Denúncia de superfaturamento na compra da Covaxin será estopim para crise de governabilidade?
Christopher Garman, da Eurasia Group e GZERO Media /
Olá, meu nome é Christopher Garman, da Eurasia Group, para falar sobre o Brasil, e um pouco do mundo hoje em 60 segundos. Vamos lá para a pergunta da semana:
A nova denúncia de superfaturamento na compra da vacina Covaxin será o estopim para uma nova crise de governabilidade?
Eu acho muito difícil. Primeiro, não está tão claro se de fato houve uma pressão para esse suposto superfaturamento. O deputado Luis Miranda e seu irmão que é servidor do Ministério da Saúde não só denunciaram que houve uma pressão política por um superfaturamento na compra da vacina indiana, mas também que ambos alertaram o Presidente da República para esse esquema indevido. Mas o Palácio do Planalto tem negado essas denúncias de forma veemente, e apresentaram documentos justificando que as negociações foram apropriadas.
Segundo, o governo nem efetuou a compra da vacina indiana. Se de fato houve uma pressão política indevida para sua compra com preços superfaturados, o fato que o ato não foi consumado limita as repercussões políticas desse suposto delito. Mas mais importante ainda, muito dificilmente a aprovação do presidente deve cair com essas denúncias.
A aprovação do presidente já caiu ao longo do primeiro semestre devido ao manejamento da crise da Covid-19, e o que permanece é uma base mais leal ao presidente, bem mobilizada em que esses tipos de denúncia não devem levar a uma nova queda do seu apoio popular. Somente uma terceira onda sanitária, uma deterioração mais dramática do lado econômico, tende a mudar os índices de aprovação do presidente atual. Em suma, essa denúncia é importante sim, vai servir como insumo para o debate presidencial em 2022, mas dificilmente levará a uma nova crise de governabilidade.
Ficamos por aqui, e até a próxima semana
CPI nos estados: Deputados apuram irregularidades na aplicação de recursos no combate à pandemia
Rayanderson Guerra / O GLOBO
Enquanto senadores governistas pressionam a CPI da Covid para apurar os repasses do governo federal aos estados, deputados estaduais pelo país instalaram comissões próprias nas Assembleias Legislativas para investigar supostas irregularidades na gestão da pandemia. As apurações miram desde o uso de recursos federais nos estados no combate ao vírus ao aumento no preço de medicamentos e insumos.
Em Minas Gerais, a CPI dos "fura-filas" apura irregularidades na aplicação de vacina contra Covid-19 em servidores da Secretaria estadual de Saúde que não atuam no combate direto à pandemia. Os deputados estaduais já chegaram a uma lista de 828 servidores, entre eles, há gente do gabinete do secretário, de subsecretarias, funcionários do almoxarifado e responsáveis pelo transporte de suprimentos.
A pressão dos deputados estaduais sobre a administrado do governador Romeu Zema (Novo) culminou com a demissão do então secretário de estado de Saúde de Minas Gerais, Carlos Eduardo Amaral. Ele saiu afirmando não haver irregularidades na aplicação e na gestão dos recursos federais, frente que a Assembleia Legislativa do estado começou a atacar nesta semana. Os parlamentares ouviram os atuais secretários de Saúde Fábio Baccheretti, de Planejamento e Gestão, Luísa Barreto, e de Fazenda, Gustavo Barbosa. Eles apontam que os gastos do governo de Minas na Saúde no ano de 2020 teriam sido menores que o empenhados em 2019 e aquém dos estabelecidos pela Constituição Federal.
O deputado estado Cássio Soares (PSD), relator da comissão, diz que a comissão já tem elementos que mostram que a secretaria estadual e ex-secretário de Saúde, Carlos Amaral, usaram a máquina do estado para causar uma desordem na vacinação.
— Quem deveria estar cuidando da ordem de vacinação era o ex-secretário de Saúde e sua equipe, que foram justamente os que promoveram essa desordem na vacinação, apropriando-se das doses para vacinar os servidores. Agora, vamos investigar os investimentos que o Estado deveria fazer e não fez. Tem hospital de campanha que foi aberto em Minas e sequer foi utilizado. Enquanto isso, o governador Romeu Zema participa de inaugurações de leitos, promovendo aglomerações, em um movimento eleitoral.
