Entenda efeitos do julgamento no STF que declarou Moro parcial em caso de Lula
Em um dos julgamentos mais esperados dos últimos anos no STF (Supremo Tribunal Federal), a Segunda Turma da corte decidiu nesta terça-feira (23), por um placar de 3 a 2, que o ex-juiz Sergio Moro foi parcial na ação em que o ex-presidente Lula (PT) foi condenado pelo suposto recebimento de um tríplex como forma de propina.
Ao final, votaram para declarar Moro suspeito os ministros Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Cármen Lúcia —que mudou o voto que havia proferido em dezembro de 2018, quando teve início o julgamento. Os ministros Edson Fachin e Kassio Nunes Marques votaram contra a declaração de suspeição de Moro.
A Segunda Turma, porém, restringiu-se à análise da atuação de Moro no caso do tríplex de Guarujá (SP). Não foi discutida a situação do processo em que Lula foi condenado referente ao sítio de Atibaia (SP).
Em dezembro de 2018, no início do julgamento sobre o tríplex, Fachin e Cármen votaram a favor de Moro. Na ocasião, Gilmar pediu mais tempo para estudar o caso e interrompeu a análise do tema.
Depois de Fachin anular as condenações de Lula no último dia 8, Gilmar retomou o julgamento da matéria da parcialidade com voto contra Moro. Lewandowski o acompanhou.
Ao anular as condenações do ex-presidente, Fachin considerou que a Vara de Curitiba não tinha competência para julgar o petista. Com isso, Lula retomou seus direitos políticos e poderá se candidatar a presidente em 2022. Fachin, no entanto, não anulou as eventuais provas coletadas contra o ex-presidente nos processos comandados por Moro.
Para anular os atos do ex-magistrado, a defesa de Lula conta a seu favor com o atual clima político de contestação aos métodos da Lava Jato no Paraná, amplificado com a divulgação de mais mensagens trocadas entre procuradores da força-tarefa.
O que pedia a defesa de Lula? A defesa do ex-presidente tentava anular as condenações impostas na Lava Jato do Paraná por meio de um pedido de habeas corpus no STF no qual argumentava que o então juiz Sergio Moro não tinha a imparcialidade necessária para julgá-lo.
O agora ex-juiz foi o responsável por uma das sentenças, a do tríplex de Guarujá (SP), em 2017, e participou da tramitação de outras duas ações penais: a do sítio de Atibaia (SP), sentenciada pela colega Gabriela Hardt, e o processo que trata da compra de um terreno pela Odebrecht para o Instituto Lula, ainda em tramitação na primeira instância.
Moro deixou a magistratura em 2018 para ser ministro da Justiça do presidente Jair Bolsonaro.
Nesta terça-feira (23), porém, a Segunda Turma do STF restringiu-se à análise da atuação de Moro no caso do tríplex. Não foi discutida a situação do processo do sítio.
Lula pode ser candidato em 2022? O petista depende do julgamento do plenário do STF a respeito da decisão do ministro Edson Fachin, que de forma individual no último dia 8 anulou as condenações do tríplex e do sítio e levou para a Justiça Federal do Distrito Federal os quatro casos em que o ex-presidente havia se tornado réu no Paraná.
Caso a maioria do plenário referende a decisão de Fachin, Lula terá os direitos políticos de volta e poderá disputar o pleito de 2022 —o que neste momento já está valendo pela decisão individual de Fachin.
Se o resultado no plenário for no sentido oposto, porém, ainda remanescerá a condenação em duas instâncias no caso do sítio de Atibaia, e Lula seguirá inelegível.
Segundo Fachin, no Paraná deveriam ser analisados os casos exclusivamente ligados a crimes contra a Petrobras. Para o ministro, os supostos delitos de Lula teriam relações mais amplas e incluiriam também outras empresas e setores públicos federais, por isso as acusações devem tramitar por uma vara federal em Brasília.
