A ameaça golpista pode ajudar Bolsonaro a ganhar nas urnas?
Só 2% dos eleitores de Jair Bolsonaro afirmam que ele é desonesto, mas 25% consideram o presidente um político autoritário. Nenhuma característica negativa apresentada pelo Datafolha em sua última pesquisa tem tanta aderência entre os próprios bolsonaristas quanto a ideia de que o capitão não é um democrata.
Apesar de reconhecer o desapreço de Bolsonaro pelas regras do jogo, essa parcela do eleitorado mantém seu apoio e se mostra inclinada a ficar a seu lado mais uma vez em 2022. Ao menos em seu reduto político mais fiel, o presidente conseguiu vender sua veia autoritária como uma demonstração de força.
A campanha crescente de Bolsonaro contra as urnas eletrônicas, os ataques a ministros do Supremo e a ameaça aberta à realização de eleições sugerem que o presidente não tem medo de perder votos por suas tendências antidemocráticas. Ao contrário, tudo indica que ele explora o golpismo como uma ferramenta para fortalecer sua base radical e até expandir seu eleitorado.
Bolsonaro enxerga a ameaça autoritária como uma arma política. Em primeiro lugar, a agitação ajuda a inflamar uma milícia disposta a liderar uma insurreição contra o resultado das eleições em caso de derrota. Mas os argumentos embutidos nesse discurso também podem agregar mais eleitores a sua candidatura.
Alguns institutos de pesquisa detectaram nos últimos meses um aumento da desconfiança sobre as urnas eletrônicas, o que indica o potencial de convencimento de Bolsonaro. O presidente aproveita para somar às falsas suspeitas de fraude um discurso antipetista e antissistema, com o objetivo de recuperar eleitores que se desgarraram de seu campo desde a última disputa.
Numa ironia do destino, o discurso radicalizado ainda pode dar um impulso aos números de Bolsonaro e melhorar suas chances de obter um segundo mandato nas mesmas urnas que ele ataca. O risco, nesse caso, é grande: o presidente pode ver seu projeto abertamente autoritário sancionado pelo voto.
Bruno Boghossian
Jornalista, foi repórter da Sucursal de Brasília. É mestre em ciência política pela Universidade Columbia (EUA). FOLHA DE SP
Engolidos pela 'velha política', novatos que surfaram onda de 2018 submergem no baixo clero do Congresso
Quase três anos depois da onda antissistema e das pressões por renovação que marcaram as eleições de 2018, o atual cenário de poder no Congresso Nacional mostra que aquilo que se anunciava como uma revolução contra a chamada "velha política" ainda está longe de sair do papel.
Dos 513 deputados federais e 54 senadores eleitos naquele ano, 120 jamais haviam exercido mandato público na vida.
Alguns chegaram ao Congresso com estrondosas votações.
Uma parte, oriunda em especial de quartéis, delegacias ou das ruas que forçaram a queda de Dilma Rousseff (PT), surfou a onda de direita que elegeu Jair Bolsonaro e fez do PSL —partido que elegeu o presidente— a segunda maior bancada da Câmara.
Eram os casos da jornalista Joice Hasselmann (SP), a segunda deputada mais votada do país, de Carla Zambelli (SP), expoente dos protestos pelo impeachment de Dilma, do ator Alexandre Frota (SP) e de vários candidatos cujo nome na urna começavam com general, coronel, capitão e delegado.
Outra, que reunia políticos de centro-direita e centro-esquerda, emplacou representantes por meio de entidades que pregam a renovação na política ou a sua qualificação —como a jovem da periferia de São Paulo Tabata Amaral (sem partido-SP).
Uma terceira leva se amparou apenas no sucesso que fazia nas redes, como a pastora e cantora gospel Flordelis (PSD-RJ) e o empresário e youtuber Luis Miranda (DEM) —que se elegeu pelo DF mesmo morando havia quatro anos nos Estados Unidos, de onde fazia vídeos com afirmações como a de que "qualquer um pode ter uma Lamborghini”.
Em todas essas frentes havia o discurso de se contrapor à "velha política", carcomida por mordomias, escândalos e relações promíscuas de cargos e verbas.
Análise feita pela Folha da trajetória e desempenho desses 120 novatos, porém, mostra que a realidade foi distinta da teoria, salvo exceções.