Enquanto as investigações avançam em Minas, em alguns estados a abertura de CPIs sobre a Saúde ainda estão em discussão. No Nordeste, deputados de Sergipe buscam as assinaturas necessárias para instalar uma comissão parlamentar na assembleia legislativa. No Rio Grande do Norte, os deputados já recolheram as assinaturas necessárias a CPI da Saúde e aguardam a instalação pela Mesa Diretora. Os parlamentares querem esmiuçar os gastos dos governadores com as medidas de combate à pandemia. Apesar dos esforços, deputados ligados aos governadores dos dois estados tentam barrar as investigações.
Já no Rio Grande do Sul, os parlamentares estão dando andamento à CPI dos Medicamentos e Insumos para investigar os relatos de aumento de preço de medicamentos do kit intubação, insumos e oxigênio usados no tratamento da Covid nos hospitais gaúchos.
CPIs já finalizadas
Cerca de quatro meses antes da crise de falta de oxigênio no Amazonas, os deputados do estado haviam concluído a CPI da Saúde, que investigou desvios de dinheiro público voltado para o combate à pandemia. No relatório final, o relator pediu o indiciamento de 50 pessoas. Dos seis investigados e presos pela Operação Sangria (deflagrada em maio deste ano), que apura o envolvimento de funcionários do governo do Amazonas e da Secretaria de Saúde na prática de desvio de recursos, quatro já estavam entre os indiciados pela comissão.
A CPI da Saúde foi realizada por 120 dias, e recebeu 41 depoimentos e denúncias que envolveram contratos firmados durante a pandemia e em gestões anteriores. Segundo a CPI, o governo adquiriu 28 respiradores de uma empresa que teria ligação com o marido da ex-secretária de Comunicação por R$ 3 milhões. A Polícia Federal deflagrou uma operação que prendeu oito pessoas por suspeita de envolvimento no esquema, incluindo a secretária de Saúde da época, Simone Papaiz.
Em Roraima, já foram cancelados 24 processos licitatórios suspeitos e impediu o gasto indevido de mais de R$ 84,8 milhões. Entre os contratos, um deles previa a compra de hidroxicloroquina, que é comprovadamente ineficaz contra a doença. No período, foram realizadas 75 oitivas com empresários, servidores e ex-servidores da saúde estadual; a quebra de sigilo bancário, telefônico e fiscal de empresas investigadas; e o envio de documentações e provas colhidas para a Polícia Federal, que resultaram em operações e apreensões no estado.
Lula não sabia do mensalão. Dilma não sabia do petrolão. Bolsonaro não sabe da Covaxin
OPINIÃO - RICARDO KERTZMAN / ISTOÉ
“O tempo passa, o tempo voa e a poupança Bamerindus continua numa boa.”.Não entendeu? Dê uma ‘googada’. Você ainda não entrou na casa dos ‘enta’.
O Brasil vive em um looping atemporal. O tempo passa, o tempo voa e os safados continuam numa boa. Não aprendem nada, não esquecem nada, repetem tudo.
Lula nunca soube do mensalão. Dilma nunca soube do Petrolão. Quem, além dos adoradores da cleptocracia lulopetista, acredita nisso?
Bolsonaro, o verdugo do Planalto, dirá que não sabia dos possíveis – e cada vez mais prováveis – rolos do seu líder de governo, Ricardo Barros.
Assim como não sabia das rachadinhas do pimpolho da mansão de 6 milhões de reais nem da traficância de dinheiro e influência do amigão Queiroz.
Políticos pegos com a boca na botija sempre têm alguma desculpa idiota. Lula se disse traído; Dilma se disse indignada; Bolsonaro já disse não saber de tudo.
Presidentes, via de regra, não metem a mão na cumbuca. Nomeiam quem mete. Depois, se der zebra, tiram seus bumbuns da seringa e atacam a imprensa.