O que acontece com as provas coletadas no processo do tríplex? Com a decisão da Segunda Turma do STF desta terça, todas as provas coletadas durante a condução de Moro no processo do tríplex serão anuladas. Isso significa que, caso a Justiça Federal do DF decida prosseguir com as investigações desse caso, será preciso começar do zero.
E as provas do caso do sítio? Como o processo do sítio de Atibaia não foi objeto de análise pela Segunda Turma no julgamento desta terça sobre a parcialidade de Moro, elas seguem valendo e podem ser reaproveitadas pela Justiça Federal do DF caso o novo juiz competente assim decida.
O que acontece com Moro com o Supremo declarando sua parcialidade diante de Lula? Por ora, não há mais consequências além da anulação dos processos. Para outros tipos de punição ao ex-juiz, seria preciso abrir novos procedimentos, mas Moro já não atua mais como magistrado desde 2018.
Quais são os principais argumentos de Lula ao pedir a suspeição de Moro? O pedido de habeas corpus foi apresentado pela defesa de Lula em 2018 logo depois de o então juiz Moro anunciar que pediria exoneração do Judiciário para assumir o cargo no governo do recém-eleito presidente Jair Bolsonaro.
A adesão do magistrado à gestão de um adversário político do petista era na ocasião o principal motivo para os advogados argumentarem que não teria havido a imparcialidade necessária nos atos de Moro à frente dos processos de Lula na Lava Jato.
Naquela época, Lula estava detido na sede da Polícia Federal em Curitiba em razão de condenação imposta por Moro no caso do tríplex, também confirmada em segunda instância.
Na petição inicial, o advogado Cristiano Zanin Martins e sua equipe diziam que Moro agia na Lava Jato com motivação política e tratava o ex-presidente como inimigo.
O Código de Processo Penal afirma que o juiz não pode atuar em um caso se for amigo íntimo ou inimigo capital de uma das partes.
Em cerca de 70 páginas, os advogados elencam episódios polêmicos ocorridos na Lava Jato.
Entre eles, a ocasião em que Moro agiu para evitar que Lula fosse solto por ordem de um juiz plantonista de segunda instância, em 2018, e a decisão do então juiz de dar publicidade a trechos da delação do ex-ministro petista Antonio Palocci quando faltava menos de uma semana para o primeiro turno da eleição presidencial.
Os advogados também mencionam na petição original a ordem de Moro para a condução coercitiva de Lula, em 2016, a interceptação telefônica de advogados e a decisão de tornar públicas conversas do petista com a então presidente Dilma Rousseff (PT).
"O juiz, em vez de dissipar fundadas suspeitas, colabora com a consolidação da fama que ostenta, retroalimentando uma percepção razoável da sociedade de que ele se comporta como inimigo/opositor do ex-presidente", escreveram os advogados na ocasião.
‘Não há salvação para o juiz covarde’, diz Gilmar a Kassio, após colega dar voto a favor de Moro
Amanda Pupo, Rafael Moraes Moura/BRASÍLIA, Paulo Roberto Netto e Rayssa Motta/SÃO PAULO
23 de março de 2021 | 16h09
Embora já tenha votado para declarar o ex-juiz Sergio Moro parcial na ação do triplex do Guarujá, que condenou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o ministro Gilmar Mendes voltou a falar sobre o caso durante o julgamento na Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF). Em uma fala de uma hora e meia, Gilmar atacou o voto do ministro Kassio Nunes Marques, que se posicionou a favor de Moro no julgamento. Um dos principais pontos levantados por Kassio, e rechaçados por Gilmar, é o de que o habeas corpus não seria a via instrumental adequada para examinar a conduta do ex-juiz da Lava Jato.
“Desculpe a ênfase, mas é preciso que todos nós tenhamos a noção da responsabilidade do caso que estamos julgando. Não se trata de ficar brincando de não conhecer de habeas corpus. Atrás de muitas vezes da técnica de não conhecer habeas corpus se esconde um covarde. E vou falar: o bom ladrão, salvou-se. Mas não há salvação para o juiz covarde”, disse Gilmar, exaltado.
