIMES COMUNS COMETIDOS POR BOLSONARO
Código Penal
Art. 268 - Infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa
(...)
Art. 319 - Retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal
Em meio à disputa na Câmara, Maia ameaça com impeachment de Bolsonaro
A decisão da Executiva do DEM de desembarcar do bloco de apoio à candidatura do deputado Baleia Rossi (MDB-SP) e a disposição do PSDB e do Solidariedade de seguir o mesmo caminho levaram o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), a ameaçar aceitar um pedido de impeachment contra o presidente Jair Bolsonaro. A eleição que vai escolher a nova cúpula da Câmara e do Senado está marcada para esta segunda-feira, 1.
Ao ser informado pelo presidente do DEM, ACM Neto, na noite deste domingo, 31, de que a maioria dos deputados do partido apoiaria a candidatura de Arthur Lira (Progressistas-AL) para o comando da Câmara, e não Baleia, Maia ficou irritado. O presidente da Câmara ameaçou até mesmo deixar o DEM. A reunião ocorreu na casa dele, onde também estavam líderes e dirigentes de partidos de oposição, como o PT, o PC do B e o PSB, além do próprio MDB.
Maia encerra o mandato à frente da Câmara nesta segunda-feira e, conforme apurou o Estadão, afirmou que, se o DEM lhe impusesse uma derrota, poderia, sim, sair do partido e autorizar um dos 59 pedidos de afastamento de Bolsonaro. Integrantes da oposição que estavam na reunião apoiaram o presidente da Câmara e chegaram a dizer que ele deveria aceitar até mais de um pedido contra Bolsonaro.
ACM Neto passou na casa de Maia antes da reunião da Executiva do DEM justamente para informar que, dos 31 deputados da legenda, mais da metade apoiava Lira. Pelos cálculos da ala dissidente, 22 integrantes da bancada estão com Lira, que é líder do Centrão.
O PSDB e o Solidariedade têm reuniões marcadas para esta segunda-feira e, diante da fragilidade da candidatura de Baleia, também ameaçam rifá-lo. “Ou mostramos força e independência apoiando claramente o Baleia ou adeus às expectativas de sermos capazes de obter alianças e ganhar as próximas eleições. Se há algo que ainda marca o PSDB é a confiança que ele é capaz de manter e expressar. Quem segue a vida política estará olhando, que ninguém se iluda”, disse recentemente o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso em um grupo de WhatsApp da bancada tucana.
O ex-senador José Aníbal foi na mesma linha. “O PSDB assumiu compromisso com Baleia. Espero que cumpra. De outro modo, é adesão ao genocida”, afirmou Aníbal neste domingo.
Maia lançou a candidatura de Baleia à sua sucessão em dezembro, com o respaldo de uma frente ampla, que incluiu partidos de esquerda. Na ocasião, o líder do DEM, Efraim Filho (PB), assinou um documento no qual o partido avalizava o nome do MDB.
Diante do racha, ACM Neto atuou para amenizar a crise. Saiu da casa de Maia e foi direto para a sede do partido. Conduziu a reunião da Executiva pedindo para que o DEM ficasse oficialmente neutro. Além das ameaças de Maia, partidos de oposição afirmaram que, com o abandono de Baleia por parte do DEM, também a esquerda poderia desembarcar da candidatura de Rodrigo Pacheco (DEM-MG) ao comando do Senado. Até agora, Pacheco é o favorito para a cadeira de Davi Alcolumbre (DEM-AP).
Ao final da reunião, a cúpula do DEM decidiu não aderir mais ao bloco de Baleia nem ao de Lira, ao menos oficialmente, assumindo posição de “independência” e abrindo caminho para traições, uma vez que o voto é secreto. O candidato do Progressistas, no entanto, divulgou em sua agenda que nesta segunda, às 9h30, receberá o apoio do DEM.
Nos bastidores, deputados comentavam neste domingo que o racha pode afastar o apresentador Luciano Huck do DEM. Huck planeja entrar na política para disputar a eleição para a Presidência, em 2022, e tem flertado tanto com o DEM como com o Cidadania ao defender uma frente de centro para derrotar Bolsonaro. ISTOÉ
Para voltar às aulas, é preciso superar desconfianças
O ano letivo começa nesta ou nas próximas semanas com a comunidade educacional ainda mobilizada em torno da mesma dúvida desde o início da pandemia: já devemos reabrir escolas para receberem presencialmente os alunos? Debates não se restringem ao Brasil, mas aqui temos como agravante a falta de confiança em nossas instituições.
Esse sentimento não surge do nada. Ao longo do ano passado, foram vários sinais contraditórios. Enquanto bares, academias, shoppings centers e afins eram autorizados a funcionar, escolas permaneceram fechadas, fazendo do Brasil um dos países por mais tempo sem aulas presenciais. Tampouco nos ajudou o negacionismo e a omissão do governo federal e o vai-e-vem de liminares da Justiça.