Bolsonaro, o devoto da cloroquina, nomeou um dos mais notórios ‘operadores’ do centrão o seu homem de confiança no Congresso. Foi de propósito?
Aliás, o maníaco do tratamento precoce já declarou ser amigo de décadas do meu xará, além de ter a maior confiança no trabalho dele. E que trabalho!
Mais: o maridão da ‘Micheque’ descolou uma boquinha, ou melhor, bocarra, para a esposa de Barros: um assento no conselho da Itaipu Binacional. 27 pilas por mês!
Favores à esposa com favores à esposa se paga. Depois de ser brindado com 89 mil reais em cheques de milicianos, o mito resolveu retribuir. É a corrente do bem.
Os bolsonáticos, como os luláticos, só são intolerantes com a corrupção alheia. O que o mito e o pai dos pobres fazem de errado estará sempre certo.
Por isso, já que o desastre parece inevitável, não vejo a hora de a campanha de 2022 começar para valer. Vou adorar os acessos de bestialidade de lado a lado.
“Miliciano”, dirá um. “Comunista”, dirá o outro. E na sequência, respectivamente, “Petrolão”, “Rachadinha”. “Lulinha”, “Bananinha”. “Porto de Cuba”, “Covaxin”.
Enquanto isso, confinadas cada uma em seu curral, as manadas mandarão os “múúú” e “ióióió” a cada troca de acusação. Vida de gado. Povo marcado. Povo feliz.
Crise hídrica já ameaça negócios no entorno de reservatórios, de turismo a agricultura
Ivan Martínez-Vargas e Manoel Ventura / O GLOBO
SÃO PAULO E BRASÍLIA - A crise hídrica que ameaça o abastecimento de energia no Brasil já gera efeitos e prejuízos que extrapolam o setor elétrico no centro-sul do país. A decisão do governo de privilegiar o uso da água para a eletricidade tem despertado preocupação e protestos de outras atividades no entorno dos reservatórios das hidrelétricas, como navegação, turismo, piscicultura e agricultura.
Os impactos mais emblemáticos estão no lago de Furnas, em Minas Gerais, e no de Ilha Solteira, em São Paulo. A mudança na vazão de hidrelétricas na Bacia do Paraná tem impacto até em Itaipu e nas cataratas do Iguaçu.
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Prefeitos da região de Furnas apontam redução de investimentos e empregos em atividades como criação de peixes e plantações, com riscos para a irrigação e hidrovias. O governo diz que pretende compensar financeiramente os setores afetados.
Decisões sobre os níveis dos reservatórios das hidrelétricas têm, em geral, repercussões regionais. Os setores afetados têm feito pressão sobre o Congresso e pedem que a gestão dos recursos hídricos em conta também seus interesses.
Na tentativa de evitar um apagão, o governo prioriza o acúmulo de água para as usinas, mas diz que não faltará para o consumo humano, apesar de a crise hídrica ser a pior em 91 anos.
Esvaziamento dos reservatórios
Uma das principais medidas para a gestão da crise tem sido a alteração das vazões das hidrelétricas por determinação da Agência Nacional de Águas (ANA). As regras sobre o uso da água determinam que cada reservatório precisa manter uma determinada vazão constante, mesmo que não esteja chovendo.
Quando chove pouco no período úmido, como no último verão, essa exigência gera impactos. O mais evidente é o esvaziamento dos reservatórios ao longo do ano, reduzindo a capacidade das hidrelétricas. Elas respondem por mais de 60% da geração de energia no país. O governo reserva água para as usinas, mas gera impactos em outros setores.
— Todos os conflitos pelo uso da água têm o mesmo raciocínio. Ou o setor elétrico quer poupar água para o futuro no reservatório, e isso implica não passar água a jusante (rio abaixo) e afetar os usos depois da usina, ou quer liberar água para gerar energia de uma cascata de usinas, o que também pode atrapalhar a comunidade do entorno do reservatório — explica Morganna Capodeferro, pesquisadora da FGV.