LEIA TAMBÉM
Maioria da 2ª Turma do STF vota contra declarar Moro parcial ao condenar Lula na ação do triplex; julgamento continua
“Esta Corte, por pessoas mais sábias do que nós, já disse de maneira muito clara que o habeas corpus é sim instrumento para afirmar a suspeição de magistrado. nunca se cogitou de trazer a parte do processo, e quem já estudou alguma coisa de habeas corpus sabe que ele tem uma estrutura processual muito peculiar”, acrescentou.
Integrante da chamada ‘ala garantista’ do tribunal, Gilmar rebateu ponto a ponto o voto do ministro Kassio Nunes Marques logo após o colega se posicionar contra a suspeição do ex-juiz. “Estamos em julgamento histórico, e cada um passará para a história com seu papel. Esses temas não admitem covardia. Falsos espertos acabam sendo pegos e desmoralizados”, afirmou Gilmar.
O ministro reagiu aos argumentos de Nunes Marques, para quem o tribunal não poderia analisar as acusações da defesa do petista por meio de habeas corpus (tipo processual), uma vez que Moro não teria direito ao contraditório, ou seja, de se defender das acusações.
Em seu voto, Nunes Marques também destacou que as mensagens divulgadas a partir hackers e atribuídas ao ex-juiz federal e a integrantes da força-tarefa em Curitiba não poderiam ser usadas como provas na ação. “Não se trata de áudios ou hackers, mas ao que está no processo”, contra-argumentou Gilmar. “As provas estão nos autos. É isso que precisa ser examinado”, acrescentou.
Na avaliação do presidente da Segunda Turma, os pontos levantados pela defesa de Lula mostram uma atuação enviesada e fora dos limites da lei. “O meu voto está calcado nos elementos dos autos, agora realmente me choca tudo aquilo que se revela, e a defesa que se faz. ‘Ah, pode ter havido inserções, manipulações?’. Eu já disse aqui, ou o hacker é um ficcionista ou nós estamos diante de um grande escândalo, e não importa o resultado deste julgamento, a desmoralização da Justiça já ocorreu, o tribunal de Curitiba é conhecido mundialmente como um tribunal de exceção”, disse Gilmar, para quem falar em validade ou não de provas seria ‘conversa fiada’. “Não estamos a falar aqui de prova ilícita”, afirmou.
Gilmar também criticou o fato de Nunes Marques ter falado em ‘garantismo’ ao votar. “Nada tem a ver com garantismo. O que isso tem a ver com garantismo? Nem aqui nem no Piauí”, respondeu Gilmar, em referência ao Estado do colega, que é piauiense. “Juiz e promotor combinando ações em nome de uma suposta legalidade. É disto que se cuida”, frisou.
Um dos principais pontos levantados por Gilmar Mendes foi o grampo do escritório de advocacia de Cristiano Zanin, que defende o ex-presidente. “Todos os 25 advogados de escritório e seus respectivos clientes foram grampeados. Ministra Cármen, 25 advogados do escritório. Vossa Excelência, ministro Kássio, é um egresso da Ordem dos Advogados do Brasil”, disparou.
Silêncio.
Depois de ouvir em silêncio a intervenção de Gilmar Mendes, Kassio voltou a falar. “O que eu quero dizer é que não vou fazer réplicas, tréplicas, expus minhas ideias com solar clareza, e esse silêncio é em homenagem e respeito aos votos divergentes, àqueles que pensam de forma diferente. Quem me conhece sabe que eu não me inibo com nada. Para os que não me conhecem, ainda tem um pouco mais de 26 anos pra me conhecer”, afirmou.