Nossos governantes têm sem dúvida enorme responsabilidade, mas expiar a culpa jogando-a toda sobre os ombros dos políticos é um dos esportes nacionais preferidos. Somos também responsáveis, com nossos atos e escolhas cotidianas, pelo quadro em que nos encontramos. No caso do fechamento presencial das escolas, sequer podemos atribuir apenas aos governantes essa decisão, pois as pesquisas de opinião mostraram ao longo do ano passado que ela era respaldada por três em cada quatro brasileiros.
A decisão pelo retorno ou não sempre foi cheia de nuances e complexidades, com argumentos válidos de ambos os lados. De início, quando quase nada sabíamos a respeito a respeito da Covid, poucos discordavam de que o mais prudente era interromper as atividades presenciais. Aos poucos, estudos em países desenvolvidos foram indicando que crianças tinham papel menor na transmissão do vírus e que as escolas, quando preparadas para cumprir adequadamente protocolos sanitários, não contribuíam para o aumento geral de casos.
O mais recente desses estudos foi divulgado no mês passado pelo Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos (CDC, na sigla em inglês). A boa notícia do artigo – publicado no Jornal da Associação Americana de Medicina – foi a constatação de que, mesmo em locais onde a contaminação estava crescendo, não foram registrados casos significativos de transmissão em escolas que seguiram os protocolos recomendados. Os relatos mais graves por lá aconteceram em colégios que fizeram eventos esportivos – como torneios de Luta Olímpica – que geraram aglomerações.
É claro que a interpretação desses resultados para o contexto brasileiro precisa considerar nossa realidade. Um dado da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar, do IBGE, mostrou que 43% dos alunos da rede pública não tinham sabão na escola. O percentual é referente a 2015, e não necessariamente retrata a realidade hoje, mas a capacidade de nossas escolas de se adequarem aos protocolos é uma das questões que alimentam a insegurança sobre o retorno. (Aliás, sobre escolas sem sabão, cabe aqui a reflexão de como fomos capazes de aceitar algo tão indigno).
Além da adequação sanitária e das estratégias pedagógicas, uma parte fundamental do trabalho dos responsáveis pela rede pública de ensino hoje é convencer a sociedade de que as escolas estão realmente preparadas para o retorno. E, além disso, ajudaria bastante também colocar professores entre os grupos prioritários de vacinação. Seria uma mensagem importante de que, neste ano, educação será realmente prioridade.
Sem margem de erro - folha de sp
Com os gastos de combate à pandemia e a queda da receita ocasionada pela contração da atividade econômica, houve inédita piora das condições orçamentárias do governo. Pôr as finanças em ordem e reverter a descrença na política fiscal exigirá esforço ainda mais hercúleo nos próximos anos.
O rombo nas contas do Tesouro Nacional ficou em R$ 743,1 bilhões em 2020, sem considerar despesas com juros. O legado da crise é a dívida pública equivalente a 89,3% do Produto Interno Bruto, alta de 15 pontos percentuais em um ano.
Trata-se do maior patamar já registrado pelas estatísticas disponíveis e uma das piores posições entre os países emergentes.
As consequências são evidentes. A moeda brasileira teve um dos piores desempenhos no mundo desde o surgimento da pandemia, as taxas de juros de longo prazo permanecem elevadas e vão se agravando os riscos inflacionários que já levam o Banco Central a sugerir que poderá elevar os juros.
Se não há uma fronteira a partir da qual a insolvência se torna inevitável, na medida em que o financiamento do governo depende da confiança de agentes privados, é inegável que essa confiança vai escasseando. O governo paralisou as reformas destinadas a reduzir despesas e tampouco mostra ações de curto prazo.
No momento em que se discute a volta do auxílio emergencial, tema que poderá se tornar inevitável apesar das declarações em contrário do presidente Jair Bolsonaro e de seu ministro da Economia, será necessário indicar de onde poderá vir o dinheiro.
Qualquer irresponsabilidade, como simplesmente flertar com o abandono do teto constitucional para os gastos, levará a uma crise de descrédito ainda maior.
Também é necessário avançar na agenda de crescimento econômico, sem o qual será impossível equilibrar as contas a médio prazo. A reforma tributária, por exemplo, tem o potencial de simplificar os impostos, destravar a produtividade e aproximar o país das cadeias internacionais de valor.
Pode-se reverter a desconfiança atual com sinais claros na direção de uma política econômica mais consistente. Acreditar numa agenda ampla, contudo, não é realista. Mas não há como fugir do básico para carregar o país até a eleição de 2022 sem uma nova crise fiscal, que a esta altura seria calamitosa.