Perdas no turismo
A disputa pelo uso das águas do lago da hidrelétrica de Furnas, que envolve 34 cidades de Minas Gerais, é o exemplo mais icônico de batalhas que se multiplicam pelo país. O governo vai mexer na vazão para privilegiar o uso da água para energia e controlar a cascata hidráulica rio abaixo, onde estão outras hidrelétricas.
A maioria das cidades no entorno já sente impactos negativos da redução do nível das águas em atividades como irrigação e piscicultura. Só no turismo, já combalido pela pandemia, as perdas são de R$ 53 milhões este ano, nas contas da Associação dos Municípios do Lago de Furnas (Alago).
Com a crise hídrica, o empresário Paulo Alves viu as margens do lago ficarem mais distantes do resort Furnas Park, que inaugurou diante do espelho d’água em 2010 em Formiga (MG). E os turistas também se afastaram.
— Sem água, a gente perde a beleza da região e a possibilidade de oferecer boa parte dos passeios turísticos. Quando a represa baixa, gera risco à navegação — diz Alves.
Para manter a atratividade do empreendimento, ele precisou construir um pequeno dique para garantir alguma água por ali. Mesmo assim, o movimento refluiu. O hotel de alto padrão, que tem 59 quartos e uma pista de pouso para pequenos aviões, tem dado descontos de até 40% na diária para atrair turistas.
Pressão sobre governo de Minas
Políticos e empresários dessa região de Minas querem aumentar o volume de água represada. Fausto Costa, secretário-geral da Alago, argumenta que a redução do nível do reservatório traz prejuízos econômicos, sociais e ambientais que não estão sendo considerados pelo governo federal.
Setores da população local têm feito pressão sobre o governo de Minas e deputados federais e senadores mineiros.
O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), que tem base eleitoral ali, tem defendido que o reservatório opere acima dos 762 metros, ou seja, da metade para cima, como quer a comunidade no entorno.
Hoje, o nível está abaixo de 758 metros e a previsão é que se reduza ainda mais ao longo da época de estiagem, até o fim do ano. Para Thadeu Alencar, diretor da Unelagos, que reúne empresários da região, falta planejamento.
— A ANA e o ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico) querem chegar no limite do reservatório, contando que, no futuro, a condição vai melhorar, mas sem saber se isso vai ocorrer. A gestão é imediatista — critica ele, que é presidente de um clube náutico em Formiga, um dos municípios da região mais atingidos pela seca.
Em Alfenas, a cerca de 200 quilômetros de Formiga, o empresário Miguel Barbosa, de 70 anos, conta que seu filho precisou vender uma área em que criava peixes na cidade.
— Essa oscilação grande é pior do que se ficasse o nível baixo sempre porque gera imprevisibilidade e impacto ambiental — queixa-se Barbosa.
Reação em cadeia
Especialistas explicam que reter água no lago de Furnas teria impacto em todas as demais hidrelétricas da bacia do Rio Paraná, que estão abaixo da de Furnas, até Itaipu, no Paraná. Ao todo, dez usinas seriam afetadas.
Jerson Kelman, ex-presidente da ANA e da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) precifica em R$ 8,6 bilhões o valor do volume que deixaria de ser usado para a produção de energia elétrica na região.
As cataratas em Foz do Iguaçu, que já vêm chamando a atenção pela redução do volume, podem ser ainda mais afetadas, impactando o turismo naquela região.
— O volume de água que passa pela usina de Furnas gera energia também em todas as outras na cascata. Se a água não é liberada, perde-se o valor dessa água na cascata inteira. Até Foz do Iguaçu, no final, seria afetada — explica Morganna Capodeferro, da FGV.
O secretário de Turismo de Foz do Iguaçu, Paulo Angeli, afirma que a seca de fato tem reduzido o volume de água na principal atração turística da cidade e que isso pode ser uma preocupação no futuro. Hoje, porém, ele diz que o turismo na cidade segue em retomada pós-pandemia.
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Também têm sua viabilidade ligada ao lago de Furnas a navegabilidade da hidrovia Tietê-Paraná, que escoa principalmente a produção de grãos do agronegócio. A vazão do reservatório de Ilha Solteira, em São Paulo, também pode afetar a hidrovia. Trocar um comboio fluvial por caminhões pode significar um custo de transporte três vezes maior.