“Quando Vossa Excelência diz que o garantismo não é nem aqui, nem no Piauí, pode ser interpretado como uma forma de menosprezar um Estado pequeno. Queria fazer esse registro e apresentar escusa se eventualmente no meu voto ofendi a forma de pensar dos senhores, apenas retratei a minha forma de pensar.”
Cármen muda voto, e Segunda Turma declara Moro parcial ao condenar Lula no triplex
Rafael Moraes Moura, Amanda Pupo/ BRASÍLIA e Paulo Roberto Netto/ SÃO PAULO
23 de março de 2021 | 18h09
Em uma das maiores derrotas da história da Lava Jato, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), decidiu nesta terça-feira (23) que o ex-juiz federal Sérgio Moro foi parcial ao condenar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na ação do triplex do Guarujá. O placar sofreu uma reviravolta com a mudança na posição da ministra Cármen Lúcia, que alterou o voto proferido em dezembro de 2018. Com o entendimento da Segunda Turma, o caso agora terá de voltar à estaca zero.
“Neste caso o que se discute basicamente é algo que para mim é basilar: todo mundo tem o direito a um julgamento justo e ao devido processo legal e à imparcialidade do julgador”, disse Cármen Lúcia, ao iniciar a leitura do voto. A ministra buscou restringir o entendimento à questão específica de Lula na ação do triplex, tentando delimitar os efeitos do julgamento. Um dos temores de investigadores é que a declaração da suspeição de Moro provoque um efeito cascata, contaminando outros processos da operação que também contaram com a atuação do ex-juiz.
“Tenho para mim que estamos julgando um habeas corpus de um paciente que comprovou haver estar numa situação específica. Não acho que o procedimento se estenda a quem quer que seja, que a imparcialidade se estenda a quem quer que seja ou atinja outros procedimentos. Porque aqui estou tomando em consideração algo que foi comprovado pelo impetrante relativo a este paciente, nesta condição. Essa peculiar e exclusiva situação do paciente neste habeas corpus faz com que eu me atenha a este julgamento, a esta singular condição demonstrada relativamente ao comportamento do juiz processante em relação a este paciente”, acrescentou Cármen.
O entendimento da Segunda Turma do STF marca um dos maiores reveses da história da Lava Jato no STF, que já derrubou as conduções coercitivas e a possibilidade de prisão após condenação em segunda instância, dois dos principais pilares da operação.
Em seu novo voto, Cármen Lúcia criticou a “espetacularização” da condução coercitiva de Lula, determinada por Moro em março de 2016; a quebra do sigilo telefônico de advogados que atuaram na defesa do petista; a divulgação de áudio entre Lula e a ex-presidente Dilma Rousseff envolvendo a nomeação do petista para a Casa Civil; e o levantamento do sigilo da delação premiada do ex-ministro Antonio Palocci durante a campanha eleitoral de 2018. Para a ministra, esses episódios “maculam” a atuação do ex-juiz federal da Lava Jato.
“Não estou emitindo juízo no voto sobre o combate a corrupção, que não pode de jeito nenhum parar”, frisou Cármen Lúcia.
Cármen se alinhou aos ministros Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski, que votaram no início deste mês para acolher o pedido da defesa de Lula e declarar Moro parcial. A ministra, no entanto, abriu uma divergência pontual dos colegas, ao entender que Moro não deve ser condenado a pagar as custas processuais do caso.
A atuação de Moro em outra ação penal que levou à condenação de Lula na Lava Jato (a do sítio de Atibaia) foi menor: coube ao ex-juiz da Lava Jato aceitar a denúncia e colocar o ex-presidente no banco dos réus mais uma vez. A condenação, no entanto, foi assinada pela juíza Gabriela Hardt, depois que o ex-juiz já tinha abandonado a magistratura para assumir o cargo de ministro da Justiça do governo Bolsonaro.