Do grupo de 120 novatos, apenas 11 conseguiram, em algum momento, ocupar alguma das 52 cadeiras de comando nas mesas diretoras da Câmara e do Senado e nas comissões permanentes das casas.
Outros dois foram líderes do governo Bolsonaro —Joice e o deputado Major Vitor Hugo (PSL-GO)— e três alçaram voos maiores— o hoje prefeito do Recife, João Campos (PSB), e os atuais ministros da Secretaria de Governo, Flávia Arruda (PL-DF), e da Cidadania, João Roma (Republicanos-BA).
A análise dos generosos gastos públicos com os deputados também mostra que não houve economia relevante na cota parlamentar —de R$ 30,8 mil a R$ 45,6 mil por mês— e na verba para contratação de até 25 assessores —R$ 112 mil ao mês por deputado.
A verba de gabinete (contratação de assessores) gasta em 2020 foi a maior dos últimos cinco anos, R$ 650 milhões.
Já a verba da cota parlamentar é usada para ressarcir gastos com passagens aéreas, estadia, e combustível, entre outros.
Apesar de a partir de março de 2020 a Câmara ter instaurado o sistema de votações virtuais e suspendido os trabalhos das comissões, o gasto dos deputados com essa cota teve uma redução de apenas 21% no ano passado, para R$ 165 milhões.
Os escândalos também não passaram ao largo do pelotão de novatos.
Com 678,5 mil votos, a senadora Juíza Selma (MS) se elegeu pelo PSL adotando um forte discurso de combate à corrupção, o que lhe rendeu o apelido de “Moro de saia” —em referência a Sergio Moro, ex-juiz da Lava Jato.
Já no Podemos, foi condenada pela Justiça Eleitoral por abuso de poder econômico e compra de voto e perdeu o mandato.
A pastora e cantora gospel Flordelis (PSD-RJ) chegou à Câmara com a maior votação do Rio para uma candidata a deputada federal. Tinha como principal cartão de visitas o trabalho missionário em favelas, tendo adotado 55 filhos. Nesta semana deve também ter o mandato cassado sob a acusação de ter mandado matar o marido.
Já Daniel Silveira (PSL-RJ) elegeu-se na onda bolsonarista. Após uma série de declarações ofensivas contra ministros do Supremo, foi preso por ordem de Alexandre de Moraes, medida que foi corroborada pelo plenário da Câmara.
A Folha conversou com novatos e veteranos.
Para Kim Kataguiri (DEM-SP), a surpresa negativa foi a burocracia. "É muito demorado para você aprovar um projeto, em média cinco anos. Ou seja, você aprova o seu primeiro projeto a partir do segundo mandato", diz.
Do lado positivo, ele afirma que, "diferentemente do que a gente vê na TV Câmara", tem um grupo pequeno de parlamentares que debate o mérito das matérias. "No plenário a maioria não sabe o que está votando, mas pelo menos existe um grupo que pensa a pauta."
Ex-líder do governo Bolsonaro no Congresso, Joice Hasselmann diz haver parlamentares que não fazem absolutamente nada. "Geralmente esses são os mais gargantas, os que vão no microfone, gritam, xingam. E esses são os inúteis."
Outro grupo, afirma, está ali para fazer negócios. E tem a turma dos que trabalham, a qual ela diz integrar.
"O papel do ativismo é da porta para fora da Câmara. Da porta para dentro é o momento de conversar, de buscar consensos dentro do possível", completa. Joice rompeu com Bolsonaro e hoje é um dos principais alvos do clã na internet.
O deputado André Janones (Avante-MG), advogado do interior de Minas que ficou famoso após gravar um vídeo em apoio à greve dos caminhoneiros, em 2018, diz que há um distanciamento entre a nova e velha política.
"Você tem deputados que são fortes aqui dentro, que jogam para dentro, são bem relacionados. Esses deputados normalmente estão totalmente descolados da realidade lá fora. E você tem um outro grupo, no qual me encaixo, que são as pessoas fortes lá fora, mas que, quando chegam aqui dentro, não são ouvidas", diz.
"Os deputados mais populares, aqui dentro, são apertadores de botão."
Janones diz que a nova política deveria aprender com a velha a fazer acordos em prol do país. "E a velha aprender com a nova a ouvir as ruas."