Impacto na pesca
O governo pretende reduzir a vazão das usinas de Jupiá e Porto Primavera para controlar melhor as vazões da Bacia do Paraná. A usina de Jupiá, por exemplo, terá sua vazão reduzida para 2.300 metros cúbicos por segundo — abaixo da média histórica.
A medida vai gerar lagoas, aprisionando peixes e gerando prejuízos para pescadores, além de uma eventual paralisação da hidrovia Tietê-Paraná.
Isso porque, quando o nível da água desce, a navegabilidade na região de Nova Avanhandava fica prejudicada pelas pedras no leito do rio. Uma obra para amenizar o problema chegou a ser iniciada em 2017, mas foi paralisada em 2019.
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Em Ilha Solteira, a ANA determinou em 21 de junho a manutenção de uma cota mínima de 325 metros, acatando uma proposta feita pelo governo de São Paulo e pelo Ministério da Infraestrutura. A cota visa a minimizar o impacto sobre o tráfego na hidrovia.
Um dia antes, o nível estava em 325,48 metros, 47,4% do volume útil. Em crises passadas, a comunidade local chegou a pedir na Justiça a paralisação da usina para manter o nível mais alto das águas.
O secretário de Logística e Transportes de São Paulo, João Octaviano Machado Neto, diz que a negociação com a ANA garante a manutenção da hidrovia por enquanto:
— A ANA nos respondeu de forma positiva, mas depende do agravamento da crise.
Os nossos heróis - Por Merval Pereira - O GLOBO
O Brasil sempre foi um país peculiar, de heróis improváveis, mas, da redemocratização para cá, têm se repetido situações estranhas, como a que vivemos hoje, quando heróis transformam-se em bandidos e vice-versa, com a facilidade com que os móbiles mudam de posição de acordo com os ventos.
O presidente Bolsonaro, envolvido em escândalos de corrupção que prometeu combater, desnuda-se ao vivo diante do país na transmissão televisiva da CPI. O deputado Luis Miranda, chegado dos Estados Unidos onde montou uma série de empreendimentos suspeitos que lesaram diversos investidores, e até hoje responde a processos na Justiça de Brasília, tornou-se da noite para o dia o herói do momento ao denunciar a suspeitíssima compra da vacina indiana Covaxin.
O senador Renan Calheiros, outro que anda às voltas há anos com investigações e denúncias, é o inquisidor-mor, que leva o governo às cordas como se fosse um paladino da Justiça. O ex-deputado Roberto Jefferson, que se tornou herói nacional ao denunciar o esquema do mensalão depois de ter se sentido traído pelo então superministro José Dirceu na divisão do butim dos Correios, hoje é um tresloucado defensor de milícias e, armado, aparece dia sim, outro também, nas redes sociais defendendo a eliminação física dos adversários.
Antes, Pedro Collor já aparecera como herói denunciando seu irmão presidente por falcatruas com PC Farias das quais fora barrado pela ganância da dupla. O governo do PT que, segundo Dirceu dizia “não rouba nem deixa roubar”, viu-se metido em trapaças continuadas, do mensalão ao petrolão, que levaram a uma devastação de sua cúpula, indo a maioria para a cadeia, inclusive o ex-presidente Lula.
As mesmas manobras jurídicas que acusam terem sido responsáveis pela prisão de Lula, cinco anos depois voltaram-se a seu favor porque, por aqui, os ventos mudam com muita rapidez, auxiliados pela falta de memória nacional. Como disse o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Marco Aurélio Mello, o ex-juiz Sérgio Moro transformou-se de “herói nacional” em “suspeito”, num julgamento que, referendado pelo plenário do STF por maioria, acabou levando à anulação de todos os processos contra o ex-presidente Lula. Dando margem a que Bolsonaro diga que se faz hoje com Moro o que o acusam de ter feito, isto é, permitindo que Lula volte a ter condições de se candidatar à presidência da República, tentam barrar sua reeleição.