Em entrevista ao Estadão publicada no último dia 13, o relator da Lava Jato no STF, Edson Fachin, disse que a Lava Jato teria o mesmo fim que a Operação Mãos Limpas teve na Itália, se Moro fosse declarado parcial. “É a história de uma derrocada, em que o sistema impregnado pela corrupção venceu o sistema de apuração de investigação e de condenação dos delitos ligados à corrupção”, afirmou Fachin na ocasião.
No início do mês, Fachin anulou as condenações impostas pela Lava Jato contra Lula e determinou o envio de quatro ações – inclusive a do triplex de Guarujá – à Justiça Federal do DF. O plenário do Supremo deve decidir até o início de abril se mantém ou não a decisão do ministro. Na prática, com a declaração da suspeição, o novo juiz que assumir os casos de Lula não poderá aproveitar as decisões tomadas por Moro, o que deve atrasar o andamento dos trabalhos. Aliados de Fachin, no entanto, veem espaço para que a suspeição de Moro retorne ao plenário, já que a decisão de Fachin não apenas transferiu os casos do petista de Curitiba para Brasília, como também determinou o arquivamento de Lula contra o ex-juiz. Esses dois pontos devem ser discutidos pelos 11 integrantes da Corte quando a decisão de Fachin for examinada.
Provas.
Indicado ao STF pelo presidente Jair Bolsonaro, o ministro Kassio Nunes Marques pediu vista (mais tempo para análise) no início do mês, suspendendo a discussão sobre a atuação de Moro ao condenar Lula a nove anos e seis meses de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro na ação do triplex. Nesta tarde, Nunes Marques surpreendeu ao votar contra o habeas corpus do petista.
Em seu voto, Kassio afirmou que o habeas corpus não é o meio processual adequado para alegar a suspeição de um magistrado. Kassio também contestou o uso de mensagens privadas obtidas por hackers e atribuídas ao ex-juiz federal da Lava Jato e a integrantes da força-tarefa em Curitiba para reforçar as acusações contra Moro. Para o ministro, o teor das mensagens não pode ser usado para reforçar a suspeição de Moro. Esses dois pontos foram rechaçados por Gilmar Mendes após a leitura do voto do colega.
“Se o hackeamento fosse tolerado como meio para obtenção de provas, ainda para defender-se, ninguém mais estaria seguro de sua intimidade, de seus bens e de sua liberdade, tudo seria permitido. São arquivos obtidos por hackers, mediante a violação dos sigilos ilícitos de dezenas de pessoas. Tenho que são absolutamente inaceitáveis tais provas. Entender-se de forma diversas, que resultados de tais crimes seriam utilizáveis, seria uma forma transversa de legalizar a atividade hacker no Brasil”, afirmou Kassio.
Segundo o ministro, se as mensagens fossem usadas para declarar Moro parcial, a prática “abjeta de espionar, bisbilhotar a vida das pessoas, estaria legalizada e a sociedade viveria um processo de desassossego semelhante às piores ditaduras”. “Não é isso que deve prevalecer em sociedades democráticas”, frisou.
Kassio ainda levantou dúvidas sobre a veracidade do material. “A inclusão de uma simples palavra pode mudar todo o seu significado. Como confiar em provas fornecidas por criminosos? Será que uma perícia poderia testar que as conversas interceptadas são autênticas, sem a supressão de qualquer palavra? Isso sequer foi feito. Não houve perícia”, disse.
Esta não é a primeira vez que a Segunda Turma do STF derruba uma decisão de Moro na Lava Jato. Em março de 2018, por 3 a 1, o colegiado anulou a condenação do ex-presidente do Banco do Brasil e da Petrobras Aldemir Bendine a 11 anos de reclusão pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Na ocasião, os ministros entenderam que Moro errou ao não garantir aos réus delatados o direito de falar por último, depois dos delatores.
‘Falsos espertos acabam sendo pegos e desmoralizados’, reage Gilmar após voto de Nunes Marques contra suspeição de Moro
Amanda Pupo, Rafael Moraes Moura/BRASÍLIA e Paulo Roberto Netto/SÃO PAULO
23 de março de 2021 | 16h09
Embora já tenha votado para declarar o ex-juiz Sergio Moro parcial no processo do triplex do Guarujá, que condenou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o ministro Gilmar Mendes voltou a falar sobre o caso durante o julgamento na Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF).