Ele critica a troca de apoio no Congresso por cargos e verbas. "Eu tenho R$ 16 milhões de emenda individual, é dinheiro demais. Sou absolutamente contra a maneira como é feita a distribuição de emendas parlamentares, é um toma lá, dá cá. O cara vende o voto para conseguir mais e tentar ir se perpetuando no poder."
Com seis mandatos na Câmara, Julio Delgado (PSB-MG) avalia que alguns novos trouxeram bandeiras já empunhadas.
"Para te dar um exemplo, não vejo diferença de conteúdo e qualificação sobre a educação do Danilo Cabral [PSB-PE], que já era deputado, para a Tabata, que veio como se fosse reformular a educação pública."
A Folha procurou as organizações RenovaBR, Agora!, Acredito, Livres, MBL (Movimento Brasil Livre) e Raps (Rede de Ação Política pela Sustentabilidade).
Elas afirmam se sustentar por meio de doações privadas e defender a transparência, mas nenhuma informou seus principais financiadores.
O Acredito, que tem Tabata e o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) entre seus quadros, citou como exemplos positivos a estruturação do primeiro gabinete compartilhado do Congresso e processo seletivo para contratação de assessores.
A assessoria do movimento ressaltou divulgar o nome dos doadores no site, mas afirmou que não tinha na sexta-feira (6) condições de repassar o valor de seu orçamento.
A Raps afirma ter 228 integrantes com mandato eletivo —entre eles o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) e o deputado Marcelo Ramos (PL-AM)— e diz que um de seus propósitos é trazer a sustentabilidade, de forma ampla, para a política.
Assim como o Acredito, a Raps publica em seu site o nome dos doadores, mas não os valores doados. Entre eles está a Fundação Lemann, do bilionário Jorge Paulo Lemann. Em 2020, a receita informada de doações à Raps foi de R$ 4,9 milhões.
O MBL disse que, "sem cota parlamentar e sem gabinete lotado", os parlamentares do movimento —entre eles, Kataguiri— "vêm mudando a forma de fazer política". O MBL não divulga doadores nem receitas.
"Expor essas pessoas [doadores da iniciativa privada] enquanto trabalhamos para derrubar um presidente golpista seria ingênuo."
O Livres diz estar contribuindo com mudanças "resistindo a propostas de fechamento do sistema político e avançando com agendas liberais de forma ampla". Como exemplo, cita a atuação pelo novo marco legal do saneamento.
O grupo afirma se sustentar por meio de doações voluntárias. "Nenhum doador representa individualmente mais do que 20% do orçamento anual." Em 2020, o orçamento foi de R$ 1,5 milhão.
RenovaBR e Agora! não responderam.
Fundada pelo empresário Eduardo Mufarej, a "escola de políticos" RenovaBR publica os doadores, como o empresário Jayme Garfinkel (Porto Seguro). A receita informada de doações em 2020 foi de R$ 10 milhões.
O Agora! informa em seu site a lista de doadores, entre eles o apresentador da TV Globo Luciano Huck, que foi cotado para disputar a Presidência, e o ex-presidente do Banco Central Arminio Fraga. Relatório de 2019 diz que as doações recebidas somaram R$ 1,75 milhão.
as Olimpíadas superam apreensão pela Covid e celebram repercussão esportiva
Muitos duvidaram de sua realização, outros criticaram a insistência em levá-las adiante em meio a uma pandemia. O povo japonês, em sua maioria, não queria recebê-las.
Após 17 dias, as Olimpíadas de Tóquio-2020 terminam com a sensação de que a repercussão esportiva superou o medo de um possível surto (que não ocorreu) de Covid-19 durante a competição.
O Estádio Olímpico de Tóquio apresenta neste domingo (8), às 8h, a cerimônia de encerramento dos Jogos Olímpicos de 2020, realizados em 2021.
Termina, assim, uma edição histórica, sem a presença de público pagante nas arquibancadas, sob a ameaça de um vírus que matou 4 milhões pelo mundo e com uma bolha olímpica para tentar isolar os japoneses dos estrangeiros.
Os Jogos já chegaram a ser cancelados, como os de 1916, 1940 e 1944, por conta das Grandes Guerras Mundiais. Adiados de um ano para o outro, em meio a uma crise global de saúde, foi a primeira vez.
Para o presidente do COI (Comitê Olímpico Internacional), Thomas Bach, vilão para muitos japoneses por insistir no evento, o saldo é positivo. “Confesso que, depois da decisão das autoridades japonesas de vetar público, eu tinha preocupação de que faltaria alma aos Jogos. O que vimos aqui foi totalmente diferente, porque os atletas deram alma ao evento", diz.