A mesma ilação os petistas fizeram, alegando que Moro só condenou Lula ( ele e mais 9 juízes do TRF-4 e do STJ) para tirá-lo da eleição presidencial de 2018, permitindo que Bolsonaro fosse eleito. Dizia Ivan Lessa que de quinze em quinze anos o brasileiro esquece o que aconteceu nos quinze anos anteriores. Nesse caso, bastaram cinco anos para que tudo virasse de cabeça para baixo, transformando bandido em herói, dependendo da opinião de cada um, para não fugir à polarização.
Não basta, porém, vencer a discussão jurídica, é preciso aniquilar o inimigo. Para tal, juristas se uniram em manifesto para impedir que o ex-juiz Moro participasse de uma mesa-redonda acadêmica no 3º Encontro Virtual do Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito. No manifesto, os juristas acabam revelando o cerne da questão: “... Sua atuação alterou, inclusive, o processo eleitoral, ao condenar sem provas o candidato à presidência da Republica que estava liderando francamente as pesquisas eleitorais, permitindo a vitória daquele que o alçaria ao status de ministro de Estado poucos meses depois”.
O mesmo argumento que Bolsonaro usa hoje, dizendo que só liberaram Lula para “ganhar na fraude”. Dois juristas resolveram retirar seus nomes de uma homenagem ao ministro Marco Aurélio pelos seus 31 anos de STF, que se encerram em julho, por ele ter classificado Moro de “herói nacional”, embora não tenha sido esta a primeira vez que o fez, e fosse conhecida sua posição favorável à Lava-Jato.
Nesses momentos tresloucados que vivemos, ser a favor de um ponto de vista torna imediatamente o indivíduo em um canalha personagem de Nelson Rodrigues, é ilegal a maioria que condena Lula, assim como ilegal é também a maioria que o livra da cadeia. Nessa batida, vamos para a eleição presidencial sem saída de escape.
Alívio cambial ´FOLHA DE SP
O preço do dólar passa por uma espécie de normalização. Na média da semana que passou, desceu a R$ 4,97. É valor próximo ao verificado em março de 2020, quando a epidemia chegava ao país e começava o processo de desvalorização acelerada da moeda brasileira.
Caso essa descompressão seja duradoura, é possível que produza efeitos benéficos na inflação, depois de o câmbio depreciado ter provocado grandes aumentos nos preços do atacado. Caso o real se estabilize ou se valorize, o impacto deve ser mais relevante em 2022.
A forte depreciação havia sido atribuída ao salto da já exorbitante dívida pública do país. Também se explicava por características do mercado de câmbio nacional, que muitas vezes reage de modo exagerado a tensões externas.
A moeda brasileira mantinha-se desvalorizada mesmo com a melhoria dos termos de troca —o aumento de preços das exportações brasileiras em relação ao das importações, impulsionado pela alta das commodities. Nessas situações, de costume a moeda se aprecia. Não foi o caso até há pouco.
Vários fatores parecem favorecer o movimento recente da taxa de câmbio. Arrefeceram, por ora, as expectativas de subida de juros nos Estados Unidos. A Selic, taxa básica brasileira, passou dos 2% ao ano de março para os atuais 4,25%, devendo chegar a pelo menos 6,5% em dezembro, segundo se projeta.
O saldo das contas externas melhorou. O déficit em conta corrente caiu de 3,85% do Produto Interno Bruto em maio de 2020 para 0,55% em maio passado, considerando períodos de 12 meses. Os preços das commodities permanecem altos, e voltou a haver entrada de capital externo.
Os piores prognósticos para o aumento da dívida pública não se confirmaram; ameaças mais graves ao teto de gastos parecem ora contidas. As estimativas de crescimento do PIB neste ano melhoram de modo significativo.
Ainda que o destino da epidemia seja incerto, os mercados creem que o avanço da vacinação vá atenuar os danos causados pelo vírus.
Um câmbio estável em valor adequado depende de inflação e dívida pública sob controle, além de previsibilidade razoável na política e na economia. A recente valorização do real é um alívio instável, mas ainda assim, um alívio.