Integrante da chamada ‘ala garantista’ do tribunal, ele rebateu o ministro Kassio Nunes Marques logo após o colega se posicionar contra a suspeição do ex-juiz. “Estamos em julgamento histórico, e cada um passará para a história com seu papel. Esses temas não admitem covardia. Falsos espertos acabam sendo pegos e desmoralizados”, afirmou Gilmar em tom exaltado.
O ministro reagiu aos argumentos de Nunes Marques, para quem o tribunal não poderia analisar as acusações da defesa do petista por meio de habeas corpus (tipo processual), uma vez que Moro não teria direito ao contraditório, ou seja, de se defender.
“Ainda que a análise em sede de habeas corpus tenha cognição limitada nos termos assentados pelo STF, se a partir dos elementos já produzidos e juntados aos autos do remédio colateral restar evidente a incongruência ou a inconsistência da motivação judicial das decisões das instâncias inferiores deve-se resguardar os direitos violados”, rebateu Gilmar.
Em seu voto, Nunes Marques também destacou que as mensagens divulgadas a partir hackers e atribuídas ao ex-juiz federal e a integrantes da força-tarefa em Curitiba não poderiam ser usadas como provas na ação. “Não se trata de áudios ou hackers, mas ao que está no processo”, contra-argumentou Gilmar. “As provas estão nos autos. É isso que precisa ser examinado”, acrescentou.
Na avaliação do presidente da Segunda Turma, os pontos levantados pela defesa de Lula mostram uma atuação enviesada e fora dos limites da lei. “O meu voto está calcado nos elementos dos autos, agora realmente me choca tudo aquilo que se revela, e a defesa que se faz. ‘Ah, pode ter havido inserções, manipulações?’. Eu já disse aqui, ou o hacker é um ficcionista ou nós estamos diante de um grande escândalo, e não importa o resultado deste julgamento, a desmoralização da Justiça já ocorreu, o tribunal de Curitiba é conhecido mundialmente como um tribunal de exceção”, disse Gilmar, para quem falar em validade ou não de provas seria ‘conversa fiada’. “Não estamos a falar aqui de prova ilícita”, afirmou.
Gilmar também criticou o fato de Nunes Marques ter falado em ‘garantismo’ ao votar. “Nada tem a ver com garantismo. O que isso tem a ver com garantismo? Nem aqui nem no Piauí”, respondeu Gilmar, em referência ao Estado do colega, que é piauiense. “Juiz e promotor combinando ações em nome de uma suposta legalidade. É disto que se cuida”, frisou.
Um dos principais pontos levantados por Gilmar Mendes foi o grampo do escritório de advocacia de Cristiano Zanin, que defende o ex-presidente. “Todos os 25 advogados de escritório e seus respectivos clientes foram grampeados. Ministra Cármen, 25 advogados do escritório. Vossa Excelência, ministro Kássio, é um egresso da Ordem dos Advogados do Brasil”, disparou.
Kassio diz que as conversas hackeadas não podem ser usadas como provas no caso Lula x Moro
Amanda Pupo, Rafael Moraes Moura/BRASÍLIA e Paulo Roberto Netto/SÃO PAULO
23 de março de 2021 | 15h31
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Kassio Nunes Marques, disse há pouco que o uso de provas obtidas de forma ilícita em processos penais seria um “incentivo enorme ao crime”. Marques se referiu as mensagens divulgadas a partir hackers e atribuídas ao ex-juiz federal Sergio Moro e a integrantes da força-tarefa em Curitiba. O conteúdo é usado pela defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para acusar o ex-juiz de ter sido parcial em seu julgamento.