A cerimônia de encerramento deve explorar a ideia de que uma pluralidade de mundos foi compartilhada ao longo das competições e apostar que o futuro será melhor após essa tempestade sanitária. No fim, o Japão passará o bastão para a francesa Paris, a anfitriã em 2024.
A ginasta Rebeca Andrade, que conquistou duas medalhas (prata e ouro) e encantou em uma apresentação solo embalada pelo funk “Baile de Favela”, será a porta-bandeira da delegação brasileira. A previsão é manter o gesto da festa de abertura: enviar no máximo cinco pessoas para a despedida.
Houve uma escalada de casos de Covid no Japão durante os Jogos, mas não há dados que apontem vínculo com as Olimpíadas. E os diagnósticos positivos dentro da bolha olímpica foram baixos, se levarmos em conta a proporção de pessoas envolvidas.
Na sexta-feira (6), o primeiro-ministro japonês, Yoshihide Suga, negou a relação entre o crescimento de casos no país com as Olimpiadas. "Não acho que os Jogos de Tóquio sejam as causas disso", afirmou ele, que foi um dos que insistiu na realização do evento.
Segundo dados oficiais, houve 36 casos entre os 42 mil testes feitos na chegada dos estrangeiros nos aeroportos. Cerca de 570 mil foram realizados dentro do Japão durante as competições. Até sexta-feira (6), foram 387 resultados positivos para o coronavírus —251 de residentes e 136 de fora. Apenas 29 são de atletas.
“Esperávamos um certo número de casos positivos, e tivemos que adotar rápidas ações para responder a isso. Não foi uma grande confusão até agora, e já estamos chegando à cerimônia de encerramento”, celebrou Masa Takaya, porta-voz do comitê de Tóquio-2020.
Na esfera macro-esportiva, três estrelas globais– Simone Biles, Naomi Osaka e Novak Djokovic – frustraram as expectativas de pódio. A deserção de uma atleta de Belarus causou turbulência internacional, e alguns protestos políticos —como o de Raven Saunders, negra e LGBTQI+, no pódio— não foram punidos pelo COI.
Em pouco mais de duas semanas, uma forte onda de calor infernizou a vida dos atletas. O comitê organizador deu sinais de falta de planejamento para enfrentar temperaturas diárias acima de 30ºC. Em eventos nas áreas de competições no skate, na canoagem e no parque Odaiba, onde ocorreu a maratona aquática, as pessoas ficaram expostas.
A ameaça de um tufão foi outro vilão meteorológico. Ventos fortes obrigaram organizadores a antecipar finais do surfe e alterar outras modalidades.
A vida seguiu em Tóquio, mesmo em estado de emergência, como se não houvesse o maior evento esportivo do planeta dentro da cidade de 13,9 milhões de habitantes. Muitos japoneses aglomeram e desrespeitam protocolos em trens, metrô, estabelecimentos comerciais, restaurantes e bares noturnos.
Pesquisas mostravam uma população avessa às Olimpíadas, sob discurso de que a chegada de estrangeiros poderia ser uma via de transmissão da Covid-19. Tóquio viveu dois mundos paralelos. Causava estranhamento aos moradores a aparição de alguém com a credencial oficial dos Jogos pendurada no pescoço.
Há três semanas, a cidade registrou 882 casos. Sete dias depois da abertura oficial do evento, foram 3.300. Na última sexta (6), já eram 4.515 novas infecções, mesmo dia em que o Japão atingiu a marca de 1 milhão de diagnósticos desde o início da pandemia.
Segundo o presidente do COI, que passou as últimas semanas pedindo apoio da população local, 9 entre 10 japoneses assistiram a alguma parte dos Jogos pela televisão. Ele atribui a audiência também ao desempenho dos atletas conterrâneos, que até sábado (7) haviam conquistado 52 medalhas –24 de ouro, 12 de prata e 16 de bronze.
“Podemos concluir que o povo japonês apoiou e abraçou os Jogos. Isso não é sentimento, é baseado em evidências”, diz Bach.
A temperatura estava alta na cidade e na política também. Durante as Olimpíadas, a velocista Kristsina Tsimanouskaia, da Belarus, foi obrigada a suspender sua participação depois de ter criticado publicamente a federação de atletismo do seu país.
Belarus é uma ditadura comandada por Alexander Lukachenko. O filho dele, Viktor Lukachenko, dirige o comitê olímpico local. Sua eleição não é reconhecida pelo COI, que lhe negou credencial para Tóquio.
“Não é nossa missão mudar o sistema político de um país. Nossa responsabilidade é proteger os atletas até onde podemos e aplicar sanções a quem está infringindo nossos valores”, diz Thomas Bach em relação ao veto ao filho do ditador. Tsimanouskaia pediu asilo na Polônia. Atendida, seguiu para Varsóvia.
Tóquio-2020 chega ao fim com certa frustração em relação ao protagonismo de suas três grandes apostas globais.
A americana Simone Biles, dona de quatro medalhas olímpicas na Rio-2016, desistiu de disputar as principais finais, levantando o importante debate sobre a saúde mental dos atletas.
Ela abandonou a briga por equipes e só competiu na trave. Ficou com o bronze. Frustrou quem esperava vê-la brilhando na Ariake Arena, mas ganhou elogio de atletas por ter sido porta-voz de um tema pouco explorado no ambiente olímpico.
Ao contrário de Biles, o tenista número um do mundo, o sérvio Djokovic, foi mal dentro da quadra e pior fora dela. Não ficou nem com o bronze no torneio individual, mostrou descontrole emocional ao quebrar uma raquete, e, pior, lhe faltou espírito esportivo ao desistir de disputar o terceiro lugar nas duplas mistas.
Sobretudo japoneses sentiram a queda precoce de Naomi Osaka nos Jogos. A tenista foi a principal estrela da abertura ao acender a pira olímpica.
Olimpíadas superam apreensão pela Covid e celebram repercussão esportiva
Muitos duvidaram de sua realização, outros criticaram a insistência em levá-las adiante em meio a uma pandemia. O povo japonês, em sua maioria, não queria recebê-las.
Após 17 dias, as Olimpíadas de Tóquio-2020 terminam com a sensação de que a repercussão esportiva superou o medo de um possível surto (que não ocorreu) de Covid-19 durante a competição.
O Estádio Olímpico de Tóquio apresenta neste domingo (8), às 8h, a cerimônia de encerramento dos Jogos Olímpicos de 2020, realizados em 2021.
Termina, assim, uma edição histórica, sem a presença de público pagante nas arquibancadas, sob a ameaça de um vírus que matou 4 milhões pelo mundo e com uma bolha olímpica para tentar isolar os japoneses dos estrangeiros.
Os Jogos já chegaram a ser cancelados, como os de 1916, 1940 e 1944, por conta das Grandes Guerras Mundiais. Adiados de um ano para o outro, em meio a uma crise global de saúde, foi a primeira vez.
Para o presidente do COI (Comitê Olímpico Internacional), Thomas Bach, vilão para muitos japoneses por insistir no evento, o saldo é positivo. “Confesso que, depois da decisão das autoridades japonesas de vetar público, eu tinha preocupação de que faltaria alma aos Jogos. O que vimos aqui foi totalmente diferente, porque os atletas deram alma ao evento", diz.
A cerimônia de encerramento deve explorar a ideia de que uma pluralidade de mundos foi compartilhada ao longo das competições e apostar que o futuro será melhor após essa tempestade sanitária. No fim, o Japão passará o bastão para a francesa Paris, a anfitriã em 2024.
A ginasta Rebeca Andrade, que conquistou duas medalhas (prata e ouro) e encantou em uma apresentação solo embalada pelo funk “Baile de Favela”, será a porta-bandeira da delegação brasileira. A previsão é manter o gesto da festa de abertura: enviar no máximo cinco pessoas para a despedida.
Houve uma escalada de casos de Covid no Japão durante os Jogos, mas não há dados que apontem vínculo com as Olimpíadas. E os diagnósticos positivos dentro da bolha olímpica foram baixos, se levarmos em conta a proporção de pessoas envolvidas.
Na sexta-feira (6), o primeiro-ministro japonês, Yoshihide Suga, negou a relação entre o crescimento de casos no país com as Olimpiadas. "Não acho que os Jogos de Tóquio sejam as causas disso", afirmou ele, que foi um dos que insistiu na realização do evento.