O ministro votou contra a suspeição de Moro, considerando que a quebra de parcialidade do ex-juiz por via de habeas corpus – sem o direito ao contraditório do magistrado – e com base nas conversas hackeadas ‘desordenaria ritos da lei processual’. Ao ler seu entendimento sobre o caso na Segunda Turma, Nunes Marques foi claro em sua posição de não admitir o uso de tais provas.
LEIA TAMBÉM
Ao vivo: Maioria 2ª Turma do STF vota contra declarar Moro parcial ao condenar Lula na ação do triplex; julgamento continua
“Se hackeamento fosse tolerável para meio de obtenção de provas ninguém mais estaria seguro de sua intimidade, tudo seria permitido”, afirmou o ministro. “No caso em exame os arquivos foram obtidos por hackers. Com a devida vênia, tenho que são absolutamente inaceitáveis tais prova, por serem obtidos diretamente de crimes. Seria forma transversa de legalizar atividade hacker no Brasil”, afirmou o ministro.
“Essa prática abjeta de espionar, bisbilhotar a vida das pessoas, estaria legalizada e a sociedade viveria um processo de desassossego semelhante às piores ditaduras. Não é isso que deve prevalecer em sociedades democráticas”, contionou o ministro.
Nunes Marques ainda questionou a confiabilidade dessas mensagens, que podem ter sido alvo de modificações. “A inclusão de uma simples palavra pode mudar todo o seu significado. Como confiar em provas fornecidas por criminosos? Será que uma perícia poderia testar que as conversas interceptadas são autênticas, sem a supressão de qualquer palavra? Isso sequer foi feito. Não houve perícia”, apontou.
Mudar Lei de Improbidade prejudicará combate à corrupção, dizem ministérios da Justiça e Casa Civil
23 de março de 2021 | 05h00
BRASÍLIA – Pareceres dos ministérios da Justiça e da Casa Civil sobre o projeto que altera a Lei de Improbidade Administrativa demonstram preocupação de integrantes do governo com prejuízos ao combate à corrupção no País caso a medida seja aprovada. Os documentos, obtidos pelo Estadão por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI), foram elaborados pelas assessorias técnicas das duas pastas e sugerem mudanças no texto apresentado na Câmara pelo relator, deputado Carlos Zarattini (PT-SP).
O presidente Jair Bolsonaro defende a votação do projeto e, no mês passado, afirmou já ter conversado sobre o assunto com o presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL). O argumento de Bolsonaro é de que a legislação atual “engessa” a atuação de prefeitos, que deixam de agir em determinados momentos com receio de serem processados.
LEIA TAMBÉM
Bolsonaro, Lula, Moro, Huck e Ciro; como FHC avalia possíveis candidatos em 2022
Entre as principais alterações discutidas na Câmara está a exclusão do artigo 11 da lei, que prevê punições a práticas que afrontem os princípios da administração pública, como o nepotismo, a “carteirada” e até a “furada de fila” da vacinação. Segundo a proposta, apenas condutas que gerem enriquecimento ilícito ou prejuízo aos cofres públicos poderiam ser alvo de processos contra prefeitos e demais gestores.
“O texto do substitutivo revoga dispositivos importantes para o combate à improbidade administrativa e vai de encontro à finalidade do PL (projeto de lei), que é a de aprimorar o texto legal e conferir maior eficiência e eficácia ao combate à corrupção e à malversação dos recursos públicos”, diz o relatório da Casa Civil, que recomenda alterações em 44 pontos do texto apresentado por Zarattini.
“A medida proposta caminha na contramão do melhor entendimento acerca da definição de improbidade administrativa, devendo ser rejeitada”, afirma, por sua vez, parecer do Ministério da Justiça, em relação à exclusão do artigo 11. O documento é assinado por Roberto Domingos Taufick, especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, Augusto Levi Monteiro Galindo, coordenador-geral de Atos Normativos em Matéria Penal, e tem o aval de Rodrigo Barros de Souza, chefe substituto da Assessoria Especial de Assuntos Legislativos da pasta. Neste parecer, são 27 sugestões de alterações no projeto.