Segundo dados oficiais, houve 36 casos entre os 42 mil testes feitos na chegada dos estrangeiros nos aeroportos. Cerca de 570 mil foram realizados dentro do Japão durante as competições. Até sexta-feira (6), foram 387 resultados positivos para o coronavírus —251 de residentes e 136 de fora. Apenas 29 são de atletas.
“Esperávamos um certo número de casos positivos, e tivemos que adotar rápidas ações para responder a isso. Não foi uma grande confusão até agora, e já estamos chegando à cerimônia de encerramento”, celebrou Masa Takaya, porta-voz do comitê de Tóquio-2020.
Na esfera macro-esportiva, três estrelas globais– Simone Biles, Naomi Osaka e Novak Djokovic – frustraram as expectativas de pódio. A deserção de uma atleta de Belarus causou turbulência internacional, e alguns protestos políticos —como o de Raven Saunders, negra e LGBTQI+, no pódio— não foram punidos pelo COI.
Em pouco mais de duas semanas, uma forte onda de calor infernizou a vida dos atletas. O comitê organizador deu sinais de falta de planejamento para enfrentar temperaturas diárias acima de 30ºC. Em eventos nas áreas de competições no skate, na canoagem e no parque Odaiba, onde ocorreu a maratona aquática, as pessoas ficaram expostas.
A ameaça de um tufão foi outro vilão meteorológico. Ventos fortes obrigaram organizadores a antecipar finais do surfe e alterar outras modalidades.
A vida seguiu em Tóquio, mesmo em estado de emergência, como se não houvesse o maior evento esportivo do planeta dentro da cidade de 13,9 milhões de habitantes. Muitos japoneses aglomeram e desrespeitam protocolos em trens, metrô, estabelecimentos comerciais, restaurantes e bares noturnos.
Pesquisas mostravam uma população avessa às Olimpíadas, sob discurso de que a chegada de estrangeiros poderia ser uma via de transmissão da Covid-19. Tóquio viveu dois mundos paralelos. Causava estranhamento aos moradores a aparição de alguém com a credencial oficial dos Jogos pendurada no pescoço.
Há três semanas, a cidade registrou 882 casos. Sete dias depois da abertura oficial do evento, foram 3.300. Na última sexta (6), já eram 4.515 novas infecções, mesmo dia em que o Japão atingiu a marca de 1 milhão de diagnósticos desde o início da pandemia.
Segundo o presidente do COI, que passou as últimas semanas pedindo apoio da população local, 9 entre 10 japoneses assistiram a alguma parte dos Jogos pela televisão. Ele atribui a audiência também ao desempenho dos atletas conterrâneos, que até sábado (7) haviam conquistado 52 medalhas –24 de ouro, 12 de prata e 16 de bronze.
“Podemos concluir que o povo japonês apoiou e abraçou os Jogos. Isso não é sentimento, é baseado em evidências”, diz Bach.
A temperatura estava alta na cidade e na política também. Durante as Olimpíadas, a velocista Kristsina Tsimanouskaia, da Belarus, foi obrigada a suspender sua participação depois de ter criticado publicamente a federação de atletismo do seu país.
Belarus é uma ditadura comandada por Alexander Lukachenko. O filho dele, Viktor Lukachenko, dirige o comitê olímpico local. Sua eleição não é reconhecida pelo COI, que lhe negou credencial para Tóquio.
“Não é nossa missão mudar o sistema político de um país. Nossa responsabilidade é proteger os atletas até onde podemos e aplicar sanções a quem está infringindo nossos valores”, diz Thomas Bach em relação ao veto ao filho do ditador. Tsimanouskaia pediu asilo na Polônia. Atendida, seguiu para Varsóvia.
Tóquio-2020 chega ao fim com certa frustração em relação ao protagonismo de suas três grandes apostas globais.
A americana Simone Biles, dona de quatro medalhas olímpicas na Rio-2016, desistiu de disputar as principais finais, levantando o importante debate sobre a saúde mental dos atletas.
Como o comércio estava na chegada da pandemia
07 de agosto de 2021 | 03h00
O comércio apresentava sinais de enfraquecimento no início do ano passado, quando foi atingido pela pandemia. Medida pelo número de empresas e pelo pessoal ocupado, a atividade comercial vinha encolhendo desde 2014, de acordo com a Pesquisa Anual do Comércio do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Os dados são consolidados até 2019. Muito provavelmente os de 2020, a serem conhecidos no próximo relatório do IBGE, reforçarão essa tendência.
A pesquisa do IBGE mostra a evolução de indicadores do comércio entre 2010 e 2019. Examinados apenas alguns dados dos extremos dessa série, pode-se pensar que o comércio se expandiu em dez anos. O pessoal empregado, por exemplo, passou de 9,03 milhões em 2010 para 10,16 milhões em 2019, com aumento, portanto, de 12,5%.
Mas nem todos os outros indicadores apresentam crescimento entre o início e o fim da série abrangida pela pesquisa. E mesmo alguns que mostram crescimento, como o número de empregados, alcançaram o pico na primeira metade do período e vêm caindo há anos.
O número de empresas cresceu substancialmente entre 2010 e 2013 (passou de 1,54 milhão para 1,62 milhão, aumento de mais de 5%). Mas nos anos seguintes passou a cair. Entre 2013 e 2019, a redução foi de 11,7%.
Embora tenha aumentado na comparação entre 2010 e 2019, o total de empregados no comércio em 2019 era 4,4% menor do que em 2014. Passou, nessa comparação, de 10,63 milhões para 10,16 milhões de pessoas. Em relação a 2018, o pessoal ocupado em 2019 diminuiu 0,4%.
No último ano da série pesquisada pelo IBGE, o comércio ainda enfrentava os efeitos da recessão iniciada em 2015, como consequência do fracasso da política econômica da presidente Dilma Rousseff. Na pandemia, foi um dos segmentos mais duramente atingidos, por causa das restrições às vendas presenciais. Esse impacto será aferido na próxima pesquisa.
Ao longo do período abrangido pela pesquisa, houve mudanças estruturais no setor, que é dividido em três grandes áreas: comércio de veículos, peças e motocicletas; comércio por atacado; e comércio varejista. Cada área tem vários segmentos. O de veículos automotores, que era o segundo mais relevante do comércio em termos de receita em 2010, caiu para a quinta posição em 2019.
Sobe a confiança do empresariado, cai a incerteza
08 de agosto de 2021 | 03h00
Apesar dos desmandos em Brasília, à medida que a imunização avança e as taxas de contágio e mortalidade caem, a confiança do Brasil que produz aumenta. Pelo quarto mês consecutivo, o Índice de Confiança Empresarial do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da FGV registrou alta. Pela primeira vez, os quatro grandes setores – Indústria, Serviços, Comércio e Construção – atingiram índices superiores à pré-pandemia. Em julho, o índice chegou a 101,9 pontos, o maior nível desde 2013.
Em que pese a alta geral, os resultados são heterogêneos. Até então, só a Indústria atingira níveis superiores à pré-pandemia, mas o setor continua enfrentando problemas de abastecimento de insumos. A confiança do Comércio apresentou avaliações muito favoráveis em segmentos como Materiais de Construção ou Veículos, e mais fracas em Supermercados. No Setor de Serviços o otimismo em relação aos próximos meses voltou em alguns dos segmentos mais afetados, como Alojamento e Alimentação, mas a percepção sobre a situação atual segue fraca.
No agregado, houve melhora nos dois indicadores de tempo, a Situação Atual e as Expectativas para o Futuro Próximo, com destaque para a alta de 3 pontos neste último. Ambos atingiram seus níveis mais altos desde 2013.
Mas materializar essa confiança em estabilidade ainda demandará esforços. Em julho, após uma alta no mês anterior, o Indicador de Incerteza Econômica do Ibre recuou 3 pontos, para 119,3 pontos, com resultados favoráveis em ambos os seus componentes – Mídia e Expectativas. Em 2020, entre março e dezembro, a média foi de 164,3 pontos, chegando a 210,5 pontos em abril. O nível atual, contudo, segue elevado, acima da média de 115 pontos entre 2015 e 2019.
A economista do Ibre Anna Carolina Gouveia estima que em até dois meses seja possível retornar aos níveis pré-covid. Mas ainda não há previsão para uma queda a níveis “confortáveis” para o investimento das empresas e o consumo das famílias. Vale lembrar que o mercado de trabalho segue fragilizado e o emprego ainda não deu sinais de recuperação robusta. Mesmo ante a perspectiva de superação dos obstáculos causados pela crise sanitária, restam pontos de estresse, como a aceleração inflacionária, a crise energética ou a instabilidade política.
O setor produtivo está confiante, mas para que a retomada seja sustentável, Brasília precisa fazer a sua parte.