A Lei de Improbidade Administrativa foi criada em 1992 como resposta à sensação de impunidade, em meio ao impeachment do ex-presidente Fernando Collor de Mello. As alterações gestadas no Congresso não preocupam apenas integrantes de áreas técnicas do governo, mas membros de órgãos de investigação e juristas, que também veem retrocesso no combate à corrupção.
Tanto o parecer do Ministério da Justiça, comandado por André Mendonça, quanto da Casa Civil, chefiada pelo general Walter Braga Netto, são favoráveis a mudanças na lei com o objetivo de aprimorá-la, mas desde que contempladas as ressalvas feitas ao texto de Zarattini.
Os relatórios foram objeto de discussão entre governo, deputados e juristas que acompanham os debates sobre as mudanças da lei no início de fevereiro. Os defensores do projeto negam que as alterações prejudiquem o combate à corrupção e alegam que a mudança define com mais clareza o que é de fato improbidade administrativa e amplia a pena. “Não estamos tirando nada que tem a ver com corrupção, isso é um argumento para criar comoção. Não existe isso”, disse Zarattini ao Estadão.
O deputado afirmou que prepara uma nova versão do texto, que poderá ser votada diretamente no plenário da Câmara, pulando etapas da discussão, como a comissão especial criada ainda em 2019 para discutir o projeto. O último encontro do grupo ocorreu em novembro daquele ano.
Perda de cargos
Outra mudança criticada pelos técnicos do governo é a que trata sobre a perda de cargo. Pela regra atual, um deputado condenado por desviar dinheiro público quando era prefeito, por exemplo, pode ter o atual mandato cassado. Na nova versão, porém, o político só poderia ser apeado da cadeira que ocupa se, no momento da condenação, estiver exercendo a mesma função de quando cometeu o ato ilícito. Ou seja, só se ainda for prefeito.
“Vamos levar em consideração os apontamentos, mas depende do enquadramento da pena, eu não posso fazer uma pessoa perder o cargo público por uma irregularidade formal. Tem de ter muita clareza. Se for por enriquecimento ilícito, perde o cargo público”, afirmou Zarattini, que não deu previsão de quando apresentará a nova versão do texto.
Segundo o entendimento dos que defendem a mudança na legislação, é preciso evitar casos como a cassação ou a perda de direito político de um prefeito até mesmo pelo fato de prestar contas fora do prazo.
Autor do projeto de lei, o deputado Roberto de Lucena (Podemos-SP) disse que algumas distorções no relatório fizeram do texto um “cavalo de Troia”, mas que o relator deverá acatar sugestões. Entre os pontos que serão alterados, segundo Lucena, está a devolução do artigo 11, com uma nova redação.
“Manifestei minha preocupação ao relator e de alguns outros pontos e distorções que estavam transformando o projeto de lei em um 'cavalo de Troia' que iria flexibilizar e enfraquecer a lei, como toda a nossa proposta e luta de combate à corrupção”, afirmou o parlamentar.
Também favorável ao projeto, o líder do governo na Câmara, deputado Ricardo Barros (Progressistas-PR), afirmou que a lei precisa ser mais específica em relação às condutas que podem ser punidas. Como revelou o Estadão, o parlamentar defende a contratação de parentes de políticos em cargos públicos, prática hoje vedada pelo Supremo Tribunal Federal e enquadrada na Lei de Improbidade.
“Precisamos definir uma regra para que o Judiciário cumpra e não que ele crie a regra. Não sou a favor nem contra. Estou dizendo que ser parente só não pode ser motivo de restrição. Agora, vamos decidir quais casos”, disse Barros.
Questionado sobre uma previsão de quando a proposta poderá ser votada em plenário, Lira não respondeu. O Palácio do Planalto também não se manifestou sobre a proposta.